FH pede trégua e PFL ameniza tom
FH pede trégua e PFL ameniza tom
Presidente tenta conter rebelião de aliados. Roseana insiste no rompimento, mas liberais adotam discurso conciliatório
BRASÍLIA - Em jantar ontem à noite no Palácio da Alvorada, os três ministros do PFL que permanecem no governo - José Jorge, das Minas e Energia, Carlos Melles, do Esporte de Turismo, e Roberto Brant, da Previdência -, ouviram do presidente Fernando Henrique Cardoso um pedido de trégua. O PFL vem ameaçando abandonar a aliança governista desde a operação de busca e apreensão realizada pelo Polícia Federal, na sexta-feira passada, na empresa Lunus, do casal Jorge Murad e Roseana Sarney, candidata do PFL à Presidência.
Na maratona pela pacificação do aliado, Fernando Henrique quer conversar com Roseana e com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, nas próximas horas. Repetirá o teor do discurso aos ministros liberais: nem o PSDB, nem o candidato tucano José Serra têm relação com a operação da PF em São Luís.
A governadora do Maranhão desembarcou ontem à noite em Brasília, mas não a tempo de participar do jantar. Hoje, ela dá início a um rush de conversas com deputados e senadores do partido para discutir o eventual rompimento com a administração FH.
Roseana pressiona por um lado, mas, por outro, Bornhausen e o vice-presidente, Marco Maciel, torcem para que a temperatura abaixe até a reunião da Executiva Nacional do partido, marcada para quinta-feira. Entre o jantar e a sobremesa, ontem, os ministros relataram ao presidente a irritação da candidata e avisaram que estão dispostos a renunciar aos cargos se a decisão da Executiva for nessa direção.
Antes do jantar, o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, anunciou que Fernando Henrique não deseja a saída do PFL do governo. ''O presidente está certo de que a razão e o bom senso evitarão que reações emocionais de primeira hora impeçam o entendimento mais sereno do fato'', transmitiu Parola.
Se Roseana, o pai, o senador José Sarney (PMDB-AP), e o irmão Zequinha Sarney, que ontem deixou o Ministério do Meio Ambiente (leia abaixo), fecharam com o rompimento, os dirigentes do PFL, pragmáticos, tendem a ficar no meio do caminho: crítica ao governo, mas sem se opor radicalmente.Têm até discurso pronto a favor da tese. O PFL, defende um deles, precisa manter o compromisso fechado com Fernando Henrique desde a eleição de 1994 para garantir a governabilidade até o final do mandato.
O tom foi acertado ontem, em Uberaba (MG), onde desembarcaram para encontrar Roseana que, em campanha, participou da abertura da tradicional feira de bovinos do município. Bornhausen, o ministro da Previdência e o secretário-executivo do PFL, Saulo Queiroz, se esforçaram para atrair o apoio de Roseana. Argumentaram que, a saída é parecida com a do PTB, que se aliou a Ciro Gomes, do PPS, mas vota com o Planalto projetos de interesse nacional, como a prorrogação da CPMF até 2003.
Presidente vê exagero na reação do PFL
FH releva irritação de Roseana, mas classifica a crise na base governista como uma tempestade em copo d'água
A crise entre o PFL e o governo, motivada pela ação da Polícia Federal no escritório de Jorge Murad, marido da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, não passa de ''tempestade em copo d'água'' na avaliação do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista a um site, ele descartou qualquer motivação política para o episódio. ''Foi uma ordem da Justiça, a pedido da procuradoria de Palmas, em Tocantins'', justificou. ''Não houve nenhuma ação do governo.''
Sobre a reação agressiva de Roseana, o presidente disse que cada pessoa tem um temperamento e age de maneira diferente. ''Eu vou fazer o que sempre fiz: ter equilíbrio'', explicou. ''A maior virtude para quem quer governar o Brasil é ter bom senso, evitar que as emoções entorpeçam a capacidade de analisar situações e ver o que é melhor para o País.''
É esta postura que Fernando Henrique espera do PFL. ''Sempre foi um partido muito equilibrado e não vejo razão para mudar agora'', avaliou, considerando ''compreensível'' a irritação da governadora na conversa que os dois tiveram por telefone. A ligação foi feita a pedido do senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, que já tinha cobrado explicações do Executivo.
Punição - Bornhausen considerou ilegal a atitude da polícia, que invadiu o escritório de Murad em busca de indícios de mau uso de verba da extinta Sudam. A opinião não é compartilhada pelo presidente. ''Se houver alguma ilegalidade, os responsáveis serão punidos'', assegurou. ''O Executivo não pode frear uma ordem da Justiça, a não ser que ela seja arbitrária.''
FH rebateu as acusações de que o PSDB estaria por trás do caso, com a intenção de favorecer a candidatura do ex-ministro da Saúde, José Serra. ''Pessoalmente, acho um erro essa interpretação do PFL'', opinou. ''Se eu tivesse consentido uma ação política, seria um desrespeito da minha parte. Não faço isso'', afirmou.
O clima pesado que ficou no ar foi considerado normal pelo presidente. ''Isso não é novidade. Um governo sustentado numa coalizão tão ampla sempre tem problemas com um ou outro setor'', minimizou. Não descartou no entanto, a possibilidade de uma aliança entre PSDB e PFL. ''Muitas coisas mudaram nas últimas semanas, isso ainda vai demorar a cristalizar e só ficará mais claro quando começarem as convenções partidárias'', prevê.
TSE - Fernando Henrique também comentou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de padronizar as coligações nos planos federal e estadual. ''Esta é uma questão dos partidos, não do governo'', disse. ''Quero ver primeiro o que a Justiça vai decidir.''
O presidente não se arrisca a fazer previsões sobre beneficiados e prejudicados com a medida do TSE. ''Ninguém sabe quem ganha e quem perde, se é correto ou incorreto'', afirmou. ''Dizem que vai beneficiar o PSDB, mas por quê? Em São Paulo prejudica, no Ceará também, em Goiás a mesma coisa...''
A alegação de FH é que o eleitor vota sem se prender a esse tipo de questão. ''Ele verá se a pessoa é capaz de governar o Brasil, se tem equilíbrio, competência e experiência'', disse. ''São esses fatores que serão julgados, e não qual partido está aliado aqui e ali'', acrescentou. E voltou a usar a mesma expressão: ''É novamente uma tempestade em copo d'água.''
Labirinto de siglas disfarça aplicação
Ministério Público e Fisco investigam empresas fictícias nas Ilhas Virgens Britânicas que estariam ligadas a Jorge Murad
BRASÍLIA - O Ministério Público e a Receita Federal já têm os nomes, endereços e CPFs de dez brasileiros registrados como ''procuradores'' de empresas sediadas no Caribe e suspeitas de participar de um esquema de lavagem de dinheiro no Maranhão. Quase todos moram em bairros pobres, na periferia de São Luís. Os procuradores da República investigam ligações entre essas empresas e o empresário Jorge Murad, marido da governadora Roseana Sarney (PFL). Mas, até agora, nem Murad nem Roseana aparecem nos documentos. As empresas estão protegidas por um labirinto de nomes e siglas, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.
No cadastro da Receita Federal, Antônio Rodrigues Costa e Carlos Antônio Correia Costa são um mistério. Os dois tiveram os CPFs cancelados por não apresentarem declarações de Imposto de Renda. Mas, nos cartórios das Ilhas Virgens, são os procuradores, com plenos poderes de duas empresas de nome imponente: a New Clare Finance e a Greenwich Business. As duas foram criadas na ilha e tem uma junta de diretores panamenhos, mas o poder de decisão está na mão dos brasileiros. Os dois têm o mesmo domicílio, no bairro de Alemanha, em São Luís.
As duas empresas tem como endereço caixas postais no paraíso fiscal. Os nomes dos diretores caribenhos se repetem em todas as firmas suspeitas. Para os investigadores, esse é mais um sinal de que haveria um esquema organizado para lavar dinheiro. O que muda em cada caso são os procuradores. A Carney Holdings é representada no Brasil pelo professor João Carvalho. Também morador de São Luiz, ele não gosta de falar muito no assunto. ''A empresa foi criada para atrair investimentos no exterior, mas nunca operou'', diz, sem revelar a identidade dos proprietários.
Isentas - A empresa Fedar Assets é representada por duas moradoras do bairro Cohama, um dos mais pobres da capital maranhense. Nenhuma das duas dá sinais da prosperidade esperada para empresárias internacionais. Maria das Dores Silva e Silvia Vaz Rocha fizeram declarações de isentas do Imposto de Renda, O rendimento é tão baixo que não é tributado. O caso é semelhante ao das outras duas empresas na mira da polícia e da Receita: a Laden Properties e a Garces Trading.
As firmas foram descobertas em agosto do ano passado, quando a Polícia Federal fez uma operação de busca e apreensão no escritório de contabilidade A.C. Rebouças, em São Luiz. O escritório trabalhava com a empresa Nova Holanda, suspeita de fraude com recursos da Sudam, a Superintendência para Desenvolvimento da Amazônia.
Em setembro de 2001, o Ministério Público no Maranhão pediu ajuda à Comissão de Análise Financeira (Coaf), o órgão do governo federal que investiga lavagem de dinheiro. Queriam informações sobre as empresas. A resposta das Ilhas Virgens chegou ao Brasil na quarta-feira passada, 28 de fevereiro. Era lacônica. Limitava-se a confirmar a existência das firmas, mas condicionava qualquer nova informação a um pedido feito pela justiça brasileira. A diretora do Coaf, Adriene Sena, passou imediatamente a informação ao Ministério Público.
A resposta chegou aos procuradores quando já haviam pedido à Justiça um mandato de busca e apreensão nas empresas de Jorge Murad. A suspeita de evasão de dinheiro para os paraísos fiscais não fez parte da ação judicial. A ligação com Murad surge pelo envolvimento com a Nova Holanda. Ele é suspeito de ter ajudado a empresa a conseguir verbas da Sudam. Oficialmente, os procuradores não apontam ligações do empresário e secretário estadual maranhense com as empresas no Caribe. Mas o caso está sendo investigado tanto pelos procuradores quanto pela Receita.
Prefeitos vão a Brasília para pressionar o Congresso
BRASÍLIA - Prefeitos de mais de duas mil cidades são esperados hoje na Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. O local da caminhada é o mais adequado às reivindicações: os corredores e gabinetes do Congresso Nacional. Com o objetivo de pressionar o Legislativo, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) ''vai transformar a Casa em panela de pressão'', alerta o presidente da associação, Paulo Ziulkoski.
Os prefeitos vão pedir aos parlamentares a aprovação de projetos que facilitem o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. ''Acho difícil votarem nossas matérias, mas a mobilização servirá para levantar discussão'', afirma Ziulkoski. A marcha começa às 15h com a presença do presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), que será levado ao encontro pelos prefeitos da bancada mineira. Assim como ele, todos os líderes de partidos do Senado e Câmara devem ser seduzidos pelos políticos de suas bases. Amanhã, às 10h, será a vez do presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), ouvir as queixas dos prefeitos.
A CNM pede agilidade para a aprovação de projetos que tramitam no Congresso e que poderão representar um alívio nos cofres municipais. A iluminação pública, por exemplo, leva 5% da receita das prefeituras. A proposta já foi derrubada três vezes no Senado. ''Eles nos devem essa aprovação'', afirma o presidente da confederação.
É a quinta vez que a marcha vai a Brasília. Mas com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de padronizar coligações federais e estaduais, o apoio das bases aos candidatos tornou-se fundamental. A importância pode se reverter em boa vontade na hora de ouvir os manifestantes.
Polícia acha Santana usado em seqüestro
Mais um capítulo sobre o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, veio à tona. Na madrugada de ontem, a Polícia Federal de São Paulo encontrou o Santana azul BGY 5390 que teria sido usado para levar Daniel até à Favela Pantanal.
O carro teria sido abandonado e encontrado pela polícia de Taboão da Serra um dia depois de ter sido roubado no dia 18 de janeiro, na divisa de Diadema com a capital paulista. Os policiais não sabiam que o Santana havia sido utilizado no seqüestro e o devolveram ao proprietário. A polícia suspeita que um terceiro veículo tenha sido utilizado no seqüestro, já que o Santana foi encontrado antes da execução do prefeito.
Será feita vistoria em busca de impressões digitais dos integrantes da quadrilha, mas a própria Polícia Federal acha improvável encontrar vestígios, uma vez que o carro estava na mão do proprietário há quase um mês. O dono do Santana azul, cujo nome está sendo mantido em sigilo, deverá depor nos próximos dias.
As investigações sobre o seqüestro e morte de Celso Daniel parecem estar chegando ao fim. A Polícia Civil de São Paulo divulgou ontem a foto do suposto assassino José Edson da Silva. Ele foi acusado por Itamar Messias dos Santos e Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira, o ''Bozinho'', presos sexta-feira. Durante buscas no último sábado, a polícia encontrou na casa de Edson um fuzil AR-15, três coletes à prova de balas e um mapa de uma cadeia de São Paulo.
Para a polícia paulista, Daniel foi levado por acaso. A quadrilha estava preparada para seqüestrar um empresário que não passou no local onde era esperado. Ao todo seis homens já foram indiciados pelo seqüestro do prefeito e outros seis são acusados de formação de quadrilha.
Exame revela o pai de Gabriel
Laudo atribui a empresário paternidade do filho de Gloria
BRASÍLIA - Chegou ao fim o suspense em torno do pai de Angel Gabriel, filho da cantora mexicana Gloria Trevi. O laudo do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal vai atribuir a paternidade ao empresário Sérgio Andrade, marido de Gloria. Os investigadores do caso informaram que o primeiro exame aponta para este resultado com 99% de certeza.
Antes do empresário, a perícia já tinha descartado a paternidade do assaltante Marcelo Borelli e de um dos delegados da PF apontado como suspeito. O exame teria sido feito num laboratório particular de Brasília, por demora na compra de material utilizado na comprovação do DNA.
O laudo de Sérgio foi entregue ontem aos investigadores. O empresário foi vizinho de cela da mulher na Superintendência da PF no Distrito Federal.
Violência - O resultado confirma o depoimento de algumas das 36 testemunhas ouvidas no inquérito aberto pela PF e acompanhado pelo Ministério Público Federal. Delegados, agentes e detentos negam terem presenciado violência sexual contra a cantora.
O presidiário Evermodo Xavier conta ter visto Gloria e Sérgio mantendo relações sexuais no parlatório da PF, sala da carceragem onde os policiais conversam com seus advogados.
Os investigadores poderão pedir uma contraprova do exame para eliminar qualquer dúvida. A justificativa é que os testes de paternidade foram feitos por uma equipe de peritos da própria PF, envolvida nas denúncias, e do Instituto de DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal.
O procurador Alexandre Camanho, responsável pelo caso, garante que a descoberta do pai de Angel Gabriel não encerra a investigação na PF. ''O inquérito foi aberto para apurar denúncias de violência contra Gloria, e continuamos apurando essa hipótese'', afirma Caman ho. A polícia ainda deve explicações de como foi engravidar atrás das grades. A cantora diz ter mantido relações sexuais ''sem consentimento'' na carceragem.
Artigos
A globalização assimétrica
Jarbas Passarinho
Aí pela altura do fim dos anos 40 do século passado, a vinda ao Brasil da Missão Abinck, de peritos americanos em planejamento, provocou grande debate. Eles chegaram à conclusão de que mais adequado ao nosso crescimento seria a produção agropecuária do que sonhar com a industrialização. O argumento era simples: os países já industrializados levavam grande vantagem, dominando o que havia de mais evoluído tecnologicamente. Competir com seus produtos era impossível. Ademais, a Segunda Revolução Industrial nos deixara órfãos. Faltaram-nos o carvão e o petróleo. Não tínhamos siderurgia. Ao contrário, éramos ricos de terras agricultáveis. Por isso, devíamos nos dedicar à agricultura e tentar ser o celeiro a proporcionar, aos industrializados, o que eles precisavam: os bens primários. Entusiástico apoio - recordo-me - deu à missão, o polêmico e brilhante jornalista Assis Chateaubriand. Entre os que se colocavam na trincheira dos críticos, estavam os nacionalistas inconformados com a perspectiva de um Brasil destinado a ser país apenas periférico, outra ''banana republic''. Em vez de expertos, ou seja, peritos, os integrantes da missão eram considerados espertos, assim, com ''s'', em vez de ''x'', acusados de nos convencer a permanecer colônia.
Meio século depois, deixamos de ser meros exportadores de sobremesa: café e açúcar dos tempos da Missão Abinck. Na pauta de exportação os produtos primários não excedem 25% do total. Cederam a vez aos automóveis, aviões, motores, aço e semimanufaturados. Eis que a nova ordem mundial é balizada, com o colapso da União Soviética, pela economia de mercado. Nosso parque industrial, que não fica longe do canadense, enfrenta as dificuldades da chamada globalização assimétrica, com as barreiras alfandegárias que tornam inviável a exportação para os EUA, de nosso aço e laminados a frio. É o protecionismo de uma siderurgia obsoleta, em face da nossa, hoje mais moderna e de melhor qualidade. Em contrapartida, querem nosso mercado aberto para a importação de seus produtos, sem taxação que a encareça. Fizemos a lição de casa e eles, não, mas a força do lobby é decisiva, seja no Congresso, seja no Executivo, para forçar a adoção protetora de sobretaxas à importação. Aí está o que elegantemente chamamos de assimetria, que só favorece um dos lados, o deles. Ironicamente, isso se dá quando vencemos o que parecia impossível aos expertos (ou espertos) da Missão Abinck: condições de competir, ainda que uma das razões resida na remuneração inferior de nossa mão-de-obra em comparação com a americana. Diferente não é o caso da pendência entre a brasileira Embraer e a canadense Bombardier, na fabricação dos jatos de médio porte. Na pendência dirimida pela Organização Mundial de Comércio (OMC) - que pode ser a garantia de uma globalização simétrica - a empresa brasileira, fora derrotada, sob a alegação de que recebia subsídios. O diplomata canadense, que defendeu a Bombardier na OMC, cavalheiro como ele só, deixou à mostra o lado arrogante dos poderosos: ''Quem manda o Brasil querer fabricar aviões?''. Outra vez, a tese da Missão Abinck. Mas agora o sapato mudou de pé: foi a Bombardier a perdedora. Os subsídios, negados pelo Canadá, foram abundantes. Teremos o direito de uma retaliação de US$ 4 bilhões a negociar. Viva a OMC.
Ainda, porém, que tivéssemos seguido a receita da Missão Abinck, o que se passa com a exportação de nossos produtos agrícolas? Já não me refiro ao agitador Bové. O fato de ser um dos defensores dos subsídios agrícolas na França, não impediu o líder máximo (vá lá) do PT de louvar, em visita aos socialistas em Paris, a ''defesa de seus interesses''. O deles, é claro. Recordo, isso sim, a pregação do chefe do governo francês, o ex-trotskista Lionel Jospin, em favor do que chamou de ''globalização justa''. Ministros seus em Porto Alegre, partícipes do Fórum Social Mundial, apoiaram o fim das subvenções agrícolas, ainda que gradualmente. As próximas eleições na França fizeram cair a máscara do ''espírito da generosidade''. Na abertura do Salão Internacional da Agricultura, em Paris, Jospin se deixou dominar pelo ''espírito do egoísmo''. Fotografado com uma ovelha nos braços, justificou a manutenção das subvenções aos produtores rurais ''porque estão prestando serviços essenciais à França e não mercantis, preservando a nossa cultura rural''. Essa cultura de subvenções, que o jovem ministro da Agricultura Cabrera, de Collor, informou que o subsídio francês chega a US$ 1.000 por vaca mantida em estábulo. Para não perder o eleitorado campesino, no mesmo Salão, o presidente Chirac, herdeiro de De Gaulle, ajuntou: ''As subvenções entram na renda agrícola. Não podem ser suprimidas, sobretudo quando se deseja promover agricultura ecologicamente responsável e economicamente forte.'' Os franceses, aliás, se queixam do governo Bush, que dizem estar concedendo a bagatela de US$ 45 bilhões aos seus agricultores. Todos eles, em suma, praticam a depravação bíblica: Mateus, primeiro os teus...
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer
PFL assina recibo do atraso
Ao tentar atribuir ação da Justiça a um complô eleitoral, pressionar juízes do Maranhão a rever sua execução e cobrar diretamente do presidente da República a revogação de uma decisão judicial e o cumprimento dessa ordem pela Polícia Federal, além de reivindicar aviso prévio, o PFL pode ter imprimido nefasto carimbo à candidatura Roseana Sarney, até então percebida por boa parte do eleitorado como exemplo de que algo novo surgia no front da política brasileira.
A reação irada da governadora à apreensão de documentos numa empresa em que é sócia do marido, Jorge Murad, cujas atividades estão sob investigação há um ano por suspeita de envolvimento nas fraudes da Sudam, mostra que, de fato, quem sai aos seus não degenera. Nesse episódio, ao reagir intempestivamente, revelou a força do cacoete-mor do atraso que assola a política brasileira, onde uns se consideram mais iguais que os outros perante a lei.
E também revela a incapacidade de separar as ações de cada setor do governo, pois sempre, ao longo dos anos, acreditou que o Estado como um todo fosse propriedade dos poderosos e a ele prestasse serviços e devesse obediência. Era a tal história de se reservar aos inimigos a observância da lei.
O ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, acusado de engendrar a conspiração por ser não apenas correligionário, mas amigo pessoal do candidato tucano José Serra, considerou desnecessário avisar que havia ação de busca e apreensão autorizada pela Justiça, exatamente porque o comunicado denotaria intenção privilegiadora.
Não haveria razão alguma para que Roseana e Murad fossem avisados, da mesma forma como não se pediu licença para liquidar o banco de propriedade da ex-nora do presidente da República, da família Magalhães Pinto, dona do Nacional, nem Ângelo Calmon de Sá foi prevenido de que o seu Econômico teria as atividades encerradas. E por que haveria? Apenas por ser amigo de Antonio Carlos Magalhães, o rei da Bahia, onde era sediado o banco?
Teria sido uma injustiça para com José Eduardo Andrade Vieira, cujo banco, Bamerindus, teve o mesmo nefasto destino, não obstante ter sido ele um dos financiadores da campanha presidencial de FH, em 1994, e até ministro no primeiro mandato.
Em nenhuma dessas ações enxergou-se qualquer conspiração eleitoral. Foram, isto sim, atos que contribuíram para o estabelecimento desses novos padrões morais que, devagar, vão nos mostrando que o Brasil não é um caso perdido. A reação da sociedade a vários episódios recentes envolvendo autoridades mostra que o anseio da opinião pública - à parte alguns exageros provocados pela demanda moral reprimida, que às vezes reclama rito sumário a linchamentos de reputações - é pelo respeito a critérios de igualdade entre detentores de poder e o cidadão comum.
Estamos a léguas de distância de atingir esse padrão, mas não resta dúvida de que já vislumbramos ao longe a luz no fim do túnel e entramos nele, num caminho sem volta.
Surpreende que o PFL, sempre tão atento a esse tipo de mudança de ventos - o que lhe permite também alterar posturas e alianças -, não tenha notado neste caso qual seria o discurso correto. Até mesmo para desmoralizar uma armadilha política, caso a ação presente como tal viesse a se configurar.
Partiram, de um lado, para o esperneio e, de outro, para uma tentativa de abafar as ações. O argumento do complô, basta lembrar dos casos mais recentes, tem sido o recurso de todos os acusados de posturas que vão do inadequado ao criminoso.
Se Roseana e Jorge Murad foram realmente vítimas de uma arbitrariedade, o natural seria que fossem os primeiros a apoiar as investigações que, na eventualidade de lhes fornecer um atestado de probidade, teriam efeito positivamente arrasador sobre a credibilidade da candidata e de seu partido junto ao eleitorado.
Quando se irrita e volta-se contra uma investigação que corre no âmbito da Justiça - onde não se têm notícias de simpatias pelo Poder Executivo - e da Polícia Federal - esta especializada em confrontos com o Planalto -, Roseana inverte o sinal que a população estava recebendo sobre sua postulação à Presidência da República.
E mais: quando nesse movimento expõem-se Jorge Bornhausen, José Sarney, Antonio Carlos Magalhães e tantos outros, cuja identificação não é exatamente com a modernidade política, no que tange à percepção da opinião pública, Roseana imprime forte golpe no patrimônio pessoal que o eleitorado traduziu nas pesquisas em forma de esperança por um novo Brasil.
Casa de cômodos
Os oposicionistas do PMDB conseguiram uma vitória domingo, aprovando, em convenção, a tese da candidatura própria. Já a direção do partido promete fazer outra convenção sexta-feira, ignorando o resultado daquela. Donde se conclui que, em breve, o PMDB produzirá cenas proibidas em ambientes para moças.
Editorial
DILEMA SIDERÚRGICO
Sob forte pressão interna, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, anuncia amanhã sua decisão sobre novas barreiras alfandegárias às importações de aço e demais produtos siderúrgicos. Caso prevaleçam sugestões dos assessores econômicos da Casa Branca, as salvaguardas penalizarão principalmente produtos exportados pela China, Japão, Alemanha, Taiwan e Coréia do Sul. Ficarão de fora apenas países pobres e em desenvolvimento, além do México e Canadá por força do acordo comercial que os une aos EUA. Apesar das críticas do Itamarati (o ministro Celso Lafer lamentou a prioridade dada por de Bush aos interesses protecionistas), o Brasil será duramente atingido. Para início de conversa, as importações de laminados a frio do Brasil sofrerão sobretaxa de 12,58%. Porém, dependendo da decisão, outros produtos entrarão no índex do governo americano. A indústria siderúrgica brasileira pagará alto preço por ter se tornado moderna e competitiva.
O Itamarati lembrou que a sobretaxa significa um passo atrás nas relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos. Celso Lafer protestou oficialmente mas tenta negociar por trás dos panos tratamento diferenciado para os produtos brasileiros. Sabe, porém, que a tarefa é difícilima. Durante a campanha para a Presidência, George W. Bush assumiu compromissos com os estados nos quais é forte a presença da indústria siderúrgica, como Virgínia do Oeste, Pensilvânia e Ohio. Empresários e sindicatos que reúnem cerca de 200 mil trabalhadores defendem uma solução drástica para garantir a sobrevivência do setor. Exigem a aplicação de sobretaxa de 40% sobre todos os similares que vêm do exterior. Nos arredores da Casa Branca surgem faixas e cartazes com a palavra de ordem: ''We need 40 percent by George''. Além da palavra empenhada, o presidente americano teme os reflexos sobre as eleições para renovação do Congresso este ano.
Diante do inevitável, países da Europa denunciam a grave ameaça ao livre comércio. Mas existe um fio de esperança. Nas últimas horas, economistas advertiram que a sobretaxa - se elevada demais - deverá ter impacto inflacionário. Estima-se que o preço do aço subirá em média 10%, com resultados desastrosos para os fabricantes de automóveis, máquinas de lavar roupa, geladeiras e outros bens de consumo duráveis. No enfoque de custo político, faz-se a ressalva de que o aumento do preço do aço prejudicará os estados americanos que não abrigam indústria siderúrgica. À falta de alternativa, só lhes restará arcar com preços mais altos. Portanto, a aceitação da sobretaxa não é tão pacífica quanto parece. Se o reforço protecionista satisfaz parcela do eleitorado, também é capaz de tirar votos. Há que tomar cuidado com a dosagem.
No geral, a opinião pública americana concorda que é preciso preservar o parque siderúrgico nacional. Até porque a produção de aço é essencial para a indústria de armamentos. Mesmo os democratas apóiam a adoção de medidas protecionistas que preservem empregos locais. Ressalvam apenas que tudo deve ser feito dentro dos limites legais e sem ofender os princípios básicos do livre comércio. ''Se somos sérios sobre o livre comércio, temos de adotar uma solução justa no caso do aço'', dizem parlamentares democratas.
Eis o dilema quase siderúrgico. Ou o comércio internacional é livre ou não é, não há meio termo. O protecionismo americano, em defesa de sua combalida e defasada siderurgia, já foi condenado recentemente pela Organização Mundial do Comércio. Até quando os Estados Unidos vão insistir em dois discursos antagônicos? Pelo visto, a pregação do livre comércio por Washington não passa de fachada. Só vale quando está em jogo a importação de produtos made USA. É via de mão única.
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03/05/2002
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