FHC critica terrorismo anti-Lula








FHC critica terrorismo anti-Lula
Presidente condena campanha que associa crise a possível vitória do candidato do PT. Na platéia, industriais reunidos para a posse de Armando Monteiro Neto na CNI já consideravam a eleição do petista quase como um fato consumado

O presidente Fernando Henrique Cardoso criticou o discurso do terrorismo econômico, uma das principais linhas da campanha do seu candidato à Presidência, José Serra, do PSDB, no segundo turno. No programa eleitoral de segunda-feira à noite, a atriz Regina Duarte disse que tinha ‘‘medo’’ de um eventual governo Lula. Mais tarde, no programa Roda Viva da TV Cultura, o próprio Serra disse que a hipótese de vitória do candidato do PT transformaria o Brasil numa nova Argentina ou numa nova Venezuela. ‘‘As instituições são fortes. Tão fortes que fico irritado quando ouço aqui e ali: ‘Ah, se ganhar fulano ou beltrano...’. Se ganhar fulano ou beltrano não vai acontecer nada!’’, comentou Fernando Henrique, no discurso que fez ontem à noite na solenidade de posse do deputado Armando Monteiro Filho (PMDB-PE) como o novo presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O discurso de Fernando Henrique desautorizando a tática de terrorismo deu o tom do clima na posse de Monteiro Filho. A maior parte dos empresários e políticos ali presentes é eleitora de Serra. Mas todos tratavam a vitória de Lula quase como um fato consumado. Mesmo o presidente do grupo Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes, ferrenho defensor do candidato do PSDB, mudou o tom de seu discurso e preparou uma mensagem de otimismo sobre o país. Há poucos meses, ele dissera que a vitória do PT seria o caos. ‘‘É hora de todos nós, empresários, nos unirmos, independentemente de quem seja o próximo presidente da República’’, discursou. Ao sair do auditório da CNI, explicou: ‘‘Estamos a 15 dias das eleições. Não é hora de botar fogo no circo’’. Ermírio assistiu à solenidade sentado ao lado do presidente do PT, José Dirceu.

Durante todo o dia, nas rodas de empresários que se formaram na sede da CNI, as conversas chegavam a uma conclusão semelhante: Lula só perderá as eleições no dia 27 de outubro se até lá cometer uma loucura. Durante o almoço, uma mesa com industriais do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de São Paulo comentava as possíveis influências do PT radical de esquerda sobre o governo Lula. ‘‘Que o PT vai atrapalhar o governo Lula, isso vai’’, comentava um dos presentes. Para reforçar a certeza da vitória de Lula, Monteiro Neto, eleitor declarado do candidato governista José Serra (PSDB), procurou dar um ponto final nas insinuações de que os industriais têm medo de um governo petista.

‘‘Não será um partido ou um governo com características diferentes que levará o país a um processo de crise incontrolável. O Brasil tem instituições sólidas e um Congresso equilibrado. E eu percebo o amadurecimento do discurso de Lula. Sua nova postura é sincera’’, afirmou o novo presidente da CNI. Ao mesmo tempo, o empresário ressaltou a frustração dos industriais com os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. No discurso de posse, Monteiro Neto disse: ‘‘Neste momento, persistem agendas inconclusas e frustrações, que tornam necessárias correções’’. A principal frustração da sociedade, acrescentou ele, tem sido o baixo crescimento. O aumento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita foi modesto, algo como 0,4% ao ano.

A certeza da vitória de Lula não inibiu, porém, que alguns dos presentes no almoço em homenagem a Monteiro Neto fizessem prognósticos nada animadores para o petista. Para o vice-presidente da CNI e diretor da Odebrecht, José de Freitas Mascarenhas, a grande preocupação com o governo Lula é a situação de risco que vai encontrar, ao assumir um país com sérios problemas na área econômica. ‘‘O meu único temor em relação ao governo Lula é que uma equipe nova entrará tendo que administrar um bonde andando numa velocidade muito alta’’, disse.

Frustração
Ao comentar a frustração com o governo Fernando Henrique, o novo presidente da CNI destacou o alto custo da política de câmbio fixo, mantida pelo Palácio do Planalto até janeiro de 1999. Essa, segundo ele, é a principal justificativa para os juros tão altos com que o Brasil convive há anos. Pelas contas de Monteiro Neto, o crescimento da indústria deveria ficar, este ano, entre 1,2% e 1,5%. Mas, por causa da alta dos juros promovida na segunda-feira pelo BC, de 18% para 21% ao ano, o resultado será próximo de zero. Ele disse mais: aquele que vencer as eleições no próximo dia 27 assumirá um país em recessão. No primeiro trimestre do ano que vem, a atividade industrial estará em queda, afogada pelos juros altos.

Ao analisar os últimos oito anos, Monteiro Neto afirmou que, antes do Plano Real, o empresariado acreditava que o país não crescia por causa das elevadas taxas de inflação. Mas, como a estabilização de preços não trouxe um grande avanço na economia, veio a decepção. ‘‘Os empresários são sócios do crescimento’’, disse, estendendo suas críticas ao que denominou ‘‘agenda inconclusa’’ — as reformas tributária, política, previdenciária e fiscal, que acabaram não sendo feitas ou realizadas parcialmente..

Apesar dos efeitos recessivos da alta dos juros, o presidente da entidade demonstrou compreensão em relação à atitude do BC. Ele disse que o governo precisava atuar para superar o momento ‘‘delicadíssimo’’, marcado pela instabilidade cambial e por pressões inflacionárias. O deputado Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP), ex-presidente da CNI, disse que a alta dos juros é um problema sério e grave para a o setor produtivo. ‘‘Esperamos, porém, que seja uma medida tópica e curta’’. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, foi mais duro: ‘‘Essa medida só vai contribuir para esfriar ainda mais a economia’’.

Assediados o tempo todo pelos empresários, José Dirceu e o candidato a vice-presidente na chapa de Lula, senador José Alencar (PL-MG), insistiam na necessidade de que o Congresso aprove ainda este ano medidas emergenciais para o controle da inflação e proteção do Brasil diante do cenário internacional. Citou o orçamento, a reforma tributária, o incremento das exportações e a reforma do artigo 192, que trata do sistema financeiro. ‘‘Essa é a agenda que o país precisa para já’’, pregou Dirceu. Mas acrescentou, político e cuidadoso: ‘‘Desde que o atual governo concorde com ela, uma vez que Lula, se for eleito, só governará a partir de janeiro’’, comentou.


Apostas em juros ainda mais altos
Bancos têm mais de R$ 15 bilhões para especular no mercado cambial durante o período eleitoral. Por isso, investidores acreditam que Banco Central será forçado a aumentar a taxa básica da economia novamente

O aumento dos depósitos compulsórios que os bancos fazem no Banco Central (decisão tomada pelo governo na sexta-feira passada) terá impacto reduzido no volume de dinheiro que está nos caixas dos bancos para especulação com o dólar. Sabendo disso, os investidores apostam em novos aumentos de juros. Na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F), as taxas dispararam, antecipando um novo reajuste dos juros básicos na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem. Nos contratos que vencem em novembro, as taxas aumentaram de 20,92% para 23,01% ao ano. Nos de março, saltaram de 26,40% para 27,42% ao ano. Hoje os juros são de 21%. Até segunda-feira eram de 18% ao ano.

Um dos combustíveis para a especulação é eleitoral (medo de mudança na política econômica, caso Lula — PT — vença a eleição presidencial). O outro é a sobra de munição. Pelas contas do Departamento de Mercado Aberto do BC (Demab), o excesso de dinheiro no mercado chega a R$ 30 bilhões e pode ser aplicado da noite para o dia, o chamado overnight. Apesar de o aumento dos compulsórios retirar R$ 14,2 bilhões da economia, ainda sobrarão R$ 15,8 bilhões no sistema financeiro. Essa conta, alertaram técnicos do BC, não leva em conta os resgates de títulos públicos que serão feitos nos próximos dias e que devem ampliar as sobras de recursos.

‘‘O excesso de dinheiro nos bancos é um dos principais motivos para os preços do dólar não terem caído, mesmo depois de o BC ter aumentado os juros e reduzido os limites de aplicações dos bancos na moeda norte-americana’’, disse Nuno Câmara, economista do Dresdner Kleinwort, em Nova York. ‘‘Os bancos vão preferir ficar com sobras de dinheiro em caixa ao invés de comprarem títulos públicos, até que o processo eleitoral brasileiro seja concluído e se conheça a política econômica do futuro presidente’’, ressaltou Câmara, lembrando que a elevação dos juros aumentará a dívida pública em R$ 10,4 bilhões nos próximos 12 meses.

Em um dia de grande oscilação, o dólar encerrou as negociações cotado a R$ 3,85, com pequeno recuo de 0,26%. Muitos investidores reservaram dinheiro para hoje, pois apostam que o Banco Central venderá dólares para tentar baixar o valor da moeda americana. A cotação média de hoje será usada para definir o valor de pagamento de US$ 1,8 bilhão em títulos cambiais (pagam a variação do dólar mais juros) que vencem amanhã.

Na Bolsa de Valores de São Paulo, o Ibovespa subiu 0,66%, puxado pelo ótimo desempenho do mercado acionário no mundo. Os C-Bonds, títulos mais negociados da dívida externa brasileira, chegaram a ser cotados a US$ 0,47, o preço mais baixo dos últimos sete anos. Fecharam, porém, a US$ 0,49, com baixa de 1,75%.O risco Brasil, por sua vez, subiu 2,47%, batendo nos 2.275 pontos.

O desânimo maior dos investidores, quando jogam para cima o risco-país, é em relação aos índices de inflação. Segundo o professor Luiz Roberto Cunha, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), a inflação de 2003 será de dois dígitos, ficando em 10% e 15%. A inflação está sendo pressionada pelo repasse da alta do dólar para os preços.


Só falta reduzir despesas
O próximo sinal do governo FHC para sinalizar ao mercado que a dívida pública não corre risco de explodir deve ser a redução dos gastos. Outra vez, programas sociais serão os mais sacrificados

O que mais pode fazer o governo, além de elevar os juros e enxugar a quantidade de dinheiro disponível para os especuladores, para recuperar um pouco da confiança perdida na capacidade do Brasil pagar suas dívidas? A esta altura, restaria apenas um aperto ainda mais forte nos seus próprios gastos, capaz de elevar o superávit primário nas contas públicas para a faixa de 4% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), respondem analistas do mercado. Superávit primário é a diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta, excluído o custo dos juros da dívida pública; e PIB é a soma de tudo o que o país produz num ano.

A crise é de confiança. Portanto, o primeiro combate é feito com gestos e sinais, muito antes de medidas concretas chegarem a surtir efeito. Para os voláteis e impressionáveis agentes do mercado, o anúncio de mais cortes nos gastos públicos seria um gesto desses, capaz de sinalizar que o governo não vai deixar a dívida explodir sem controle (o mecanismo é o mesmo de qualquer consumidor que já rolou dívidas no cheque especial ou no cartão de crédito: ao poupar uma fatia maior de suas receitas, o governo precisa rolar uma parcela proporcionalmente menor da dívida, reduzindo seu volume em relação ao PIB).

Mas não se corta gastos sem dor. Reforçar o aperto fiscal significa investir menos em programas sociais, construir menos escolas e estradas, inviabilizar projetos de pesquisa científica, arrochar os salários do servidores públicos. A estratégia do corte de gastos tem custo social alto e um limite político.

É muito recente o exemplo da Argentina, onde o governo de Fernando de La Rúa cortou despesas além do osso para tentar manter a confiança dos investidores. Chegou a reduzir as pensões dos aposentados e os salários dos funcionários públicos, mas passou do limite e terminou forçado a renunciar pela população amotinada. Até integrantes do mercado financeiro, em princípio dispostos a aplaudir qualquer demonstração de pão-durismo do governo, reconhecem que é impossível aumentar superávits indefinidamente.

Resta ao governo Fernando Henrique, então — e o futuro governo começará do mesmo jeito — equilibrar-se no fio da navalha entre a desconfiança dos mercados e a cobrança dos eleitores. Medidas de política monetária como as que o Banco Central impôs nos últimos dias têm efeito menos direto sobre a sensibilidade dos eleitores do que cortes de gastos. Mas foram mal recebidas por boa parte dos operadores do mercado.

Há quem ache, por exemplo, que Arminio Fraga, o presidente do Banco Central, precipitou-se ao aumentar os juros sem esperar pelo resultado do enxugamento de reais do mercado decretado na sexta-feira. Para um analista, ficou a sensação de que o governo sabe de alguma coisa ruim que não revela e que poderia justificar a aparente precipitação.

Outros banqueiros e investidores acham que o BC, mexendo nos juros, indicou que a crise é mais profunda do que uma turbulência eleitoral. Não é fruto apenas do medo da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É uma crise de confiança no país apenas agravada pelo momento eleitoral.

E a esta altura, segundo a ótica dessa fatia do mercado, já não haveria muita diferença entre Lula e Serra. Qualquer que seja o vencedor da eleição, vai herdar um país com a credibilidade internacional em frangalhos.


Tasso tira crise da conta do PT
Senador eleito pelo Ceará e amigo de Ciro Gomes faz campanha com Serra enquanto critica alta de juros e pressão do mercado sobre candidatura Lula

Fortaleza — O senador eleito Tasso Jereissati (PSDB-CE) criticou ontem a elevação da taxa de juros pelo Banco Central (BC) e condenou as pressões que vem sendo feitas sobre o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, para que ele anuncie sua equipe econômica antes do segundo turno das eleições. Para Tasso, o aumento dos juros ‘‘é uma faca de dois gumes e, nesta altura, pode piorar a situação’’. ‘‘A população já está muito sacrificada e o comércio também’’, disse. Para Tasso, o aumento dos juros pode funcionar como uma medida de emergência para segurar a escalada inflacionária, mas o País não tem outra saída fora do crescimento econômico. ‘‘O mercado não vai ficar satisfeito com nada, enquanto não tiver uma visão de longo prazo. Qualquer medida agora que o governo tome ou deixe de tomar será criticada’’, advertiu.

O senador eleito disse também que não vê sentido na cobrança que está sendo feita a Lula para que ele antecipe o anúncio de sua equipe de governo, principalmente o presidente do BC. ‘‘A crise não é por conta disso. Estamos à beira de uma guerra, atentados terroristas estourando no mundo inteiro, um contexto internacional completamente diferente do passado e um presidente dos Estados Unidos completamente polêmico’’, afirmou. Ele considerou irresponsável atribuir a Lula e ao PT a atual crise econômica, lembrando que a responsabilidade pela crise também chegou a ser atribuída a Ciro Gomes. Ciro, entretanto, caiu nas pesquisas e a crise continuou.

Tasso recebeu ontem o candidato do PSDB, José Serra, na primeira visita do tucano ao Ceará desde que se lançou candidato à Presidência. O ex-governador recebeu Serra no Aeroporto de Fortaleza, juntamente com o candidato do PSDB ao governo do Estado, Lucio Alcântara, e o coordenador da campanh a no Nordeste, senador Geraldo Melo (PSDB-RN). No final da tarde, eles participaram de uma carreata no município de Quixadá, com outros líderes políticos locais.

Depois de um desempenho pífio no primeiro turno, Serra, segundo avaliação de políticos do PSDB, mostra alguma melhora no Ceará. Mesmo assim, ele ainda tem um elevado índice de rejeição entre os eleitores. Para os tucanos, essa rejeição decorre dos ataques que Serra fez a Ciro ao longo da campanha e da pressão feita sobre Tasso Jereissati, por partidários de Serra, para que o ex-governador desistisse de concorrer à Presidência pelo PSDB.

Para Tasso Jereissati, mais do que um desejo de mudança no modelo econômico, a grande votação obtida pelo PT no primeiro turno foi uma resposta do eleitorado ao modelo político. ‘‘O PT foi o partido que teve maior coerência político-partidiária que, ao meu ver, começa a perder agora, com alguns tipos de aliança que não dá para entender direito’’, disse, sem identificar os novos parceiros do PT. Ele afirmou, no entanto, que Lula que está bastante amadurecido.


Candidatos dão “cheque’’ a eleitor

Os eleitores carentes que recebem pão, leite e cesta-básica do programa Pró-Família do governo de Joaquim Roriz tiveram uma surpresa nas filas de distribuição que se formaram ontem em cidades do Distrito Federal. Além dos alimentos, eles levaram para casa o panfleto em que o governador e candidato se compromete a pagar R$ 100 a partir de 1º de janeiro de 2003.

A propaganda simula uma folha de cheque e traz nome e número do candidato à reeleição. O cheque-família é uma novidade no programa de governo de Roriz. Surgiu no segundo turno, depois da promessa do candidato petista Geraldo Magela de substituir a cesta básica por um cheque alimentação no valor de R$ 100. Roriz não perdeu tempo e prometeu o mesmo, com a diferença de não retirar o benefício da cesta básica.

A menos de duas semanas do segundo turno, uma enxurrada de panfletos em formato de cheque foi distribuída por cabos eleitorais de Roriz a famílias da periferia. O aposentado Lucimar Alves Rodrigues, 43 anos, foi um dos primeiros a receber o cheque-família na manhã de ontem. Ele mora na quadra 9 do Setor Leste do Gama e saiu de casa às 8h para buscar leite e pão para as três crianças no ponto de distribuição.

‘‘O mesmo pessoal que repassa os alimentos me entregou o cheque. Eles dizem: ‘Se Roriz for eleito, vocês vão receber isso aí (R$ 100)’. Todo mundo se empolga’’. O aposentado acredita que o panfleto poderá ser trocado em agências bancárias por R$ 100 após 1º de janeiro. ‘‘Já é uma ajuda, né? E o que chegar de ajuda para a gente é bom’’,acrescenta.

Os cabos eleitorais do governador também agiram no Setor Central do Gama. Marli Oliveira Cunha é agente administrativa do Centro de Saúde nº 8. Na manhã de ontem, ela se assustou ao ver a quantidade de pacientes que entravam nos consultórios com os cheques-família nas mãos. ‘‘Eles realmente acreditam que vão poder descontar aquele cheque no banco. Não sabem que aquilo é só propaganda, sem validade’’.

Invasão
Outra cidade invadida pelos cheque-família foi o Riacho Fundo I. Cabos eleitorais do candidato peemedebista percorreram os conjuntos 2 e 4 da QN-7 munidos de material de campanha. Uma das moradoras do conjunto 4 teve o endereço anotado por rorizistas porque se recusou a informar em quem iria votar.

O aeronauta Vicente Diniz, 42 anos, morador do Condomínio Mansões Colorado em Sobradinho, irritou-se quando a empregada mostrou-lhe o cheque-família. Ela recebeu o panfleto na fila de distribuição de cesta básica. ‘‘Se isso não é compra de voto, não sei mais o que seria. É um absurdo que haja candidatos querendo conquistar o eleitor com coisas materiais em vez de idéias’’, lamenta Diniz.

Denúncias anônimas de distribuição dos cheques chegaram ao procurador regional Franklin Rodrigues da Costa, que acionou a Polícia Federal para investigá-las. ‘‘Isso pode configurar abuso de poder econômico, uma vez que se oferece vantagens em troca de voto’’. Segundo ele, o panfleto confunde o eleitor, que acredita estar levando para casa um bônus com valor real. Roriz nega que o ‘‘cheque’’ distribuído entre os eleitores tenha valor. ‘‘É apenas para chamar as pessoas para se cadastrarem’’, defende-se.

Os militantes do PT adotaram estratégia semelhante, embora não contem com a estrutura dos pontos de distribuição das cestas básicas. O aposentado Lucimar Alves Rodrigues também recebeu um panfleto do candidato Geraldo Magela. O papel foi entregue antes da votação do primeiro turno. ‘‘Minha mulher vota no Roriz, e eu voto no Magela. Se não der certo com um, dará com outro’’.

A propaganda petista não imita uma folha de cheque, mas pode ser confundida com tíquete-alimentação ou bônus no valor de R$ 100. Mesmo com a tarja ‘‘material de campanha’’ impressa sobre a capa, o panfleto traz uma inscrição que pode levar eleitores a pensarem que se trata de um tíquete verdadeiro: ‘‘Este cheque só poderá ser usado na compra de alimentos’’.

Mesmo sem analisar os dois panfletos e a forma com estão sendo distribuídos, o procurador regional eleitoral Franklin Rodrigues avalia que os dois candidatos estão cometendo crime eleitoral. ‘‘Oferecem vantagem em troca de votos’’.


Treinamento insuficiente
Esquema anunciado pelo Tribunal Regional Eleitoral para treinar eleitores não funcionou no primeiro dia. Problemas estruturais impediram a instalação das 132 urnas que ajudarão o eleitor a votar. TRE anunciou convocação de pessoal

O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) vai ampliar a força-tarefa para o treinamento dos eleitores. Cerca de 50 funcionários serão convocados para orientar os eleitores a usar as urnas eletrônicas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai ceder 15 servidores para o trabalho e os cartórios eleitorais, outros 50. O coordenador eleitoral, Elindson Mendes, não descarta a possibilidade de servidores públicos de outros órgãos serem convocados. ‘‘Vai depender da procura do público’’, explicou.

A convocação foi determinada pelo presidente do TRE, desembargador Lécio Resende, para evitar a repetição no segundo turno de um dos principais problemas do primeiro: a demora do eleitor para registrar os votos. Devem ser usadas 132 urnas no treinamento. A concentração será feita nos locais onde o eleitorado teve mais dificuldade para votar, como Paranoá, Gama e Samambaia.

O início do treinamento tinha sido marcado para ontem. Entretanto, o funcionamento foi muito mais restrito do que o TRE havia planejado. A maioria dos postos não funcionou. Até o fim da tarde, a lista de locais onde o eleitor poderia encontrar as urnas ainda não estava completa.

A chefe de treinamento do TRE, Sayonara Bracks, informou que a estrutura para ensinar o eleitor a votar só deve estar montada em todos os postos até sexta-feira. ‘‘Precisamos ajustar problemas de logística, como o remanejamento de servidores e instalação das urnas’’, explicou.

Mesmo nos postos já combinados, houve muita indefinição. A escola classe do Varjão, um dos locais onde estava previsto o treinamento, estava fechada. No Supermercado Comper, de Ceilândia Sul, por exemplo, a urna que estava no local foi levada de volta ao Fórum da cidade às 17h, sem sequer ter saído da caixa. Não houve treinamento porque não havia estrutura mínima para o funcionamento da urna — uma mesa e energia elétrica.

A Rodoviária do Plano Piloto foi um dos poucos locais onde o eleitor pôde receber orientação. O vigilante Francisco Roque, 56, procurou o posto para evitar o erro que cometeu no primeiro turno. Morador de Sobradinho, Roque enfrentou mais de quatro horas na fila para votar no dia 6. Passou cerca de cinco minutos em frente à urna e errou os votos para governador e senador.

‘‘Depois de um sacrifício tão grande,não votei em quem queria’’, lembrou. O vigilante saiu mais confiante depois do treinamento, que não durou nem um minuto e meio. ‘‘Acho que não vou me enganar mais’’, avaliou.

O coordenador eleitoral Elindson Mendes não soube precisar quantas urnas funcionaram ontem, nem quantos eleitores receberam orientação de como votar. Segundo ele, os dados só devem ser divulgados na segunda-feira.


Artigos

De Lula, Armani e Romanée-Conti
Dad Squarisi

Terminou o primeiro turno. Ciro e Garotinho foram descartados. Ficaram Lula e Serra. Boris Casoy os convidou para entrevista. Primeira pergunta feita a Lula:

— Seu terno é Armani?

Dias mais tarde, Elio Gaspari publicou o artigo ‘‘Lula 2002 toma Romanée-Conti 1997’’. Nele criticou duramente o candidato. Motivo: depois do debate da Globo, a equipe foi jantar num restaurante em Ipanema. Duda Mendonça, marqueteiro do PT, ofereceu ao grupo uma garrafa de Romanée-Conti. Pagou R$ 6 mil. Era presente ao amigo Antônio Palocci, aniversariante da noite. Lula bebeu da iguaria.

Valem as questões. Boris ousaria perguntar a Serra a marca do terno que usava? Se fosse Serra, Elio teria se indignado com o consumo de alguns goles de Romanée-Conti? A resposta é não. E a razão é simples. Boris e Elio deixaram transparecer profundo preconceito social. As críticas relacionadas à formação escolar do candidato petista jogam no mesmo time.

Cada macaco no seu galho, diz o recado. Não invada os domínios da elite. Sua boca é boca de pobre. E boca de pobre é só pra caninha 51. Romanée-Conti não é pro seu bico. Nem terno Armani.

Desde Mem de Sá o preconceito corre solto por esta alegre Pindorama. Pobre não sabe apreciar o bom. Nem lhe dá valor. Por isso, a escola do pobre é ruim. O ônibus do pobre cai aos pedaços. O hospital do pobre carece de remédios, leitos, higiene. A televisão do pobre oferece Ratinhos, Silvio Santos e Gugus Liberatos.

De origem humilde, Lula serve de sadio exemplo da mobilidade social. Migrante nordestino, em São Paulo tornou-se operário no ABC. Assumiu a luta sindical na ditadura. Elegeu-se deputado. Estudou. Estudou muito. Disputou três eleições. Na quarta, recebeu o aval de 39.220.969 eleitores. Mais 3 milhões de votos e ele será presidente do Brasil.

Por esforço próprio, o ex-metalúrgico atingiu posição de destaque na política. Não deve ser confundido com emergentes, para os quais só a demanda conspícua é fato relevante. Os milhões de brasileiros, ricos e pobres, que votaram nele revelaram confiança no seu caráter e na sua capacidade de liderança.

Mudança de classe foi possível no Brasil até ser atrofiada durante o processo de globalização. Amador Aguiar foi boy de banco. Tornou-se dono do Bradesco. Zanini não era arquiteto. Sua obra está exposta em Paris. O talento prescinde da formação acadêmica. O exercício da Presidência da República exige liderança e talento — atributos que não se aprendem na escola nem se compram em supermercado.

Joãosinho Trinta pôs o dedo na ferida. Quem gosta de miséria é intelectual. Pobre quer casa bonita, carro importado, viagem ao exterior. E por que não? Terno Armani e vinho Romanée-Conti.


Editorial

MEDIDA AMARGA

Pressionado pela crise de confiança que se abateu sobre o país desde a deflagração do processo eleitoral, o Banco Central elevou a taxa de juro básica da economia de 18% para 21% ao ano. A decisão, tomada em reunião extraordinária do Comitê de Política Monetária (Copom), tem como principal objetivo combater o aumento generalizado de preços verificado desde julho, quando se acentuou a escalada do dólar frente ao real. A forte valorização de 66% acumulada pela moeda americana diante do real neste ano é apontada como a principal responsável pela elevação da inflação.

Especialmente nos últimos dois meses, as planilhas dos economistas e dos técnicos do governo mostram que os preços de toda a economia estão sendo contaminados pelas turbulências no mercado de câmbio. Os reajustes, que antes se concentravam na tarifas de energia, de telefone e nos preços dos combustíveis, alcançaram produtos e serviços cujos custos de produção nenhuma ligação têm com o mercado externo e muito menos com a alta do dólar. E castigam especialmente os artigos produzidos com insumos estrangeiros, como o pão e os eletroeletrônicos. Foi justamente a volta do ímpeto remarcador em todos os setores que obrigou o governo a agir e tomar uma decisão extremamente impopular às vésperas do segundo turno das eleições.

Juro alto é como veneno para qualquer economia. Mas é especialmente letal em países como o Brasil, onde a maioria da população depende de crédito para comprar. Com os financiamentos caros, o consumidor se retrai, o comércio pára de vender e a indústria não precisa produzir. Sem produção, o país não cresce, o desemprego aumenta e a renda da população cai, realimentando um ciclo nocivo de estagnação econômica.

Apesar de todos os efeitos negativos, a calibragem dos juros nesse momento de turbulências foi uma medida necessária para o país preservar a melhor herança que o presidente Fernando Henrique Cardoso deixará ao seu sucessor: a estabilidade dos preços. Mas tão fundamental quanto o compromisso com a manutenção da inflação baixa, este governo e o que tomará posse em 1º de janeiro de 2003 precisam se comprometer com o crescimento do país. E um melhor desempenho da economia depende, entre outros fatores, da redução dos juros no curto prazo.


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10/16/2002


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