Fraga cobra dos partidos aprovação da CPMF
Fraga cobra dos partidos aprovação da CPMF
Presidente do BC avalia que o empenho das legendas deve ficar claro para acalmar mercados
O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, cobrou ontem dos partidos que se manifestem publicamente sobre a disposição para aprovar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) o mais rápido possível, como forma de tranqüilizar os mercados. Em entrevista ao programa Bom Dia Brasil, da Rede Globo, Fraga destacou o atraso na votação da CPMF como "caso emblemático", determinante sobre as impressões do País no exterior. "A sensação que se tem é que o ambiente no Congresso está muito nervoso, às vezes beirando até um certo caos e as coisas importantes, das quais depende o futuro do País, ficam lá aguardando e nós (governo) procurando formas de cobrir isso", declarou. "Formas que são custosas, desagradáveis, precisam ser feitas. Serão feitas, mas seria muito melhor se eles votassem rápido."
Segundo Fraga, "não está claro" que os programas econômicos dos candidatos de oposição à Presidência sejam tão eficientes - do ponto de vista da resposta ao mercado sobre as avaliações de risco de bancos e agências internacionais e mesmo do controle da inflação e do ajuste fiscal - quanto o programa do candidato do governo. Para o presidente do BC, "paira no ar" a dúvida de que o País vai continuar no caminho certo.
"O que ainda não pegou foi a visão de que aprendemos as lições do passado.
Toda nossa história de hiperinflação, de década perdida, traz lembranças terríveis. E a minha leitura do que aconteceu, e o que aconteceu veio primeiro nos mercados e não nessas análises, tem a ver com isso. Tem a ver com essa sensação de que, puxa vida, será que as coisas vão continuar no caminho certo?", prosseguiu. "Não quer dizer que esteja tudo bem. Aliás os fundamentos da economia brasileira não são bons. Eles estão bem, no caminho certo. Mas isso pode mudar."
Coerência - Não há nada nos programas divulgados de todos os candidatos à Presidência que justifique "preocupação", disse.
Ele ressaltou, entretanto, que o preocupa "uma certa falta de coerência": "É muito comum durante uma campanha eleitoral os candidatos prometerem tudo, falarem do bem e no fundo, dá-se a impressão de que tudo é viável ao mesmo tempo e já. O que infelizmente não é verdade." O grande problema, de acordo com Fraga, é como "fechar a conta".
"O que podemos fazer para crescer? Investir em educação, criar um ambiente estável, ter um sistema financeiro bem capitalizado, aumentar a produtividade da nossa economia. Aí nós vamos exportar mais, competir contra as importações de maneira eficiente e assim por diante", sugeriu.
"Vistos assim, isoladamente, cada um desses comentários pode ou não ser criticado, depende da posição de cada um. O problema maior, a meu ver, é o todo. Como é que isso fecha? É como se eu dissesse que vou comprar um avião, um iate, um helicóptero, mas a renda não dá nem para trocar de carro."
Tampouco há nos programas elementos que justifiquem medo de quebra de contratos, disse Fraga. "O receio que paira no ar, no mundo, e tem a ver um pouco com a experiência atual na Argentina. Não é de que vai haver um rompimento imediato. O medo é que, às vezes por falta de entendimento, não sei bem o quê, você entre numa trajetória onde vai dando pequenos passos na direção errada."
Ele acredita que o risco de o Brasil se enfrentar situação como a da Argentina "é remoto", mas existe. "Sempre há esse risco." "Há cinco anos a Argentina era a primeira da turma. Tudo uma maravilha, ganhava as melhores notas. A coisa foi caminhando na direção errada, numa sequência meio perversa, e deu no que deu."
Objetivos - O presidente do BC defendeu o direito de todos os candidatos terem suas próprias propostas de política econômica, desde que os objetivos finais sejam adequados, como o controle da inflação.
Ao ser questionado sobre a posição do candidato do PPS, Ciro Gomes, contrário à fixação de metas de inflação, Fraga disse que a questão é "simples". "É dizer: eu assumo o compromisso de manter a inflação baixa.
Como fazer isso, aí é uma decisão de cada um. Hoje, o mundo parece caminhar na direção de transparência e meta para a inflação é isso: dizer, publicamente, minha meta é essa."
Senadores do PFL já admitem apressar votação
BRASÍLIA - Senadores do PFL estão dispostos a atender aos apelos de integrantes do governo e deverão apressar a votação da emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2004. O PFL, que há cerca de dois meses decidiu na Executiva do partido retardar ao máximo a tramitação da proposta no Senado, provavelmente vai recuar porque não quer ser acusado de ser o principal responsável pelos prejuízos com o atraso na aprovação da CPMF.
Mas a redução do prazo para a entrada em vigor da contribuição, de 90 dias (a chamada noventena) para 30 dias, não tem praticamente nenhuma chance de ser aprovada pelos senadores. O relator da emenda na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bernardo Cabral (PFL-AM), é também relator da emenda que diminui a noventena e já avisou que é contra a proposta. Ele prometeu, no entanto, antecipar do dia 29 para o dia 22 a entrega do relatório da CPMF.
Apesar disso, ontem, por meio de assessores, Cabral insistiu que não "aceitará pressões" nem mesmo do PFL para apressar a tramitação da emenda na CCJ e afirmou que só mudou a previsão de entrega do relatório porque o texto só recebeu três emendas.
Hoje à tarde, os senadores do PFL reúnem-se para decidir a votação rápida da contribuição. "O PFL é a favor da CPMF e, então, por que não votamos logo?", indagou ontem à tarde o vice-presidente do Senado, Edison Lobão (PFL-MA), iniciando um movimento dentro do partido para atender aos apelos do governo.
"Nós não podemos assumir a responsabilidade pelas dificuldades do governo", completou. Lobão argumentou que o PFL está mais preocupado com "as queixas do governo" sobre o atraso na votação da CPMF do que com a demora do governo federal em liberar os recursos previstos nas emendas dos parlamentares ao Orçamento.
Avaliação - Para o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), a emenda tem de ser votada rapidamente. Tanto ele como Lobão acreditam que Cabral não porá empecilhos à sua tramitação rápida. "Se todo o PFL estiver de acordo para apressar a CPMF, estou convencido de que o senador Bernardo Cabral não criará nenhum impasse e apresentará logo seu relatório", disse Lobão.
Autor da emenda que estabelece o prazo de 30 dias para a entrada em vigor das contribuições, o líder do PSDB no Senado, Geraldo Melo (RN), argumentou que a aprovação de sua proposta é a única maneira de reduzir o prejuízo do governo com a queda de arrecadação da CPMF. Segundo ele, o governo já conta com uma perda de R$ 3,6 bilhões com o atraso na aprovação da emenda.
A vigência da atual contribuição termina em 17 de junho. Para que não houvesse interrupção na sua cobrança, a CPMF deveria ter sido aprovada até 18 de março. Cada mês sem a contribuição representa perda de R$ 1,8 bilhão.
Otimista, Lobão acredita que a CPMF poderá ser votada em primeiro turno no plenário já na próxima semana, caso o partido concorde em apressar sua tramitação. Para isso, a matéria teria de ser votada em sessão extraordinária da CCJ nestta quinta-feira ou na terça-feira da semana que vem.
Lula critica 'terrorismo barato' do mercado
Para ele, situação da economia 'não está boa' e sua subida nas pesquisas não interfere
RIO - O candidato do PT à Presidên cia, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que "há uma tentativa de criar um clima de terrorismo na sociedade brasileira" por parte de setores contrários à sua candidatura, que tentariam associá-la a recentes problemas da economia do País. Segundo ele, cheiram a "mutreta" e "especulação" as afirmações de que seu avanço nas pesquisas tem causado a piora do Brasil nas classificações de risco dos bancos e agências internacionais e aumentos nos saques de poupança e fundos.
Lula disse que a situação da economia "não está boa", independentemente da política.
"Acho que é politicamente errado, economicamente irresponsável e criminoso fazerem terrorismo barato seis meses antes das eleições", atacou. O petista não apontou quem estaria tentando estimular o terror e disse poder garantir que "do PT não é". "Mas deve ter espertinho ganhando dinheiro com isso."
Lula lembrou que, em 2001, quando não houve eleições, a Bolsa de Valores também oscilou. Depois, repudiou as declarações do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, para quem vai faltar dinheiro para cumprir o que os candidatos prometem. "Ele nunca teve de fazer promessas, nunca foi candidato a nada", disse Lula. "O Armínio tem de cumprir o mandato, trabalhar direitinho e deixar que depois de janeiro outro presidente do Banco Central possa fazer o que tem de ser feito." Apesar da declaração, Lula evitou afirmações que dessem a impressão de que se considera eleito. "Primeiro, vamos ganhar as eleições", argumentou.
Ponto de honra - Em entrevista para 60 correspondentes estrangeiros, o candidato do PT quis transmitir imagem de moderado e responsável. "Não é possível despertar expectativas muito altas, que não possam ser cumpridas", disse. Muito questionado sobre o que mudou nas suas propostas e nas do PT, Lula garantiu que honrará os compromissos internacionais firmados e considerou a inflação baixa um "ponto de honra" de seu programa de governo.
O petista disse que honrar a dívida "é uma decisão do congresso do partido", realizado em dezembro. "Queremos oferecer aos investidores estrangeiros uma coisa mais séria do que juros altos e patrimônio público para ser privatizado, queremos oferecer mercado, infra-estrutura e mão-de-obra qualificada."
"O que está negociado será cumprido. O que tiver de ser renegociado, tentaremos nos melhores termos para o Brasil", observou. Embora tenha dito que não quer dar palpite em outros países, Lula defendeu eleições diretas em Cuba. Também disse esperar que o governo venezuelano de Hugo Chávez abra o diálogo com a sociedade. O petista lembrou que as relações com o Partido Trabalhista britânico "azedaram" em 1998, quando o primeiro-ministro Tony Blair apoiou o presidente Fernando Henrique Cardoso, candidato à reeleição.
Ele garantiu, porém, que estará pronto para conversar com Blair.
Para Lula, Fernando Henrique não adota no País o discurso que faz no exterior."Não posso dar continuidade a uma coisa que não está acontecendo", respondeu, quando lhe perguntaram se continuaria o que o presidente tem feito. Segundo ele, durante seu mandato, Fernando Henrique viajou 345 dias para o exterior. "Nem o papa viajou tanto", criticou.
Feijoada - Lula começou seu dia no Rio abrindo o seminário Reforma Política, promovido pelo Instituto Cidadania e o Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj). Depois, participou de uma feijoada organizada no Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, na zona sul da capital, pela governadora Benedita da Silva, ex-moradora da favela.
Realizada todo ano no dia 13 de maio para comemorar o aniversário de um dos netos de Benedita, Benilton, além da libertação dos escravos, a festa teve a presença de políticos petistas e do presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Fierj), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira.
PL trabalha por aliança com PT
O PL está mesmo disposto a apoiar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência.
Apesar das arestas que ainda têm de ser aparadas nos Estados, ganham força as negociações da cúpula liberal com os petistas. O senador José Alencar (PL-MG) trabalha dia e noite para convencer os diretórios de seu partido que o casamento tem de ser de papel passado, e não apenas informal. Se for confirmada a coligação, Alencar será vice de Lula.
"A aliança com Lula vai fortalecer nosso partido, porque ele representa uma locomotiva muito poderosa", disse Alencar, numa referência ao provável crescimento da bancada na Câmara, caso haja o acordo.
Em São Paulo, a direção do PL decidiu ontem conclamar o partido a "cerrar fileiras" em torno da chapa. "Queremos deixar claro que somos a favor da formalização da aliança", disse o deputado Luiz Antônio de Medeiros, presidente do PL paulista.
Em nota, ele sustenta que "a aliança PT-PL facilitará o apoio de importantes segmentos políticos e sociais que vêm se opondo ao atual esquema governista e ampliará as perspectivas de vitória de Lula". E vai além: "O PL pode ser a ponte para aproximar setores mais conservadores do PT."
O presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), acredita que os obstáculos regionais "devem ser removidos".
‘O que o PT diz não é o que o PT faz’, afirma Serra
Estreando nova estratégia, ele acusa o partido, por exemplo, de ter votado contra a Lei Fiscal
O candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra, disse ontem que a campanha de seu principal adversário na sucessão, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é “uma contradição”.
“Sou o candidato do governo, mas não da mesmice”, afirmou. “Com todo respeito, Lula vive numa contradição maior,porque aquilo que o PT diz na televisão não é o que o PT faz”, acusou Serra.
A crítica foi feita no Programa do Jô, da TV Globo, que foi ao ar ontem, numa resposta à cobrança feita pelo petista na semana passada, no mesmo programa. Lula havia dito que o rival precisava “decidir se era candidato da oposição ou do governo”.
Serra alegou que o PT votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, apesar de hoje defender o controle de gastos públicos. “Não dá para ser corintiano na televisão e palmeirense no estádio.” Os ataques a Lula fazem parte da nova estratégia de marketing do tucano.
Na entrevista, Serra foi questionado sobre seu envolvimento com o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira, acusado de cobrar propina no processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce. “O Ricardo Sérgio realmente cooperou nas minhas campanhas, ajudando a buscar recursos, mas na época não havia nada que o desabonasse”, disse o tucano, ressaltando que a privatização ocorreu três anos depois de sua campanha ao Senado, da qual o ex-diretor foi um dos tesoureiros. “Sou a favor que se investigue rigorosamente essas denúncias, mas elas não têm nada a ver comigo”, reafirmou.
Especulação – O candidato tucano disse, após a entrevista ao Programa do Jô, que os investidores internacionais estão “especulando contra o Brasil”. “Veja o que aconteceu na semana passada, com o rumor de que eu estava em quarto lugar nas pesquisas”, afirmou o tucano, lembrando o aumento do risco Brasil causado pelos rumores sobre a pesquisa que, no fim das contas, o apontou na segunda colocação. “Acho que pesquisa, a essa altura quer dizer pouco”, disse o candidato. “Mas aquilo foi espalhado para alguém ganhar dinheiro.”
Serra afirmou ainda que propôs, em recente almoço com empresários no Rio de Janeiro, que eles fizessem anúncios em jornais internacionais, defendendo a posição brasileira.
“Serviria para mostrar que essas avaliações não têm pé nem cabeça.”
Sobre uma possível participação do governo nessa campanha, o tucano disse que não há mais o que fazer. “O governo está todo dia aí falando, mas ele não é o senhor dos acontecimentos.”
Candidato dá nota 7,5 para governo Fernando Henrique
O candidato tucano à Presidência, José Serra, classificou o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso de “bom” e, numa escala de 0 a 10, deu a nota “7 ou 7,5”. Foi uma resposta ao questionamento da platéia do Programa do Jô, que foi ao ar ontem na TV Globo.
Serra só chegou ao número após alguma insistência do apresentador Jô Soares. Antes, tinha argumentado que não era “professor para dar nota exata”. Depois de dar a nota, o candidato tucano fez elogios ao presidente. “Ele (Fernando Henrique) fez um governo sério, pôs o Brasil no rumo, introduziu políticas sociais corretas e evitou que o País virasse a Argentina”, disse o tucano.
“Vai se equiparar na história aos grandes presidentes nas suas épocas, como Getúlio (Vargas) e Juscelino (Kubitschek).”
Depois do programa, em entrevista aos jornalistas, Serra disse que não costuma dar nota. “Aí houve apenas uma conversão”, afirmouo candidato tucano. Questionado sobre a classificação escolhida para Fernando Henrique – bom, na sua avaliação–, respondeu: “Ter um bom governo, no Brasil, já é uma grande coisa.” (C.C.)TEXTOTEXTO/TEXTO
Artigos
O Brasil no mundo ibero-americano
Carlos Guilherme Mota
Com as crises econômicas e sociais que atingem vários países da América Latina – notadamente Argentina, Colômbia e Venezuela, cujas sociedades civis se debilitam a cada dia que passa –, o Brasil vai adquirindo maior presença no mundo ibero-americano. Apesar dos pesares (e, sobretudo, apesar da persistente dívida social e educacional), uma certa credibilidade internacional e densidade de ação vêm garantindo a governabilidade.
Vale a pena acompanhar esse processo, pois na reorganização mundial, sobretudo após o 11 de setembro e a intensificação da guerra no Oriente Médio, o Brasil poderá vir a ter papel cada vez mais significativo. Não se recordará aqui a quadra histórica dos anos 1955-64, em que nosso país “quase” logrou alcançar a liderança dos subdesenvolvidos e não-alinhados, ativado por uma política externa independente: o golpe de Estado de 1964 e, depois, as cabeças congeladas na guerra fria tiraram-nos da rota. O trabalho de muitos, inclusive de Afonso Arinos de Mello Franco, foi por água abaixo. Agora, porém, o contexto é outro: até as lideranças da União Européia insistem na relocalização do Brasil no concerto internacional como interlocutor e parceiro insubstituível.
A política externa brasileira já lavrara um tento na 11.ª Reunião de Cúpula Ibero-Americana, realizada no Peru em novembro do ano passado, quando os 21 países presentes assinaram documento em que se defendem com veemência as regras que “tornem o comércio internacional menos injusto entre países ricos e pobres”. O Brasil, com apoio do Peru, conseguiu incluir as principais teses que a Presidência e o Itamaraty vêm defendendo com firmeza desde outubro.
Essa estratégia de “alianças de geometria variável”, como propõe o chanceler Celso Lafer, adquire hoje nova densidade, pois alguns interlocutores, como a Argentina, já não têm o mesmo poder de fogo (seu presidente e co-signatário da declaração, Fernando De la Rúa, já está fora da história).
Em contrapartida, o Brasil caminha para uma transição segura, dentro dos quadros institucionais normalizados. E, sobretudo, sublinhe-se que surge ele como força que pode aprimorar sua interlocução não subalternizada com os Estados Unidos.
É nesse novo contexto que os esforços para a consolidação de um sistema político-cultural ibero-americano adquirem sentido. O Brasil tem um papel a ser construído e burilado nesse novo quadro. Como contrapeso à hegemonia norte-americana, o mundo ibero-americano tem suas próprias exigências, desafios e mensagens, como se constata num documento notável escrito e filmado, de autoria de Carlos Fuentes, O Espelho Enterrado (é bem verdade que a parte luso-afro-brasileira é bem modesta). Setores da diplomacia brasileira e de outros nichos do governo já perceberam isso. O caso da Espanha torna-se paradigmático, pois houve uma convergência brilhante entre o Itamaraty, lá representado pelo embaixador Carlos Moreira-Garcia, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, lá representado pelo ativo membro da Finep dr. Airton Young. A criação e implementação continuada – uma política, enfim – de intercâmbios de longo prazo com a Espanha, não somente no plano empresarial e tecnológico, mas também no universitário, vêm sendo progressivamente estimuladas, numa relação paritária, em que há trocas efetivas e criativas. E que poderá servir de modelo para nossas relações latino-americanas, Mercosul inclusive.
Com efeito, a Espanha passou a ter nos últimos anos uma presença marcante no mundo universitário, particularmente na Educação, na História, nas Ciências Sociais, no Jornalismo e, como sempre, na Literatura (um dos melhores suplementos culturais da atualidade aparece aos sábados no El País). Várias exposições sobre o Brasil, mas sobretudo a criação de Centros de Estudos Brasileiros em algumas universidades prestigiosas têm dado uma visão renovada do que se passa deste lado do Atlântico. Nesse tópico, para o recém-criado Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, o combativo reitor Inácio Berdugo Gomez de la Torre escolheu para dirigi-lo o historiador José Manuel Santos Pérez, que vem desenvolvendo projetos e estudos sobre as cidades ibero-americanas e sobre a história comparada ibero-americana, entre outros projetos. O centro abriga as áreas de História, Direito, Ciências Sociais, Literatura, Economia. E não por acaso, Salamanca, capital européia da cultura em 2002, concederá neste ano o título de Honoris causa ao presidente brasileiro. Por iniciativa do reitor Zapatero, a Cátedra de Estudos Brasileiros na Universidade de Castilla-La Mancha também inicia suas atividades, seguidas de um importante seminário na Casa de America em Madri, Brasil-Espanha: uma Cooperação Exemplar, com apoio da Fundação Hispano-Brasileira e do atuante embaixador do Brasil. Destaque-se ainda, dentre outras, a Fundação Tavera, em seu projeto amplo sobre as independências dos países latino-americanos. Núcleo novo também é o de Vigo, coordenado pelo historiador Carlos Sixirei Paredes, que se especializou em História do Brasil na USP.
Que o momento atual de construção de uma nova identidade é fecundo o provam os 193 centros ibero-americanos que participam do Universia.net, o maior portal universitário de língua espanhola, ou obras como Las Universidades Iberoamericanas en la Sociedad del Conocimiento, do historiador Celso Almuiña e outros, ou La Formación Doctoral en América Latina y la Colaboración de las Universidades Españolas, de Jesús Sebastián, todos de Valladolid, cidade da educadora Maria José Sàez Brezmes. Nesses diagnósticos gerais, a presença do Brasil ainda não corresponde à importância do que aqui se produz, seja nas ciências exatas e naturais, seja no vasto campo das humanidades. Mas os universitários espanhóis estão cientes e criam condições para pesquisas e publicações para melhor conhecimento recíproco.
O mundo se move, portanto. E a universidade, que vem sofrendo embates, ameaças e desafios nos dois continentes, está de certa forma atenta, pois realizará em Coimbra, neste mês de maio, o III Encontro de Reitores de Universidades do Brasil, Espanha e Portugal, por iniciativa do Grupo Tordesilhas, criado na Espanha em 2000, com sentido bastante crítico. São de esperar propostas e diagnósticos cada vez mais objetivos e críticos, que tragam o debate universitário sobre a Ibero-América para o século 21, que, aliás, já começou.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Nós, os futuros fósseis
Quem sabe, daqui a algum tempo, as artes de ler e escrever não serão tão obsoletas quanto a escrita cuneiforme ou os hieróglifos egípcios? A gente não se apercebe, mas há cada dia mais pessoas se desinteressando pela leitura. Me refiro ao povo comum, o pessoal do campo, por exemplo. Nunca o homem rural leu menos, nem soube ler tão pouco.
Antigamente, nas fazendas de meu pai, de minha avó, na hora em que o trem chegava, o menino do correio vinha com os jornais (às vezes de dois, três dias atrás), não só os de casa, mas os caboclos também se amontoavam no alpendre para ouvir o doutor ler as notícias da política, das guerras; os preços do algodão e da carne, as piadas do Bastos Tigre.
Hoje os patrões se desinteressam das assinaturas de jornais - pra quê? Se eles têm a notícia fresquinha, na hora, pela televisão ou pelo rádio? Você passa por uma pequena cidade do interior - o teto do casario é uma floresta de antenas parabólicas nas áreas mais ricas; e se ainda se vêm antenas comuns nos bairros mais pobres ou nos caminhos perdidos onde nem carro passa - de vez em quando uma parabólica abre a sua corola. A informação eletrônica - eis a grande revolução.
Pra que aprender a ler, se a TV diz tudo "até antes de acontecer", como eles falam. As moças não compram mais revistas femininas nem se interessam mais pelos romances de amor. Sai tudo na TV. Até nas cidades a gente pergunta:
Você já leu o último livro de fulano? E elas: "Não, estou esperando que façam a novela." Vejam agora os preliminares para a Copa: são freneticamente acompanhados, cada declaração, cada palavra do técnico - e Romário? Nunca uma personalidade esportiva foi tão furiosamente discutida e polemizada, chegando aos extremos da rejeição e da adoração. E dizem tudo misturado, com palavras em inglês, quer se trate do próprio esporte, como do dinheiro ou política dos interessados.
E nem deformam tanto a pronúncia porque os locutores falam um inglês perfeito e a galera aprende.
Não se sabe até onde irá a revolução eletrônica. Até agora não destruiu nem o jornal nem o livro e nem acabou com a prática da alfabetização; mas já lhes dá muito prejuízo.
E não é só a TV a grande inimiga da escrita: agora é a Internet, com aquela linguagem cifrada e telegráfica, que, para a minha geração, lembra muito o esperanto que nos quiseram impor no século passado. E, afinal, não deixa de ser quase como o esperanto, que irá aos poucos atendendo às necessidades da globalização. Só que o esperanto tinha regras estabelecidas por mentes cultas e versadas nos diversos idiomas e não "nesses arroba ponto com ponto br", que qualquer garoto de 10 anos sabe manipular para bater papo com os companheiros e companheiras da mesma idade. Viva eles!
É, o nosso ofício de escribas se transforma, e já nos sentimos uma espécie ameaçada, como o mico-leão e o panda. Mais uns 50 anos e já nos podem comparar a dinossauros, com esqueletos exibidos em museus e filmes feitos pelos Spielbergs que virão.
Editorial
UM PAÍS DESORIENTADO
Os ministros da Economia e do Interior e o chefe do gabinete de ministros da Argentina passarão o dia de hoje em contatos com os parlamentares, para obter, até amanhã, a aprovação da revogação da Lei de Subversão Econômica e a reforma da Lei de Falências. O primeiro projeto foi aprovado pelo Senado e está na Câmara. O segundo segue caminho inverso. O que leva o governo a fazer esse esforço para tentar aglutinar as bancadas que o apóiam não é o fato de que, há pouco mais de três semanas, o presidente Eduardo Duhalde havia prometido que as mudanças na legislação que o FMI exige estariam aprovadas em 15 dias - e não o foram até agora - e sim porque o chefe do governo desembarcará quarta-feira em Madri, para a reunião entre o Mercosul e a União Européia, e não pode chegar de mãos vazias.
O acordo de ajuste fiscal com as províncias, que prevê cortes de 60% de seus déficits, também já deveria estar concluído, mas até agora apenas 5 das 24 unidades federadas assinaram o termo.
As medidas saneadoras do setor financeiro, a começar pela saída do "corralito" - o semicongelamento dos depósitos bancários -, deveriam estar em fase final de tramitação no Congresso, mas na sexta-feira o ministro da Economia comunicou que, diante da resistência dos bancos e dos parlamentares e do impacto fiscal do projeto, a troca dos depósitos a prazo por bônus foi deixada de lado e provavelmente se voltará à fórmula idealizada originalmente por Domingo Cavallo, no final de dezembro.
Na Câmara, uma deputada joga sobre a mesa diretora uma bandeira dos Estados Unidos, protestando contra a "submissão" da Argentina ao FMI e os deputados justicialistas se insultam e se engalfinham. No Ministério da Economia, uma reunião entre o ministro Roberto Lavagna e banqueiros termina com gritos e troca de insultos.
E Eduardo Duhalde preside a liquefação do Estado e do tecido social argentinos, ora ameaçando antecipar as eleições presidenciais ou convocar um plebiscito, ora garantindo que cumprirá até o último minuto o seu mandato; dizendo num dia que o acordo com o Fundo sai em 30 dias e, no outro, que se sente cada vez mais sozinho e isolado diante das críticas que tem recebido das autoridades do FMI e do governo norte-americano e da incompreensão de seus compatriotas.
O fato é que o tempo vai passando e a Argentina não consegue adotar as providências mínimas para conter a crise, sem as quais não poderá contar com a ajuda do FMI e da comunidade financeira internacional. Os políticos argentinos parecem se comprazer na contemplação da debacle, dando razão ao secretário do Tesouro norte-americano, Paul O'Neill, que dizia que há 70 anos os argentinos vivem em crise e gostam disso.
Todas as semanas, desde que a crise explodiu com a renúncia do presidente Fernando de la Rúa, as autoridades argentinas criam um factóide ou uma ilusão, na inútil tentativa de dar esperanças ao povo, que há muito não acredita nos políticos e nem nas instituições. Na quarta-feira passada, o presidente Eduardo Duhalde revelou ter solicitado um empréstimo-ponte a alguns países vizinhos, em regime de urgência, para pagar uma parcela de US$ 808 milhões da dívida com o Banco Mundial. México, Chile e Brasil nunca receberam tal pedido e agora se sabe que a dívida será quitada com parte das minguadas reservas internacionais do país. No final da semana, o balão de ar quente foi o anúncio da assinatura do acordo com o FMI em 30 dias.
Enquanto isso, a pobreza se alastra. No início do ano, havia 16 milhões de argentinos abaixo do nível de pobreza. Hoje, já são 18 milhões, metade da população do país. O desemprego e a carestia estão fazendo um trabalho mais devastador do que a hiperinflação de 1989. O presidente Duhalde tem razão quando afirma, em tom de queixa, que "não existe nenhum país que não tenha recebido ajuda internacional para sair de uma crise como a nossa". O que ele se esquece de dizer é que todos os países que receberam ajuda - Rússia e Brasil, por exemplo - fizeram ajustes radicais e amplas reformas estruturais, justamente o que a Argentina reluta em fazer.
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05/14/2002
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