Frédéric Gros: A internet obrigará a democracia representativa a se reinventar



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Nono conferencista do Fórum Brasil Senado 2012, o filósofo francês Frédéric Gros foi confrontado na noite de segunda-feira (2) com um pergunta surpreendente, vinda da audiência que lotou o auditório do Interlegis: “O que se seguirá à ciberdemocracia?”.

Cauteloso, o professor da Universidade Paris-Est Créteil ponderou que seria melhor esperar a consolidação da ciberdemocracia  para então tentarmos especular sobre o seu futuro. Convidado a tratar da política na era do Homo Connecticus, o conectado sucessor do Homo Sapiens, Grós terá percebido na pergunta o sinal dos tempos de hoje: a pressão constante por mudanças velozes e por superação.

Talvez por isso, a resposta dele sugira uma atitude em falta no cardápio atual das sensações humanas: calma.

Para o filósofo, a internet não é nem a salvação da democracia, ao introduzir na cena política mecanismos de participação direta dos cidadãos, nem o veículo de um totalitarismo apoiado em manipulação de programas e informações “à la 1984, de Orwell”. O que a emergência das novas tecnologias de comunicação apresenta é um desafio aos conceitos clássicos de representatividade:

– O papel do parlamento como representante exclusivo e imprescindível da vontade popular foi ferido pela internet, e a democracia representativa terá de se reinventar – advertiu o professor.

Enquanto não se sabe que reinvenção será essa, os políticos buscam ocupar espaços no mundo virtual utilizando cada vez mais redes sociais como o Facebook e o Twitter. É uma estratégia para disseminar mensagens e estabelecer uma relação direta com seus eleitores sem passar pelos canais comuns até o advento da rede mundial de computadores.

Banalização

Um dos símbolos máximos da democracia, o voto tende a mudar de formato, mas Grós é mais uma vez cauteloso, lembrando que a intermediação eletrônica, mesmo no caso das urnas brasileiras, pode extinguir ou diminuir a força de um rito entranhado na cultura política, não sem prejuízo:

- Além das questões de segurança e confiabilidade, é preciso discutir a possibilidade de banalização de um voto dado entre compras na Amazon e o envio de e-mails – alertou o jovem professor da Paris-Est, cujas palestras podem ser conferidas no YouTube.

A par da velocidade e do amplo espectro das postagens na rede, a interatividade é um dos aspectos que promete mudar as relações entre representantes (parlamentares) e representados (eleitores), cujas identidades já começam a se embaralhar, segundo o filósofo. Ele explica que a internet criou a quarta modalidade de espaço político da história, a da “nuvem galática, massa formada pelas interconexões e interações”.

Os estágios anteriores foram o espaço do tipo pirâmide, com decisões centralizadas, impostas à base por um pequeno grupo instalado no topo. O segundo estágio foi o do “gabinete secreto”, visto como necessário a decisões cujo conhecimento poderiam colocar em risco a segurança do Estado. O terceiro estágio foi o da Ágora, a assembleia grega, em que se separava o público do privado, espaço que se desdobrou posteriormente no âmbito do parlamento e no instrumento do voto.

- Heterogênea e mutante, a nuvem galáctica vai atropelar a oposição entre o emissor e o receptor, entre o público e o privado, entre o especialista e o leigo – apontou Grós, recordando o caráter libertário que orientou os acadêmicos responsáveis pelos primórdios da rede, nos anos 1970.

‘Fim da história’

De todo modo, não se deve ver esse processo como destrutivo, apenas. Frédéric Gros assinalou que a democracia não cessa de questionar a si mesma desde sua gênese. Para alguns, essa crise é a própria saúde desse regime, o que ajuda a esvaziar teses catastrofistas como a do ‘fim da história’, muito em voga logo após a queda do muro de Berlim, em 1989.

- A História recomeça, e é preciso reinventar tudo – reparou o filósofo.

Grós acha que há outros motivos de preocupação, como a abertura para o populismo propiciada pelo contato direto dos políticos com os eleitores por meio de blogs e contas nas redes sociais. Esses espaços, argumenta, são mais sujeitos à personalização, e ali o que é público tem menor relevância.

Já as 'insurreições digitais', vistas como positivas por muitos, são uma nova modalidade de mobilização de alcance e importância ainda difíceis de mensurar.

Para o pesquisador, a sublevação digital dever ser vista por enquanto "como um rascunho". "Não se pode dizer que há casos de sucesso ou de insucesso", afirma, referindo-se às rebeliões na Tunísia e na Líbia.

- Há uma certa volatilidade nesses movimentos, um certo imediatismo e um engajamento local que ultrapassa fronteiras, mas não uma lógica de filiação política, uma ação precisa e acordos. Não há duração – resumiu o professor.

Anonimato

Grós abordou sob outros ângulos as consequências para a democracia decorrentes das novas tecnologias da informação, como o uso de rastreadores (chips e aparelhos GPS), e o alto grau de exposição da vida privada dos internautas. A impossibilidade de se apagar em definitivo o que é publicado poderia, por exemplo, levar ao temor de que o indivíduo, mesmo concordando com as regras da rede, esteja sendo subtraído em direitos fundamentais.

- Será que não faz parte da democracia o direito ao anonimato e à intimidade? – questionou o filósofo.

Ele lembrou, por outro lado, que a internet permite conhecer de maneira muito mais rápida a vontade popular, mas serve ao mesmo tempo à troca de insultos, disseminação de boatos e movimentos de pânico.

Sobre a influência cultural da web, o professor foi comedido. À carência de informações da fase anterior sucedeu um tsunami que prejudica a reflexão e o julgamento crítico. O problema no momento é encontrar fórmulas de “hierarquizar” as informações, de modo que se possa atribuir valores ao que é publicado.

Um dos fenômenos mais presentes na rede é o das ‘bolhas’, assuntos que assumem uma importância repentina e ganham enorme popularidade, mas desaparecem com a mesma rapidez da notoriedade.

– Existe uma presença forte da imagem, a reatividade é mais rápida, mas ficamos somente um minuto em cada página – salientou.

Horizontes

Com a presença de renomados pensadores contemporâneos, brasileiros e estrangeiros, o ciclo de debates que investiga o tema democracia em seus diferentes aspectos é o primeiro, de uma série, do Fórum Senado Brasil 2012. Trata-se de uma das atividades de comissão especial instituída pelo presidente do Senado, José Sarney, “para fomentar a reflexão na Casa”.

Presidida pelo embaixador Jerônimo Moscardo, a comissão cuida da realização de seminários especiais que no decorrer do ano debaterão grandes temas da atualidade, como os desafios das democracias modernas, as crises financeiras, cultura e conhecimento na era da tecnologia.

A relação democracia liberal e "governamentalidade" será destrinchada nesta terça-feira pelo filósofo Helton Adverse, na penúltima conferência do ciclo. O filósofo lembra que nos fundamentos da moderna concepção liberal de democracia estão as noções de direitos humanos, soberania popular e liberdade individual.



03/07/2012

Agência Senado


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