Governistas dominam PMDB
Governistas dominam PMDB
Apesar da votação aquém da expectativa, o governista Michel Temer (SP) derrotou ontem, por 411 votos a 244, o rebelde Maguito Vilela (GO) na disputa pela presidência do PMDB. Com o placar, os aliados do presidente Fernando Henrique assumem o comando do partido com 63% do diretório nacional. Os governistas também venceram ao adiar para 20 de janeiro a escolha do candidato do partido a presidente da República.
Ainda assim, a opção pela candidatura própria obteve maioria esmagadora na convenção nacional do PMDB, com o apoio de 79% dos delegados. Dos 686 votos, foram 542 favoráveis à candidatura própria, 17 contrários, 117 em branco, um nulo e nove abstenções.
Por 357 votos a 251, os governistas venceram também na escolha da data das prévias que escolherão o candidato do partido à sucessão de Fernando Henrique. A disputa ficou marcada para 20 de janeiro, e não 21 de outubro, como defendia o grupo de Maguito. Também foi aprovada uma moção determinando a entrega dos cargos após as prévias.
Ontem, porém, os próprios governistas admitiam a possibilidade de antecipar as prévias para 15 de dezembro. Como Fernando Henrique pretende fazer sua reforma ministerial em dezembro, os peemedebistas deixariam o governo antes. Além de ministros, o próprio Michel Temer concorda com a idéia:
— Por mim, as prévias seriam antecipadas para dezembro, quando haveria o desembarque do PMDB.
Marcada por tumulto, vaias e brigas de torcida, a convenção acabou expondo as mazelas do PMDB, que continua rachado.
— Perdi a eleição para o presidente Fernando Henrique, para o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e para os ministros — disse Maguito, depois de confirmada sua derrota.
Na véspera, governistas e rebeldes tentaram negociar a composição de uma chapa única para o diretório. Os dissidentes exigiam metade da chapa, além da retirada da candidatura de Temer. Os governistas ofereciam 30% do diretório apenas e se recusavam a abrir mão de Temer. Os dois grupos foram para o voto.
No fim da tarde, o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, descartava qualquer possibilidade de acordo.
— Depois disso aí, não há a menor chance de negociação — reagiu o ministro, apontando para o palanque onde os rebeldes acusavam o governo de corrupção e referindo-se à apresentação de uma moção com duras críticas ao governo federal.
Quércia é vaiado e quase não consegue discursar
O acolhimento de uma outra moção, sem que fosse submetida aos convencionais, azedou de vez a relação entre os governistas e seus adversários. Presidente do partido, Maguito deu como aprovada a proposta de inclusão de duas datas para prévias na cédula de votação. Encarada como golpe pelos governistas, a decisão desencadeou uma briga em pleno palanque.
Minutos antes, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, sob vaias e apitos, quase foi impedido de discursar em defesa de Maguito. A torcida organizada por Roriz, Padilha e Temer — e orquestrada por Fábio Simão, ex-assessor de Luiz Estevão — não deu trégua a Quércia, embora, desesperado, Padilha tenha tentado acalmar os ânimos da claque.
— É o pessoal do Temer que não pára de vaiar — repetia Padilha.
Escaldado desde a última convenção, quando foi impedido de discursar, o governador Itamar Franco temia até atravessar o ginásio, passando pelos militantes, para se credenciar. A seus aliados, ele garantiu que ficará no partido e disputará as prévias.
— Itamar fica e vai disputar as prévias — disse o ex-presidente José Sarney (AP), depois de abraçar o governador.
Apesar da cordial conversa, Sarney, segundo seus aliados, votou em Temer para a presidência do partido. Fiéis à sua liderança, as delegações do Maranhão e do Amapá declararam voto em Temer.
— Estou votando em Temer. Sou disciplinado. Cumpro ordens do meu líder — disse o senador Gilvam Borges (AP), leal discípulo de Sarney.
A permanência de Itamar no partido é um divisor de águas.
— Todas as hipóteses de candidatura têm de ser protegidas. Vamos procurar Itamar e pedir que fique — disse o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL).
A opinião não é consensual. Enquanto Geddel chama Itamar de nômade partidário, instável e voluntarioso, o assessor especial da Presidência, Moreira Franco, desdenha:
— O que Itamar vai fazer da vida é um problema dele — disse.
Apesar do racha explícito do partido, as duas tendências vão ter que se entender. O grupo de Temer tem, a partir de agora, 75 das 119 cadeiras do diretório. Maguito, por sua vez, terá o direito de preencher as outras 44.
Convencional cobrará hoje apoio de Padilha
Governadores, prefeitos e parlamentares do PMDB se renderam ontem à evidência de que é vantajoso estar ao lado do governo. Em uníssono, os peemedebistas repetiam que é importante, sim, manter cargos no governo federal, especialmente os de ministro. O convencional baiano Asclepíades Queiroz, por exemplo, estará hoje, ao lado do seu líder, Geddel Vieira Lima, no Ministério dos Transportes. Ele tratará com o ministro Eliseu Padilha da liberação de recursos para a construção de uma estrada em Ubaitaba, onde é prefeito. Asclepíades também tem liberações a negociar com o Secretário de Desenvolvimento Urbano, Ovídio de Angelis. Entre elas, verbas já empenhadas para programas habitacionais. Das 418 cidades da Bahia, Ubaitaba, com 23 mil habitantes, foi uma das três a receber recursos da Embratur para festas de São João.
Nos últimos quatro dias de agosto, o Ministério da Integração assegurou R$ 31,2 milhões para obras. Desses, R$ 22 milhões estão destinados a quatro estados governados por peemedebistas. A Paraíba, de José Maranhão, foi contemplada com R$ 5,9 milhões. Apesar de um acordo anterior com Maguito, a delegação do estado votou em peso em Temer:
— Seria suicídio deixar o governo agora — disse o governador.
Beneficiado com R$ 9 milhões para a conclusão de uma barragem no Rio Grande do Norte, o governador Garibaldi Alves levou ontem 26 votos para a eleição de Temer. Ele reconhece que, sem um ministro aliado à frente da Integração Nacional (Ramez Tebet), não seria tão fácil obter recursos para suas obras.
— A participação no governo dá um grande impulso — admitiu ele.
Mesmo perdendo, Itamar não deixa o partido e planeja disputar prévias
BRASÍLIA. Apesar da vitória da ala governista do PMDB na convenção de ontem, o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, continuará sendo motivo de preocupação para o Palácio do Planalto. Depois de ameaçar sair do PMDB se perdesse a convenção, Itamar mudou de idéia e, pelo menos por enquanto, deve ser a pedra no sapato dos governistas que querem vê-lo fora do partido. Seus aliados confirmam que o governador de Minas vai continuar no PMDB e deverá disputar as prévias.
Em sua passagem-relâmpago por Brasília, Itamar disse que gostou da forma como foi recebido pelos convencionais e pela nova direção do partido. Em vez das vaias de 1998 no plenário da Câmara, ontem recebeu afagos de Michel Temer. Com o clima mais amistoso, o governador retornou a Belo Horizonte com uma posição de cautela. Aos que perguntaram o que faria daqui para a frente, pediu calma.
— No fulgor dos acontecimentos, nem o general em guerra fala— limitou-se a responder, no aeroporto.
Apoio do MR-8 no desembarque
Horas antes, na chegada a Brasília, militantes do MR-8 o recepcionaram com bandeiras do Brasil e faixas de apoio. “Nem lamparina, nem apagão, é Itamar para o progresso da nação!”, gritavam os manifestantes para todos os convencionais que desembarcavam. Pouco antes de Itamar entrar no ginásio do Colégio Marista, o deputado Michel Temer, que discursava, pediu às duas torcidas uma salva de palmas para os dois pré-candidatos do partido: Itamar e o senador gaúcho Pedro Simon.
Ontem, Itamar nem se inscreveu para falar. Receoso, ele relutou em dar a volta no ginásio para se credenciar para votar. Mas acabou cedendo, votou e foi embora em seguida. Deu uma única declaração nas pouco mais de duas horas em que esteve em Brasília.
“Itamar tem que servir ao partido”
Ao grupo que o acompanhava, porém, admitiu que a manifestação dos convencionais e de Michel Temer o sensibilizaram. Em seu discurso, Temer ressaltou que o partido terá candidato próprio à presidência da República, tese aprovada pela maioria dos convencionais. Fora do palanque, o deputado disse que já tinha dado um passo para a aproximação de Itamar e que, agora, tudo depende do governador.
— Pedi um aplauso especialíssimo para ele. Para o PMDB, é muito importante que ele fique. Mas Itamar, como eu e como qualquer peemedebista, tem que servir ao partido e não servir-se dele — disse Temer.
Aliado de Temer, o deputado Eunício Oliveira, presidente do partido no Ceará, queixou-se de Itamar. Contou que o partido vem pedindo uma definição do governador com relação aos palanques regionais e nunca teve resposta.
— O único pedido que fizemos a Itamar é saber como ele vai se posicionar nos estados. No Ceará, por exemplo, ele vai subir no meu palanque ou no palanque do grupo do Ciro Gomes? — perguntou Eunício.
Moção contra os corruptos constrange Jader
BRASÍLIA. De estrela maior do partido ao abandono político. Essa foi a trajetória do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) em seis meses, desde que se elegeu presidente do Senado, em março. O ex-presidente do PMDB recebeu ontem um tiro de morte do seu sucessor, deputado Michel Temer (SP). O novo presidente do PMDB condenou a volta de Jader à presidência do Senado, antes que consiga dar uma explicação definitiva sobre os escândalos que o envolvem. Na sua ausência, os correligionários que elegeram Temer também aprovaram duas moções de expulsão e suspensão dos peemedebistas que forem condenados por improbidade administrativa e malversação de verbas públicas.
— Quem tem de ser afastado do partido não é quem está sendo acusado de malversação, mas sim quem acusa disso — disse o deputado José Priante (PMDB-PA), primo de Jader, e alvo das investigações de fraudes na extinta Sudam.
Embora ninguém tenha citado Jader, as propostas foram interpretadas como um constrangimento imposto ao senador. Esta semana será decisiva para ele: os membros do Conselho de Ética entregam terça-feira cedo o relatório recomendando a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar. À tarde, o relatório pode ser lido no conselho e, se houver um pedido de vista, pode ser marcada a votação para a quarta ou quinta-feira.
— Tenho a impressão que se ele reassumir agora haverá uma carga maior. É melhor que ele apresente primeiro sua defesa definitiva. Mas essa é uma decisão pessoal — disse Temer.
O novo presidente do partido, porém, destacou que ainda não existe uma comprovação da participação de Jader nos crimes dos quais ele é acusado. Michel afirmou que o partido deverá se reunir esta semana para discutir o assunto.
Jader, que durante três anos comandou o PMDB, não pôde pisar na convenção. Seu nome sequer foi citado nas centenas de discursos. Segundo seu filho, Jader Filho, que participou do evento. o pai passou o dia numa fazenda no interior do Pará. Ele e a mãe, a deputada Elcione Barbalho, foram à convenção votar em Michel Temer. Elcione, que é acusada de ser beneficiária dos recursos desviados do Banpará, não arredou o pé do palanque. Sempre ao lado da ala governista do partido, ela criticou o senador Maguito Vilela.
— São três votos que estou colocando na caçapa do Michel Temer. O Maguito sequer fala com a gente — disse.
Candidatura própria é aceita até por Jarbas
BRASÍLIA. Apesar de ainda defender a manutenção da aliança governista entre o PMDB, o PFL e o PSDB, o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, assumiu ontem a tese de candidatura própria peemedebista, durante a convenção do seu partido. O governador disse que teve que aceitar a idéia para não enfrentar constrangimentos que poderiam tirá-lo do partido:
— Essa tendência no PMDB é avassaladora. Eu me rendi à tese para não ficar como um Quixote dentro do partido.
Caso prevaleça a tese de candidatura própria, o governador defende que o partido deixe os cargos que tem no governo em dezembro:
— No caso temos que sair do governo no fim do ano para não fazer o povo de besta.
Em meio a especulações sobre as prévias peemedebistas, o governador Jarbas Vasconcelos foi citado ontem como uma terceira alternativa para a disputa. O deputado Michel Temer, que teve sua candidatura à presidência do PMDB lançada por Jarbas, defendeu o nome do governador:
— É uma boa hipótese. É um nome tão bom como os outros que estão colocados (Pedro Simon e Itamar Franco).
Em sua rápida passagem pela convenção, o governador não subiu ao palanque e nem discursou. Mas não perdeu a oportunidade de criticar duramente o ex- presidente do partido, senador Maguito Vilela, e o governador de Minas Gerais, Itamar Franco:
— Maguito transportou a política de Goiás para o plano nacional. Quanto a Itamar, o problema não é do PMDB, mas do país. O Brasil é que tem que evitar Itamar, o retrocesso que ele representa.
Jarbas elogiou o presidente Fernando Henrique Cardoso, por ter dito que a chapa governista nas próximas eleições presidenciais não precisa ser encabeçada por um tucano:
— Isso ajuda muito a construção de uma unidade. Ele já devia ter dito isso antes.
Ao analisar o quadro sucessório, Jarbas mostrou-se pessimista. Segundo ele, hoje o cenário é negativo para as forças de situação, especialmente se elas estiverem divididas no ano que vem. O governador, no entanto, citou a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), que despontou nas últimas pesquisas, para falar do dinamismo da política nacional.
— Ontem diziam que o PFL não tinha condições de se sentar à mesa para negociar sua participação na chapa governista. O partido reagiu com a Roseana. Hoje o quadro é negativo, mas estamos a um ano das eleições e as pesquisas agora são artificiais.
Caciques trocam sopapos
BRASÍLIA. A exemplo de 1998, a convenção do PMDB teve cenas explícitas de violência. Só que, desta vez, não foram os militantes, mas os mais notáveis peemedebistas que protagonizaram a briga em pleno palanque. A causa: a inclusão da data de 21 de outubro para a realização de prévias do PMDB na cédula de votação para presidente do partido, contrariando o próprio edital de convocação da convenção. Enquanto, atônitos, os governistas acusavam o atual presidente do partido, Maguito Vilela, de golpe, um delegado de Goiás, o advogado Nei Moura Teles, assumiu o microfone para defender a legitimidade da cédula.
Indignado, o líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esbravejou:
— É golpe sujo, golpe sujo!
E se lançou sobre Teles para arrancar-lhe o microfone. Como o goiano resistia, os governistas, incluindo o assessor especial da Presidência Moreira Franco, avançaram para tomar o microfone.
— Estão me agredindo! — gritou o prefeito de Campo Grande, André Puccineli, reclamando de socos nas costas.
— Estão tentando me ferir! — repetia Maguito.
Entre os governistas inflamados e Teles, Moreira ora tentava apartar a briga, ora dava uns empurrões no advogado. Acabou levando uma chave de pescoço de um aliado, o deputado José Índio (SP). Tranqüilizado pelo ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, Geddel caiu em si e tentou apaziguar:
— Calma, Índio...
Tarde demais. O senador Casildo Maldaner (SC) já estava escalando a mesa para entrar na confusão.
— Desce daí — ordenou Geddel.
Maguito diz ter levado tapas de governistas. A confusão foi o clímax de uma convivência tensa. Irritados com a extensão dos discursos dos oradores de oposição, os governistas acusavam os adversários de tentar adiar o início da votação, obrigando os convencionais a ir embora antes de votar.
— Chega. Vamos votar logo — insistia Padilha, enquanto o ex-governador Orestes Quércia discursava.
No fim da tarde, mais confusão. Ao deixar o ginásio para esperar o resultado da votação numa sala ao lado, o candidato Michel Temer foi chamado de tucano por militantes do MR-8, que berravam “Xô, Satanás”. Mais uma vez, a segurança teve de intervir.
Do lado de fora a hostilidade entre os grupos de Temer e de Maguito se restringiu a xingamentos, gritos de guerra e palavrões de uma torcida contra a outra, postas em lados opostos nas arquibancadas do ginásio Maristão.
Para garantir a segurança da convenção, a Polícia Militar do Distrito Federal recrutou 400 policiais, de seis companhias, e até um pelotão do Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Num dos cantos do ginásio, o índio Marcos Terena acompanhava a convenção. Ex-petista, hoje filiado ao PMDB, ele pretende se candidatar a deputado federal ano que vem, em Mato Grosso do Sul e acredita que possa ser eleito com os votos dos 60 mil indígenas que vivem no estado.
— Precisamos nos eleger para garantir aprovação dos projetos de interesse de nossa comunidade, como o Estatuto dos Índios, que tramita no Congresso há 10 anos — declarou Terena, que é coordenador de Direitos Indígenas na Funai.
Maluf fala hoje à CPI sobre dinheiro em Jersey
SÃO PAULO. A origem dos investimentos de Paulo Maluf (PPB) e família na Ilha de Jersey será o tema principal do depoimento do ex-prefeito à CPI que investiga o crescimento da dívida pública do município na Câmara dos Vereadores. O depoimento, o quarto de Maluf a uma CPI da Câmara em 2001, está marcado para a tarde de hoje. Amanhã, Maluf enfrenta outro interrogatório, na Justiça Federal, que o investiga pela emissão fraudulenta de R$ 1,2 bilhão em títulos da prefeitura para o pagamento de precatórios.
Os integrantes da CPI passaram o feriado estudando documentos obtidos com a quebra dos sigilos telefônico e fiscal do ex-prefeito. Eles vão questionar a origem do dinheiro, já que Maluf não declarou o investimento ao imposto de renda. No ano passado, Maluf apresentou à Justiça Eleitoral uma declaração cujo patrimônio soma cerca de R$ 75 milhões. O Ministério Público desconfia que o investimento em Jersey seja de pelo menos US$ 200 milhões.
— Como ele declarou esse dinheiro? Acho difícil que tenha sido por suas empresas, já que a Eucatex (fábrica de material de construção da família Maluf) não dá lucro há sete anos — disse a presidente da CPI, Anna Martins (PC do B).
Depois, os vereadores vão interrogar Maluf sobre telefonemas a paraísos fiscais e à instituição financeira Salomon Smith Barney, em Nova York, encontrados em suas contas telefônicas. Segundo carta enviada pelo chefe da polícia de Jersey, David Minty, ao Ministério Público, parte do dinheiro lá depositado vem da Salomon Smith Barney. O resto teria vindo do Citibank de Genebra (Suíça), do Paraguai e Bahamas. Apesar dos documentos e dos indícios da existência do investimento em Jersey, Maluf continua afirmando que não tem e jamais teve contas em paraísos fiscais.
Em nota divulgada na sexta-feira, Maluf reclamou de jornalistas que estariam ligando para amigos seus no exterior e acusou a CPI e o Ministério Público de repassarem à imprensa dados protegidos pelo sigilo telefônico. Ontem, a “Folha de S. Paulo” informou que Flávio Maluf, filho e representante legal do ex-prefeito, ligou três vezes para o escritório de advocacia especializado no desbloqueio de investimentos Schellenberg Wittmer, da Suíça, no dia 10 de julho, quando o jornal revelou os depósitos em Jersey.
Artigos
Reformas, antes que tudo mude
ENILSON SIMÕES DE MOURA
João acorda e o sol ainda nem apareceu. É madrugada mas é preciso ganhar tempo para não perder o ponto bem localizado na esquina movimentada do Centro da cidade. Toma seu café da manhã e cumpre uma rotina semelhante ao pai de família que sustenta a casa trabalhando em uma seguradora famosa. A única diferença é que João está ocupado com uma barraca de churros. O outro é empregado com carteira assinada.
A mudança na organização do trabalho no Brasil mostra que a sutil linha que separa os trabalhadores formais dos informais é moldada pela oposição básica emprego x ocupação. Na realidade, a busca por uma ocupação nada mais é do que a falta desse emprego que oferece direitos sociais previamente estabelecidos na lei. Logo, o desemprego no país também é criado, via de regra, pela falta de ocupação. Uma realidade que precisa ser revista e considerada como característica principal desta nova organização do trabalho.
Ao mesmo tempo que a massa de trabalhadores brasileiros é composta por informais que batem ponto nas esquinas, ou até mesmo dentro de casa, como é o caso das costureiras, as leis do trabalho estão indisponíveis para todos. Os trabalhadores não estão organizados e, caso isso não ocorra o mais rapidamente possível, será difícil tornar o direito do trabalho disponível, a curto ou médio prazo, tanto para essa massa de excluídos quanto para o restante que vive sem representação.
Existe um grande número de sindicatos absolutamente inúteis. Vivem de receita compulsória que é a contribuição sindical, não negociam em nome dos trabalhadores, não organizam os trabalhadores e não os representam adequadamente. No final da luta por melhores salários ou condições de emprego, ou o trabalhador tem o que está previsto na CLT ou não tem nada. Os sindicatos tradicionais também não têm interesse em organizar os trabalhadores informais. Não conseguem e nem querem porque, na verdade, esse trabalhador não tem folha de pagamento, o que os obrigaria a sair de casa para pagar ao sindicato pessoalmente. E isso dificilmente ocorreria. Aliado a esse quadro, a lei sindical também não permite ainda este tipo de organização no país.
Por outro lado, é preciso também compatibilizar o mundo do trabalho com o desenvolvimento econômico. Uma fábrica de vassouras poderia ter um contrato de trabalho diferente de uma fábrica de computadores, por exemplo. Não é necessário uma jornada de trabalho de 44 horas semanais em uma empresa completamente informatizada. É possível negociar melhorias para esses trabalhadores. E isto, a nossa lei não permite.
Ao mesmo tempo, não se pode flexibilizar o direito do trabalhador com a atual organização sindical que existe no país, porque ela não foi moldada para negociar. Hoje, a lei sindical não prevê uma organização horizontal e sim uma organização por corporação. Antigamente, tinha-se o direito do trabalho inteiramente previsto na legislação, logo, não era necessário que os sindicatos negociassem nada, estava tudo previsto na CLT. Caso a CLT não resolvesse o problema do trabalhador, havia a Justiça do Trabalho, acumulando centenas de processos em dezenas de gavetas. Uma Justiça com custo absurdo e com a figura do Ministério Público do Trabalho — alguma coisa semelhante à Funai dos trabalhadores — totalmente inoperante.
No conjunto de reformas trabalhistas elaboradas pela Social Democracia Sindical, propomos a negociação das partes com a manutenção de leis básicas do trabalho. Isto é, em vez de um enorme conjunto de normas, como é o caso da CLT, haveria um código que não poderia ser negociado em circunstância alguma — proibindo o trabalho infantil e implementando proteção à maternidade, por exemplo. Uma espécie de “leis sagradas” assegurando aos “Joões” espalhados pelo país direitos básicos, facilitando suas vidas caso a mania dos churros recheados seja substituída por outro modismo gastronômico.
Outra proposta é a extinção do Ministério Público do Trabalho. Se, hoje, a lei trabalhista cria tamanha inflexibilidade, conclui-se que o atual direito do trabalho não nos serve mais. Para que então insistir com uma instituição que prega exatamente essas leis caducas e, ainda por cima, impõe uma maneira de pensar anacrônica, em detrimento da vontade dos trabalhadores? Já existem estudos que comprovam que o atual sistema intimida o crescimento da economia informal e que muitos investimentos deixam de vir para o Brasil em função dessa relação de trabalho arcaica. Mais motivos para realizarmos as reformas.
A única coisa certa é que, mesmo que ocorram essas tão sonhadas reformas trabalhistas, nunca mais teremos emprego formal para todos os que precisam de uma ocupação no país. É impossível pensar que 40 milhões de brasileiros que estão na informalidade passarão a ter carteira assinada. E olha que tem muita gente que acredita que esse número é problema de fiscalização do Ministério do Trabalho, algo absolutamente inadmissível, considerando os “Joões” que existem em cada porta de escola, em cada esquina do bairro. A realidade é outra. Precisamos nos adaptar, mudar as leis. Antes que, mais uma vez, a organização do trabalho mude primeiro.
Discriminação decente
CRISTOVAM BUARQUE
Amaior diferença entre a paisagem de um campus universitário brasileiro e um americano não está nos prédios ou jardins, está na falta de estudantes negros. Há muito mais deles nos Estados Unidos do que no Brasil. Apesar de, naquele país, os negros terem sido legalmente discriminados até os anos 60 do século XX, enquanto o Brasil orgulha-se de ser um país sem discriminação racial.
Os campi brasileiros são provas materiais de duas grandes mentiras brasileiras: a primeira é que o Brasil é um país sem preconceito racial. A segunda é que, graças ao crescimento econômico, os filhos dos trabalhadores entrariam nos prédios que seus pais construiriam.
A proposta de garantia de cota para o ingresso de negros na universidade está conseguindo desfazer a primeira mentira, ao romper a indiferença dos brasileiros ao tema da discriminação. Há muitos anos o movimento negro brasileiro insiste na denúncia da discriminação, sem conseguir despertar a atenção da opinião pública. Venceu quando transformou a denúncia em proposta e tocou em um dos mais bem guardados direitos da elite brasileira: as vagas na universidade pública. O despertar da imaginação brasileira para a realidade do racismo disfarçado que impera em nossa sociedade já seria suficiente para justificar a proposta de cota.
Além disso, ela pode ser um instrumento de justiça racial e também de dignidade nacional. Depois de quatro séculos de escravidão e um século sem terra para trabalhar, sem educação para os filhos, os negros brasileiros têm direito a uma política de discriminação afirmativa que recupere para alguns dos seus os direitos que lhes são negados. Por outro lado, o Brasil é marcado internacionalmente pelo absurdo de ser um país negro quase sem negros nas universidades e, conseqüentemente, nas profissões liberais e nos cargos de direção. A cota universitária trará justiça alguma racial e ajudará a melhorar a imagem do Brasil no exterior.
Não podemos deixar, porém, que ela seja instrumento de fortalecimento da outra mentira. Não devemos encobrir a mentira da tolerância racial brasileira, fortalecendo a mentira de que vamos beneficiar os pobres com medidas que só beneficiam os que já estão dentro da modernidade. Em um país onde poucos terminam o ensino médio, a cota racial beneficiará apenas os jovens negros de classe média que conseguirem superar a barreira do ensino médio.
Para beneficiar os pobres, a cota deveria ser dirigida diretamente aos pobres, conforme a posição econômica e social: cota para os filhos dos trabalhadores com baixos salários, com até dois salários-mínimos de renda. Mas isso seria outra mentira, porque os filhos dos pobres só raramente conseguem chegar ao final do ensino médio. A maior parte deles não termina sequer o quarto período do ensino fundamental. Mesmo essa cota social só beneficiaria um reduzido número de pessoas, não representaria qualquer mudança no quadro social da população pobre brasileira.
O que erradica a pobreza não é ter alguns filhos de pobre se formando médicos para atender apenas aos filhos dos ricos, mas ter os filhos dos pobres sendo atendidos por médicos, filhos de ricos ou de pobres.
A cota universitária pode contribuir para corrigir a discriminação e ser um gesto positivo na imagem do Brasil no exterior. Mas a verdadeira política para atender aos interesses da população pobre seria uma cota de cem por cento dos jovens terminando o ensino médio em escolas com qualidade. Se isso for feito, beneficiaremos todos os pobres, a maior parte dos quais negros. As cotas raciais seriam desnecessárias em pouco tempo.
Assim fez Cuba, um país onde a escravidão durou tanto quanto no Brasil, com um sistema de educação com qualidade para todos que praticamente eliminou a discriminação racial. Diferentemente dos EUA, que escolheram o caminho da cota racial, porque lá, como no Brasil, a desigualdade de classes mantém uma desigualdade racial no acesso à educação de qualidade. Lá existe uma nitidez racial que facilita o uso do sistema. No Brasil, onde até o presidente aristocrático diz ter origem negra, vai ser difícil realizar um programa de cotas raciais sem ambigüidade. Mesmo assim, a cota racial ou a social traria benefícios para quebrar os preconceitos. Porque a maneira de corrigir uma antiga discriminação imoral contra um grupo é usar discriminação decente a favor deste grupo por algum tempo.
Sobretudo quando os jovens beneficiados por ela, protegidos para entrar na universidade, mostrassem, lá dentro, que são melhores alunos do que os filhos dos brancos e ricos. Ainda mais quando tivessem a chance de exercer a profissão com competência, o que hoje é negado pelas barreiras que facilitam o ingresso de ricos e brancos.
Enquanto o Brasil não tiver escola de qualidade para todos, será um avanço estipular sistemas de cotas para corrigir a histórica discriminação que pesa sobre índios, portadores de deficiências físicas e mentais, mulheres, negros e nordestinos. Não se pode esquecer que a maior discriminação é contra os pobres, de todas as raças e grupos sociais.
Um país é feito da imaginação que seu povo tem de si, e deformado pelas mentiras que acumula sobre si. Derrubar essas mentiras ajuda a corrigir injustiças e a construir um país melhor.
Colunistas
Panorama Político – Diana Fernandes
Passo à frente
A passagem rápida e silenciosa de Itamar Franco pela convenção do PMDB suscitou interpretações diversas. Uns diziam que era um sinal de paz, ele fica no partido. Outros apostavam o contrário. Acabou a tão esperada convenção, mas não as incertezas quanto a Itamar. Ganha corpo agora a sucessão presidencial, com os três maiores partidos aliados assumindo candidaturas próprias.
Por mais que Michel Temer e seu grupo afirmem e reafirmem que o PMDB terá candidato próprio à sucessão de Fernando Henrique, dúvidas a esse respeito são alimentadas pelos próprios peemedebistas. O mesmo sentimento de que não é para valer ronda também a pré-candidatura da pefelista Roseana Sarney.
Se PMDB e PFL vão de candidatos próprios ou vão aderir ao presidenciável do PSDB só lá para junho ou julho o país saberá. Mas já a partir de agora a sucessão presidencial não dará mais sossego ao presidente Fernando Henrique. Terá que conviver diariamente com fatos, futricas e conchavos envolvendo peemedebistas, tucanos e pefelistas.
O PFL já se considera decidido, quando diz que seu candidato é Roseana. O PMDB promete que a escolha será feita nas prévias de 20 de janeiro — poderão disputar Itamar e o senador Pedro Simon, ou apenas Simon e o governador Jarbas Vasconcelos. O PSDB tem os nomes — José Serra, Tasso Jereissati e Geraldo Alckmin — mas não definiu a forma de escolha.
Prévia interna é um assunto que divide os tucanos. É defendida por Tasso e Alckmin, mas Fernando Henrique e Serra apostam na escolha por meio de pesquisas qualitativas e teste de popularidade e carisma dos candidatos. Os tucanos ainda vão levar tempo nessa discussão.
Voltando ao PMDB e sua convenção de ontem, a vitória da ala governista com a eleição de Michel Temer não foi surpresa. Mas o que fazer exatamente com a vitória esse grupo ainda não sabe. Depende muito da decisão de Itamar Franco. Tinhoso como é, ele deverá manter até 5 de outubro, prazo final para filiações, o suspense sobre seu destino partidário.
Os caciques governistas do PMDB tiraram ontem a turma de Itamar do comando do partido e querem, a partir de agora, tirar-lhe a condição de candidato natural à Presidência.
— Ele tem bom desempenho nas pesquisas mas não vai a lugar algum sem o PMDB. Queremos que ele fique, mas precisa saber que não é mais importante que o partido. O PMDB é mais forte que ele — resumiu um cardeal peemedebista.
O deputado Benito Gama (BA), ex-pefelista, estava surpreso com o clima de campeonato de futebol da convenção do PMDB: "É um partido vivo, com torcidas fanáticas".
Depois do PMDB, o PT
Durante toda esta semana, os petistas vão tentar mobilizar os militantes do partido para as eleições que vão escolher no domingo o novo presidente do partido. Sem horário na propaganda política gratuita, a direção nacional está apelando para os diretórios estaduais usarem seus espaços no rádio e na televisão para a convocação.
Há um receio de que as primeiras eleições diretas do PT — com os filiados escolhendo os dirigentes — sejam um fracasso de público. Estão aptos para votar mais de 800 mil filiados, a expectativa é de que compareçam 300 mil.
Favorito na disputa, o deputado José Dirceu quer derrotar os outros quatro pretendentes já no primeiro turno. Como o PMDB, o PT sairá da eleição rachado. Só não é tão difícil juntar os cacos depois.
Diplomacia
O governo foi surpreendido com a rapidez com que o governo italiano concedeu o agreement a Andrea Matarazzo, novo embaixador brasileiro em Roma. Espera-se que o governo português não seja tão rápido em relação ao pedido de agreement de José Gregori, que já estaria por lá. FH teria que arranjar logo o substituto de Gregori no Ministério da Justiça.
Esse tema sempre provoca disputa na Esplanada dos Ministérios.
Troca-troca
Pelo menos aos ministros do PMDB o presidente Fernando Henrique voltou a falar na possibilidade de fazer uma reforma ministerial em dezembro. Seria aquela em que sairiam todos os ministros políticos, candidatos às eleições do ano que vem. Daí a defesa feita por alguns caciques do PMDB, ontem, de se realizar as prévias em dezembro, em vez de janeiro. Com a escolha do candidato presidencial, os ministros sairiam do governo antes da reforma.
Editorial
Oportunidade
Para compensar a escassez crônica de verbas, o governo tem adotado soluções criativas para viabilizar pesquisas científicas e tecnológicas no país. No caso do petróleo, por exemplo, à medida que as empresas produzirem óleo e gás, contribuirão com parte da receita para financiamento de pesquisas no setor.
O Orçamento federal está completamente comprometido em programas sociais básicos. A realidade das finanças públicas não permite que se possam deslocar mais dotações para as atividades de pesquisas.
Com isso, sem se recorrer a soluções criativas, pesquisas relacionadas com o campo aeroespacial tenderiam sempre a ficar em segundo plano. Uma oportunidade apareceu sob a forma de aluguel da Base de Alcântara, para lançamento de foguetes que põem satélites de comunicação em órbita. Por estar próxima à linha do equador, Alcântara tem posição privilegiada.
O acordo com os americanos para uso da base seguirá as normas que regem no mundo o aluguel de áreas para lançamento de foguetes por outras nações. Ou seja, contém cláusulas que protegem a tecnologia do locatário.
Trata-se apenas disso. O Brasil não está pondo em risco sua soberania, até porque os comandos militares, que são avalistas da operação, jamais concordariam com um acordo que de fato representasse tal risco. Ao contrário, a receita do aluguel permitirá que as pesquisas brasileiras avancem no campo aeroespacial e o país poderá, enfim, tirar maior proveito da sua base de lançamento de foguetes em Alcântara.
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