Governo tenta alterar lei de crimes hediondos









Governo tenta alterar lei de crimes hediondos
BRASÍLIA. O Palácio do Planalto envia hoje ao Congresso duas propostas para serem analisadas com prioridade na Comissão Mista de Segurança Pública, que será instalada amanhã. Uma delas altera a lei de crimes hediondos, suspendendo o direito dos acusados de responder ao processo em liberdade. O outro projeto muda a lei antidrogas, impedindo que o usuário seja tratado como criminoso, além de criar penas alternativas.

As duas propostas chegam ao Congresso em regime de urgência constitucional. Isso significa que os projetos devem ser votados em no máximo 45 dias. Caso contrário, os projetos trancam a pauta, e nada pode ser votado antes deles.

O projeto sobre crimes hediondos tem a intenção de evitar que acusados de crimes como estupro, seqüestro, tráfico de drogas, crime organizado e outros classificados como hediondos possam responder aos processos em liberdade. Atualmente, muitos juízes concedem a liberdade provisória, principalmente em casos em que os presos apresentam bom comportamento.

O outro projeto substituirá a parte da Lei Nacional Antidrogas vetada pelo Planalto em dezembro do ano passado. O veto, segundo a assessoria do governo, foi feito para corrigir “incongruências jurídicas” do texto aprovado. A nova proposta prevê que o uso e o porte de drogas não constituirão crime. E estipula penas alternativas, que vão do tratamento médico — quando for determinada a dependência química dos usuários — a serviços comunitários, ou multa.

Congresso começa a trabalhar de fato amanhã
Apesar da abertura do ano legislativo na última semana, é amanhã que realmente devem começar os trabalhos no Congresso. Na pauta, três medidas provisórias que sobraram do ano legislativo de 2001 estão trancando as votações. A prioridade do governo é votar em primeiro turno a emenda que prorroga a vigência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 2003.

Se não for aprovada em duas votações na Câmara e em outras duas no Senado até o final de março, a suspensão da cobrança da CPMF irá reduzir em R$ 400 milhões por semana a arrecadação da União.

O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), avisou que colocará em votação na terça-feira as três MPs, havendo ou não acordo. Tudo indica que o governo terá dificuldade para aprovar pelo menos duas dessas MPs: a que regulamenta o direito de greve do funcionalismo público e a que estabelece a renegociação da dívida dos grandes agricultores. A oposição já avisou que não pretende fazer acordo.

O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), chegou a propor que o governo desistisse de parte dessas duas MPs em troca do apoio da oposição para a prorrogação da CPMF, mas o Planalto negou o acordo. Mesmo assim, as MPs devem ser votadas, porque o governo não pode votar nada antes da apreciação dessas medidas.

Votação da CPMF está prevista para quarta
Na quarta-feira, depois da votação das MPs, Aécio tentará votar em segundo turno a proposta de emenda constitucional que abre a possibilidade de o capital estrangeiro investir em empresas de comunicação. No mesmo dia, será votada em primeiro turno a PEC da CPMF. Também estão na fila para votação o projeto de lei que regulamenta a previdência complementar dos servidores públicos e a medida provisória que corrige a tabela do Imposto de Renda.

Na terça-feira também começa a trabalhar a Comissão Mista de Segurança Pública. Os parlamentares terão 60 dias para fazer uma triagem entre os 145 projetos sobre segurança pública que tramitam no Congresso. Desses, cerca de 20 poderão ser votados este ano. O deputado Custódio Mattos (PSDB-MG) será o relator da Comissão. O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), disse que o partido indicará os senadores para a comissão até terça-feira.


Depois da prisão, o processo
Oex-senador Jader Barbalho livrou-se da cadeia, mas os problemas com a Justiça por causa dos desvios de verbas da Sudam estão longe de acabar. Hoje, o juiz Alderico Rocha Santos, da 2 Vara da Justiça Federal em Tocantins, que decretou sua prisão preventiva, deverá acolher a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra Jader e 26 acusados. Com a abertura formal do processo, o ex-senador deverá ser intimado ainda esta semana para depor.

— Ele costuma dizer que não existe processo contra ele. Agora vai ter — disse um dos procuradores que investigam o esquema responsável pelo desvio de R$ 1,7 bilhão.

Só em projetos financiados pela Sudam em Tocantins o ex-senador e seu grupo são acusados de um desvio superior a R$ 132 milhões. As denúncias envolvem até dois filhos de Jader. Dois projetos apresentados por eles à Sudam foram encontrados num disquete apreendido com a contadora Maria Auxiliadora Barra Martins, presa com Jader em Palmas, apontada como a operadora técnica das fraudes.

A situação de Jader deve se complicar ainda mais porque, esta semana, a Polícia Federal deverá enviar ao Ministério Público os laudos técnicos sobre os documentos usados nas fraudes. Segundo um delegado da PF, os laudos reforçam a denúncia já apresentada à Justiça.

Jader pediu para não ser algemado
Logo no início das 16 horas em que esteve preso (oito sob custódia e oito na cela), Jader tentou convencer a PF de que as algemas eram desnecessárias. Na chegada a Palmas, escondeu-as com o livro “Tempos muito estranhos”, de Doris Kearns Goodwin, que narra os bastidores do poder nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. O livro foi providenciado na última hora por um segurança.

Depois, alternando momentos de irritação e de abatimento, pediu insistentemente que os advogados apressassem a saída dele da cadeia. Ele ficou numa cela especial da Superintendência da PF, onde comeu frutas, biscoitos e uma barra de cereais, mas não escondeu o pavor de passar muito tempo ali. “Vejam se reparam isso logo. Essa minha prisão é uma injustiça!”

Por volta das 22h, quando recebeu a notícia de que a ordem de prisão havia sido revogada, transformou-se. De terno, mas sem gravata, saiu caminhando devagar e falou com jornalistas. Disse que a prisão era ainda fruto da briga com o ex-senador Antonio Carlos Magalhães pela presidência do Senado e da inveja dos adversários. Também acusou a Justiça Federal em Tocantins de agir com intenções políticas.

“Foi um circo porque lidero as pesquisas”
Jader chegou a Belém às 2h30m. Recebido por correligionários, foi para seu apartamento no Centro. Segundo assessores, passou o dia falando com Brasília e recebendo a solidariedade de políticos.

— Isso não passou de um circo montado para atingir minha imagem, pelo fato de que as pesquisas no Pará registram que se quiser ser governador, serei. Se quiser me candidatar ao Senado, o povo vai me apoiar — afirmou.

Jader acusou o delegado da PF Luiz Fernando Machado de ter efetivado uma prisão ilegal com motivação política:

— Ele é ligado ao Romeu Tuma (senador pelo PFL-SP e um dos relatores do seu processo no Conselho de Ética) e ao ACM, que aliás comemorou essa violência com uma churrascada. Eles montaram um esquema lá em Tocantins, onde o governo é do PFL, e o trouxeram para cá, com os seus aliados daqui.


Ainda foragido, Borges fica livre
PALMAS e CUIABÁ. O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1 Região, Tourinho Neto, cassou ontem o mandado de prisão do empresário José Osmar Borges, ex-sócio de Jader Barbalho e acusado de desviar R$ 84 milhões da Sudam. Ele estava sendo procurado por quatro equipes da Polícia Federal desde sexta-feira. Na petição enviada ao TRF, os advogados de Borges pediram que Tourinho Neto estendesse ao empresário os efeitos do hábeas-corpus concedido a Jader.

Borges é acusado de fraudar a Sudam, falsificando notas ficais e superfaturando bens apresentados como contrapartida em projetos. Uma das maiores fraudes foi descoberta no projeto Moinho Santo Antônio. Na prestação de contas há uma referência à compra de um moinho de trigo no valor de R$ 39 milhões. O preço de mercado, no entanto, era de R$ 14,8 milhões.

Guedes voltou a Belém de carona no jato de Jader
O hábeas-corpus para Regivaldo Pereira Galvão foi o último a ser concedido por Tourinho para o grupo de seis pessoas presas anteontem por fraudes na Sudam. Ele saiu da prisão no fim da noite de ontem. Regivaldo é acusado de, como agiota, emprestar dinheiro para empresário pagarem projetos fraudulentos apresentados à Sudam.

A contadora Maria Auxiliadora Barra Martins, o ex-superintendente da Sudam José Arthur Guedes Tourinho e o empresário Laudelino Délio Fernandes foram soltos com Jader na noite de sábado. Guedes voltou a Belém no jato fretado por Jader, seu padrinho político. A contadora dormiu em Palmas e só ontem é que teria viajado para Belém. No início da tarde de ontem, o ex-vice prefeito de Altamira José Soares Sobrinho também foi solto.

Quando levados para a cadeia, os seis foram divididos em dois grupos pela PF. Jader, Guedes e Maria Auxiliadora ficaram nas celas especiais da Superintendência. Regivaldo, Fernandes e Soares foram levados para o presídio estadual.

Maria Auxiliadora ficou sozinha numa cela, vizinha à destinada a Jader e a Guedes. A cela tem duas camas de cimento com colchões e um vaso turco. Durante o curto período de prisão, Maria Auxiliadora, que também foi levada algemada de Belém para Palmas, passou boa parte do tempo lendo a Bíblia. Segundo um de seus interlocutores, a contadora chorou nos momentos de maior desespero.

O ex-vice-prefeito disse que nunca usou dinheiro da Sudam para fazer caixinha de campanha. Soares alegou ainda que sua prisão tinha apenas motivo político.


lnfluência de caso em campanha divide os partidos
BRASÍLIA. A prisão do ex-senador Jader Barbalho divide os partidos. No PMDB a avaliação é de que a sigla já está pagando há muito tempo pelo envolvimento de Jader em denúncias de corrupção. Mas seus integrantes acreditam que a população saberá diferenciar a conduta das várias lideranças do partido.

— O partido já exorcizou o Jader. Nós já pagamos por isso. Os eleitores sabem que não podem comparar todo o cesto com a laranja podre do balaio — disse o vice-líder do PMDB, deputado Mendes Ribeiro (RS).

O PT pretende usar a prisão de Jader durante a campanha eleitoral, especialmente nas peças feitas para estimular a população a eleger a nova maioria parlamentar ao Congresso.

Entre os pefelistas não se pretende explorar o episódio diretamente. Eles acreditam que quando um número mais expressivo de eleitores tomar conhecimento da prisão e de seus motivos, todos os que apoiaram a eleição de Jader para o Senado serão prejudicados.

Os tucanos avaliam que o fato não terá importância na disputa presidencial, e sim na política paraense. Eles acreditam que o fato vai beneficiá-los, porque o governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB) é adversário de Jader.


“O povo acaba bravo é comigo!”
O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1Região, Fernando Tourinho Neto, diz que está preparado para ser o alvo da revolta e da frustração da população que quer Justiça rápida, depois de ter dado o hábeas-corpus para libertar o ex-senador Jader Barbalho. Mas reclama dos juízes de primeira instância, que, na sua opinião, exageram na interpretação da lei sobre prisão preventiva e colocam os juízes de segunda instância em situações muito delicadas, já que têm obrigação de atender à Constituição.
Maria Lima
BRASÍLIA

Seu despacho, no caso da prisão de Jader Barbalho, chega a ser irônico com a argumentação usada pelo juiz Alderico Rocha...
FERNANDO TOURINHO NETO: Os juízes de primeira instância têm que pôr uma coisa na cabeça: enquanto não mudar a Constituição, só pode ser preso se condenado. A prisão preventiva só se aplica a três casos: para garantir a ordem pública, pela conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Este caso não se aplica a nenhuma dessas hipóteses. O juiz fez uma ilação com a situação da Argentina, que teria chegado ao caos por causa da corrupção que não é combatida. O que isso tem a ver com o caso de Jader e dos outros dez envolvidos?

Não soa estranho para a população o fato de a Justiça mandar prender e soltar 11 pessoas em 24 horas?
TOURINHO NETO: Acho que o juiz fez isso para agradar ao povo. E o povo acaba ficando bravo é comigo! Sei disso... Ontem recebi vários telefonemas de parentes meus de Salvador, brigando comigo. Diziam: “Como você faz uma coisa dessas? Soltando um ladrão!” Nem tento explicar mais. Ninguém quer saber de explicação, quer é ver o sujeito na cadeia. O que posso fazer se tenho que tomar decisões antipáticas que preferia não tomar? O juiz que decretou as prisões sabia que (a decisão) ia cair. Agiu contrariando o sentido da Justiça. Isso cria um sentimento de impunidade na população. Pensam: que Justiça é essa, que manda prender e soltar no mesmo dia? Ficam achando que o juiz de segundo grau deve favores a políticos para chegar ao tribunal. Como não tenho medo, tenho que tocar para a frente, de acordo com a Constituição.

O senhor já enfrentou alguma situação delicada, em outras decisões polêmicas?
TOURINHO NETO: Quando soltei o Luiz Estevão, minha mulher, a Conceição, foi ao cabeleireiro. Lá uma madame começou a me xingar de juiz descarado, safado. Dizia: “Deve ser ladrão também!”. Minha mulher teve que se fingir de morta, que não me conhecia. Ficou caladinha, porque não adiantaria discutir.

O que o senhor acha que vai acontecer com Jader e os envolvidos no caso da Sudam?
TOURINHO NETO: Não sei em que fase está o processo lá em Tocantins. Sei que ainda tem o prazo para defesa, a oitiva de testemunhas dos dois lados, as diligências, o julgamento com a definição das penas e, depois, o recurso dos condenados. Todos ficamos querendo a justiça imediata, mas não tem jeito, tem que seguir um trâmite, que na maioria das vezes é muito demorado e frustrante. É preciso acelerar o rito processual, diminuir o número de recursos, para que os processos corram mais rapidamente.


Roseana quer influenciar PFL no Congresso
BRASÍLIA. A governadora do Maranhão e pré-candidata do PFL, Roseana Sarney, encontra-se hoje com o presidente do partido, Jorge Bornhausen (SC), e o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, para definir como o partido vai se posicionar durante as votações no Congresso, daqui para frente. A governadora do Maranhão permanecerá a semana inteira no Rio de Janeiro.

Segundo um dos assessores da campanha de Roseana, com a saída de Antonio Carlos Magalhães do Senado, Roseana assumiu o posto de maior liderança do partido. Ela pretende exercer a sua influência também sobre a bancada do PFL no Congresso. No Rio, a governadora também vai buscar dados dos indicadores sociais do Maranhão no Ipea e no IBGE, para utilizá-los em sua campanha.


Garotinho: PT está traindo a oposição
RIO e SÃO PAULO.De volta de uma viagem à Europa, o governador Anthony Garotinho, candidato do PSB à Presidência, acusou ontem, no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o PT e o PSDB de se unirem contra ele. O governador criticou o encontro entre o secretário-geral da Presidência da República, Arthur Virgílio, e o deputado Paulo Delgado (PT-MG).

— O que mais me chamou atenção no noticiário foi a reunião do deputado Arthur Virgílio com o deputado Paulo Delgado, na qual me elegeram o inimigo em comum. Eles querem um segundo turno entre Lula e Serra — atacou.

Para ele, a atuação dos dirigentes do PT pode prejudicar possíveis acordos do partido com outras legendas de oposição no segundo turno:

— Desconfio que, por baixo dos panos, a direção do PT vem traindo a confiança da oposição.

O PT reagiu às declarações. O presidente do partido, deputado José Dirceu, divulgou ontem uma nota desmentindo uma suposta aliança de petistas com o governo para barrar as candidaturas de Garotinho e Ciro Gomes (PPS).

“Conversei com o deputado Paulo Delgado que me assegurou não ter discutido com o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio, sobre sucessão e eleições e, muito menos, proposto qualquer tipo de aliança contra Garotinho e Ciro Gomes. Em nome da direção do PT, do Lula e em meu nome, desautorizo qualquer aproximação com o PSDB ou qualquer acordo contra quem quer que seja”, diz a nota.

Genoino: Garotinho quer usar o PT como escada
O vice-presidente do partido, deputado José Genoino, foi irônico ao comentar as críticas do governador do Rio:

— Garotinho quer subir nas pesquisas usando o PT como escada, mas nós não vamos aceitar as provocações dele. Ninguém acredita numa aliança dessas — disse Genoino, candidato do partido a governador de São Paulo.

Dirceu propôs um pacto de não-agressão entre os partidos de oposição:

— Consideramos o PSB e o PPS partidos de oposição e aliados num segundo turno e num governo das esquerdas.

Garotinho, que chegou a convidar o senador José Alencar (PL-MG) para ocupar a vaga de vice na sua chapa, disse que desistiu de buscar a aliança com o PL:

— O senador Alencar, o PL e a Igreja Universal já decidiram apoiar o Lula.

Garotinho também classificou de fraca a gestão do ministro da Saúde, José Serra, candidato tucano na sucessão presidencial, e voltou a culpá-lo pela epidemia de dengue.

A primeira-dama e secretária de Ação Social, Rosinha Matheus, continua mantendo em segredo se vai ou não ser a candidata do PSB à sucessão do marido nas eleições deste ano. A decisão já foi tomada, mas Rosinha disse que só vai anunciá-la numa reunião do partido na semana que vem.


Artigos

O mercado e sua ética
Flávio Andrade

Aafirmação do capitalismo como o mais eficiente sistema econômico de produção só foi possível mediante o respeito aos compromissos. Qualquer compêndio de história das atividades econômicas nos revela que, desde o início, rigoroso código ético estabeleceu-se para orientar a conduta dos mercadores, nas relações internas das companhias que então se formavam, a fim de reduzir o custo das viagens e dar-lhes segurança nas estradas e nas transações comerciais com fornecedores e clientes.

Esse princípio vigora até os dias de hoje, principalmente nas transações financeiras internacionais. Naquele tempo, como não era prudente carregar grandes somas, criou-se a letra de câmbio, pela qual um banqueiro de Veneza, por exemplo, abria crédito junto a um banqueiro nos Países Baixos, em favor de um mercador florentino, estabelecendo-se entre os dois agentes financeiros, que não se conheciam, uma conta corrente, movimentada por documentos de débito e crédito. Sem esse sistema, baseado na confiança, não seriam possíveis as transações financeiras em nosso tempo com as transferências on line .

Quando compramos um produto — seja um litro de leite ou um automóvel — participamos desse entendimento moral do capitalismo. Nós o compramos confiados na marca do fabricante, da mesma forma que o comprador medieval confiava na assinatura do artesão. Entre o produtor e o consumidor se estabelece esse vínculo de confiança. Eu posso comprar um mau produto, mas é meu direito comprar um produto autêntico, ou seja, um produto cuja procedência eu conheça.

No ato de compra, levo em conta todos os fatores do negócio, estabelecendo uma relação, que me parece razoável, entre a qualidade, a aparência e o preço. Volto a insistir: os produtos podem ser melhores ou piores, e minha deve ser a liberdade de escolha. Mas não posso ser enganado com relação à origem da mercadoria. Não devo ser enganado a ponto de comprar um litro de leite como sendo fresco, vindo de uma fazenda paulista, quando se trata de leite recomposto, a partir de leite em pó importado. Da mesma forma, não devo ser levado a comprar um veículo montado na África do Sul como sendo produzido em Stuttgart, na Alemanha.

A contrafação é antiga. Dela foram vítimas os grandes artesãos do passado. Uma das grandes vítimas foi o excepcional marceneiro de Cremona, Antonio Stradivari, cujos violinos não foram superados até hoje, na beleza, no aprimoramento técnico de sua fabricação e no som de suas cordas. Não só houve em seu tempo, como há ainda hoje falsificadores dos violinos Stradivarius (nome latinizado do artesão), mas basta ser um bom músico para perceber que neles tudo é igual menos o som.

Se sempre houve falsificadores, a atividade era reduzida a pequenos marginais, que produziam pouco, e os prejuízos sofridos pelos produtores legítimos eram pouco relevantes em economia de escala. Mas os tempos modernos tornaram a situação insuportável.

O grande problema da contrafação é o dos custos. Nenhum industrial honesto, que paga salários honrados, recolhe regularmente os seus impostos e contribuições sociais, usa insumos de boa procedência e produz dentro de rigorosos padrões de qualidade, pode suportar a concorrência de fabricantes clandestinos que não pagam impostos, não têm empresas organizadas, não contribuem para os sistemas de previdência social e fabricam péssimos simulacros.

A abertura dos mercados e a desregulamentação de algumas atividades econômicas foram benéficas em vários aspectos, mas têm sido desastrosas em outros.

O Brasil, cujos produtos atingiram elevados padrões de qualidade em sua indústria, vem sendo uma das vítimas preferenciais dos contrafatores, sobretudo porque tem imenso mercado e milhares e milhares de quilômetros de fronteiras terrestres pouco controladas. É muito fácil abrir estradas rudimentares em áreas desertas de fronteira, para a passagem de veículos pesados, a estocagem dos produtos em fazendas isoladas no interior, e a sua posterior distribuição a comerciantes também marginais. Produtos com marcas brasileiras de prestígio são fabricados nos países vizinhos, com a complacência interessada de autoridades locais (há evidências de que a produção da corrupção garante a impunidade dos marginais) e introduzidos em nosso país mediante contrabando.

Tecnologias modernas permitem, com custos relativamente baixos, produzir embalagens quase iguais às dos produtos falsificados. Como a fiscalização é quase inexistente, a atividade prospera, associada a outras igualmente criminosas, conforme indícios encontrados pela polícia.

O combate à contrafação e ao contrabando deve ser prioritário no Brasil. Em alguns países do mundo há, mesmo, uma polícia especializada na repressão a tais delitos.

Os valores movimentados por estas atividades marginais são assustadores, no momento em que a sociedade toma conhecimento com assombro do crescimento do crime organizado. Deve-se lembrar que o financiamento desta aberração provém exatamente das vultosas quantias que circulam fora de qualquer controle.

O crime somente se organiza e cresce quando suas fontes de financiamento são fáceis e substanciosas. Creio que a criação de um programa de combate à ilegalidade e à contrafação deve ser um compromisso a ser exigido pela indústria brasileira junto aos candidatos à Presidência da República nas próximas eleições.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel

Ensaios aliancistas
Não dá para apostar se é por convicção, ou apenas desejo, que a cúpu la do PSDB vende como verdade que o PTB, um ex-aliado, não está rompido com o governo e acabará apoiando o presidenciável tucano. Do Planalto sai com freqüência notícia de que o comando petebista negocia cargos para o retorno. O PTB encenará, então, uma grande farsa quinta-feira, com direito a jantar de gala?

Para este dia está marcada e confirmada uma grande reunião entre os dirigentes nacionais de PTB, PDT e PPS para selar um compromisso de aliança em torno da candidatura do presidenciável Ciro Gomes. Será aprovada uma pré-coligação dos três partidos, garante o presidente do PTB, José Carlos Martinez.

— Nós não negociamos com o governo, não vamos negociar, nem queremos. Gosto muito do presidente Fernando Henrique, mas o meu candidato, e do meu partido, para o próximo mandato é o Ciro — afirmou ontem Martinez, logo depois de chegar de uma viagem aventureira: de Curitiba à Bahia, de moto, com quatro amigos.

Para celebrar a união, que terá que ser oficializada nas convenções partidárias de junho, Martinez oferecerá um grande jantar em sua casa na quinta-feira, tendo como grandes estrelas o candidato Ciro e o ex-governador Leonel Brizola. No PDT de Brizola, o apoio a Ciro ainda não é pacífico. O líder na Câmara, Miro Teixeira, por exemplo, insistirá na tese de que o esforço ainda deva ser por um candidato único das oposições. Mas Brizola tem garantido o apoio a Ciro.

Quanto ao PTB, dúvida parece não haver. Tanto Martinez quanto Roberto Jefferson, outro manda-chuva do partido, garantem que estão fechadíssimos com o PPS de Ciro. Mas que tem portas do PTB abertas para o Palácio do Planalto, isso deve ter. Não teriam os tucanos tanta imaginação.

Mas certo é que só o evento desta semana já dará um novo fôlego à candidatura de Ciro Gomes. É o primeiro candidato à Presidência a fechar, ainda que informalmente, uma aliança com outros partidos.Corria ontem em Brasília que na quinta-feira à noite, quando enviou fax ao presidente, ACM já sabia que Jader Barbalho estava prestes a ser preso. Mas nada pôde insinuar.

Eleição x Congresso: o que vem por aí
A princípio, a emenda que prorroga a CPMF até dezembro de 2003 não terá grandes dificuldades para aprovação. Além da base governista, a proposta conta com simpatia do maior partido de oposição, o PT. Essa é a expectativa dos líderes governistas.

Mas não faltou quem levantasse a dúvida, entre os aliados de José Serra, e quem confirmasse, do lado de Roseana Sarney, que a bancada do PFL vai criar caso para aprovar a CPMF. Dizem os partidários de Roseana que durante o recesso o governo e a turma de Serra tudo fizeram para exacerbar o PFL. Citam o caso que mais irritou a candidata: a ida ou não do publicitário Nizan Guanaes para o lado de Serra.

Mas esquecem que Roseana também provocou: mandou Serra fazer um 21 (21% nas pesquisas) e, depois, procurou Tasso Jereissati em Fortaleza.

Sem dúvida, a convivência entre tucanos e pefelistas no Congresso não será mais como antes do recesso de janeiro. Mas a CPMF ainda pode ser salva.

— Não chegamos ainda nesse ponto de interferência da disputa entre Serra e Roseana nas votações do Congresso. Acho que o PFL não terá nenhuma dificuldade de aprovar a CPMF — dizia ontem o deputado Rodrigo Maia, protagonista de uma disputa verbal com tucanos na semana passada.

O pefelista baiano José Carlos Aleluia também não aposta na contaminação:

— Seria estreito o PFL mudar de opinião. Sempre votou a favor da CPMF.

A própria Roseana quer ter voz na discussão do assunto no Congresso.

No palco
José Serra fez ontem sua última aparição como ministro da Saúde no “Domingo Legal”, do SBT. Onde, aliás, já esteve algumas vezes dando atenção a pacientes de doenças raras, como o menino de ossos de vidro. Confirmou que deixará o ministério quinta-feira e aproveitou para fazer um pouquinho de propaganda pessoal, dizendo que é senador, já foi deputado e muitas outras coisas na vida. E contou com muita simpatia do apresentador Gugu Liberato. A semana de Serra será das mais agitadas.

Em cena
A pefelista Roseana Sarney passará a semana toda no Rio de Janeiro. Além dos encontros políticos, terá várias reuniões com técnicos e economistas da Fundação Getúlio Vargas e do Ipea que fazem estudos sobre o Maranhão.

Ela sabe que os indicadores sociais do estado — dos piores do país — vão ser mais do que explorados pelos adversários. São números quase que incontestáveis, admite a equipe de Roseana. Mas estudos comparativos podem amenizar o impacto, acreditam.




Editorial

PÓS-PORTO ALEGRE

Eventos como o Fórum Mundial de Porto Alegre parecem dispostos a relançar a moda da utopia. O tema é muito antigo, remontando pelo menos ao livro famoso — “Utopia” — de sir Thomas Morus, do século XVI. Houve, depois, muitas outras utopias, como as do século XIX; e os regimes ditos socialistas do século XX pretendiam ser a concretização dessas utopias. A brusca liquidação desses regimes — entre 1989 e 1991 — devolveu o tema quase que à estaca zero; e no vazio assim criado, houve quem enxergasse o retorno triunfante do “pragmatismo total” — também batizado de “neoliberalismo”.

Mas o quadro talvez não seja tão preto-no-branco. Em todas as sociedades minimamente desenvolvidas, ideais “utópicos” acabaram encontrando passagem para o tecido das instituições. É todo o quadro rico e variado dos direitos humanos — que não está em liquidação.

A concomitância de fóruns como o de Porto Alegre e o de Nova York parece indicar a busca de alguns consensos. O ser humano não vive sem uma utopia — aquela estrela longínqua que o “homem de La Mancha” perseguia obstinadamente. Ao mesmo tempo, caminhar para a utopia, lutar por ela, não significa jogar fora o que já foi obtido. Alguém convenceria, por exemplo, a população brasileira, no ciclo eleitoral em que entramos, de que a estabilidade da moeda é café pequeno, um simples capricho “neoliberal” dos organismos internacionais?


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02/18/2002


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