Hora de conversar
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Candidatos do governo e da oposição à Presidência da República ensaiam alianças
BRASÍLIA - A ascensão do governador do Rio, Anthony Garotinho, do PSB, de 12% para 15% na pesquisa do Ibope sobre a intenção de voto para a Presidência embolou a sucessão. Animado com o resultado, Garotinho disse que a candidatura do petista, Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro colocado no levantamento passa por uma fase determinante. O governador citou a pesquisa, que o aponta como vencedor nas áreas de periferia, na frente do petista.''Lula tem o maior percentual de rejeição justamente nos locais governados pelo PT'', analisou. ''Comigo acontece o contrário. O maior percentual de intenções de voto é o estado onde eu governo.''
O governador disse que não estava surpreso com o resultado da pesquisa. ''É fruto de uma estratégia do PSB'', analisou. ''É melhor a gente ir crescendo de forma sólida e constante do que ter um crescimento rápido, com efeito sanfona: vai e volta.''O PSB usou o tempo de propaganda do partido, em dezembro, integralmente para divulgar Garotinho.
O crescimento do candidato pode levar os partidos de esquerda a uma nova rodada de conversas para um entendimento ainda no primeiro turno da eleição. A diferença entre Garotinho e a segunda colocada, a governadora Roseana Sarney, do PFL, que obteve 18% das preferências, está dentro da margem de erro da pesquisa. Ou seja, estão tecnicamente empatados. O líder do PT na Câmara, deputado Walter Pinheiro (BA), classificou a ascensão de Garotinho como um ''fato positivo.'' Somados os 28%, de Lula, com os 15% de Garotinho e os 7% de Ciro Gomes, e mais os 5% de Itamar Franco, se vier a ser candidato do PMDB, a conta ultrapassa aos 51% necessários para a vitória oposicionista sem a necessidade de segundo turno. ''Esse resultado estimulará a abertura de um novo diálogo'', afirmou Pinheiro. Ele compara a estratégia de Garotinho à de Roseana. ''Eles estão investindo muito dinheiro em programas de televisão, em propaganda e assessoria'', observou.
A pesquisa não trouxe boas notícias para o candidato tucano, José Serra. Ele permanece estagnado, com 7% das intenções de voto. Entre os governistas, voltou à estaca zero a tentativa de aliança no primeiro turno ensaiada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Roseana saiu do encontro com Fernando Henrique semana passada defendendo um ''pacto de não agressão'' e, no dia seguinte, desafiou Serra ''a fazer um 21'', referindo-se à propaganda da Embratel. Foi uma alusão aos 21% de índice que a governadora ostenta em pesquisas.
O encontro entre os dois chegou a ser combinado por telefone, mas não tem data para ser realizado. ''Essa foi uma declaração infantil de uma menina muito mimada, autoritária e cheia de vontades'', rebateu o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP).
''O importante é fazer o 51 e ganhar a eleição'', respondeu o secretário-geral do partido, Márcio Fortes (RJ), também apelando para o trocadilho publicitário. No caso, a cachaça que se auto-intitula ''uma boa idéia''.
Agora, a cúpula tucana aposta no PMDB. Hoje, Fernando Henrique e Serra aparecem juntos pela segunda vez desde o lançamento da pré-candidatura tucana. Será para comemorar, em Recife, ao lado do governador do PMDB, Jarbas Vasconcelos, os 10 anos do programa de agentes comunitários de saúde. Jarbas é o vice preferido de Serra. A coligação com o PMDB terá que aguardar uma definição sobre as prévias do partido, em 17 de março.
PT quer confirmar laudo da polícia
Deputado estadual paulista sugere que Unicamp realize exame de DNA nos fios de cabelo encontrados em carro suspeito
O Instituto de Criminalística de São Paulo (IC) divulga hoje à tarde o resultado dos exames feitos na Blazer e no Santana que podem ter sido usados no seqüestro do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel. A comissão designada pelo PT para acompanhar as investigações sugeriu que, caso a polícia não tenha condições de fazer uma avaliação detalhado, o material seja examinado pela Universidade de Campinas (Unicamp).
A Blazer foi encontrada sábado num local próximo de onde estava o corpo do prefeito. O Santana foi recolhido num possível cativeiro no Embu (Grande-São Paulo) e continha, no porta-malas, fios de cabelo grisalho que podem ser de Celso Daniel.
''Se o IC não puder fazer um exame de DNA, por exemplo, deve encaminhar o caso a quem tenha mecanismos mais eficientes'', disse o deputado estadual Vanderlei Siraque, coordenador da comissão petista. ''Não há desconfiança prévia, mas a polícia do Estado está mal aparelhada'', opinou.
Pressão - Siraque vai se reunir hoje com os outros quatro integrantes da comissão - incluindo o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh - para avaliar os rumos da investigação. ''Fazemos um trabalho de pressão. Se ficarmos quietos, tudo anda devagar'', criticou. ''Queremos a divulgação do laudo o mais rápido possível.''
Além dos fios de cabelo, a polícia encontrou no suposto cativeiro um envelope do restaurante Rubayat, onde Celso Daniel jantou na noite do seqüestro, e pedaços de um tecido bege, cor da calça vestida pelo prefeito na ocasião. Amostras de terra também estão sendo analisadas. A casa seria de Cleiton Gomes de Souza, acusado de ter resgatado, de helicóptero, dois detentos do presídio de Garulhos, no dia 17.
Integrantes do PT não acreditam que o empresário Sérgio Gomes da Silva esteja envolvido no crime. Segundo o deputado federal Luiz Carlos da Silva, as contradições no depoimento explicam-se pelo alto grau de emoção. O líder do partido na Câmara, Walter Pinheiro, afirmou que a Polícia Federal está mais bem preparada para estar à frente da investigação do que a polícia de São Paulo.
Falha humana - O mecânico Angelo Coelho, apresentado ontem pelo assessor de Gomes da Silva, explicou que uma falha humana pode ter causado a pane na Pajero onde estavam o prefeito e o empresário. Na hora do seqüestro, o carro ficou parado, mas a perícia não detectou falha mecânica ou elétrica. Coelho informou que bastaria um esbarrão acidental no câmbio de transferência para o veículo não sair do lugar.
Segundo o mecânico, qualquer proprietário de carro com tração nas quatro rodas já deve ter passado por essa situação, relatada por Gomes da Silva no depoimento à polícia. A alavanca do câmbio de transferência fica do lado esquerdo da marcha. Um toque involuntário pode ter colocado a Pajero em ponto neutro, impossibilitando-a de se mover.
Um perito do Instituto de Criminalística (IC) que não quis se identificar admitiu ser comum em carros automáticos esse tipo de falha humana, mas ressaltou que a perícia não pode trabalhar com hipóteses subjetivas.
Itamar quer polícia 24 horas na ativa
A polícia mineira continua mantendo em sigilo as investigações sobre o assassinato do promotor Francisco José Lins do Rego Santos, morto a tiros sexta-feira na Zona Sul de Belo Horizonte. O homem que passava pelo local de táxi na hora do crime, apontado pelo governador Itamar Franco como testemunha chave para desvendar o caso, prestou depoimento em Santos (SP). O conteúdo das declarações não foi divulgado.
Itamar informou que o Serviço de Inteligência está trabalhando 24 horas por dia. Amanhã o governador vai se reunir com o comando da Polícia Militar, o prefeito em exercício da capital, Fernando Pimentel, e o procurador geral de justiça do Estado, Nedens Ulisses.
Governador abre inquérito para naufrágio
MACAPÁ – Começaram a chegar ontem em Macapá os sobreviventes do naufrágio do barco Cidade de Óbidos I, ocorrido na madrugada de sábado. A embarcação chocou-se de frente com uma balsa e rompeu o casco. Estavam a bordo quase 200 pessoas que iriam participar em Laranjal do Jari, a 250 quilômetros da capital, da festa de lançamento da candidatura da deputada tucana Fátima Pelaes ao governo do Estado. Ainda bastante abalada, Fátima contou que escapou por pouco da morte. “Foi tudo uma grande tragédia”, disse. Pelo menos sete pessoas morreram e cinco corpos haviam sido resgatados até ontem.
O governador do Estado João Capiberibe, do PSB, mandou abrir inquérito para apurar o acidente. A viagem foi montada por Fátima Pelaes e pelo prefeito de Santana, Rosemiro Rocha, do PL. Capiberibe se irritou com os organizadores, ad-versários políticos. Ele criticou a demora no envio das in-formações para o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. “A omissão dificultou enor-memente uma ação mais eficaz das equipes de resgate”, acusou.
Cerca de 80 pessoas chegaram de ônibus à Praça Cívica de Santana. No reencontro com parentes e amigos, o clima era de emoção e tristeza. O deputado estadual Jarbas Gato (PL), um dos pri-meiros parlamentares sobreviventes a chegar em Macapá, calculou que mais de 30 pessoas estão mortas. Os números não foram confirmados. A Capitania dos Portos não forneceu até agora a lista oficial de passageiros. O governo do Amapá teme que Jarbas Gato tenha razão. “Ninguém sabe ao certo quantas pessoas estavam no barco”, afirmou um assessor. Pela quantidade de pessoas que estão procurando parentes, é provável que esse número seja alto mesmo.” Todos os sobreviventes do naufrágio já estão em terra. Alguns ainda se encontraram na cidade de Laranjal do Jari a espera de transporte para retornar a Macapá.
O corpo da jornalista Simone Teran chegou a Macapá por volta das 15h. Ela era assessora de Fátima e namorada do deputado estadual Manoel Brasil. Houve cortejo do aeroporto ao Instituto Médico Legal. Brasil, que namorava Simone havia dez anos, disse que ela estava preocupada em fazer imagens do acidente. O deputado federal Antonio Feijão (PSDB), que também integrava a comiti-va, machucou o joelho. O prefeito de Santana também teve lesões no braço mas passa bem.
Congresso vai acelerar projetos
BRASÍLIA - Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal vão se reunir amanhã com os líderes partidários para discutir a crise na segurança pública. Será a quinta vez em três anos. tentarão emplacar as propostas defendidas nos programas dos seus candidatos à Presidência nas eleições de outubro.
A bandeira contra a criminalidade volta a tremular a cada vez que País se choca. Em novembro de 1999, o assassinato de três pessoas em um cinema no shopping Morumbi, em São Paulo, pelo estudante de Medicina Mateus da Costa Meira, levou os políticos a gritar por medidas anti-violência. Depois, o sequestro do ônibus da linha 174, no Rio de Janeiro, que culminou na morte da professora Geisa Firmo Gonçalvez, em 12 de junho de 2000, provocou forte reação.
Há 185 propostas em exame pela Câmara e outras 40 estão no Senado. Muitas estão prontas para a votação, como a unificação das polícias civil e militar, e a criação da Guarda Municipal. A proibição do porte armas está prevista em 61 projetos de lei.
Os assassinatos dos prefeitos petistas, Celso Daniel, de Santo André e Toninho do PT, de Campinas, servem de motivo para nova rodada de discussões. O ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, irá amanhã apresentar as propostas do governo aos parlamentares. Tem encontro com Aécio Neves, presidente da Câmara, e Ramez Tebet, do Senado.
O ministro da Saúde e pré-candidato do PSDB, José Serra, adaptou às pressas suas idéias. Ele pretendia apresentá-las no lançamento do programa de governo. Os presidenciáveis tiveram que antecipar o debate. O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), admitiu que o programa de Luiz Inácio Lula da Silva só seria lançado em fevereiro. A prioridade serão medidas contra a recessão e o desemprego.
O PFL acionou o comando da campanha de Roseana Sarney. O senador Romeu Tuma (PFL-SP) e o deputado Moroni Torgan (PFL-CE), ex-policiais federais, foram convocados. Roseana quer criar uma Escola Superior de Segurança, além de uma Secretaria com informações sobre criminosos.
Os representantes do PSB pregam mudanças no modelo econômico para gerar emprego, nova concepção de política nacional de segurança pública. O líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR), disse que a plataforma do candidato Ciro Gomes está em fase adiantada. Entre as teses, o policiamento comunitário.
A vida secreta do araponga Firmino
Por quatro anos, o paraibano batizado José Alves Firmino, de 31 anos, negou o nome e as origens. Atendia por Marcos Oliveira dos Santos. Apresentava-se como o jornalista ou estudante secundarista do Colégio JK. Marcos era o codinome do cabo Firmino, agente secreto do Exército, infiltrado em sindicatos, entidades estudantis, partidos políticos e no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Legitimava a vida paralela com cédulas de identidade diferentes - falsas, claro. Em 1992, passou a atuar como espião na Subseção de Operações (SSOp) - braço operacional do Serviço de Inteligência, do Comando Militar do Planalto (CMP), em Brasília. Passou três anos na função. Em 1995, as SSOp foram substituídas pelas Companhias de Inteligência.
Os tempos de militar deixaram marcas. Aos 24 anos, adquiriu hanseníase numa viagem de trabalho. A doença, hoje tratada, o incapacitou para o serviço na rua e nos quartéis. Em 1997, informou à Força que entraria na Justiça contra a corporação e ameaçou contar segredos da espionagem. Começou a agonia.
Quando ingressou no Exército, Firmino pensava em ajudar a família com o soldo. Gostou da vida na caserna. Dirigia para os oficiais do comando. Quando terminou o serviço obrigatório, pediu o engajamento. Queria ficar. Ganhou a simpatia do comandante da 2ª Seção do CMP - a área de Inteligência -, que o convidou. ''Nem sabia o que era'', conta.
Lavagem cerebral - No início, levava documentos confidenciais para unidades do setor. Em 1991, fez o curso de cabo. No ano seguinte, passou às atividades de agente. Fez cursos internos de Inteligência e aprendera os meandros do serviço secreto. ''Passei por uma lavagem cerebral'', relata. ''Eles (os chefes) falavam que eu prestava um serviço ao país ao espionar partidos e sindicatos.''
Firmino se infiltrou no Sindicato dos Servidores Públicos de Brasília (Sindsep-DF). Engajou-se na Juventude Revolução (JR), grupo jovem ligado ao PT. Assim, agia tanto no movimento estudantil - participando de encontros da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) - quanto no partido.
Vigiou o ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque (PT) e sua vice, Arlete Sampaio. Políticos como o deputado Agnelo Queiroz (PCdoB-DF), Sérgio Arouca (PPS) e o deputado distrital João de Deus também foram bisbilhotados. Andou atrás de sindicalistas e militares, como o deputado Jair Bolsonaro. Viajou com a Juventude Revolução para protestar contra a privatização da Companhia de Aços Especiais Itabira (Acesita).
''Subtraía'' documentos, redigia informes sobre os movimentos em que estava infiltrado e tirava fotos. Identificava os principais líderes, as idéias defendidas e antecipava ações. Os superiores cobriam-no de elogios. ''Naturalmente dotado dos atributos indispensáveis ao agente de Operações de Inteligência, cabo Firmino cedo demonstrou sua aptidão, atuando de forma audaciosa'', screveu um oficial, em comentário de 1994. No texto, Firmino é classificado como ''elemento de capital importância para a SSOp''. E continua: ''Missão a ele confiada é missão certamente cumprida''. Uma ficha de conceito lhe atribuiu 20 notas dez e apenas um oito.
Prisão - Os louvores acabaram em 1997, quando, atacado pela hanseníase, informou que moveria ação contra o Exército, reivindicando reforma por invalidez. Ameaçou revelar as atividades. Foi preso. Ficou detido por cerca de 15 dias. Os três primeiros passou nu, numa cela sem cama nem colchão.
Firmino afirma ter sido vítima de terror psicológico. A acusação foi confirmada ao JB pelo prefeito de Goiânia, Pedro Wilson (PT). Ele era o então presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e foi visitar Firmino na cadeia. Liberou-o no dia seguinte. Mas o espião passou a ser vigiado, por dois anos. Quase não saía de casa, vivia armado e mal dormia. A mulher, que esperava um filho, abortou. A filha do espião nasceu sem o antebraço e a mão esquerda.
Um laudo de janeiro de 1998, assinado pelo coronel médico Adolfo Fernando da Silva Araújo, confirma a invalidez por doença dermatológica. Firmino só conseguiu ser reformado em julho de 2000, por ''incapacidade decorrente de problemas psiquiátricos''. Não teve direito ao soldo integral nem à promoção para terceiro-sargento. Hoje recebe R$ 445 mensais. Teme represálias por causa desta entrevista. Quer o amparo da Anistia Internacional. ''Se algum acidente acontecer comigo, foi gente do Exército'', prevê. E pede ajuda ao presidente Fernando Henrique Cardoso. ''Queria que me ajudasse a conseguir a promoção devida.'' Procurado pelo Jornal do Brasil na sexta-feira, o Exército não quis comentar a reportagem e disse que se pronunciaria sobre o assunto esta semana.
Artigos
Criminalidade e ação
Jorge da Silva
Em 1979, em face de uma ''onda de violência'', o então ministro da Justiça, Petrônio Portela, nomeou comissão para estudar e propor soluções. No debate público, o leque de ''soluções já'' era enorme: leis mais duras, pena de morte, prisão perpétua, unificação das polícias, Forças Armadas na rua, mais polícia, mais presídios, ''nada de direitos humanos'' etc. Em 1984, fruto de outra ''onda de violência'', é lançada a campanha O Rio Contra o Crime, com enquetes na rua. De novo, as ''soluções já''. Em junho de 1990, o publicitário Roberto Medina é seqüestrado no Rio. Novamente as ''soluções já'', tendo-se editado no mês seguinte, a toque de caixa, a chamada Lei Anti-seqüestro. Em 1994, nova ''onda'' no Rio, e uma ''solução já'' é efetivamente colocada em prática de novembro a inícios de 1995: Forças Armadas contra o crime. Resultado ou não da ''solução'', esse ano registra o pico de homicídios (8.438) e de seqüestros (108). Em 2000, nova ''onda'', e o governo federal lança o Plano Nacional de Segurança Pública. Em 2002, seqüestros e violência em São Paulo. De novo as mesmas ''soluções''. Viram ''problemática obrigatória'', no dizer de Pierre Bourdieu. Até analistas econômicos aderem à teoria das ''soluções já'' para a segurança.
E por que a criminalidade cai no Rio de Janeiro? Do citado pico de 8.438 homicídios e 108 seqüestros em 1995, o ano de 2001 termina com 5.346 homicídios e nove seqüestros.Muitos fatores podem explicar esse resultado, mas o principal, sem dúvida, foi a política implantada. A partir de um diagnóstico realista, como se descreve no Plano de Segurança do Estado, foram previstas ações em três frentes: prevenção primária, repressão inteligente e modernização.
Na ''prevenção primária'', a preocupação era com o fato de a violência ser a principal causa de mortes de jovens entre 15 e 24 anos, vítimas de outros jovens da mesma faixa etária. Cumpria que, associadas à política de segurança, fossem desenvolvidas ações pontuais, direcionadas para jovens de comunidades afetadas pelo tráfico de drogas. Os relatos sobre os efeitos de projetos como o Vida Nova e o Jovens pela Paz chegam a ser emocionantes. Os jovens recebem uma bolsa-auxílio (sob condição de continuarem os estudos) para atuarem como agentes comunitários de saúde, esporte, cultura, lazer, reflorestamento de encostas etc. No caso do Jovens pela Paz, são oferecidas 10.000 bolsas-auxílio de R$ 239,00, das quais 4.000 bolsas para agentes comunitários, 4.000 para ''reservistas da paz'' (jovens que ''sobraram'' das Forças Armadas atuando nos quartéis da Polícia Militar), l.000 bolsas para jovens portadores de necessidades especiais e l.000 bolsas para jovens em liberdade assistida.
Na ''repressão inteligente'' a idéia era privilegiar a aplicação da inteligência policial tanto nas ações ostensivas quanto nas de investigação criminal, para o que se investiu em tecnologia e na qualificação dos quadros policiais. Reestruturado o sistema de inteligência, dotadas de recursos as delegacias especializadas, a criminalidade organizada vem sendo combatida com grande competência pela polícia. Criado o Centro de Qualificação de Profissionais de Segurança (CQPS), já foram treinados em novos marcos mais de 14 mil policiais. Houve melhoria da formação regular das academias da Polícia Civil e da Polícia Militar e dos cursos de especialização e extensão que vêm sendo realizados em parceria com a Universidade Federal Fluminense e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E, ainda, a criação do grupamentos especiais e dos Polígonos de Segurança.
Na ''modernização'', a solução era investir pesado. Ora, como proporcionar segurança à população sem polícia na rua, com carros caindo aos pedaços, com delegacias imundas e em ruínas, policiais mal pagos e com armas obsoletas? Foram incorporados 13.405 policiais, dos quais 11.214 na PM e 2.191 na PC, e adquiridas mais de 3.000 viaturas, equipadas e adequadas para o serviço policial, e não ''fusquinhas''. Estão inauguradas 44 delegacias legais, e há 58 em obras. Os salários dos policiais foram aumentados substancialmente, de modo que o Rio de Janeiro é hoje um dos Estados que mais bem pagam à sua polícia. Foi construído o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e estão em construção o Batalhão da Maré e o de Belford Roxo.
Valorizados, os policiais responderam positivamente. Nos últimos três anos foram apreendidas 31.980 armas de fogo, 12.158 só no ano passado. E efetuadas 87.890 prisões de infratores, o que produziu uma cifra perversa: a população carcerária subiu de 13.000 em 1999 para os atuais 18.000, levando o governo a também investir pesado nessa área, inclusive nos direitos dos internos. Em 1999, o número destes trabalhando não chegava a 10%; hoje, são 48% trabalhando ou estudando. Só este ano, 100 deles prestaram o vestibular. Cinco casas de custódia foram construídas e três unidades ampliadas. Essas e outras medidas destinadas a proporcionar o mínimo de dignidade aos internos e de mantê-los informados da sua situação penal têm contribuído para diminuir o risco de rebeliões.
Mas era preciso investir no controle das polícias, com programas e projetos voltados para o combate à violência e à corrupção policial. Mais de 1.000 policiais e agentes penitenciários foram afastados. Foram criadas a Ouvidoria de Polícia e a Corregedoria Geral Unificada, ambos órgãos externos e dirigidos por titulares não policiais; e implantados o Programa de Proteção a Testemunhas e os Centros de Referência da Cidadania, estes últimos em dependências da própria Secretaria de Segurança.
Tudo isso é fruto de uma concepção ampliada do conceito de segurança pública, como se viu acima. Em suma, podemos afirmar que os índices de criminalidade não caíram por acaso.
Jorge da Silva é coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania do governo do Estado do Rio de Janeiro
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer
Da fábrica ao consumidor
Depois de consolidada a tendência de se considerar que pesquisas de opinião são sinônimos de resultados eleitorais, agora, nesta eleição, verifica-se a perda quase total de cerimônia em relação à propaganda dita política.
De um lado, infringe-se a lei na maior desfaçatez, com propagandas de candidatos antes do prazo legal de 15 de agosto do ano em que se realiza o pleito e, de outro, adotam-se critérios completamente apolíticos para vender a imagem do candidato. O conteúdo pouco importa, o que se vê é um desejo de fixar a marca, tal como se faz com um produto em oferta no comércio varejista.
No primeiro caso, àquele onde os partidos - com exceções - agem ao arrepio da legislação, configura-se um quadro em que a Justiça Eleitoral não toma providência alguma, mas pelo qual também não se pode responsabilizá-la isoladamente. Nesses episódios, o Judiciário age sob provocação, mas, ao que se saiba, nenhum partido até agora contestou o fato de o horário eleitoral gratuito ter sido, na prática, antecipado em quase um ano.
Há bem pouco tempo, discutia-se a redução desse horário, até mesmo em respeito à paciência do telespectador. Agora, o que se vê, é uma espécie de acordo tácito entre os partidos, pelo qual ninguém reclama, com a esperança de que não seja também objeto de reclamação, caso venha a precisar do estratagema.
Admira muito, por exemplo, o PT - cujo programa baseou-se num lema estritamente partidário (''No fundo você também é um pouco PT'') e não eleitoral - quedar-se inerte ante o absurdo levado a termo pelo PFL e, veremos no dia 6 de março, talvez acompanhado pelo PSDB. O PSB de Anthony Garotinho foi bem mais composto que o PPB, que centrou todo o seu horário na figura do ministro Pratini de Morais, seu pré-candidato.
Já os pefelistas deram-se à total ousadia: infringiram a lei e ainda optaram por transformar o eleitor num consumidor. Da última vez, de cerveja, da próxima, ainda não sabemos de quê.
Considerando que esse tipo de publicidade visa a fixar uma marca e que, na pesquisa de opinião, é natural que o eleitor/consumidor lembre-se mais dessa marca quando se apresenta uma lista delas (no caso, os nomes dos candidatos a presidente), é óbvia a distorção do resultado do ponto de vista da escolha mesmo que será feita na urna.
Sim, porque nesta, o cidadão leva em conta o critério objetivo daquilo que considera prioritário para seu futuro imediato. Naquela, ele manifesta apenas uma lembrança.
Ao imprimir caráter semelhante a uma conclusão cujas premissas são diferentes, é evidente que se comete uma distorção. Apenas seria um exagero usar a palavra fraude, porque, como tudo o que inclui probabilidades, é evidente que não está fora de cogitação a hipótese de haver, lá na frente, uma coincidência entre intenção e gesto.
Agora, não raciocinar a respeito disso é ceder à enganação da parte de quem recebe o dado como informação incontestável, e desonestidade intelectual daquele que produz o cenário sem expor, com clareza, o nome e o significado de cada peça da montagem.
Não é por outro motivo que estamos, já há bom tempo, vivendo a ilusão de uma campanha que apenas agora começa a delinear seus primeiros esboços. Dessas definições de forma e conteúdo é que sairão - espera-se - as reais opções políticas de que disporá o eleitorado no dia 6 de outubro para definir o seu destino.
Daqui até lá, faz-se um jogo de cena no qual a publicidade substitui a política, o publicitário assume a condição de condutor de partidos, as pesquisas - e, por conseqüência as criaturas que respondem a elas - são usadas como instrumento de negociação intra e interpartidária, os políticos fazem movimentos de dar inveja ao poeta fingidor de Fernando Pessoa, a única mulher no páreo da sucessão presta-se ao papel de objeto (a cerveja) que tanto as mulheres lutam para deixar de cumprir e, naquilo que interessa ao eleitor, que é bom, acaba sendo no que menos se presta atenção.
Giro baiano
Só para conferir os efeitos da renúncia, um giro pela Bahia (Salvador) mostra que o ex-senador Antonio Carlos Magalhães ainda é uma força considerável. Mas não absoluta. Aqueles 70% que tinha no ano passado, hoje são pouco mais de 50%. Contabilize-se ainda que, ele não terá - para senador ou governador - o apoio do PMDB local e do PSDB nacional como na eleição passada.
Mais fácil o PT, com Jacques Wagner e o PMDB, com Benito Gama, aproximarem-se um do outro, do que o tucanato desta vez sair em busca de ACM. O líder da bancada federal do PSDB, Jutahy Magalhães, é queridíssimo do candidato José Serra e inimicíssimo de Antonio Carlos.
Outro fator que não favorece ACM é que, pela primeira vez, ele ficará de fora da sucessão presidencial. Para nenhum dos candidatos - nem Roseana, nem Lula, a quem declarou apoio no segundo turno - interessa ligar sua imagem ao ex-senador no cenário nacional.
Editorial
SINAL VERMELHO
A demissão, na Venezuela, do ministro do Interior e Justiça, Luis Miquilena, até então figura central do processo político que levou Hugo Chávez ao poder, acende de novo o sinal vermelho nos países que, como Argentina e Colômbia, fazem fronteira com o Brasil. Coisas dramáticas podem estar ocorrendo no cenário venezuelano e é mais do que tempo de a diplomacia brasileira se dar conta dos imperativos sul-americanos.
Não é de hoje que se sabe que o presidente Fernando Henrique tem ascendência sobre Chávez, a quem mais de uma vez deu conselhos. O próprio governo americano considera-o uma espécie de elemento de ligação para tratar da situação na Venezuela. Esta situação mudou bastante desde que Chávez baixou, por decreto, um pacote de 49 leis, de características estatizantes, mexendo com quase tudo no país, desde o petróleo até a propriedade de terras. Pouco depois, por ocasião do atentado às torres gêmeas de Nova York, Chávez disse que a reação americana ao terrorismo talibã era igualmente ato terrorista, e isso estremecendo suas relações com Washington.
A curta porém tumultuada permanência de Chávez no poder, aonde chegou pela via eleitoral depois de uma quartelada fracassada, provoca temor a respeito do futuro da mais antiga democracia latino-americana. De eleição em eleição e de plebiscito em plebiscito, a Venezuela caminha a passos rápidos para o ''golpe legal'', que pode ser a conseqüência lógica dos embates no interior do Palácio Miraflores.
Enquanto do lado de fora a população expressa seu descontentamento com panelaços retumbantes, dentro do governo abrem-se fissuras nos 13 partidos que apoiaram Chávez em sua ascensão política. Era de se esperar que as novas leis, conseqüência da crise econômica, tivessem efeitos discordantes entre os sindicalistas, os políticos de esquerda radical e os militantes populistas com representação no governo. Má gestão governamental complica qualquer situação.
As mudanças efetuadas por Chávez em sua equipe expõem as rachaduras da coalizão. Diante das reações nas ruas, a ala radical se opõe a qualquer acordo com grupos opositores. Já a ala moderada defende diálogo com a oposição para tentar esvaziar a tensão política. À medida que a oposição ergue a cabeça, o clima de complô ganha corpo. O ruído dos panelaços mal esconde o desejo oposicionista de desencadear uma espécie de desobediência civil, indicação de que a Venezuela entrou finalmente em fase perigosa.
A situação econômica da Venezuela é um péssimo pano de fundo para as experiências ideológicas da Constituição bolivariana que Chávez fez aprovar por plebiscito. A pior recessão dos últimos decênios só foi suavizada pelo aumento recente dos preços do petróleo. Oitocentas empresas fecharam. Metade da população ativa está na economia informal. Tudo isto forma contraste brutal com os anos 70, em pleno boom do petróleo, quando Andrés Pérez era o ''papaizinho socialista''. Mais de US$ 200 bilhões em royalties foram desperdiçados sem nenhum benefício para a população. Quando o preço do petróleo desabou pela primeira vez, a economia venezuelana desceu junto pelo ralo.
O caminho do voto, trilhado por Chávez quando o golpismo aberto não deu certo, pode agora ser o aperitivo de provável ''golpe democrático'' que está se preparando de dentro para fora.
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01/28/2002
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