Juízes poderão ser afastados









Juízes poderão ser afastados
Oprocurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, disse ontem que vai pedir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a imediata abertura de inquérito para apurar irregularidades em sentenças dadas pelos juízes de segundo grau Ricardo Regueira e Ivan Athié, que poderão ser afastados do tribunal. Em relatório encaminhado ao STJ na semana passada, a corregedora do Tribunal Regional Federal da 2 Região (TRF-2), Maria Helena Cisne Cid, aponta “indícios de prática de delitos” em ações milionárias que passaram pelas mãos de Regueira e Athié.

Brindeiro disse que cuidará do caso pessoalmente para garantir a agilidade do processo.

— Assim que o caso chegar aqui, vamos agir rapidamente. Eu vou tratar dessa questão pessoalmente para agilizar a tramitação. É o caso de imediata abertura de inquérito — afirmou Brindeiro, referindo-se à série de reportagens iniciada pelo GLOBO domingo passado.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Paulo Costa Leite, disse que os juízes investigados poderão ser afastados e ter o sigilo bancário quebrado.

— Queremos tirar do nosso meio as maçãs podres, os bandidos — disse Costa Leite.

O ministro Félix Fisher, relator da ação, enviou ao Ministério Público Federal os documentos que a Corregedoria de Justiça do Rio já havia mandado ao STJ com informações sobre o caso.

Antes de tomar a decisão de pedir abertura de inquérito, o procurador deverá examinar todos os processos já existentes no STJ. Brindeiro afirmou, porém, que é um caso grave e que demanda providências rápidas. Ele também poderá pedir o afastamento dos juízes do cargo.

De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura, o afastamento só ocorre depois de apresentada a denúncia, em decisão que exige o voto de dois terços da Corte Especial do STJ. O TRF-2, porém, tem condições de afastar administrativamente os magistrados do cargo.

Costa Leite defende controle externo
O presidente do STJ, que ontem participou de um seminário no Rio, defendeu o controle externo do Judiciário, proposta que está sendo discutida no Senado.

— Sempre defendi a existência de mecanismos de controle, mesmo porque nós, juízes, não estamos acima do bem e do mal. O juiz não pode ficar numa torre de marfim, afastado da sociedade. Temos que criar um conselho nacional de Justiça com funções correcionais para que não aconteçam casos como os que foram denunciados — disse Costa Leite.

Sobre a possibilidade de afastamento, há precedentes. Em dezembro, o juiz Paulo Theotônio Costa, do Tribunal Regional Federal da 3 Região (SP), foi afastado do exercício de suas funções por determinação da Corte Especial do STJ, depois que o tribunal recebeu denúncia contra o magistrado por suposta prática de crime de alteração de documento público.

O presidente do TRF-2, Arnaldo Lima, em nota divulgada ontem, disse que considera as denúncias “sérias e relevantes”. Ele disse que “tudo deve, necessariamente, ser apurado, inclusive na esfera administrativa deste tribunal, com estrita observância das garantias constitucionais e legais, pois tal é de vital interesse da instituição, de todos os seus integrantes, bem como da sociedade.”

Nogueira disse que só não deve existir julgamento sumário ou invasão indevida de privacidade.

O presidente do Sindicato dos Advogados do Rio, Whady Damous, disse que a apuração das denúncia “contribui para a conquista do estado democrático de direito, meta sempre desejada e nunca alcançada em nosso país”. Ele comentou a decisão do presidente do STJ, que prometer ampla e rápida investigação: “As palavras dele nos enchem de esperança”.

O presidente do Sindicato dos Servidores da Justiça Federal, Acácio Henrique Aguiar, cobrou a apuração das denúncias e a punição dos responsáveis. “Nosso objetivo tem sido sempre o de defender um judiciário democrático, transparente e a serviço da população. Reiteramos que o quadro funcional também se posiciona contrário a qualquer ilegalidade”, declarou em nota.

Em nota, a Procuradoria da República no Rio confirmou a abertura de inquérito civil público para apurar indícios de improbidade administrativa contra os juízes de segunda instância Francisco Pizzolante, Ivan Athié e Ricardo Regueira, devido ao grande número de denúncias de irregularidades em várias ações envolvendo os três. Um grupo de oito procuradores vai cuidar do inquérito.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Flávio Dino, diz que não se pode generalizar a atividade do Judiciário através dos fatos denunciados.


Roseana liberou verba para firmas de laranjas
SÃO LUÍS. Pelo menos três dos sete projetos aprovados na reunião do Conselho Deliberativo da Sudam (Condel) presidida pela governadora do Maranhão, Roseana Sarney, em dezembro de 1999 estão sob suspeita de terem usado esquema de laranjas para remeter recursos ao exterior. Os projetos das empresas Aiscol Indústria e Comércio S.A., Aluminun Anodizing S.A. e Companhia do Couro do Maranhão são investigados pelo Ministério Público Federal, que já descobriu a vinculação deles com administradores laranjas ligados ao escritório AC Rebouças, como mostrou ontem reportagem do “Jornal Nacional”, da Rede Globo.

Laranjas são ligados a escritório de amigo de Murad
O escritório, hoje desativado, era operado pelo contador Aldenor Cunha Rebouças, que é um velho conhecido da família de Jorge Murad, marido de Roseana. Numa operação de busca e apreensão no escritório dele no ano passado, a Polícia Federal encontrou a relação das empresas com sede em paraísos fiscais e a lista de laranjas, a maioria formada por funcionários ou ex-funcionários da AC Rebouças.

No caso da Aluminun Anodizing, por exemplo, cujo projeto foi aprovado na reunião do Condel em 14 de dezembro de 1999, a empresa seria administrada por Antônio Rodrigues Costa. Ex-marceneiro do contador Aldenor Cunha Rebouças, ele aparece como o operador da Greenwich Business com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Seu filho, Carlos Antônio Correia Costa, aparece como procurador da Newclare Finance, também nas Ilhas Virgens.

Segundo o Ministério Público, o projeto da Companhia do Couro do Maranhão teria entre os administradores o mesmo Carlos Antônio Correia Costa. O projeto, também entre os aprovados na reunião presidida por Roseana, tem ainda entre os interessados Maria das Dores Silva, outra laranja e ex-funcionária do contador Rebouças. Maria das Dores é procuradora de outra empresa em paraíso fiscal, a Fedar Assets Ltd.

O Ministério Público descobriu que as empresas beneficiadas por projetos da Sudam repassavam os recursos às empresas montadas pela AC Rebouças.

Foi a partir do rastreamento dos recursos repassados pela Sudam que os procuradores chegaram ao escritório do contador Rebouças.

— Esses projetos ou foram aprovados sem análise técnica ou foram aprovados com análise, mas não sofreram qualquer tipo de fiscalização — disse um perito envolvido nas investigações.

No distrito industrial de São Luís, há vários exemplos de projetos financiados com recursos públicos que estão atrasados, sequer saíram do papel ou foram abandonados. As imagens de esqueletos de edificações e mato crescendo são comuns no local.

O projeto de construção de uma fábrica de sacos, a Ráfia do Maranhão, está na lista dos que estão sob investigação do Ministério Público. O projeto é um dos sete aprovados na reunião do Condel presidida por Roseana. Segundo o administrador do galpão de dois mil metros quadrados, que levou dois anos para ser construído, o proprietário do projeto é o ex-prefeito de Codó Benedito Figueiredo.

— Ele pro meteu que vai trazer o maquinário para cá. Disse que ia fazer isso logo — disse Adelino Souza Rosa.

Ontem, o galpão estava vazio. Apenas era usado como garagem improvisada de um automóvel Gol. No local do projeto, Adelino trabalha com outras seis pessoas, todas pedreiros trazidos de Codó. Mas após dois anos de trabalho ainda falta concluir a balança de pesagem, o alojamento e concluir a pavimentação do terreno.

Fraudes com verba da Sudene também serão investigadas
Embora desativado, o projeto da Ráfia ainda é um dos poucos que parecem estar em preparação para entrar em funcionamento. No setor industrial de São Luís é mais fácil encontrar terrenos e prédios abandonados.

— Não são só projetos da Sudam. Tem também os financiados pela Sudene que também são suspeitos de fraude — disse um procurador.

Numa reunião ontem na Procuradoria da República em São Luís, os procuradores traçaram uma estratégia para dividir o trabalho nas investigações das fraudes. Além dos 36 inquéritos abertos para investigar os desvios de recursos da Sudam, também serão apurados casos de fraude com recursos da Sudene.

A idéia do Ministério Público é desmembrar as investigações com um inquérito para cada projeto sob suspeita. Esse desmembramento já foi adotado no caso dos projetos da Sudam.


FH ao PFL: “Eu podia ganhar a eleição sozinho”
FORTALEZA. Ao mesmo tempo que pediu uma trégua entre PSDB e PFL e o apoio dos pefelistas para a aprovação da prorrogação da CPMF, o presidente Fernando Henrique Cardoso minimizou a importância do partido em suas eleições, dizendo que poderia ter vencido sozinho. Fernando Henrique afirmou que a união entre PSDB e PFL em 1994 e 1998 não ocorreu por interesses eleitorais.

— Os partidos, o meu inclusive, mas sobretudo o PFL, têm de ter presente essa questão de que nos juntamos não por interesses eleitorais. Eu podia ganhar a eleição sozinho. Nós nos juntamos porque temos um programa para o Brasil. E, com base nisso, acho que os partidos, em vez de guerrear sobre questões eleitorais, têm que se unir nas votações em benefício do Brasil — disse o presidente.

O presidente já havia irritado os pefelistas quando chamou a crise de “tempestade num copo d’água”. Ontem, ele fez um mea-culpa e admitiu que subestimara a crise. Fernando Henrique afirmou que o PFL deixou o governo por uma “razão tópica”, numa referência à ação da Polícia Federal na empresa da governadora Roseana Sarney, candidata do partido à Presidência. Mas ele lembrou que o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e o vice-presidente da República, Marco Maciel, garantiram que o partido manteria seus compromissos com o país.

Presidente também mandou recado para o PSDB
Em Apodi (RN), onde inaugurou uma barragem, o presidente afirmou que “as rixas políticas não justificam não estarmos juntos pelo Brasil”, e pediu respeito às oposições “se não à pessoa, pelo menos à instituição da Presidência”. Em Fortaleza, já mandara um recado a seu partido:

— O PSDB vai deixar para mais tarde qualquer discussão político-eleitoral que possa eventualmente ter com os outros partidos da base.

Durante a reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fernando Henrique brincou com as oscilações em sua popularidade:

— Já faz tanto tempo que fui eleito que nem me preocupo mais com isso, porque a popularidade volta.

O presidente voltou a ressaltar os investimentos de seu governo em programas sociais, como o Bolsa-Escola, e afirmou que o analfabetismo está quase morto.

— Em poucos anos, o país não terá mais analfabetos.

Apesar do forte esquema de segurança montado para a reunião do BID, houve protestos em Fortaleza. O presidente nem viu a manifestação, da qual participaram duas mil pessoas, segundo a PM.


PFL se irrita e põe em risco votação da CPMF
BRASÍLIA. O apoio do PFL à aprovação da emenda que prorroga a CPMF, prevista para ser votada amanhã na Câmara em segundo turno, já não era mais garantido ontem pelo presidente do partido, Jorge Bornhausen. Ele e outros dirigentes pefelistas ficaram irritados com a afirmação do presidente Fernando Henrique Cardoso de que poderia ter vencido sozinho a eleição. Declaração que deverá aumentar a resistência da bancada do PFL, que se reunirá hoje para discutir a CPMF, e que preocupava ontem à noite líderes governistas.

— Precisamos do PFL até o fim do mandato — disse o líder do governo na Câmara, o tucano Arnaldo Madeira (SP).

— O governo precisa da maior base parlamentar possível. Acho que o PFL não vota contra a CPMF, mas é preciso evitar provocações, principalmente de deputados do PSDB, que, às vezes, complicam a situação — completou o líder do governo no Congresso, o deputado Ricardo Barros (PPB-PR).

Bornhausen diz que bravatas só dividem
Bornhausen evitou comentar publicamente a declaração de Fernando Henrique. A interlocutores, porém, afirmou que “tanta bravata” não resultará em nada positivo. Ao chegar a Brasília, ele reafirmou que a coerência manda repetir o voto do primeiro turno, pela aprovação da prorrogação. Mas, perguntado se tentaria convencer a bancada, foi direto:

— Não. Amanhã vou ao Maranhão tratar da estratégia da campanha de Roseana.

O deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente da comissão que discutiu a CPMF, disse que a proposta deixou de ser um compromisso do PFL a partir do momento em que o partido deixou o governo.


Propina teria libertado matadores de Daniel
SÃO PAULO. O deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), que acompanha as investigações sobre o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), denunciou ontem que dois dos acusados do crime foram detidos em Maringá, no Paraná, em 31 de janeiro, por porte ilegal de arma e tentativa de homicídio, mas acabaram libertados após pagamento de propina à polícia paranaense.

Segundo Greenhalgh, Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro, e Elcyd Oliveira Filho, o John, considerados peças fundamentais nas investigações, não tiveram dificuldades para sair da cadeia.

— É essa informação que recebi e vou investigar pessoalmente. Não posso dar mais detalhes porque quero que o Ivan seja encontrado vivo — afirmou o deputado.

Greenhalgh e o prefeito João Avamileno, vice de Celso Daniel, disseram ontem que consideraram o crime esclarecido.

— Mas ainda faltam as prisões de Ivan e do Elcydes, além de dois rapazes que ficaram no cativeiro, de apelidos Baianinho e Fabinho. Estaremos sempre acompanhando as investigações da polícia — afirmou Greenhalgh.

O parlamentar deu detalhes da ação de quadrilha que seqüestrou e matou Daniel.

— O alvo do seqüestro era um comerciante do Ceasa, porque Ivan estava sem dinheiro e pediu que seus subordinados arrumassem uma vítima No dia 18, o comerciante conseguiu despistar os bandidos, que acabaram abordando o veículo onde estava o prefeito — contou Greenhalgh.

Vice de Celso Daniel reclama de prejuízos morais
Segundo Avamileno, a família de Daniel, a administração da prefeitura e o próprio PT tiveram prejuízos morais no início das investigações.

— Fizeram insinuações irresponsáveis porque estavam no rumo errado. Vamos entrar com uma ação por perdas e danos — disse o prefeito.


FH ao FMI: não somos analfabetos
No mais duro ataque já feito ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o presidente Fernando Henrique Cardoso acusou o Fundo de tratar os presidentes dos países como se eles fossem analfabetos, durante um discurso ontem, na abertura oficial da Assembléia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O presidente pediu mudanças técnicas nos critérios do Fundo que deixem mais espaço para o endividamento e o c rescimento dos países.

— Não estamos pedindo uma reforma da ordem universal. Deixemos isto para o Criador do Universo. Também não quero falar de Taxa Tobin, que todos dizem que tem problemas técnicos. Estamos querendo medidas concretas, objetivas, e mudanças de regras que nos estão sufocando: aumento nos Direitos Especiais de Saque; uma nova forma de contabilizar as nossas dívidas, igual à da Europa. Por que reduzir com manobras contábeis as nossas possibilidades de crescimento? Quando vamos discutir isto, o FMI nos trata como se fôssemos analfabetos. O presidente do Peru, que está aqui, é economista. Eu sou sociólogo, mas com um grupo de economistas e o apoio do povo brasileiro, conseguimos estabilizar a economia — afirmou.

Presidente critica demora na ajuda à Argentina
Nesta e em outras partes do discurso, Fernando Henrique foi direto e duro nas críticas. Acusou os Estados Unidos de, com suas medidas contra as importações de aço, estarem contra o esforço da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O presidente criticou também a concentração da pauta internacional na questão da segurança:

— A agenda está dominada por este tema. Isto é importante, mas não é o único problema. Queremos discutir a redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias, o uso arbitrário das medidas antidumping, a escalada dos subsídios agrícolas.

Fernando Henrique também reclamou da demora em ajudar a Argentina e condenou as exigências excessivas do FMI. Ele manifestou solidariedade ao governo argentino e pediu compreensão dos organismos internacionais.

— No começo, quando a Argentina não indicava que caminho queria seguir, eu entendo que não houvesse ajuda, mas agora o país já disse, já indicou o caminho. A Argentina não quer se comprometer com o que não for cumprir, não quer fazer um acordo faz-de-conta, como houve no passado. Mas agora é que vamos ver se o apoio à Argentina é efetivo ou não — disse o presidente.

O presidente do Peru, Alejandro Toledo, iniciou seu discurso tocando no ponto que esteve em discussão durante todo o dia:

— As reformas deixaram insatisfeitas as expectativas de nossa gente e esta insatisfação mina os esforços democráticos.

Mas avisou que isto não era exatamente o abandono das reformas, pelo menos da fiscal. Durante o discurso, Toledo lembrou três vezes que é economista e que está convencido da necessidade de manter as contas em dia:

— Não podemos retroceder: este é um caminho difícil, mas temos que resistir ãs pressões populistas. Do contrário, não faremos o que é preciso fazer. Não vou ceder ao populismo, apesar de agora estar com a popularidade em baixa. O populismo pode levar ao autoritarismo e isto o Peru conhece bem.

O tema que ele abordou, também repetido pelo presidente do Equador, Gustavo Noboa, é que as reformas têm de ter apoio da população e, para isso, têm que criar emprego e reduzir a pobreza. Do contrário, seus efeitos colaterais minam a confiança nas próprias reformas.

— Globalização e aumento de competição não são opções. Temos que seguir por este caminho, mas enquanto houver metade da América Latina na pobreza, é a democracia que está em risco — disse Toledo.


Artigos

Dossiês, mentiras e Garotinho
Marcio Fortes

Meu pai ensinou a meus nove irmãos e a mim o valor da verdade, mesmo que ela pudesse causar dor, amargura, sofrimento. No mundo da política, ser verdadeiro é um exercício cotidiano, às vezes especial. Pelo gosto pessoal, muitas vezes seria melhor virar a cara para este ou aquele “colega”, abrir mão deste ou daquele compromisso, proferir meia dúzia de desaforos. Mas existe a necessidade de comportar-se de acordo com o cargo que se ocupa, em conformidade com a delegação recebida dos eleitores.

Existe, por exemplo, a necessidade de manter bom relacionamento com políticos de outros partidos, em especial com os que ocupam altos cargos do Executivo. Neste artigo, sou obrigado a deixar de lado este tipo de preocupação. Peço que o encarem como uma homenagem póstuma a meu pai, e como uma satisfação a cada um que me honrou com seu voto.

Começo por afirmar que o governador Anthony Garotinho não tem compromisso com a ética e com a verdade. O dano que procura infligir a mim e a meu partido é coisa inimaginável para alguém que ocupa seu cargo. Quero dizer aqui, com todas as letras, e em caixa alta: JAMAIS EM MINHA VIDA COLOQUEI AS MÃOS EM DOSSIÊS DE QUALQUER ESPÉCIE. É MENTIRA QUE TENHA OFERECIDO UM DELES AO GOVERNADOR, por mim ou por intermédio de terceiros. Ingressei, por isso, com interpelação judicial para que arque com a irresponsabilidade de sua atitude. Resta ao candidato do PSB confirmar ou desmentir o que disse.

O governador atribui a um “político fluminense” a informação de que foi procurado em meu nome. Não seria o caso de revelar a identidade de tão misteriosa entidade? Sim, porque um “político fluminense” é quase uma entidade, tendo em vista quantos há.

Também não teria sido o caso de expulsá-lo de sua companhia, convocar a imprensa e denunciar o que se desenhava? Ou de me procurar para saber se havia de fato enviado um “emissário”? Apenas a título de informação, o telefone de meu gabinete consta do conhecido guia “Dicas de Brasília”.

Em seu raciocínio, é possível que tenha imaginado auferir dividendos eleitorais, caso pudesse pespegar no PSDB a pecha de fábrica de dossiês. Sou secretário-geral do partido há três anos, e posso garantir que entre as atividades de seus líderes não consta o tráfico de informações, verídicas ou não.

Se o Ministério Público, a Polícia Federal ou arapongas decidiram investigar um secretário do governo do Maranhão, isso não diz respeito ao PSDB. O que se faz no partido é trabalhar, entre muitas outras coisas, pela candidatura de José Serra. E ponto final.

Sempre acreditamos na candidatura do senador e ex-ministro. Ele é o mais capacitado a ocupar o Palácio do Planalto em 2003, e sabíamos que, cedo ou tarde, a população se daria conta disso. Sua candidatura tem substância. É um candidato com passado, presente e futuro. Com currículo. Com trajetória. Com idéias. Não há tempo nem espaço no PSDB para o jogo sujo que o governador Garotinho sugere.

No PSDB, trabalha-se. Pensa-se. Faz-se política com “P” maiúsculo. O tipo de atitude de Garotinho vai fazê-lo dissolver-se no ar em poucos anos. Terá sido governador do Estado do Rio de Janeiro, coisa que orgulharia a milhares de políticos que não chegaram nem chegarão lá. Mas se o preço a pagar por isso é achacar contra a honra alheia, melhor não chegar lá mesmo. Quanto ao Planalto, ele não é lugar para gente como Garotinho e outros de mesma estirpe.

Meu pai, citado no início deste artigo, era homem extremamente religioso. Gostaria de ter sua fé, de ser tão crente quanto ele foi. Não sou. Mas fico a me perguntar como um político que usa a religião para angariar votos é capaz de mentir sem corar. Um político que faz da mentira seu sacerdócio não merece receber os votos de quem acredita nos mandamentos da religião, seja ela qual for.

Pelo menos uma constatação se tira de tudo: a completa impossibilidade ética e moral de tê-lo e de mantê-lo no Palácio Guanabara. No Planalto, então, nem se fala.

O governador procurou colocar lenha na fogueira, e me usou para isso. Imaginou que poderia ajudar a dinamitar a aliança PSDB/PFL. Quem sabe pensou em ter o PFL como aliado de seu partido. Enganou-se. O PFL também é um partido que preza a verdade.

O fato é que o PFL foi um aliado sem o qual muitas das realizações do governo Fernando Henrique teriam sido impensáveis. Luís Eduardo Magalhães foi um dos maiores responsáveis pelas mudanças da Carta de 88. Reconhecê-lo não é favor algum. O v ice-presidente Marco Maciel é um homem brilhante, competente, leal. O mesmo se deve dizer de Jorge Bornhausen, e de tantas outras lideranças do partido.

O PFL errou ao romper com o governo, mas perceberá que errou a tempo. Decisão judicial e investigação da PF não são motivo para romper uma aliança tão importante para o país. O governo não teve qualquer responsabilidade nisso. Nem poderia ter, num Estado democrático.

O assunto ficou maior pela dimensão política que assumiu. Está na hora de um pouco mais de reflexão, de cabeça fria. Está na hora de restabelecer a verdade, tão arranhada nos últimos dias.

Quem me conhece um pouquinho imagina o quanto estou devastado por me ver caluniado do modo como fui. Definitivamente, tenho muitos defeitos a contabilizar na vida pessoal e na atividade política. Mas dossiês, com certeza, passam longe de minhas mãos e de meu partido. São coisas de gente sem caráter e sem escrúpulo.

A Justiça se encarregará de esclarecer a verdade. Ainda a considero o que há de mais nobre e elevado a perseguir na vida. Dentro ou fora da política.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel

FH PROMETEU desmontar a Era Vargas. Seu candidato, José Serra, visitou o túmulo de Getúlio em São Borja. Lamentou a desolação, a ausência de um simples memorial para quem criou as bases da industrialização e introduziu os direitos sociais no Brasil. Ao mesmo tempo, Serra fala a língua de Malan: combateu ontem o crescimento em bolhas, como não se cansa de fazer o ministro da Fazenda.

Cobranças
Vem de pefelistas a pergunta sobre o destino dos indicados pela família Sarney para cargos federais ainda não devolvidos. Por exemplo, José Antônio Muniz Lopes, presidente da Eletronorte, cuja indicação é atribuída ao senador José Sarney. Ou Astrogildo Fraguglia Quental, diretor econômico-financeiro da empresa, que teria sido indicado pela própria Roseana.

Lamentos
Nas bases do PFL já se escuta o lamento contra a direção por ter sucumbido ao ultimato de Roseana Sarney e rompido com o governo. Mas Jorge Bornhausen, presidente do PFL, não tinha mesmo outro caminho. Antes de convidar Roseana para ser candidata do partido, tentou Jaime Lerner e Cesar Maia, que não toparam. Roseana aceitou, inicialmente contra o desejo do próprio pai.

Lula esperando a hora
Até aqui, Lula assistiu quase calado às escaramuças no campo governista. Pode começar a faturar no fim de semana. Antes das prévias de domingo, vai participar, em Poços de Caldas (MG), do Encontro Nacional de Fé e Política, um evento católico que já inscreveu mais de dois mil participantes. Lá estarão intelectuais como Maria Victória Benevides e religiosos como dom Demétrio Valentim, Frei Betto e monge Marcelo Barros. Com o deputado estadual Chico Alencar, Lula participa de debate sobre ética na política. Um convite para falar da água suja que está correndo do outro lado.

Pode levar também alguma saia justa, durante discussões sobre mercantilização da fé e populismo messiânico, expressões com que os católicos se referem a igrejas como a Universal, ligada ao PL, com o qual Lula continua querendo fazer aliança para chegar ao centro. Lugar onde Serra também chegará mais facilmente agora, sem o peso do PFL.

Petistas católicos fora de seus estados poderão votar ali mesmo, em Lula ou Eduardo Suplicy.Da ex-deputada Sandra Cavalcanti, do PFL, sobre Roseana Sarney: “Se ela demonstrar sua inocência, terá grandes chances de vitória. Do contrário, terá ganhado o Brasil”.

Abafar é adiar
“Ganhava mas não governava”, sempre disse o presidente Fernando Henrique justificando a aliança que fez em 1994 com o PFL. Não disse nada de novo ontem ao declarar que teria sido eleito sem o apoio do PFL. Juntos aprovaram as bases do Plano Real, as reformas e a reeleição. E evitaram também muitas CPIs. O receio de que o PFL agora ajude a oposição a ressuscitar algumas delas ronda o governo. Mas, para isso, a primeira providência do PFL teria que ser a instalação da CPI da Sudam, que, juntamente com o PSDB, enterrou no ano passado.

Proposta ainda no início da briga entre ACM e Jader Barbalho, essa CPI chegou a alcançar o número de assinaturas na Câmara, mas líderes governistas conseguiram alguns “arrependimentos”. Instalada, já teria trazido à tona muito do que se está derramando agora sobre a campanha eleitoral, tenha ou não havido interferência para acelerar as investigações conduzidas pelo Ministério Público. Vazamentos, nesses casos, sempre houve, e por meio deles é que a sociedade tomou conhecimento da pilhagem de recursos públicos. Tivesse havido a CPI, quando ACM apresentava suas denúncias contra Jader Barbalho, não estaria o PFL vivendo agora seu duplo infortúnio. Não teria embarcado numa candidatura que o levou a romper com o governo e que agora corre o crescente risco de naufragar no oceano de indícios e suspeitas que vão se acumular. Pois do caso Usimar naquele tempo já se falava. Quem acompanhou a guerra ACM-Jader ouviu algum pefelista preocupado dizer: ACM ainda vai acabar jogando a família Sarney na fogueira.

Ainda que venha a demonstrar sua inocência no caso dos desvios da Sudam, Roseana não o fará a curto prazo, em tempo de estancar a perda de apoio popular que já começou a debilitar sua candidatura. Depois, restará a dinheirama encontrada na sede da empresa Lunus, para a qual começam a surgir explicações diferentes das que já foram apresentadas. Inclusive a de que se tratava de caixa eleitoral, o que seria ilegal em se tratando de candidatura ainda não registrada.

Mas se Roseana e o PFL querem mesmo deixar tudo em pratos limpos, antes de apoiarem qualquer outra CPI contra o governo terão que ajudar a instalar a das fraudes da Sudam, para a qual o deputado Babá (PT-PA) colhe assinaturas há um ano e meio. Desde que o governo derrotou a primeira tentativa, lembra o deputado Henrique Fontana (PT-RS), outro persistente no assunto, nenhuma assinatura foi conseguida entre deputados do PFL e do PSDB. Mas agora, com a eleição batendo às portas, ainda que dê palanque à oposição, a instalação de tal CPI não será do interesse de ninguém no Congresso. Urge, para cada um, cuidar da própria eleição. Do PFL, o que o governo deve temer não é apoio a CPIs ou voto contra projetos importantes. É o desdobramento da guerra eleitoral com os tucanos, de conseqüências imprevisíveis.


Editorial

PELA JUSTIÇA

Há instituições que, por suas características e sua própria relevância, precisam ser mantidas a salvo de qualquer ameaça ou processo de deterioração ética. É o caso do Poder Judiciário.

Mesmo nos surtos de autoritarismo político, por exemplo, é crucial contar com uma Justiça íntegra. Nas piores condições de trabalho, juízes honestos são a garantia de que alguma coisa restou do Estado de direito. Quando a corrupção infiltra-se nos poderes Executivo e Legislativo, a sociedade pode removê-la por meio do voto, da pressão pública e por ação jurídica. Não faz tanto tempo, o país saneou a Presidência da República, restabeleceu a dignidade do cargo, e forçou o Congresso a entrar num saudável ciclo de dedetização moral.

Já o Poder Judiciário, por contar com salvaguardas especiais, tem as entranhas menos expostas à opinião pública. Isso ajuda a blindar a sua independência, essencial para o funcionamento da República. Mas dessa espécie de opacidade — e do forte espírito de corpo que envolve a instituição — pode valer-se a má-fé para agir em cartórios e tribunais. Lembre-se que o juiz Nicolau dos Santos Neto, da Justiça trabalhista de São Paulo, pôde, durante muito tempo, desviar dezenas de milhões de reais da construção de um prédio, visivelmente superfaturado.

O balcão de negócios instala do no Tribunal Regional Federal da 2 Região, no Rio de Janeiro, objeto de uma série de reportagens do GLOBO, é um desafio e também uma oportunidade para o Poder Judiciário. O desafio está em que as denúncias precisam ser investigadas com rapidez e rigor, como disse o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio de Mello. Tem razão, também, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite, ao reconhecer que as acusações atingirão todo o Poder Judiciário se não forem apuradas como é necessário. Ao mesmo tempo, essas denúncias são a melhor oportunidade para que a Justiça — a exemplo do que tem feito o Poder Legislativo — demonstre a sua capacidade de autocorreção, elemento indispensável ao respeito e à confiança que ela precisa merecer da sociedade.


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03/12/2002


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