Legalização do aborto integra programa de direitos humanos proposto pelo governo Lula
Ainda este ano, o governo federal pretende encaminhar ao Congresso Nacional os 27 projetos relativos ao 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, tema do decreto assinado ontem (13) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que gerou protestos de ministros de estado, veículos de comunicação, agropecuaristas, comandantes das três Forças Armadas e da Igreja Católica. O documento foi elaborado pelo secretário especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.
Apesar de o pacote parecer com uma espécie de carta de intenções, um dos projetos que deve gerar muito debate e controvérsia no Senado é o que estabelece a legalização do aborto. A Igreja Católica é contra e o presidente Lula disse que sabe disso e compartilha da mesma postura, mas não cabe a ele proibir a sociedade de se manifestar a respeito. Para Lula, são as posições antagônicas que permitem construir o caminho do equilíbrio.
O tema não é novidade para os senadores. Nos últimos cinco anos, o aborto tem sido discutido e várias formas de tratar a prática têm gerado projetos de lei. Em maio do ano passado, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse em audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) que o aborto é uma questão de saúde pública e quem duvida disso "está delirando" ou tem algum "problema mental". Logo após a audiência, respondendo questionamentos sobre a posição da Igreja Católica, que se coloca contra a realização de um plebiscito sobre o assunto, o ministro disse: "Não se pode prescrever dogmas de determinada religião para a sociedade inteira".
As declarações do ministro foram prontamente rechaçadas por movimentos contrários ao aborto e pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o Aborto, do Congresso Nacional, que pediu ao presidente Lula para censurar José Gomes Temporão. Conforme notícias das semanas seguintes, Lula tem posição contrária ao aborto e não vai se envolver no assunto. Por ocasião da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, Temporão anunciou que, seguindo orientação de "forças superiores", faria silêncio sobre o assunto.
Pobreza
No entanto, o ministro recebeu a solidariedade do senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC), que destacou o papel de Temporão como principal fiscal da saúde pública. O senador elogiou a coragem do ministro de enfrentar a questão do aborto - um tema, em sua opinião, espinhoso, do qual muita gente foge. Mesquita ainda lembrou que a população mais pobre não tem acesso ao controle da natalidade, não dispõe de informação sobre o assunto e, tampouco, dos meios para planejar sua família.
- Milhares de mulheres são submetidas a práticas que mutilam, portanto é imperativo que a sociedade se preocupe com o assunto, sem hipocrisia, sem subterfúgios - ressaltou.
Para se contrapor aos que defendem a legalização do aborto, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa da Vida - Contra o Aborto, que já realizou o 1º Encontro Brasileiro de Legisladores e Governantes pela Vida. Segundo os organizadores, a reunião teve como objetivo "estabelecer uma articulação nacional e mobilização de lideranças políticas em defesa da vida desde a concepção".
O encontro contou com a participação de dois legisladores internacionais: a presidente da Frente Mundial Parlamentar pela Vida, senadora argentina Liliana Negre, e o presidente do Grupo Parlamentar Pró-Vida da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e assessor da Parliamentary Network for Critical Issues (PNCI - Rede Parlamentar para Questões Críticas do Congresso Norte-Americano), além do deputado Chris Smith, da ex-senadora Heloísa Helena e do deputado Jorge Tadeu Mudalen, presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara e relator do projeto de lei que propõe a descriminalização do aborto (PL 1.135/91).
O Congresso Nacional também foi palco de protestos populares contra a prática do aborto em qualquer circunstância. Em agosto do ano passado, cerca de 5 mil pessoas - de acordo com a Polícia Militar - reuniram-se em frente ao Congresso para protestar contra as iniciativas de legalização do aborto. O protesto foi organizado pelo Movimento Brasil Sem Aborto, com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Federação Espírita, da Iniciativa das Religiões Unidas (URI), da Associação Pró-vida e Pró-família, da Seicho-no-ie e da Legião da Boa Vontade, entre outros.
Embora não tenha posição institucional definida sobre o assunto, no Senado há três projetos de lei (PLS) em tramitação que permitem o aborto em casos específicos: 183/04; 227/04; e 312/04. Também há o projeto de decreto legislativo (PDL 1.494/04) do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que prevê a realização de plebiscito sobre seis temas, dentre eles a legalização do aborto.
Força-tarefa
Católico praticante e contrário ao aborto, o senador Tião Viana (PT-AC) entende que já é hora de o Brasil organizar uma força-tarefa para evitar a gravidez indesejada, cuja interrupção é a quarta causa de óbito entre as mulheres no Brasil. Ele foi questionado sobre críticas do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Geraldo Lyrio Rocha, às declarações do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, favoráveis ao aborto.
- Acho que esse é um assunto da maior seriedade, da maior complexidade, porque envolve aspectos jurídicos, políticos, filosóficos, éticos e religiosos, e todos temos o dever de expor à luz do dia as nossas posições. Eu, pessoalmente, externei inúmeras vezes a minha posição por convicção, por visão filosófica e por princípio religioso, contrário ao aborto. Acho que temos todas as condições de avançar numa força-tarefa excepcional na história brasileira para evitar a gravidez indesejada, que é algo que não tem a concordância da nossa Igreja - disse.
Dogmas
Defendendo o debate claro e responsável, o primeiro secretário do Senado, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), afirmou que o seu partido não fechará questão contra a legalização do aborto por entender que se trata de uma questão de consciência, e não programática.
- Sou de uma região onde a quantidade de pessoas vítimas de aborto de ponta de rua é muito grande. As mulheres abastadas resolvem o problema em clínicas chiques, de luxo. Mas as necessitadas passam muitas vezes pelo vexame de ter que se entregar até mesmo a pessoas não habilitadas, tipo parteiras ou benzedeiras ou coisa que o valha. Daí porque essa é uma questão, até de preservação de vida, que precisa ser discutida - afirmou.
O líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), afirmou que não se sente "interditado" para debater a questão do aborto, apesar de ser católico praticante, mas salientou que o Brasil precisa encarar a questão do aborto de forma realista. Virgílio salientou que, no Brasil, uma mulher que disponha de recursos faz aborto seguro em clínica que, mesmo clandestina, dispõe de todos os recursos da moderna Medicina. Uma cidadã pobre, no entanto, fica obrigada a recorrer a métodos rudimentares, praticados muitas vezes por "curandeiros", em que se usam "agulhas", arriscando com isso a própria vida.
- Eu não teria como deixar de marcar a minha posição nesse episódio e não há nenhuma contradição com a minha fé católica profunda. Não me sinto obrigado a me enquadrar nesses dogmas - argumentou.
14/01/2010
Agência Senado
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