Lula pede a pecuaristas que votem sem medo









Lula pede a pecuaristas que votem sem medo
Durante encontro em Uberaba, petista ouviu pedidos para pôr fim às invasões de terra

UBERABA - O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, deu no fim de semana mais um passo na sua tentativa de acabar com o "medo" que ainda desperta em setores da sociedade dos quais um dia já foi "inimigo". Acompanhado de seu candidato a vice, senador José Alencar (PL-MG), ele fez uma visita inédita, no sábado, à Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), entidade considerada símbolo do capitalismo no campo.

O encontro, realizado em Uberaba (MG), foi estratégico. Agora, o comando da campanha petista não está mais preocupado em subir nas pesquisas, lideradas com ampla vantagem por Lula. Quer, na verdade, diminuir a rejeição do presidenciável, que supera os 30%, numa preparação para o 2.º turno.

Seguindo essa linha, Lula já visitou várias entidades empresariais, como a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban).

Em Uberaba, Lula ouviu reivindicações dos pecuaristas, entre elas o fim das invasões de terra, a melhoria das estradas de acesso ao campo e a flexibilização das leis ambientais. Também foi alertado para que tenha "juízo" na hora de escolher seu ministro da Agricultura, caso seja eleito.

Surpresa - Mesmo diante de representantes de um setor com o qual não tem afinidades históricas, o candidato petista causou boa impressão após seu discurso aos pecuaristas. "Fiquei surpreso com o Lula, porque ele está bem informado das questões do País e do nosso setor", avaliou o presidente da ABCZ, José Olavo Borges Mendes.

A "surpresa" de Mendes o levou a uma conclusão sobre o candidato do PT. "Ele realmente mudou", disse o presidente da entidade. O aval do vice Alencar, grande empresário do setor têxtil, também ajudou. "Alencar me deixou mais tranqüilo", afirmou Mendes. Ao final do encontro, o pecuarista, que nunca votou em Lula, estampava na lapela de seu paletó uma estrela vermelha do PT, logo abaixo do broche em forma de uma cabeça de zebu estilizada, marca da ABCZ.

Medo - Enfrentando olhares ora desconfiados, ora simpáticos, Lula falou por cerca de 20 minutos aos dirigentes da ABCZ e fez um apelo para que eles não votassem "com medo" nestas eleições.

"Não tiro a razão de quem já teve medo de mim, pois também já tratei vocês como inimigos, mas política é assim", afirmou o candidato. "Em 1985, Fernando Henrique Cardoso não foi eleito prefeito de São Paulo, porque era considerado comunista", disse Lula.

Novamente, o petista recorreu ao exemplo das eleições de 1989, quando foi derrotado no 2.º turno por Fernando Collor de Mello. "Não votem com medo, porque senão podemos repetir 1989", pediu o candidato petista. "O medo pode, muitas vezes, nos induzir a erros irreparáveis."

Na hora em que fazia as reivindicações da ABCZ, o presidente da entidade e Lula protagonizaram o momento de maior descontração no encontro. Ao fazer um apelo pela melhoria das estradas, Mendes citou a situação de Mato Grosso.

"Lá, onde tenho fazenda, tenho dificuldades com as estradas em péssimas condições."

Neste momento, foi interrompido pelo candidato petista. "Se fosse no Mato Grosso do Sul, não teria", brincou Lula, referindo-se ao governo de José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, neste Estado. "Mas seu compadre lá (Zeca do PT) nos impôs uma taxa altíssima para fazer isso", retrucou o presidente da ABCZ, em tom de brincadeira.

Vice - Antes de falar aos pecuaristas, Lula fez questão de dar a palavra a seu vice, que vem sendo em vários momentos dessa campanha o interlocutor do presidenciável com os empresários. "Fala aí, Zé Alencar", pediu o candidato. "Bem, vocês sabem que vice não fala", brincou o senador mineiro, arrancando risadas dos presentes.

Alencar comentou o "entusiasmo" que a candidatura Lula está causando no Brasil e, numa espécie de aval empresarial que tenta impor aos setores avessos à candidatura petista, afirmou que Lula "é a opção mais segura para a alternância de poder" no País.

Com a palavra, Lula destacou a importância das exportações para o setor, prometeu trabalhar para aumentá-las e alfinetou o presidente Fernando Henrique Cardoso. "Ninguém compra do Brasil por causa dos olhos do presidente ou por sua formação intelectual", disse o candidato.

Lula comentou todas as reivindicações feitas pelos pecuaristas. Disse que era a favor da reforma agrária e repetiu que é a "única garantia" de que ela seja feita sem "nenhuma invasão" e "sem violência" no campo. Também respondeu ao presidente da ABCZ sobre o "juízo" na hora de escolher o ministro da Agricultura. "Se eu ousar indicar um ministro a 30 dias da eleição, perco a eleição", disse o candidato.

Comício - Após encontro na sede da ABCZ, Lula fez um comício para cerca de 4 mil pessoas no centro de Uberaba. Como fez em outros eventos do gênero mais recentes, recorreu à "agenda lotada" para discursar pouco. Deixou no local a impressão de que, agora, o que mais vale realmente é expor idéias para quem não gosta dele.


Ciro e Serra seguem empatados
Pelo Sensus, Ciro caiu 7 pontos e está com 18,3% dos votos; Serra subiu 3 e atingiu 17,1%

BRASÍLIA - O candidato Ciro Gomes (PPS) foi o único entre os quatro principais presidenciáveis que perdeu pontos na pesquisa do instituto Sensus para a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), concluída ontem.

Ciro caiu de 25,5%, em 28 de agosto, para 18,3%, uma queda de 7,2 pontos porcentuais. A pesquisa foi realizada nos dias 5 e 6, com 2 mil pessoas em todo País.

O candidato do PSDB, José Serra, cresceu quase 3 pontos, passando de 14,7% para 17,1%. Está tecnicamente empatado com Ciro, em segundo lugar, pois a margem de erro é de 3 pontos porcentuais.

O candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, mantém o primeiro lugar, com 37,7%. Na anterior, tinha 34%. Anthony Garotinho (PSB) cresceu de 10,4% para 13,3%. Já o índice de indecisos caiu de 14,4% para 13,5%.

O quadro de rejeição aos candidatos também foi alterado e com desvantagem também para Ciro. Aumentou o seu índice de rejeição de 31,4% para 39,9%.

Lula tem o menor índice de rejeição, com 34,9%, enquanto Garotinho está com o maior, 46,1%, seguido de Serra, com 40,1%.

Nas simulações para o segundo turno das eleições, Lula continua vencendo todos seus oponentes.

De Ciro, o petista ganharia por 49,2% a 38,1%. Contra o tucano Serra, a vantagem de Lula seria maior ainda: de 50,2% contra 38,2%.

Se a disputa fosse entre Ciro e Serra, no segundo turno, o candidato da Frente Trabalhista teria 39,9% e o tucano, 39,3%. (James Allen, da AE)


Garotinho sugere que Jobim se afaste do TSE
RIO - O presidenciável Anthony Garotinho (PSB) propôs ontem o afastamento voluntário do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Nelson Jobim. "Ainda é tempo de o Jobim colaborar com o processo eleitoral e sair da presidência do TSE, eliminando qualquer suspeita sobre a lisura das eleições no futuro."

Garotinho disse que, há seis meses, propôs a Ciro Gomes (PPS) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que enviassem ao presidente Fernando Henrique Cardoso um documento conjunto, pedindo a saída de Jobim, que, segundo ele, "tem relações afetivas com o candidato do governo, José Serra". "O Ciro e o PT foram contra", contou.

Na sua opinião, "um juiz não pode ser amigo de uma das partes de uma causa, seja ela eleitoral, criminal ou qualquer outra". "Para o bem da sociedade, o Jobim não poderia ter aceitado presidir o pleito", reforçou. Ontem, ele passou o dia no Rio, onde se reuniu com lideranças comunitárias e gravou trechos de seu p rograma eleitoral.


Candidatos buscam apoio de futuros governadores
Em 14 Estados, além do Distrito Federal, novos governadores devem ser eleitos em 6 de outubro e serão importantes no 2.º turno presidencial

BRASÍLIA - Mais da metade dos candidatos aos governos estaduais deve se eleger no primeiro turno das eleições. Pesquisas de intenção de voto divulgadas pelo Ibope indicam que, em pelo menos 14 dos 26 Estados, além do Distrito Federal, a eleição será definida em 6 de outubro. Os futuros governadores serão cabos eleitorais importantes para os dois candidatos à Presidência que disputarem o segundo turno das eleições. Mas nem Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, nem o tucano José Serra, nem Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, terão hegemonia no apoio dos governadores eleitos.

Engalfinhados na luta pelo segundo lugar da corrida presidencial, os candidatos Ciro e Serra vão disputar palmo a palmo o apoio dos governadores eleitos em 6 de outubro. Em alguns desses Estados, o governador vencedor poderá dar apoio tanto ao tucano como ao candidato do PPS no segundo turno.

É o caso, por exemplo, de Minas, onde o presidente da Câmara e candidato ao governo estadual, Aécio Neves (PSDB), apóia Serra no primeiro turno, mas poderá ajudar na campanha de Ciro, caso ele chegue ao segundo turno contra Lula. Aécio está isolado na disputa estadual: tem 44% das intenções de voto.

Em segundo lugar, Newton Cardoso, do PMDB, aparece com 14% dos votos.

O presidente nacional do PPS, senador Roberto Freire (PE), está confiante de que a mesma situação se repetirá em Pernambuco, onde o governador e candidato à reeleição Jarbas Vasconcellos (PMDB) tem 64% das intenções de voto.

Freire acha que Jarbas poderá ser cabo eleitoral de Ciro, caso ele chegue ao segundo turno, apesar de o governador insistir em que a vaga será de Serra.

"O segundo turno é uma outra eleição e várias questões só serão resolvidas em função de quem for", ressalta o presidente do PPS.

ACM - Tanto é assim que o apoio dos governadores ao candidato petista no segundo turno também poderão ser maiores ou menores, dependendo de seu adversário. Se o tucano for seu oponente, o provável governador da Bahia, Paulo Souto (PFL), e seu padrinho político, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), apoiarão Lula no segundo turno.

Segundo o Ibope, Souto tem 60% das intenções de voto, seguido por Jaques Wagner (PT), com 6%. Lula só não terá apoio na Bahia se Ciro passar para o segundo turno.

Situação semelhante deverá ocorrer no Amazonas: onde Eduardo Braga, do PPS, apóia o candidato da Frente Trabalhista, mas deverá ficar ao lado de Lula, caso Serra seja o adversário do petista no dia 27 de outubro. Braga também aparece bem à frente dos adversários em seu Estado: 65% dos votos.

Presença certa até agora no segundo turno das eleições presidenciais, Lula tem, por enquanto, o apoio certo de três governadores que poderão se eleger já em 6 de outubro: Jorge Viana, do PT do Acre; Zeca do PT, de Mato Grosso do Sul, e Flamarion Portela, do PSL de Roraima.

Lula poderá contar, eventualmente, com a ajuda de Rosinha Matheus, do PSB do Rio. Ela aparece no levantamento do Ibope com 45% dos votos para o governo fluminense.

O presidenciável Anthony Garotinho (PSB), marido de Rosinha, já declarou que no segundo turno das eleições deverá votar em Lula. Mas aliados ainda põem em dúvida esta disposição do ex-governador, que está em pé de guerra com o PT do Rio e com a sua sucessora no governo do Estado e candidata à reeleição Benedita da Silva.


Para analistas, mais importante serão as alianças
Segundo eles, apoio dos novos governadores não definirá eleição presidencial

BRASÍLIA - Cientistas políticos avaliam o peso dos governadores eleitos no 1.º turno com mais cautela. "O apoio deles para os presidenciáveis será importante, mas não definitivo. O eleitor discrimina entre voto para o governo e para presidente", diz a consultora de pesquisas do Grupo Estado, Fátima Pacheco Jordão.

Ela lembra que, em vários Estados, os candidatos que lideram as pesquisas não transferem voto para o presidenciável que apóiam. "O Ciro tem menos votos na Bahia do que sua média nacional", observa.

Na opinião de Fátima, o engajamento dos governadores eleitos na disputa presidencial ficará à mercê das alianças políticas e dos arranjos locais.

Isso vale, até mesmo, para governadores eleitos que têm o mesmo partido do presidenciável.

"À exceção de partidos ideológicos, como o PT, a participação do governador vai depender de sua aproximação com o candidato e até de promessas, como renegociação da dívida do Estado", diz a consultora.

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, os governadores eleitos no primeiro turno provavelmente farão "corpo mole" no segundo.

"O meu feeling é que esses governadores vão ficar distantes das campanhas, vão tirar férias", afirma. É o que ele chama de "triste paradoxo do segundo turno": os candidatos à Presidência acham que os governadores terão mais tempo para se dedicar às campanhas, mas, na prática, isso não acontece.

"Quem vai trabalhar mesmo para os candidatos que vão disputar a Presidência são os governadores que forem para o segundo turno."


Para analistas, mais importante serão as alianças
Segundo eles, apoio dos novos governadores não definirá eleição presidencial

BRASÍLIA - Cientistas políticos avaliam o peso dos governadores eleitos no 1.º turno com mais cautela. "O apoio deles para os presidenciáveis será importante, mas não definitivo. O eleitor discrimina entre voto para o governo e para presidente", diz a consultora de pesquisas do Grupo Estado, Fátima Pacheco Jordão.

Ela lembra que, em vários Estados, os candidatos que lideram as pesquisas não transferem voto para o presidenciável que apóiam. "O Ciro tem menos votos na Bahia do que sua média nacional", observa.

Na opinião de Fátima, o engajamento dos governadores eleitos na disputa presidencial ficará à mercê das alianças políticas e dos arranjos locais.

Isso vale, até mesmo, para governadores eleitos que têm o mesmo partido do presidenciável.

"À exceção de partidos ideológicos, como o PT, a participação do governador vai depender de sua aproximação com o candidato e até de promessas, como renegociação da dívida do Estado", diz a consultora.

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, os governadores eleitos no primeiro turno provavelmente farão "corpo mole" no segundo.

"O meu feeling é que esses governadores vão ficar distantes das campanhas, vão tirar férias", afirma. É o que ele chama de "triste paradoxo do segundo turno": os candidatos à Presidência acham que os governadores terão mais tempo para se dedicar às campanhas, mas, na prática, isso não acontece.

"Quem vai trabalhar mesmo para os candidatos que vão disputar a Presidência são os governadores que forem para o segundo turno."


Artigos

Carta a Ciro
Denis Lerrer Rosenfield

Prezado candidato:
Venho acompanhando atentamente sua trajetória de candidato a presidente da República. Suas idéias têm-me parecido, em geral, adequadas, ao demonstrarem conhecimento do Brasil e genuíno interesse pela mudança, dentro das regras democráticas que devem pautar uma sociedade livre.

Atribuí a um certo arroubo algumas propostas políticas, como a de introdução de um suposto mecanismo que assegurasse uma suposta relação direta da Presidência com o povo. Uma das versões de seu programa poderia, efetivamente, vir a gerar uma certa instabilid ade em nossas frágeis instituições.

Sinto-me particularmente à vontade para dirigir-me ao senhor, pois escrevi, nas páginas deste mesmo jornal, um artigo - Quem tem medo de Ciro? - em que procurei recentrar uma discussão que, no meu entender, estava fora de foco.

Talvez eu tenha sido um dos poucos articulistas que o fizeram naquele então.

Recebi um número muito expressivo de e-mails, a maior parte de aprovação.

Uns poucos me convidavam à discussão, com o argumento de que conhecia pouco o seu "destempero", que viria de longe.

Não compartilhava de parte das opiniões da mídia que acentuava os seus traços intempestivos, com o intuito de identificá-lo a Collor. Achei, naquela ocasião, que havia um certo preconceito contra um candidato correndo em faixa própria, fora dos centros usuais de poder. Ademais, assinalava que o seu passado como deputado estadual, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Fazenda o credenciava como alguém responsável, experiente e respeitoso das regras democráticas. Não via em sua atuação política um tipo de atitude que poderia conduzir o País a uma instabilidade institucional. O seu voluntarismo, por alguns visto como defeito, parecia-me uma virtude, pois uma dose dele, sempre quando não desmedida, é necessária num país como o nosso. As mudanças de que carecemos dependem de vontade política. A virtude, como dizia Aristóteles, só se torna um vício quando excessiva.

Foi então, com surpresa, que comecei a observar em seus discursos e em sua postura traços que punham em questão o meu juízo. Não posso, portanto, aceitar o argumento de que a mídia tudo ampliou ou descontextualizou, pois o controle das emoções e a coerência devem ser próprios de quem almeja a maior investidura deste país. Aliás, nosso país, entre outras virtudes, não considera politicamente relevante a vida privada de seus políticos, pois esta pertence à esfera estritamente pessoal. O destempero, contudo, parece ser severamente julgado pela opinião pública. Permita-me, então, assinalar alguns desses pontos.

Sua candidatura foi colocada nos antípodas da política do atual presidente, realçando as suas alianças com as forças do atraso em nosso país.

Entretanto, o senhor terminou tecendo em torno de si um leque de alianças que reproduz boa parte da até recentemente coligação governamental. O discurso contra as oligarquias fica muito enfraquecido se o senhor se vale do apoio dessas mesmas oligarquias. Aliás, o senador Roberto Freire não disse coisa muito distinta a esse respeito.

O seu discurso contra os "barões de São Paulo" é uma "fuite en avant" (uma fuga para a frente), não contrabalançando essa sua posição, pois, além de exacerbar inutilmente conflitos regionais, termina por revelar um desconhecimento da capacidade industrial, comercial e financeira do Estado mais desenvolvido da Federação. O setor economicamente mais moderno do País não pode ser equiparado a uma oligarquia. Isso não implica, evidentemente, estar de acordo com tudo o que é feito em nome desse setor.

Ademais, causou-me estranheza, no seu confronto com São Paulo, recorrer, em sua equipe, a brasileiros que fizeram toda a sua carreira no exterior, quando instado a resolver alguns problemas. Entenda-me bem: não se trata de uma crítica pessoal a essas pessoas, cuja competência parece ser reconhecida. O problema, porém, é cultural, próprio de uma certa elite que procura resolver no exterior questões que podem ser perfeitamente equacionadas aqui. O Brasil muito se desenvolveu em suas formações educacional e científica, com uma pós-graduação avançada, provavelmente a melhor dentre os países em desenvolvimento, e com setores de ponta na pesquisa internacional.

Atribuir a José Serra todos os seus problemas, recorrendo até mesmo à apreensão de documentos e dinheiro na empresa da ex-governadora Roseana Sarney e de seu marido, manifesta, no meu entender, um desrespeito aos poderes constituídos do Estado, pois a apreensão seguiu o funcionamento institucional, com autorização da Justiça a partir de uma denúncia do Ministério Público, com a conseqüente atuação da Polícia Federal. Aliás, foi a própria ex-governadora que se emaranhou em explicações múltiplas, uma menos convincente que a outra.

Tampouco ajudou a sua atitude de revisar os seus dados e informações quando estes não se adequavam à realidade. Trata-se de problemas menores que poderiam ser mais bem equacionados quando reconhecidos com humildade. A sua declaração a propósito do papel da mulher é, por sua vez, de um machismo não condizente com sua companheira, nem, sobretudo, com as mulheres em geral. O respeito ao gênero faz parte do cargo de presidente. Além disto, colocar-se na posição de vítima, recorrendo à figura de Jesus Cristo, é impróprio. A analogia com uma figura considerada como divina exigiria um patamar moral mais elevado do que aquele que estamos presenciando na disputa eleitoral. Um esclarecimento convincente de todas essas questões me parece cada vez mais necessário, pois o que está em questão é a Presidência da República e o País que almejamos construir.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

A vida em pedaços
Essas moças e moços - quase sempre muito jovens -, que de vez em quando aparecem para me entrevistar, perguntam sempre - quase sem exceção - como foi que comecei a escrever. Esperam que eu diga o momento exato em que me apareceu a vocação, se foi de dia ou de noite, se comecei a escrever o livro, direto, e fui até o ponto final, e por aí vai. Perguntam muito também sobre a minha vida, o que aconteceu, e depois, e depois, e depois... Tento explicar, na medida do possível, que a vida da gente não é uma seqüência, como numa história em quadrinhos, em que um fato acontecido num quadro tem a sua lógica no quadro seguinte; e que a nossa memória também não é uma coisa contínua, uma lembrança sucedendo a outra. Eles ficam meio decepcionados, mas procuro satisfazê-los contando alguma coisa da minha vida. Pelo menos os pedaços de que me lembro.

Bem, quando adolescente resolvi ser atriz. É que passara por Fortaleza uma companhia de operetas e, é lógico, fiquei toda alvoroçada. Meu pai, do sertão, me comprou uma assinatura para duas pessoas e me mandou para a cidade. Acompanhada de uma velha amiga da família, fomos a todas as récitas (menos a Casta Susana, que era imprópria). Essa temporada me virou a cabeça.

Nunca mais perdi companhia teatral de passagem pela terra; e, na falta, ia aos espetáculos dos amadores locais. Estava decidida a minha vocação. Ia ser atriz. Lia toda peça de teatro em que punha a mão, me sonhava uma grande atriz, uma Duse, ou, no mínimo, uma Lucilia Peres. Mas nunca falei desses sonhos a ninguém: fracassando, ninguém poderia me fazer cobranças. Verdade que eu antes quisera ser violinista. Por causa de uma foto saída numa revista de uma violinista (ou pianista?) polonesa, por nome Luba; tinha cabelo ruivo, trajava veludo preto, com uma cauda longa que arrastava atrás de si, como uma onda. A dificuldade é que eu nunca tivera a mínima musicalidade, nunca chegara perto de um piano ou de um violino. Só a figura da artista me encantava; o instrumento era acessório. Guardei anos aquela página recortada, com a imagem colorida da Luba.

Muito cedo me meti a escrever, porque na nossa casa livro e leitura tinham lugar principal. Pessoa que não lesse (e que não escrevesse um pouco, nem que fosse às escondidas) não era propriamente um ser humano.

Mas eu era a única menina no meio de quatro irmãos: imagine-se as críticas deles todos gozando a "literata"! Assim, na moita, aos 12, 14 anos, é que fazia os meus contos; estava na fase romântica, - Victor Hugo, Dumas, Rostand - Ah, Cirano! (no colégio as freiras me obrigaram muito cedo a ler francês). E José de Alencar (Diva), e Júlio Diniz (F idalgos da Casa Mourisca), e até Camilo (Amor de Perdição). Claro que nos meus contos pululavam as noites sombrias, os amores impossíveis, os pais ferozes, as traições e as juras. Contudo, mal dava o ponto final no dramalhão, eu tratava de rasgar tudo, com medo do patrulhamento dos meninos e - horror dos horrores - que minha mãe, ela sim, com o seu bom gosto literário, os descobrisse. Para não correr riscos e porque me parecia mais bonito, eu fazia uma fogueirinha no quintal com os meus escritos e os meninos começaram a dizer que eu andava fazendo bruxaria - idéia que, aliás, me agradou enormemente.

E, então, inventei um ritual: consumida a fogueira, enterrava cuidadosamente as cinzas.

Tentei então fazer versos; mas em versos eu era ainda pior. Não esperava para os queimar nem que chegasse o dia seguinte, liquidava-os recém-nascidos.

Com 15 anos me diplomei em professora. O que não foi uma boa idéia: saindo do curso tão cedo, não tinha nenhuma base de estudo; precisei refazer sozinha tudo o que devera ter estudado numa faculdade. Por sorte, fomos então morar na fazenda, onde havia a grande livraria de minha mãe; nela iniciei o meu curso particular de literatura. A leitura me ficou como uma obsessão. Lia de dia, lia de noite. Como no sertão não havia luz elétrica, meu pai me arranjou um foto-mobile: é um castiçal oco onde se enfia uma vela; e à medida em que a vela se consome, é impulsionada para cima por uma mola que a mantém sempre à mesma altura; coroando tudo, uma pequena manga de vidro que protege a chama contra o vento. Noite havia em que eu consumia até três velas e das grossas!

Esqueci de contar que antes da fase romântica, atravessei a fase Júlio Verne. Eram uns volumes encadernados em pano, com figuras relativas às aventuras dos heróis, ilustrando a capa. Tradução de Portugal, letrinha miúda. Me encarnei nos filhos do Capitão Grant, dei a volta ao mundo em 80 dias, fiz sete semanas em um balão, fui num foguete à Lua. Mas, acima de todos, a grande paixão: Vinte Mil Léguas Submarinas. Acho que se puxasse pela memória, ainda seria capaz de repetir de cor algumas frases do Capitão Nemo!

Eu ia pelos 16 anos quando me meti a fazer uma "carta de leitor" para um jornal de Fortaleza, comentando com alguma irreverência a recente eleição da Rainha dos Estudantes. Prudentemente assinei a peça com um pseudônimo: Rita de Queluz (aproveitando minhas iniciais). A carta agradou; e na Fortaleza daquele tempo, puseram-se a procurar quem seria aquela Rita, acabaram descobrindo. E eu fui então ser jornalista. Fazia uma crônica por semana, tomava conta da página literária.

De lá pra cá não teve mais jeito. Já "veterana" aos 18 anos, deu-me um impulso de escrever um livro, um romance. Só o mostrei a meu pai e minha mãe quando estava pronto. Foi O Quinze, publicado em l930.

De lá até hoje não parei mais, quer em jornal, quer em livro. Mas não posso dizer que foi propriamente uma vocação. Nunca nos meus sonhos juvenis pensei em me tornar uma escritora. O que eu queria mesmo era ser atriz. Jamais o fui. Nunca pisei num palco, nem mesmo de amadores. Como nunca vesti um vestido longo, de veludo preto, segurando na mão, com elegância, a grande cauda suntuosa.

E é isso aí, meus queridos. A vida da gente é assim, sem nada planejado, feita aos pedaços como um quebra-cabeça onde sempre falta - ou se perdeu, alguma daquelas peças coloridas.


Editorial

NOVA POLÍTICA ANTIDROGAS?

Pesquisa da Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça revelou que 11,2% dos brasileiros - mais de 19 milhões de pessoas - são vítimas do alcoolismo. Trata-se do primeiro Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas no Brasil, feito em 107 cidades com população maior que 200 mil habitantes, incluindo as capitais, e mostrou também que 9% dos brasileiros são dependentes do tabaco e 1% faz uso de maconha.

Outro dado destacado pela pesquisa - realizada no final do ano passado, com 8.589 pessoas entre 12 e 65 anos - é que menos de 1% da população consome cocaína.

Durante a apresentação da pesquisa, feita pelo secretário nacional antidrogas, general Paulo Roberto Uchoa, despertou grande atenção o fato de que 60,9% dos entrevistados acham muito fácil conseguir maconha; outros 45,8% consideram também muito fácil comprar cocaína; o mesmo para obter crack, entre 36,1% dos entrevistados; e para 21,1% é fácil conseguir heroína. Uchoa ressaltou que essas afirmações representam a percepção que as pessoas têm da realidade do comércio ilegal, ou seja, não são fruto de experiências pessoais na obtenção das drogas. De qualquer forma, a "facilidade" - suposta ou real - para se conseguir drogas dominou o debate que se seguiu à apresentação.

O coordenador da pesquisa, o professor da Escola Paulista de Medicina, Elisaldo Carlini, relativizou essa "percepção" afirmando que a droga "está no imaginário popular" do brasileiro. Carlini, que é uma autoridade no tratamento de dependentes de drogas, ponderou que muitas pessoas, mesmo que nunca tenham sequer visto maconha ou cocaína, acham que é fácil obtê-las, pois, segundo ele, "a disseminação do assunto na sociedade" leva a essa percepção.

A diferença entre a percepção do problema e a realidade tem prejudicado o efetivo combate ao consumo de drogas. O general Uchoa criticou as campanhas, afirmando que é contraproducente apenas "alertar para o medo, o susto" e que é preciso falar sobre os benefícios para quem não usa drogas. O general alertou que, obviamente, em alguns setores ou locais "temos problemas sérios com drogas", mas, como revelou pesquisa internacional, realizada com critérios semelhantes, o consumo de drogas ilícitas no Brasil é seis vezes menor, por exemplo, do que nos Estados Unidos. Uchoa anunciou que os resultados da pesquisa levarão à "nova orientação" para as campanhas educativas do governo.

A primeira revisão nesses procedimentos é que a preocupação central estará no uso excessivo de bebidas alcoólicas, pela violência e acidentes que provoca, principalmente no trânsito. O combate às drogas ilícitas obedecerá à Política Nacional Antidrogas, anunciada em dezembro pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Nela, o problema é visto não apenas pelo lado da oferta - como se fosse criado apenas pela ação dos traficantes que abastecem o mercado -, mas colocando ênfase na prevenção e tratamento do dependente, isto é, no combate ao consumo. O sucesso dessa política, é claro, não dependerá só das campanhas do governo, mas, como lembrou o presidente Fernando Henrique, dependerá também de "um esforço pela volta de certos valores e princípios de boa convivência, dados pela comunidade e não pelo governo".

Essas mudanças no enfoque do problema e na política antidrogas precisam, agora, ser levadas à sociedade com clareza para obterem a cooperação necessária.


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09/09/2002


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