MP para corrigir a tabela do IR







MP para corrigir a tabela do IR
O presidente Fernando Henrique Cardoso vai vetar o projeto de lei, aprovado pelo Congresso, que corrige a tabela de descontos do Imposto de Renda. Mas a correção de 17,5% da tabela do imposto para as pessoas físicas será garantida pela edição, amanhã, de uma medida provisória. Um ministro informou que esta foi a alternativa encontrada pelo presidente para respeitar a decisão do Congresso e evitar que, com base no texto aprovado pelos parlamentares, as empresas pudessem requerer a mesma correção na Justiça, passando a pagar menos imposto e provocando um rombo na arrecadação.

O presidente Fernando Henrique recebeu um relatório do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, demonstrando que o texto aprovado no Congresso abria brechas para que as pessoas jurídicas o contestassem juridicamente, requerendo a correção do imposto pago no mesmo patamar da tabela de pessoa física. Nas negociações com a equipe econômica e o presidente, Everardo tem dito que as perdas em caso de êxito destas ações são estimadas em R$ 100 bilhões.

Hoje, Fernando Henrique se reúne com integrantes da equipe econômica e da Advocacia Geral da União (AGU) para detalhar o veto e o texto da medida provisória. Para evitar uma possível reação no Congresso, o texto da MP dirá que “na abrangência da visão do legislador, o governo vai garantir a correção de 17,5% para a pessoa física”.

— O importante é garantir a essência do projeto, que é aumentar a faixa de isenção e reajustar a tabela e as deduções — afirmou o senador Paulo Hartung (PSB-ES), autor do projeto que reajustou a tabela e que estará hoje em Brasília para acompanhar de perto as mudanças.

Depois do IR, energia e Argentina

Decidida a questão do Imposto de Renda, o governo vai se mobilizar para tratar da crise de energia e da crise política na Argentina. Apesar desses problemas, que ainda podem provocar algum sobressalto no país, os integrantes do governo estão otimistas com o início do ano.

— Poucos governos teriam conseguido ultrapassar tantas crises — a da Argentina, a de energia e a do Senado — mantendo a capacidade administrativa e a maioria parlamentar. Conseguimos romper com o pessimismo — afirmou o líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Magalhães (BA).

Mas o governo continua atento a esses fatos, que ainda estão em evolução. Amanhã os governadores dos estados do Nordeste têm reunião com o presidente Fernando Henrique Cardoso para tratar do abastecimento d’água na região, do racionamento de energia e do projeto de revitalização do Rio São Francisco. O ministro da Integração Nacional, Ney Suassuna, afirmou que as chuvas dos últimos dias melhoraram o quadro no Nordeste, mas que a situação ainda é de cautela.

Um dia após a reunião de Fernando Henrique com os governadores, a Câmara de Gestão de Energia do governo federal fará um balanço do racionamento e vai traçar as novas margens de segurança para os reservatórios em todo o país.

Mínimo de R$ 200 deve ser sancionado

O governo também terá nesta semana que concluir as negociações do acordo feito com a oposição para viabilizar a aprovação do Orçamento deste ano. As principais dúvidas são em relação aos cortes que o governo faria de R$ 3 bilhões para cobrir um buraco que existiria no Orçamento em função da correção da tabela do Imposto de Renda e às divergências de expectativa de aumento de receita para 2002.

O aumento do salário-mínimo para R$ 200 deverá ser mantido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Se for sancionado como está, a partir de 1 de abril o salário-mínimo passa de R$ 180 para R$ 200.

O presidente Fernando Henrique tem até 15 dias para sancionar o Orçamento de 2002, após recebê-lo. Ele deverá tê-lo em suas mãos hoje, e teria até o dia 22 para a sanção. Mas pode fazê-lo antes, para começar a executá-lo.

Amanhã o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, deverá se reunir com o líder do PT na Câmara, deputado Walter Pinheiro (BA), para tratar da renegociação das dívidas bancárias dos pequenos produtores rurais. O governo já concordou com a proposta, mas não havia incluído entre os beneficiários os financiamentos concedidos com recursos oriundos dos Fundos Constitucionais.

— Para o acordo ser cumprido este ajuste precisa ser feito. Os pequenos que recorreram ao Procera e ao Pronaf, que usam dinheiro dos fundos, não foram atendidos. A maioria dos pequenos do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste tinha ficado de fora no texto proposto pelo governo — afirmou Walter Pinheiro.


Apartamento de Nicolau em Miami será vendido
BRASÍLIA. A Advocacia Geral da União (AGU) inicia no mês que vem uma série de ações para resgatar os recursos desviados na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) e penhorar os bens dos condenados. A venda do apartamento do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, em Miami, avaliado em mais de US$ 1 milhão, será uma das primeiras medidas para o ressarcimento dos cerca de R$ 200 milhões, em valores atualizados.

O procurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, acredita na recuperação do dinheiro nos próximos meses.

— Nossa expectativa é que, ainda nesse primeiro semestre, a União recupere, integralmente, o montante desviado. Incluída a correção monetária, que eleva esse valor para quase R$ 200 milhões — disse.

Segundo o procurador, o que for arrecadado com a venda do imóvel de Nicolau será abatido da dívida do juiz. O Diário Oficial publicou, em 27 de dezembro, resolução do ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, autorizando a Secretaria do Patrimônio da União a vender o apartamento.

TCU rejeitou recurso impetrado por Luiz Estevão

Recursos impetrados pelos condenados causaram a demora na execução do resgate dos recursos desviados para a AGU. Somente em dezembro o TCU julgou, e negou, o pedido de revisão de sentença apresentado pelo senador cassado Luiz Estevão (PMDB-DF) e pelos outros envolvidos.

— O recurso tinha 200 páginas e precisou ser lido e examinado com calma. O TCU precisa agir com cautela para não abrir brechas para liminares futuras, senão inviabiliza o ressarcimento dos cofres públicos — disse Furtado.

O procurador do TCU se reunirá com o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, até o fim do mês. Eles decidirão se determinam o arresto dos bens, que é uma medida cautelar de antecipação da penhora, ou se a União parte para a liquidação (venda) dos bens que já estão indisponíveis.

Além de Luiz Estevão, o TCU condenou o juiz Nicolau e os donos da Incal Fábio Monteiro de Barros e Eduardo Ferraz. A sentença, de julho do ano passado, estabelece correção monetária e multa de R$ 10 milhões para cada um dos réus. Furtado não descarta a possibilidade de novos recursos dos condenados, mas não acredita que terão sucesso.

Luiz Estevão disse que teve declarados indisponíveis bens no valor de cerca de R$ 1,2 bilhão, para garantir o pagamento do prejuízo à União. Caso não sejam encontrados bens em posse dos outros réus, ele corre o risco de ter que pagar sozinho pelo desfalque.


Irmão de Fernando Dutra Pinto sofre ameaça de tortura e morte na prisão
SÃO PAULO. O seqüestrador Esdras Dutra Pinto, preso no Centro de Detenção Provisória do Belém (CDP-2), foi ameaçado de tortura e morte ontem por dois funcionários, segundo os advogados de sua família, que pretendem garantir a transferência para outra cadeia ainda hoje. Na última sexta-feira, ele declarou que seu irmão, Fernando Dutra Pinto, morto na quarta-feira, apanhou com canos de ferro na mesma prisão e que morreu por omissão de socorro.

Ele fez a declaração ao juiz-c orregedor dos presídios, Octavio Augusto Machado de Barros Filho, e disse ainda que já se sentia ameaçado, por ter se negado a assinar um documento atestando que seu irmão teve atendimento adequado. Há quatro meses eles seqüestraram Patrícia Abravanel, filha do apresentador Silvio Santos.

Funcionários ameaçaram espancar outros presos

Os dois funcionários que teriam feito a ameaça ontem, identificados apenas como Esildo (que fazia a chefia de plantão) e Ederman, são acusados de participar da sessão de tortura de Fernando, juntamente com os funcionários Mateus e Antonio Carlos. Esdras está na cela 53 do CDP-2, junto com outros detentos. Segundo um dos advogados da família, Rui Afonso Pereira, todos os presos dessa cela são simpáticos a Esdras e foram ameaçados ontem, durante o horário de visitas.

— Eles disseram que vão espancar com ferro todos os presos da cela, para que eles possam denunciar novamente a tortura — disse o advogado.

A Assessoria de Imprensa do governador Geraldo Alckmin disse ontem que somente o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, deveria se manifestar sobre o caso. Furukawa foi procurado em sua casa e no celular, mas não atendeu aos pedidos de entrevista do GLOBO.


Seqüestrador de microônibus fará exame de sanidade
PORTO ALEGRE. João Sérgio dos Santos Pereira, de 27 anos, autor do seqüestro de um microônibus, sexta-feira passada, com nove reféns, que durou 27 horas, fará exames de sanidade mental Instituto Psiquiátrico Forense, onde está internado desde sábado.

Ele foi indiciado pela autoria de extorsão mediante seqüestro e porte ilegal de arma. O inquérito policial será remetido ao Poder Judiciário em dez dias. Até lá, Pereira ficará no Instituto Psiquiátrico.

Hoje serão periciados o revólver calibre 38 e o artefato de madeira que Pereira dizia ser uma bomba. O motorista do microônibus e os passageiros que foram feitos reféns depõem hoje.


Serra vai anunciar oficialmente sua candidatura à Presidência no dia 21
BRASÍLIA. Ao desembarcar hoje em Brasília, depois de uma semana de descanso na França, o ministro da Saúde, José Serra, estará pessoalmente empenhado em acertar os últimos detalhes do lançamento da sua candidatura à Presidência da República. Como aconteceu com seu padrinho, Fernando Henrique Cardoso, a decisão sobre a candidatura e os detalhes da campanha foram definidos por Serra em uma viagem ao exterior. A data escolhida para o anúncio oficial é 21 de janeiro, durante a inauguração do Hospital Sarah Kubitschek do Rio, que levará o nome do jornalista Evandro Carlos de Andrade, um dos maiores incentivadores do projeto.

Serra anuncia a candidatura este mês, mas só deverá deixar o ministério no dia 19 de fevereiro, quando reassumirá sua vaga no Senado. Até lá, a agenda do pré-candidato tucano está repleta de eventos que têm nitidamente o objetivo de alavancar o seu nome como candidato.

Serra fará viagem aNova York em fevereiro

Em fevereiro, o ministério lançará uma campanha de prevenção contra o fumo nos maços de cigarro. A partir do dia 1, todas as carteiras de cigarro produzidas no país levarão fotos de pacientes terminais, vítimas do fumo. No dia 4 do mesmo mês, Serra participa da reunião do “dream team” em Nova York — a seleção dos melhores gestores do mundo, eleitos pela revista inglesa World Link. O ministro vai figurar ao lado de personalidades que se destacaram internacionalmente, como o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

Serra ganhou o título por sua batalha pela flexibilização das patentes de medicamentos para a Aids. Os estrategistas do ministério planejam ainda um grande evento para comemorar o marco dos 150 mil agentes de saúde no país. Na ocasião, o ministro vai anunciar que esses profissionais, que hoje são prestadores de serviços, passarão a ter direitos trabalhistas como décimo terceiro salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Ao voltar para o Congresso, ainda em fevereiro, Serra o fará em grande estilo. A bancada do PSDB em peso deverá prestigiar seu discurso no plenário. Serra vai continuar no ministério depois do anúncio da candidatura para aguardar o reinício do ano legislativo. Mas alguns colaboradores temem que o ministro não tenha mais condições de continuar no governo após o anúncio.

Depois de 21 de janeiro, Serra passará a falar sobre todos os assuntos e não mais apenas sobre a Saúde.

— O diferencial do PSDB é que nós temos o candidato mais preparado para ser presidente — elogia o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior (BA), o maior entusiasta da candidatura de Serra.

A partir da data da pré-convenção do PSDB, marcada para 24 de fevereiro, a candidatura Serra passará por quatro meses de teste. No próximo programa eleitoral do partido, no dia 6 de março, Serra deverá ser a grande estrela, a exemplo do que fez o PFL com Roseana Sarney e o PSB com o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Estratégia bem-sucedida, já que Roseana se consolidou no segundo lugar nas pesquisas e Garotinho em terceiro.

Com todo esse impulso, Serra terá até a data da convenção oficial — que pelo calendário eleitoral deverá acontecer entre os dias 10 e 30 de junho — para crescer nas pesquisas e se viabilizar como candidato do PSDB e do governo à sucessão presidencial. Os tucanos, no entanto, evitam falar em números e metas para o candidato.

— A pesquisa que vale é a de 6 de outubro. Nós só temos que chegar às eleições com o governo mais bem avaliado. Aí teremos autoridade para dizer que esse é um governo de avanços extraordinários, que terão prosseguimento com Serra — afirma o prefeito de Vitória, Luiz Paulo Velloso Lucas, apontado como um dos possíveis coordenadores da campanha de Serra.

— Não podemos ser cobrados por crescimento em pesquisas. Nós temos é que chegar vitoriosos no dia 6 de outubro — diz o secretário-geral do partido, Márcio Fortes.

Fernando Henrique guarda Aécio Neves na manga

Embora não gostem de admitir publicamente a possibilidade de Serra não subir nas pesquisas, os tucanos trabalham com um plano B. Para esse caso, o presidente Fernando Henrique Cardoso guarda uma carta na manga: Aécio Neves, presidente da Câmara dos Deputados. Seu nome tem grande aceitação entre os parlamentares e ele mostrou habilidade política ao conseguir impor uma agenda positiva para o Congresso. Aécio tem dito que seu projeto passa por Minas, elogia Serra em público, mas já deixou claro que não é carta fora do baralho.


Governo do estado vai investigar se há uso político de programas sociais
A Secretaria estadual de Ação Social e Cidadania vai investigar se os programas sociais do governo estadual estão sendo usados com fins políticos. Em reportagem publicada ontem pelo GLOBO, jovens e líderes comunitários dos programas Todos pela Paz, Vida Nova, Nova Sepetiba e Nova Baixada afirmaram que foram obrigados a se filiar ao PSB e a participar de eventos de campanha do governador Anthony Garotinho.

O subsecretário de Projetos Especiais da Secretaria estadual de Ação Social e Cidadania, Ricardo Bittar, disse que vai convocar hoje monitores dos projetos para esclarecer se as pessoas beneficiadas estão sendo recrutadas como cabos eleitorais. Ele admitiu que há jovens se filiando, mas negou que esta seja uma condição para receber benefícios em dinheiro.

— Temos dez mil jovens nesses programas. Se algum sofreu esse tipo de constrangimento, o responsável por isso será demitido — afirmou.

Maioria dos monitores éde militantes do PSB

Bittar pretende realizar uma acareação entre o estudante João Paulo Freires Santos, de 21 anos, membro do Jovens pela Paz; a estagiária do GLOBO Alessandra Duarte, de 21 anos , que tentou se inscrever no Todos pela Paz e no Vida Nova; e os monitores Cícero, Sérgio e Ângelo. O estudante, que trabalha na rádio comunitária do Morro dos Prazeres, disse que foi orientado por Cícero a assinar a ficha de filiação, que entregou juntamente com a de inscrição no Jovens pela Paz, na sede do partido, no Centro do Rio, no dia 2 de novembro. Alessandra conversou com Sérgio e Ângelo, que lhe disseram que, entre as atividades do programa, estava a participação em eventos públicos do governador.

A maioria dos monitores dos programas, segundo Bittar, é militante do PSB. Ele argumenta que se trata de cargo de confiança. Mas diz que as filiações podem estar ocorrendo simplesmente pela influência que os monitores exercem sobre os jovens. Para ele, a reportagem do GLOBO ajudará a pôr os programas no rumo, caso se confirme o uso político.

— São jovens que já podem assumir suas determinações partidárias. Ninguém pode impedi-los, mas não é uma atitude forçada — afirma.

O secretário de Governo, Fernando William, voltou a negar as acusações, mas reiterou que elas serão investigadas e os culpados, punidos. Ele diz ainda que os convites para atos do governo são feitos aos jovens da mesma forma como à população em geral.

— Não é verdade que o governo condiciona a participação de jovens nos programas à sua filiação partidária ou à participação em eventos patrocinados pelo governo. Isso pode ser facilmente comprovado, levantando-se no TRE quantos deles foram filiados ao PSB — afirma.

As caravanas organizadas pelo vereador Mário Del Rei (PSB) com moradores do Conjunto Nova Sepetiba para aumentar o número de pessoas em atividades políticas são vistas com naturalidade pelo subsecretário. O próprio vereador confirmou ao GLOBO que paga as passagens de pessoas como a dona de casa Elizabeth Cristina de Melo, que há seis meses foi à Assembléia Legislativa para impedir a votação de CPIs contra o governador.

— Mário Del Rei é um político de base. Ele organiza as bases em favor do nosso partido. Ninguém vai tomar as casas deles — diz Bittar.

Bittar diz que PT quer acabar com programas

Bittar atribuiu as acusações ao PT. Ele diz que o presidente da Associação de Moradores do Morro dos Cabritos, Danilo Ferreira de Souza, outro que confirmou a denúncia, era um “X-9 do PT”, que não se enquadrou à filosofia do Vida Nova e foi demitido:

— Os deputados Carlos Minc e Milton Temer querem acabar com os programas sociais.


Artigos

O erro de Bonn
SIDNEY GARAMBONE

A História é burra. Ou faz de seus personagens e intérpretes burros sem memória. Exagero, radicalismo ou apenas uma forma de chamar a atenção na primeira frase. Porém, é assustador acompanhar a conferência patrocinada pela ONU, em Bonn, na Alemanha, cujo objetivo principal era viabilizar um governo imediato, provisório e conciliador para o Afeganistão.

Expulsos pelas bombas americanas, pela opinião pública mundial e pelas espingardas recicladas da Aliança do Norte, os talibãs foram ignorados por quem se propunha a ocupar rapidamente o vácuo de poder num país devastado e esfomeado. O novo governo, formado por quatro facções afegãs, será comandado por Hamid Karzai. Um líder tribal, monarquista e que era partidário do ex-rei Zahir Shah.

Não se discute se os talibãs eram “legais” ou facínoras machistas e malvados. É de uma arrogância ocidental irritante qualquer país que mantenha passarinhos em gaiola condenar uma cultura tão diversa e desconhecida. Mas parece que tentar entender, respeitar e convencer culturas alheias não é muito o forte do homem branco. E isso é outra história. Muito maior agora.

O foco imediato é o erro diplomático e recorrente. É temeroso alijar uma força política como a talibã de um novo governo afegão. A sensação de exclusão, o ódio cego e o desejo de vingança a médio prazo serão o combustível de alta octanagem que alimentará os talibãs espalhados pela região, dentro ou fora do país. E isso não é silogismo. É História.

A partir de 1919, em Versalhes, na França, líderes vitoriosos da Primeira Guerra Mundial se reuniram para redesenhar a Europa. Foram seguidas conferências com a participação de 27 nações vencedoras do grande conflito contra as Potências Centrais. Liderados por Estados Unidos, França e Inglaterra, esses países estabeleceram duras condições à derrotada Alemanha. Despedaçados, com uma crise política interna abissal, os alemães assinaram o Tratado de Versalhes, sob o risco de serem invadidos.

O tratado estipulava, entre muitas outras coisas, a cessão imediata de regiões à Bélgica, Dinamarca e Polônia. A devolução da Alsácia-Lorena à França. O pagamento de uma enorme indenização aos países vencedores. Além de uma redução drástica do poderio bélico do exército alemão, que seria proibido de possuir aviação militar.

O brio de um país expansionista, que antes da guerra reclamava da Ordem Mundial reinante, foi ferido até os ossos. O pós-guerra na Alemanha foi de ódio contido e reconstrução silenciosa, com apoio popular, do orgulho nacional. O nazismo, e sua maioria de integrantes que participaram do front, das sanguinárias guerras de fronteiras, soube explorar isso da forma mais eficaz possível. E 20 anos depois, o mundo voltava a perder vidas em escala milionária. Fruto de um erro diplomático.

Ao invés de integrar a Alemanha à Europa, os mesmos líderes que fundariam a natimorta Liga das Nações também em 1919, preferiram a humilhação ao inimigo. Numa decisão surpreendentemente mais passional do que política. E que, sabiamente, não foi repetida ao final da Segunda Guerra Mundial, quando foram injetados recursos na reconstrução da Alemanha, dando condições ao país de rever seu papel dentro da Europa. Até hoje o continente colhe os frutos da inteligente decisão. O Estado alemão, hoje, é um forte parceiro, e não um poderoso inimigo.

Mas a História é burra. Ou faz de seus personagens e intérpretes burros sem memória. Oitenta e dois anos depois do castigo aplicado na Alemanha, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, saudou a assinatura do acordo que relegou os talibãs às arquibancadas do novo governo do Afeganistão. Assistindo de longe ao que é considerado correto pelos antigos opositores internos. A expectativa é de que o consenso nacional represente o fim de um período de 22 anos de guerras, iniciado com a invasão soviética em 1979.

Tomara que sim. Mas diplomacia não se faz com torcida. Ironia do destino, a conferência que durou nove dias e repartiu o país entre as etnias pushtus, tadjiques, hazaras, uzbeques e outras minorias, foi realizada exatamente na Alemanha. Os bilhões de dólares que a comunidade internacional, batizada de Grupo de Apoio ao Afeganistão, dará como ajuda ao país podem se tornar um investimento sem retorno. E de prejuízo incalculável, se os talibãs recosturarem sua força política e, sob a aura da clandestinidade, arregimentarem antigos e novos simpatizantes. Com ou sem Bin Laden.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO

Erros e acertos

Na sua última mensagem ao Congresso, na reabertura dos trabalhos legislativos, o presidente Fernando Henrique fará a prestação de contas dos dois mandatos com a marca “O governo da inclusão social”, com destaque para as melhorias sociais. Mesmo porque estabilidade e inflação sob controle já foram mais que exploradas e importantes metas econômicas não serão cumpridas.

Já é certo e reconhecido pelo próprio governo no “Relatório anual de avaliação — Exercício 2000”, elaborado pelo Ministério do Planejamento, que as metas de geração de emprego e aumento das exportações estão longe de serem concretizadas. No programa de gover no “Avança Brasil”, apresentado na eleição de 1998, consta que até o fim de 2002 seriam gerados no país 7,8 milhões de novos empregos, e as exportações duplicariam em quatro anos, passando de US$ 50 bilhões para US$ 100 bilhões por ano.

Não há índices precisos na economia sobre a geração de emprego, mas a estimativa é de que de janeiro de 1999 até julho do ano passado foram criados cerca de 3,5 milhões de novos postos de trabalho no país. Menos da metade da previsão de Fernando Henrique na campanha da reeleição.

No ano da eleição, em 1998, as exportações foram de US$ 51,1 bilhões. Em 2001 fecharam em US$ 58,2 bilhões. O fracasso nessa área é reconhecido na página 91 do relatório do Ministério do Planejamento: “O comportamento da balança comercial, entre 1999 e 2000, indica que a meta de US$ 100 bilhões dificilmente será alcançada”.

Apesar desses entraves no aspecto econômico, ministros e assessores do presidente Fernando Henrique avaliam que o governo passará no julgamento dos eleitores este ano. Em função, principalmente, acreditam, da visibilidade que ganhou nos últimos meses o processo de inclusão social, com redução da miséria e da pobreza a partir de projetos como Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação.

Não só a mensagem presidencial ao Congresso como todo o discurso de Fernando Henrique e o trabalho de seu governo focarão este ano as ações sociais. Área também já dominada pelo presidenciável tucano José Serra.

O filme "O dono do mar" só será exibido este ano em festivais. José Sarney, autor do livro homônimo, não quer vê-lo no circuito comercial ao mesmo tempo da campanha da filha.

No terreno das vaidades

Gente que falou com Aécio Neves nas últimas horas percebeu que ele não gostou da decisão — já tomada pelo governo — de vetar o projeto que corrige as tabelas do Imposto de Renda. Fruto de amplo e negociado acordo conduzido pelo presidente da Câmara, o projeto, com sua aprovação no Congresso, transformou-se numa questão de honra para os parlamentares.

Mas, se o essencial do projeto for garantido em medida provisória, não há qualquer problema, diz o autor da proposta original, senador Paulo Hartung. Ele não vê no projeto aprovado a imperfeição alegada pelo secretário da Receita, Everardo Maciel. Acha que tem mais vaidade do que tecnicidade nessa discussão:

— Não podemos deixar crescer nenhum tipo de vaidade. O que eu acho é que Everardo vai tentar até o último minuto reverter essa derrota, a primeira em sete anos, quando só prevaleceu a sua vontade.

À mineira

Nas Minas Gerais dizem que já está fechado um acordo entre o governador Itamar Franco e o presidente da Câmara, Aécio Neves. Não indo para a reeleição, o que tem descartado, Itamar apoiaria Aécio ao governo do estado, em campanha contra o vice Newton Cardoso, com quem já tratou de explicitar atritos.

Mas se Itamar, por força e circunstância, optar pela reeleição, Aécio vai tentar uma vaga no Senado. Ficaria com o tucano Eduardo Azeredo a missão de enfrentar o polêmico Newtão.

Em teste

Nos comerciais políticos do PSB, que serão exibidos hoje, quarta e quinta-feira — 40 no total — o governador Anthony Garotinho vai repetir que o salário-mínimo do Rio é o maior do país, R$ 240, e apresentar outros dados do estado: o índice de desemprego é um dos menores do Brasil (4,5%) e a violência caiu.

A novidade é a repetição do nome do PSB nos programas. Pesquisas indicam que quando seu nome é associado à legenda, o governador tem uma resposta melhor do eleitorado.

ANTONIO Lavareda, estrategista político de Roseana Sarney, avalia que o desempenho de Silvio Santos (15%) na pesquisa presidencial do Datafolha, publicada ontem, é prova de que o crescimento da candidata não é fruto apenas de exposição na mídia. Se exposição fizesse milagre, diz, Silvio teria passado Roseana. O eleitor, diz Lavareda, vê na pefelista muitos outros valores, além da estampa na TV.

O MINISTRO de Minas e Energia, José Jorge, volta do recesso mais ministro do que quando assumiu. Ao chegar ao ministério estourou a crise energética e na sua rasteira um ministério especial comandado por Pedro Parente diretamente do Planalto. Com o racionamento dando folga, o grupo de Parente está sendo desmontado e o ministério de José Jorge será reestruturado. Ficará mais forte, mas não por muito tempo. A ordem no PFL é que seus ministros saiam do governo quando FH anunciar seu candidato a presidente.


Editorial

Falta informação

Os dados do último censo confirmaram a rápida desaceleração na taxa de expansão demográfica no país. Em algumas regiões, o índice de fecundidade por mulher em idade fértil já se aproxima dos observados nas nações desenvolvidas da Europa. Entre as razões citadas está a conjugação entre o rápido processo de urbanização e maior escolaridade da população feminina.

Ao se comparar os índices de fecundidade e o nível de renda das pessoas, constata-se que as mais pobres e com menos instrução são as que apresentam as maiores taxas. Essa diferença, obviamente, deve-se à falta de informação. À medida que as mulheres forem se instruindo, tal diferença desaparecerá. Porém, até que isso aconteça, os mais pobres podem estar sendo condenados à pobreza até o fim da vida, já que o esforço para sustentar uma prole grande diminui as oportunidades de ascensão social dessas famílias — até porque as dificuldades financeiras acabam sendo um fator que contribui para a desagregação familiar; no Brasil, 25% das mulheres já são chefes de família, índice que é mais alto nas classes mais pobres.

Desta forma, o combate à miséria e à pobreza no curto prazo certamente inclui um trabalho mais intenso com as pessoas de renda muito baixa, para informá-las sobre as possibilidades de planejamento familiar, de modo que possam ter o número de filhos desejado, tal qual já acontece na maioria das demais famílias brasileiras. É um trabalho que só pode ser executado por instituições que tenham grande capilaridade social, como é o caso dos órgãos de saúde pública e das igrejas.


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01/07/2002


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