Murad renuncia, sem revelar origem do dinheiro









Murad renuncia, sem revelar origem do dinheiro
Roseana alega desconhecimento de trabalho de arrecadação feito pelo marido

SÃO LUÍS - O gerente de Planejamento do Maranhão, Jorge Murad, sustentou ontem que o R$ 1,34 milhão apreendido pela Polícia Federal na sua empresa, a Lunus, era dinheiro para a campanha presidencial de sua mulher, a governadora Roseana Sarney (PFL), arrecadado antes do prazo legal. Murad disse que agiu por conta própria e renunciou ao cargo no governo. O anúncio, que é a sétima versão para a origem do dinheiro, foi feito logo após reunião entre Roseana e o presidente do PFL, o senador licenciado Jorge Bornhausen (SC), em São Luís. Ela afirmou desconhecer a procedência do dinheiro.

Murad não deu detalhes, porém sobre a origem dos recursos. "Agi por determinação própria. Corri os riscos inerentes à realidade social do País.

Assumo a responsabilidade da iniciativa e saio do governo neste momento para evitar maior constrangimento a quem quer que seja", afirmou, lendo uma nota previamente discutida com Bornhausen, Roseana e o advogado do PFL, Torquato Jardim, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Depois de passar 11 dias sem deixar o Palácio dos Leões, sede do governo maranhense, Murad atribuiu ontem a "demora na explicação exata dos fatos única e exclusivamente a uma profunda depressão", provocada "pela força dos acontecimentos e por saber que estava prejudicando um projeto nacional sério e viável". A entrevista de ontem foi sua primeira aparição pública desde 1.º de março. Enquanto os jornalistas eram levados a um canto do jardim de inverno do palácio, Bornhausen deixou o prédio sem avisar.

Ao tentar justificar por que burlou a Lei Eleitoral, Murad disse que existe a "ficção de que a campanha só se inicia em 6 de julho". O dinheiro encontrado na Lunus serviria "para fazer face às despesas iniciais e inevitáveis deste momento de pré-campanha" e foi apreendido "imediatamente após ser recebido", segundo ele. "Nada fiz de ilegal", conclui, na nota.

Entretanto, Murad não respondeu às principais dúvidas sobre a procedência do R$ 1,34 milhão e atribuiu as diferentes versões apresentadas a iniciativas "não autorizadas" de amigos. Esqueceu-se de que a própria governadora chegou a dizer inicialmente que os recursos serviriam para pagar funcionários e despesas da empresa.

Na semana passada, o advogado do casal, Vinícius Berrêdo Martins, e um sócio, Luiz Carlos Cantanhede, disseram que o dinheiro foi obtido na venda de chalés de uma pousada e seria usado para compra de madeira. Mesmo depois de divulgado que um dos pacotes de dinheiro encontrados pela PF continha a inscrição de uma construtora, a Sucesso, o advogado continuou mantendo a versão sobre o empreendimento turístico. Martins admitiu que a construtora deu R$ 150 mil, mas disse que era em troca de duas cabanas.

O Ministério Público Federal quer, mesmo assim, saber de onde vieram as doações e se há relação com eventual desvio de recursos públicos. "Isso (a confissão de Murad) não muda em nada as nossas investigações", afirmou ontem o procurador-geral da República no Tocantins, Mário Lúcio Avelar, que centraliza as investigações sobre as fraudes na extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amzônia (Sudam).

Pelo menos sete projetos com irregularidades foram aprovados em reunião do Conselho Deliberativo da Sudam presidida por Roseana em dezembro de 2000. A Sucesso pavimentou a estrada que liga São Luís a Barreirinhas, nos Lençóis, e recebeu mais de R$ 30 milhões pela obra. O dono da construtora, João Claudino, é procurado desde segunda-feira pelo Estado, mas sua secretária diz que ele está incomunicável numa fazenda no interior do Piauí, onde suas empresas têm sede.

Articulação - Segundo assessores do PFL, a renúncia de Murad começou a ser articulada quinta-feira, quando a cúpula do partido se reuniu com Roseana. Em troca da solidariedade a ela e do rompimento com o governo, os líderes exigiram explicações mais convincentes sobre o dinheiro encontrado na Lunus. Até domingo, porém, os advogados e sócios do casal seguiram sustentando diferentes versões sobre a origem do dinheiro, tentando remendar uma explicação a cada novo fato descoberto.

Um dos amigos de Murad, o empresário Miguel Ethel, de São Paulo, falou com ele no fim de semana e recomendou explicações. "A voz dele denotava desolação. Ele foi muito lacônico e não estava com muita coragem", informou Ethel. "Disse que ele devia falar com a imprensa, mas ele disse que os advogados não autorizavam."


“Partido quer esclarecer tudo”, diz Bornhausen
SÃO LUÍS - A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), cercou-se de aliados ontem para receber o presidente do PFL, senador licenciado Jorge Bornhausen (PFL). Pelo menos 12 deputados da base governista da Assembléia Legislativa acompanharam as discussões no Palácio dos Leões. O senador tentou despistar o motivo da conversa, apesar das especulações de que ele cobraria explicações de Roseana e, até, pediria a renúncia à candidatura dela à Presidência.

"Não viemos conversar sobre desistência, mas sobre a estratégia de campanha", afirmou o senador, tratando sua visita como rotineira. Provocado a respeito da declaração do presidente Fernando Henrique Cardoso, de que se elegeria sozinho, declarou: "Isso é um problema de aritmética. É só contar os votos que ele teve e que o PFL teve."

De todas as palavras de Bornhausen, só uma frase sinalizava o real objetivo da conversa. "Quero deixar claro que a posição do PFL é de que tudo fique esclarecido."

Segundo assessores, Roseana passara a véspera muito irritada. "Sou culpada de tudo, só falta me culparem pela dengue", disse. A notícia, posteriormente não confirmada, sobre o mandado de prisão contra seu marido, Jorge Murad, e seu irmão, Fernando Sarney, levaram-na a chamar, de Brasília, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro.

O advogado Torquato Jardim, ex-ministro do TSE, também chegou ontem com Bornhausen para assessorar a redação da nota de Murad, sob o ponto de vista da Lei Eleitoral. Já a solução discutida para a crise foi tentar encerrar o assunto, dando uma explicação para o destino do dinheiro apreendido e deixando os detalhes sobre a origem para a Justiça.

Aos deputados da base da governadora, couberam os ataques ao governo. "A Roseana vai explicar ao País a trama de que está sendo vítima: a molecagem que a Globo e o Fernando Henrique fizeram", profetizou o presidente da Assembléia, Manoel Ribeiro (PSD). Questionado sobre a origem do R$ 1,34 milhão apreendido na Lunus, ele disse que o senador José Serra, candidato do PSDB, é quem deveria explicar o empréstimo de R$ 2 bilhões do BNDES para a Globopar. Ribeiro é dono da TV Praia Grande, retransmissora da Rede Bandeirantes no Maranhão. A família Sarney, por sua vez, é dona da TV Mirante, que retransmite a Globo. (S.G.)


Renúncia não convence e PFL cobra explicações
Dirigentes não se dão por satisfeitos e já planejam retirar candidatura de Roseana

BRASÍLIA - Dirigentes do PFL não se deram por satisfeitos apenas com a renúncia de Jorge Murad, marido da governadora Roseana Sarney, da gerência de Planejamento do Maranhão. "É difícil separar o marido da mulher", disse o deputado Roberto Brant (MG), que na quinta-feira renunciou ao Ministério da Previdência, após o rompimento do partido com o governo.

Brant, como outros dirigentes do PFL, exige explicação completa sobre a origem do R$ 1,34 milhão apreendido pela Polícia Federal na Lunus Serviços e Participações, empresa de Roseana e Murad. "Se persistirem as dúvidas, Roseana não poderá manter sua candidatura, porque mesmo que as dúvidas sejam injustas, não é bom para o Bra sil", afirmou Brant, resumindo o pensamento predominante no PFL.

O ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL) reclamou que a versão apresentada por Murad é tardia, apesar de já reconhecê-la como verdadeira.

"Pena que tenha demorado muito para ser revelada", lamentou, em Salvador.

O líder do partido na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), elogia o afastamento de Murad, mas lembra que a candidatura de Roseana não está registrada. "Eu gostei da nota de Murad, mas quem tem mesmo que gostar da explicação não sou eu e sim a opinião pública."

Morte - Os próprios pefelistas admitem que a candidata foi ferida de morte. O drama da cúpula agora é administrar a renúncia. "Não podemos retirar a candidatura cinco dias depois de termos rompido com o governo para manter Roseana na disputa", argumenta um dirigente.

As alternativas do PFL na corrida presidencial variavam ontem de acordo com o humor e a revolta contra o Planalto. Enquanto uns defendiam uma guinada pró-Ciro Gomes - o máximo da vingança contra o presidente Fernando Henrique -, outros pensavam em alguma saída interna para recolocar o PFL no jogo. A primeira opção, nesse caso, seria a substituição de Roseana pelo prefeito do Rio, César Maia.

A estratégia seria zerar o jogo para forçar a renúncia do candidato José Serra (PSDB-SP). Mas isso, na hipótese de ele não chegar a 20% nas pesquisas. Também foi cogitada a possibilidade de lançar o apresentador Sílvio Santos (solução já tentada em 1989). Inocêncio, lembrou que o apresentador é filiado ao partido desde 1992. O presidente estadual do PFL, Claúdio Lembo, entretanto, disse que o apresentador não renovou sua ficha de filiação.

O PFL está prudente e empurra a responsabilidade da candidatura de Roseana para ela mesma. "O PFL não está sendo julgado e o futuro da candidatura de Roseana depende muito mais dela do que do partido", resumiu Brant. No momento certo, disse, o partido saberá o que fazer, mesmo que seja o afastamento de sua candidata. "Se Roseana não conseguir explicar a origem e para onde vai o dinheiro, não terá condição de aspirar o cargo de dirigente máximo do País."


“Ele foi corajoso, acredito nele”, declara Tasso
Alckmin atribui a crise na base aliada à antecipação do debate eleitoral

O governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB) elogiou ontem, em Fortaleza, a atitude do ex-gerente de Planejamento do Maranhão, Jorge Murad, marido da governadora do Estado, Roseana Sarney (PFL). "É uma atidade corajosa. Eu acho que, de certa forma, põe em discussão a questão do financiamento das campanhas", opinou. O governandor disse acreditar em Murad, quando ele afirma que Roseana não sabia da captação de dinheiro para a campanha dela à Presidência. "Já que ele teve a coragem de assumir, acredito que esteja falando a verdade."

Corajosa ou não, a atitude de Murad acaba de vez com a candidatura de Roseana, na opinião do deputado José Genoíno, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo. "É uma explicação arranjada e a emenda ficou pior que o soneto. E tudo indica que a candidatura Roseana já era", afirmou ontem, em Brasília. Genoíno avalia que a revelação foi feita tarde demais, o que compromete sua credibilidade.

O deputado prevê que o confronto entre PFL e PSDB não vai acabar bem. "Onças não morrem sem morder o outro", exemplificou. Para ele, a oposição não deve deve entrar nesta "disputa palaciana" e seguir a própria agenda.

Antecipação - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou ontem que a crise na base aliada se deve à antecipação da disputa eleitoral. "Esse é o mal da campanha ter começado antes da hora. Eu sempre fui contrário a antecipar o processo eleitoral", criticou Alckmin, em São Paulo, que acredita que a população ainda não está interessada na eleição de outubro. "E o povo fica assistindo a essa fofoca, esse diz-que-diz de candidatos que prejudica o governo e a população."

Apesar das críticas, Alckmin diz acreditar que não haverá rompimento definitivo, já que o PFL deve votar os projetos considerados importantes pelo governo. Para o governador, a atitude do presidente nacional do PFL, Jorge Bornhausen (SC), que garantiu que o partido votará a CPMF no Congresso, demonstra a responsabilidade do PFL com o Brasil. Bornhausen chegou a mencionar que deixaria seu cargo no partido se a emenda da CPMF não for votada. "A disputa eleitoral é legítima. Mas não é porque o PFL vai ter outro candidato e vai ser concorrente do PSDB que não deve ajudar a aprovar os projetos de lei que interessam ao País", afirmou.

Sobre a investigação na Lunus Serviços e Participações, empresa da governadora Roseana, Alckmin disse que espera que todas as dúvidas sejam resolvidas e que o caso seja esclarecido na Justiça.


Governadora corre risco de se tornar inelegível
Punição depende de comprovação de que ela tenha participado de arrecadação de fundos

Caso seja comprovado que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), participou da arrecadação de fundos para sua campanha presidencial, ela corre o risco de ser punida pela Justiça Eleitoral, podendo até mesmo tornar-se inelegível. Foi por isso, aparentemente, que o marido da governadora, Jorge Murad, assumiu toda a responsabilidade pelo R$ 1,3 milhão, em dinheiro vivo, encontrado pela Polícia Federal durante batida na empresa Lunus, de propriedade do casal.

O objetivo provável de Murad foi livrar Roseana de qualquer punição. De acordo com um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a eventual comprovação do envolvimento da governadora na busca de doações antes mesmo da formalização de sua candidatura poderia levá-la à perda do mandato, se ela fosse eleita. Já o PFL ficaria sujeito a uma punição financeira: ficar sem receber, em 2003, sua parte do chamado fundo partidário.

O advogado José Eduardo Alckmin, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), esclarece que doações para campanhas só são autorizadas após o registro das candidaturas, ou seja, depois das convenções partidárias, que neste ano só serão realizadas a partir de 10 de junho. Não há na prática limite para os gastos. "O próprio candidato tem de dizer o limite que vai gastar", explica Alckmin. "A princípio, o céu é o limite." Mas, de acordo com o advogado, muitos candidatos não gostam de se apresentar como detentores de grande poder econômico, então há uma "linha comum de limites".

Só depois das convenções partidárias são registrados na Justiça Eleitoral os integrantes dos comitês financeiros de cada candidatura. A legislação prevê ainda que todos os valores doados têm de ser depositados em uma conta aberta especificamente para esse fim. "O descumprimento pelo partido ou pelo pré-candidato das normas fixadas pela legislação provoca uma conseqüência financeira, com a perda do direito ao fundo partidário, e eleitoral, pois os candidatos podem responder por abuso do poder econômico, que tem um resultado radical, a impugnação do mandato eletivo, tornando o político inelegível", explicou o ministro do STF.

Outro integrante do Supremo afirmou que a arrecadação de dinheiro para campanhas antes do permitido pela lei é uma prática corrente no País: "Todos os candidatos já devem estar fazendo o seu pezinho de meia." Na opinião dele, a justificativa apresentada por Murad sobre o destino a ser dado ao R$ 1,3 milhão foi a menos pior para Roseana, pelo menos do ponto de vista jurídico. "Mas o dano moral é irreparável", observou.

Advogados especialistas em direito eleitoral concordam que o fato de Murad ter assumido a responsabilidade pela arrecadação poderá beneficiar a governadora, poupando-lhe penas com conseqüências financeiras e eleitorais.

Eles lembraram que na legislação brasileira há o princípio da "individualização", ou seja, uma pessoa não pode ser punida por uma falta cometida por outra.


Doações foram o fio da meada que enredou Collor
Políticos, parentes, laranjas, financiamentos de campanha: a seqüência de notícias vindas do Maranhão, que culminaram com as declarações feitas ontem pelo gerente de Planejamento Jorge Murad, deixaram no ar, para muita gente, vagas lembranças dos tempos finais do governo Fernando Collor.

Foi a 3 de novembro de 1992 que o então secretário particular do presidente, Cláudio Vieira, mencionou pela primeira vez a expressão "sobras de campanha". Ele tentava explicar diante da CPI do Senado, de onde procedia o dinheiro que Collor utilizava para pagar a reforma de sua casa particular em Brasília - a famosa "Casa da Dinda"- e para levar uma vida sofisticada .

Vinha de recursos pedidos emprestados no Uruguai e de sobras de campanha geridas por PC Farias.

Ajudou muito pouco. Não bastava para neutralizar a enxurrada de denúncias que vazava diariamente pelos jornais e revistas O depoente Vieira não explicava quem havia emprestado, com quais garantias ou como o dinheiro tinha entrado no Brasil. De qualquer forma, o problema durou pouco: a investigação mostrou que a famosa "Operação Uruguai" não tinha existido mesmo.

US$ 94 milhões - Mas a expressão "sobras de campanha" sobreviveu. O próprio presidente a usou, nas etapas finais do processo que culminou com sua renúncia. Era sua tentativa de explicar a origem e o destino de somas fabulosas - cerca de US$ 94 milhões de dólares - arrecadados pelo "esquema PC", uma forma de obter dinheiro de empresas, cobrando comissões em troca de obras ou de informações privilegiadas. O "esquema PC", nome dado porque toda a operação era feita pelo assessor de Collor, Paulo César Farias, consistia simplesmente em depositar tais recursos em contas de pessoas fictícias - eram as chamadas "contas fantasmas".

Como se apurou ao final de tudo, PC Farias tinha inventado oito fantasmas.

Os mais "ativos", que movimentavam maiores valores, eram os inexistentes José Carlos Bonfim, Manoel Dantas Araújo, Flávio Maurício Ramos, Jurandir Castro Menezes e Carlos Alberto Nóbrega. Dantas "providenciou" cerca e US$ 28 milhões para o esquema. Mauríco Ramos, US$ 17,8 milhões. Eles se tornavam "reais" cada vez que o piloto Jorgge Bandeira de Mello ou a funcionária de PC em sua empresa Brasil Jet, Rosanete Melanias, assinavam os cheques que iam parar nas mãos, e nas contas, de Rosane Collor, então primeira-dama, ou da secretária do presidente, Ana Acioly, entre outros intermediários.

A história das "sobras de campanha" teve vida breve. O TSE matou-a ao descobrir que não houve nenhuma sobra de campanha de Collor. Sua coligação "Brasil-Novo" (PRN-PTR-PSC- PSDT) havia arrecadado NC$ 35,9 milhões no primeiro turno e gastou NC$ 34,8 milhões. No segundo turno, NC$ 25,5 milhões e gasto NC$26,5 milhões.


FHC explica “equívoco verbal”
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso classificou como "equívoco verbal" a declaração que fez anteontem, de que não precisaria do apoio do PFL para se eleger. A justificativa de Fernando Henrique foi apresentada pelo presidente da Câmara, deputado Aécio Neves, (PSDB-MG), depois de almoço no Palácio da Alvorada.

"O presidente disse que a sua intenção foi de valorizar o PFL, de mostrar que o PFL não fez apenas uma aliança eleitoral, mas uma aliança programática", afirmou Aécio, apesar de reconhecer que "a frase solta possa ir em sentido contrário".

Ontem, o presidente dedicou parte do dia tentando reverter o estrago causado pela declaração. Ele incumbiu o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Arthur Virgílio, de telefonar para dirigentes do PFL e para os ex-ministros do partido que deixaram o governo. A todos, Virgílio dizia: a intenção do presidente foi lembrar que os institutos de pesquisa, na época das duas eleições, mostravam que a vitória não dependia do PFL, mas que isso traria dificuldades na hora de governar. Fernando Henrique teria feito a opção pela governabilidade. Para Virgílio, "essa frase, descontextualizada, não pode servir de pretexto para injustiça com o presidente".


Fortes cobra no STJ explicação de Garotinho
Deputado pode mover ação se achar inaceitável justificativa sobre dossiê contra Roseana

BRASÍLIA – O secretário-geral do PSDB, deputado Márcio Fortes (RJ), pediu ontem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que notifique judicialmente o governador do Rio, Anthony Garotinho, pré-candidato do PSB à Presidência.

O deputado quer que Garotinho explique, em 48 horas, notícias publicadas pela imprensa nas quais aparece como o responsável pela distribuição de dossiês contra a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL).

Se as justificativas do governador fluminense não forem consideradas satisfatórias, os advogados de Fortes poderão encaminhar uma ação penal à Justiça contra o governador por conduta difamatória. Os advogados do deputado argumentam que, apesar de o Judiciário ter determinado a realização de busca e apreensão na empresa Lunus Serviços e Participações, de Roseana e do marido dela, Jorge Murad, Garotinho teria atribuído o fato a Fortes.

Serra – Diante da pressão contra Fortes, a cúpula do PSDB decidiu sair em sua defesa. O presidente do partido, deputado José Aníbal (SP), disse ontem que o presidente Fernando Henrique Cardoso nunca recomendou ao candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra (SP), que se afastasse de Fortes. A notícia foi publicada ontem, pelo jornal Correio Braziliense, reproduzindo suposto diálogo entre os dois durante um vôo entre Brasília e Fortaleza, no último domingo. “Isso é uma mentira descabelada”, reagiu Serra. “Jamais houve aquele diálogo entre mim e o presidente.”

Indignado, o candidato tucano revelou que durante aquele vôo conversou a sós com o Fernando Henrique por quase duas horas, mas que em nenhum momento o presidente pediu que se afastasse de Márcio Fortes. “Eu acho que parte da imprensa está enlouquecendo, pois aceita qualquer versão, qualquer coisa”, desabafou Serra.

O comando tucano convocou uma entrevista coletiva para falar sobre o assunto. Fortes ainda divulgou cópia da ação na qual interpela Garotinho a dar explicações sobre as acusações contra ele.

Suspeitas – A versão de Garotinho para a distribuição de dossiês contra Roseana alimentou as suspeitas do PFL e da governadora do Maranhão sobre a influência de Serra e de aliados tucanos na ação da Polícia Federal na Lunus.

Para Fortes, a versão contada por Garotinho visa a prejudicar a campanha de Serra e atingir o presidente Fernando Henrique. “O governador ‘Marotinho’ tem um comportamento irresponsável. Ninguém vai nos dar lições de ética e moral”, declarou Aníbal, que ainda alimenta esperanças de reaproximação entre o PSDB e o PFL.

Sarney – No Rio, Garotinho negou ontem ter acusado Fortes de estar por trás da divulgação do suposto dossiê contra Roseana. “Eu nunca disse que foi ele. Quem disse foi o Sarney (o senador José Sarney, pai de Roseana)”, respondeu o governador.

Garotinho contou, ainda, que recusou o documento e comunicou o fato ao pai da pré-candidata. O governador do Rio alega ter dito apenas que foi procurado por uma pessoa que afirmou ser representante de um membro do PSDB fluminense.


Artigos

O drama da Colômbia
Jarbas Passarinho

Após décadas de tentativas de convivência e de negociação com os comunistas, parece totalmente esgotada na Colômbia a possibilidade de solução que não seja pela guerra civil. As guerrilhas, sobretudo as Farc, 15 mil homens e mulheres bem treinados e subvencionados com mais de US$ 1 bilhão de duas fontes (a proteção paga ao narcotráfico e os milhares de seqüestros), fort aleceram-se beneficiadas das liberdades fundamentais mantidas ao longo de 40 anos. O Exército colombiano já não teria como vencê-las e, em contrapartida, elas não têm capacidade de derrotá-lo de vez. Caracterizado o impasse, o presidente Pastrana se permitiu ir ao encontro do líder das Farc.

Fê-lo, certamente, os olhos vendados. Concedeu-lhe uma área liberada, não pequena, pensando em concessão recíproca. Perdeu três anos do mandato em negociação inútil.

A Colômbia tem uma tradição histórica de violência e de luta armada. No século 19, houve dez guerras civis. O partido liberal e o conservador, enfrentados ferozmente na "guerra dos mil dias", levaram à anexação do Panamá, pelos Estados Unidos. O século 20 conheceu a paz até que, em 1948, houve o cruento episódio denominado "Bogotazo", no qual foi assassinado o presidente liberal, Jorge Gaitán. As represálias mergulharam o país em um banho de sangue. A guerra civil levara à criação de uma dezena de "repúblicas independentes", fruto do caudilhismo. O Plano Lazo, 16 mil "lanceros" bem treinados para a contra-insurreição pelos americanos, no Panamá, foi bem-sucedido na erradicação das tais repúblicas, mas em junho de 1964 boa parte dos guerrilheiros chefiados por Manuel Marulanda retraiu-se e se reorganizou nas Farc. Em 1965, Fidel Castro apoiou outra guerrilha: o Exército de Libertação Nacional (ELN), ao qual viria a aderir em 1966 o padre Camilo Torres. Filho de família burguesa, sociólogo e professor universitário, o padre, que fora objeto de punição pela hierarquia católica, algumas vezes preso e liberado, lançou um manifesto revolucionário em 6 de janeiro de 1966: "O povo não mais crê em eleições, sabe que as vias legais estão esgotadas, que não resta senão a via armada e está disposto a sacrificar sua vida para que a geração próxima não conheça a escravidão e que todos sejam independentes dos Estados Unidos." Semanas depois, a morte o colheu de armas nas mãos, no entrechoque com patrulhas do Exército. Ele, que sugerem ter sido o precursor da Teologia da Libertação, não se socorreu, na defesa de seu ideal, da proteção da batina ou de políticos burgueses, como no Brasil fizeram os que se subordinaram a Marighella ou prosseguem no ativismo marxista-leninista, sem risco, colocando no mesmo andor Che Guevara e Madre Teresa de Calcutá...

O movimento guerrilheiro na Colômbia tira partido das condições sociais existentes, do que os marxistas chamam de "condições objetivas". A estratificação social, herdada do colonialismo, tinha, em 1976, um indicador no campo: apenas 3% dos proprietários rurais tinham 70% das terras agricultáveis. A reforma agrária fracassou. Os camponeses, uma vez fumigadas suas plantações pelos aviões atuando no Plano Colômbia, dos americanos, ao contrário dos bolivianos que se contentam com a ajuda governamental para não mais plantar coca, ficam à mercê da caridade. Mais de 1 milhão de colombianos migrou para os países vizinhos ou distantes, aterrorizados. Os camponeses ficam entre a cruz e a caldeirinha. Quando os paramilitares chegam às suas terras, são chacinados sob acusação sumária de colaboração com os comunistas. O reverso se dá quando chegam as vanguardas das Farc. A última esperança de negociação pacífica está sendo posta à prova, entre o governo e o ELN. Nada de estranhar que o encontro seja em Havana, sob a mediação de Fidel Castro et pour cause. Mas em relação a Marulanda, o "Tiro fijo", parece finalmente que a Colômbia acordou para o fato de que assegurar as liberdades fundamentais, para quem, delas se servindo, vier a eliminá-las, é vocação suicida. A Alemanha e a Itália não precisaram restringi-las senão por leis específicas sobre terrorismo, a atividade da gang da Baad-Meinhof e das Brigadas Vermelhas, que não se empenhavam em guerra revolucionária. A liberdade constitucional assegurada, garantido o acesso às informações - sigilo essencial à defesa do Estado - e respeitado o direito de ir-e-vir, tudo tornou frágil a operacionalidade das forças de segurança. Sua restrição começa, agora, com os amplos poderes concedidos por medida de exceção aos chefes militares encarregados do combate às Farc, vigente em 19 cidades. Isso já está causando atritos com a mídia colombiana, submetida a uma censura seletiva, e nos defensores dos direitos humanos. O estado de sítio já é citado como provável no caso de as medidas atuais se mostrarem insuficientes na guerra civil iniciada. A escalada pode levar - e quase certamente levará - à ampliação, no Plano Colômbia, do emprego de tropas americanas. Será - se vier a ser - o preço exorbitante e tardio a pagar.

A grande lição histórica só não aproveitará aos tolos: o Estado democrático não garante a paz com seus inimigos ao fazer-lhes sucessivas concessões.

Chamberlain aprendeu isso com Hitler. A Colômbia, com o orgulho de ser o único país da América Latina, que, em face das guerrilhas comunistas, não violou as liberdade civis e políticas. Mas, e agora?


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Muito além do rock
Bem, de início vamos declarar que o Rio, como sempre, continua lindo - floresta, montanha e mar.

Mas cheio de percalços. Acho que no Rio nunca se viveu tão mal. O que não falta está ruim. Hospitais, condução, escolas. E agora, a dengue. A bandidagem continua dominando as favelas e já descendo para as ruas - e é a da pesada, a da droga, a que usa escopeta e metralhadora. Hoje nos recordamos da contravenção dos banqueiros do bicho, com seu código de cavalheiros, como a vera inocência.

Felizmente a mocidade se segura. Ainda neste verão anda solta pelas praias, dourando ao sol, lindos. E - vocês já repararam? - quando se instala dominante, uma ideologia, parece que a própria natureza se dobra à voga. Hoje em dia, com a abominação universal pelo gordo, os corpos das pessoas se submetem à ideologia geral, e praticamente não se vê moço gordo, e muito menos moça gorda, nas áreas de exibição corporal - praias, piscinas, academias.

Bem, claro que aqui, como em toda parte, os jovens gostam de rock, de pop-music, de rock pauleira e agora até de pagode que costumam escutar sem consideração de local ou hora, em decibéis praticamente intoleráveis. E também todo mundo sabe que realmente o rock não corresponde aos ideais melódicos das gerações mais velhas. Contudo, há qualquer coisa de fascinante naquele baticum primitivo, no tum-tum repetitivo, constante, que talvez se ligue direto às batidas do coração. E quanto às letras cantadas pelos roqueiros, até os mais venenosos, com as maquiagens de vampiro, as roupas insólitas, os cabelos fora do contexto, são na verdade uns versinhos simplezinhos e açucarados, quase que só falando de amor e solidão. Só que intercalados pelos brados e interjeições do jargão deles.

Creio mesmo que o abuso frenético dos decibéis de som, parte integral da cultura roqueira, seja talvez conseqüência ou desvio ao ainda mais intolerável barulho urbano que nos ataca nas grandes cidades. Vivemos todos martelados por uma desumana agressão sonora. É o tráfego pesado de veículos na rua que nos sobe de janela adentro - especialmente o explosivo escapamento das motos. É a música em ponto máximo que sai das lojas, são os alarmes estridentes contra o roubo de automóveis, são os tambores e baterias dos carros anunciantes de shows. E há os inimigos especiais, como os caminhões da Comlurb que trituram o lixo à nossa porta, naqueles seus imundos liquidificadores de refugos. E as serras, betoneiras, bate-estacas da construção civil? Tudo isso é que está levando a espécie humana a uma surdez talvez incurável.

Outro lugar-comum é acusar de analfabeta ou quase isso a mocidade em geral. É aquela velha história de uma minoria dar má fama à maioria. Por cada candidato a vestibular que ignora os elementos da arte de escrever, há muitas dezenas de outros estudantes que vão de razoáveis a bons, e há o apreciável grupo dos ótimos.

Há que pensar nas péssimas condições do ensino, professores mal pagos, sobrecarregados por turmas enormes e carga horária excessiva, eles próprios oriundos de escolas deficientes, geradas na onda da proliferação universitária que nos assolou o País. O mal não está na meninada, mas no sistema.

E, assim mesmo bem que eles sabem das coisas. Fique de lado escutando o que conversam - as noções que têm deste mundo de alta tecnologia em que nasceram. Como se entusiasmam explicando a maravilha eletrônica da sua nova aparelhagem de som, as gracinhas do micro, e a Internet, meu Deus, o milagre!

Os que pendem para a ecologia, te espantam de repente com o que sabem sobre a genética de bichos e de plantas, as estatísticas que decoraram a respeito das espécies em extinção, a devoção enternecida que alimentam pelos precursores da defesa ambiental, como Jacques Cousteau - um herói!

É, os meninos bem que sabem das coisas. Acontece que eles diversificaram as fontes de informação, que já não são apenas matéria de livro e jornal. Deles é toda a mídia eletrônica.

Meu palpite é que, se não derraparem no caminho, vai sair deles uma humanidade muito especial.


Editorial

DURA CRÍTICA AO FMI E AOS EUA

O presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem insistido na necessidade de uma ordem econômica internacional mais justa em todos os encontros internacionais a que comparece, fez duríssimas críticas ao protecionismo norte-americano e à atuação do Fundo Monetário Internacional (FMI), notadamente na solução das crises cambiais, como a da Argentina, na abertura da 43.ª Assembléia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O presidente reclamou que o FMI limita a capacidade de países como o Brasil de financiar o seu desenvolvimento com empréstimos externos, pois contabiliza integralmente as importâncias contratadas como dívida externa, em vez de diluí-las à medida que os recursos efetivamente entram no País.

"Já apelamos ao Fundo Monetário algumas vezes para pedir esclarecimentos.

Por que fazem isso? Até hoje, as respostas que deram foram como se nós fôssemos analfabetos. Não somos. O presidente do Peru pelo menos é economista, sabe ler. Eu sou sociólogo."

O diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, Cláudio Loser, que da platéia ouvia atentamente o discurso do presidente Fernando Henrique, disse depois "não ter entendido muito bem" o que o presidente dissera. Evidentemente, essa foi uma resposta diplomática, pois Fernando Henrique foi claríssimo em suas críticas ao FMI e ainda mais quando tratou do caso da Argentina. Disse ele que entendia que as instituições multilaterais tivessem permanecido céticas, durante os primeiros momentos da crise, a respeito da capacidade da Argentina de começar a colocar ordem na casa. Mas, depois do "empenho enorme do governo e do povo daquele país para buscar um caminho", as exigências que continuam sendo feitas ao governo argentino só se justificam se o FMI espera que a Argentina assuma um compromisso que não poderá cumprir. E ressaltou que uma das grandes mudanças ocorridas no Brasil foi a transparência e a exposição das contas públicas. "No passado, quantas negociações foram feitas, baseadas numa espécie de mentira? Mentira consentida" - acusou - "porque a outra parte, a parte poderosa, sabia que não se ia cumprir (o acordo). Mas a situação era de tal gravidade que se fazia de conta. Ora, a Argentina não quer fazer de conta - e agora, depois de alguns esforços feitos, ela está dizendo: Eu já fiz algo, me ajuda a dar outro passo."

Não admira, portanto, que, diante da incisiva crítica, o representante do FMI tenha se feito de desentendido.

Mas Fernando Henrique, como já dissemos, não limitou suas críticas ao FMI.

Afirmou que a reconstrução da ordem mundial tem de se dar sobre pressupostos igualitários, com a democratização dos processos decisórios em todos os níveis, inclusive no internacional. E que a agenda de segurança - adotada depois dos atentados terroristas contra os Estados Unidos - não pode abafar os anseios de desenvolvimento econômico e social dos países menos desenvolvidos, que dependem do comércio para crescer.

Lembrou que, em diversas ocasiões, afirmou que, para que a Alca se torne realidade, ela tem de ser resultado de um acordo equilibrado, com ganhos para todos. Mas os Estados Unidos, aplicando salvaguardas aos produtos siderúrgicos, aumentando os subsídios agrícolas e impondo limitações ao fast track, disse o presidente, "estão na contramão dos esforços de criação de uma verdadeira Alca".

"Quando se quer o livre comércio, se reduz o protecionismo, e não se pode pedir que países em desenvolvimento abram seus mercados e, ao mesmo tempo, restringir o acesso desses países aos mercados dos países ricos." De fato, o comércio e o investimento internacionais são fatores essenciais e indispensáveis para o crescimento dos países em desenvolvimento e emergentes. Quando a ação do FMI se torna mais um obstáculo do que um incentivo para ajuda internacional a um país que se debate em grave crise, como a Argentina, e os Estados Unidos pregam o livre comércio, que desmentem com práticas protecionistas absurdas, não se está fazendo da globalização um processo eqüitativo, nem se construindo a ordem internacional sobre bases justas. Foi isso o que o presidente Fernando Henrique Cardoso disse, sem meias palavras, aos representantes dos países ricos e dos organismos multilaterais, em Fortaleza.


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03/13/2002


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