Nova regra ajuda Estados a obter empréstimos



 





Nova regra ajuda Estados a obter empréstimos
Tesouro assume nova forma de calcular dívidas e reduz estoque das dívidas com a União

BRASÍLIA - A capacidade de endividamento dos Estados, limitada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, será ampliada por uma medida anunciada recentemente pelo Ministério da Fazenda. Na prática, os atuais governadores e seus sucessores eleitos em outubro poderão contrair novos empréstimos, melhorando as condições de gastos ainda neste mandato e principalmente para os que assumem os governos estaduais em janeiro próximo.

A melhora nas condições de endividamento dos Estados resultará da revisão dos cerca de R$ 100 bilhões das dívidas refinanciadas em 1997.

O Tesouro Nacional reconheceu que os saldos devidos à União devem ser atualizados pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) negativo. Desde que os contratos foram assinados, houve oito ocorrências de IGP-DI negativo, variando de 0,03% a 0,38% ao mês. O IGP-DI negativo era desconsiderado na atualização, sem trazer diminuição dos saldos devedores.

No curto prazo, o recálculo do estoque das dívidas resultará na queda do atual nível de endividamento dos Estados e, em conseqüência, facilitará o enquadramento nos limites estabelecidos pela Lei Fiscal. A lei restringiu a dívida dos Estados em duas vezes o valor da receita líquida corrente. Esse teto deverá ser atingido gradualmente nos próximos quinze anos, dentro de um cronograma de redução anual.

Os maiores beneficiados serão os Estados que estão abaixo desse teto, pois ganharão folgas para novos empréstimos. Este é o caso de São Paulo, que terá sua dívida diminuída em R$ 738 milhões. Com isso, o estoque cairá dos R$ 68,543 bilhões (valores de dezembro de 2001) para R$ 67,805 bilhões, segundo o secretário da Fazenda, Fernando Dall'Acqua. Em decorrência, a relação entre a dívida e a receita corrente líquida no Estado, hoje de 1,98, cairá imediatamente para 1,96, de acordo com cálculos de Dall'Acqua.

"Os novos governadores vão entrar com melhor capacidade de endividamento", sublinhou o secretário paulista. Na avaliação dele, porém, dificilmente os atuais governos estaduais vão usufruir das folgas abertas pela revisão do estoque de dívidas para obter novos financiamentos.

Para que isso ocorra, disse Dall'Acqua, acordos aditivos teriam de ser assinados entre o Tesouro Nacional e os Estados.

Conta certa - Para o secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Arno Augustin, o governo só está corrigindo um erro na interpretação dos termos dos contratos de rolagem das dívidas. "Por isso não está havendo uma redução do endividamento, apenas a conta está sendo feita certa agora", disse. A revisão baixará em R$ 150 milhões o estoque da dívida gaúcha, que estava em R$ 14,2 bilhões em dezembro passado. O nível de endividamento cairá de 2,94 para 2,91.

O reflexo da medida sobre os pagamentos mensais deverá ocorrer somente dentro de oito a dez anos, quando o serviço da dívida for inferior aos 13% da receita corrente líquida, teto fixado na Lei Fiscal. Na última quarta-feira, ao anunciar a medida, o secretário do Tesouro Nacional, Fábio Barbosa, disse que a revisão não significará estorno de recursos para os Estados. Apesar da redução do estoque, eles continuarão comprometendo 13% de sua receita líquida para o pagamento das prestações mensais da dívida refinanciada, conforme prevêem os contratos. Foi um dos últimos atos de Barbosa no governo. Ele deve deixar o cargo amanhã e ser substituído pelo secretário-adjunto, Eduardo Guardia.

"No curto prazo, o impacto se restringe à redução do estoque, o que também é muito relevante para as finanças estaduais", afirmou Dall"Acqua. Segundo ele, essa é uma reivindicação antiga dos Estados. O benefício foi pleiteado no Supremo Tribunal Federal pelo governo de Minas Gerais. Antes mesmo que o STF se pronunciasse sobre o assunto, o Ministério da Fazenda aceitou a proposta.

Objetivos - Além de facilitar entendimentos em torno da candidatura presidencial do senador José Serra (PSDB-SP), a medida também pretende evitar constrangimentos para o futuro presidente da República. O objetivo de reconhecer a aplicação do IGP-DI negativo é evitar que, no futuro, os governadores reeleitos que não conseguiram enquadrar o endividamento nos limites da Lei Fiscal culpem o governo federal por isso e ganhem a causa na Justiça.


Seminário avalia dois anos de Lei Fiscal
Normas mais rígidas para último ano de mandato terão destaque nos debates em PE

BRASÍLIA - Os dois primeiros anos de implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal serão avaliados por cerca de 300 administradores públicos durante o Seminário Internacional "Gestão Pública, Responsabilidade Fiscal e Controle Social", que ocorre em Recife (PE), nos próximos dias 2 e 3. A Lei Fiscal vigora desde o dia 4 de maio de 2000.

As restrições previstas na lei para o final de mandato nos três Poderes terá dstaque entre os temas agendados para o evento. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, os governantes não podem fazer dívidas no último ano do mandato, a não ser que os recursos para cobrir o empréstimo fiquem depositados em caixa.

O objetivo é estancar uma prática antiga na administração pública: antes de deixar o cargo, governantes aumentavam salários e outras despesas e deixavam a conta para o sucessor. Em 2000, os prefeitos tiveram de se adaptar à regra. Neste ano, será a primeira vez que governadores e o presidente da República estarão sujeitos às normas mais restritas previstas para o último ano de mandato.

O evento contará com a participação de especialistas de vários países da América Latina, do Banco Mundial, da diretora Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI), Teresa Ter-Minassian, de conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais, juízes e administradores públicos. O seminário é promovido pelo Instituto Brasil de Pró-Cidadania, uma organização-não governamental voltada ao debate da gestão pública.

Segundo o presidente do Instituto Brasil de Pró-Cidadania, Petrônio Omar QuerinoTavares, os novos paradigmas para a administração pública pretendidos pela Lei Fiscal criaram a expectativa na população de mudanças na condução dos recursos públicos. "Tudo indica que houve avanços no exercício do controle social", ressaltou. Segundo ele, depois de dois anos de vigência da nova legislação, começam a surgir caminhos para a sociedade civil se tornar um agente ativo, de fato, da gestão pública.

O seminário será aberto pelo ministro do Planejamento, Guilherme Dias.

Também serão debatidos temas como "Transparência e Participação Popular na Gestão Pública", "A Lei Fiscal e o Controle da Administração Pública" e "Renúncia de Receitas: Requisitos e Mecanismos de Compensação".


'Buraco' na arrecadação pode chegar a R$ 6,4 bi
Governo vai cortar gastos e aumentar carga tributária para cobrir diferença

BRASÍLIA - Se a pior estimativa se concretizar, o governo terá um "buraco" de R$ 6,4 bilhões para tapar com cortes nas despesas e, principalmente, com aumento de tributação neste ano. Esse será o tamanho do problema se for confirmada a previsão do Congresso de que a perda de receitas decorrente do atraso na votação da prorrogação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) ficará em R$ 6 bilhões.

O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já analisa idéias para elevar a arrecadação. Mas os trabalhos técnicos ainda estão em ritmo lento, porque só se saberá a dimensão exata do "buraco" quando a CPMF for votada.

Quanto maior o atraso, maiores serão as medidas para elevar a arrecadação.

"Não há out ra solução, uma vez que não podemos abrir mão do cumprimento das metas fiscais", afirmou o secretário ao Estado.

A solução encontrada pela Receita precisará cobrir não só a frustração de receitas com a CPMF, como também mais dois "buracos": a correção das deduções permitidas no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e a isenção da CPMF nas bolsas. "Só dá para tratar esses problemas em conjunto", disse Everardo. "Qualquer solução individual é errada."

Pela atual legislação, a CPMF só será cobrada até o dia 17 de junho. Para que ela seja arrecadada sem interrupções, o Congresso teria de ter aprovado a emenda constitucional que a prorroga até 17 de março. Isso porque a Constituição determina que mudanças nas regras das contribuições só entram em vigor 90 dias após aprovadas.

Como a emenda não foi aprovada até agora, a arrecadação ficará menor do que a prevista no Orçamento. A perda estimada é de R$ 420 milhões por semana.

Até agora, a conta está em R$ 2,52 bilhões. Os parlamentares calculam que, na pior das hipóteses, a conta chegará a R$ 6 bilhões. Para tentar diminuir o prejuízo, o Congresso discute a redução do prazo de 90 dias para 15 dias.

Correção - Um outro problema surgiu na semana passada, quando o Congresso votou a Medida Provisória que corrigiu a tabela do IRPF em 17,5%. Essa correção provocará uma queda na arrecadação de R$ 3,8 bilhões, mas a diferença já foi corrigida em sua maior parte, com cortes no Orçamento de 2002.

No entanto, uma parte da perda - decorrente da correção dos limites de dedução de gastos com educação e dependentes, estimada em R$ 300 milhões ao ano - não pode ser coberta com cortes, segundo determina a Lei Fiscal. Por isso, a mesma MP que determinava a correção da tabela continha também um aumento de 1% para 3% da alíquota efetiva da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre empresas prestadoras de serviços. O Congresso derrubou esse artigo. Portanto, são mais R$ 300 milhões a serem cobertos.

Nesse caso, especificamente, com aumento de impostos.

Um terceiro fato não previsto nas estimativas da Receita deste ano é a isenção da CPMF sobre a bolsa de valores. Essa regra foi incluída pelo Congresso no texto da emenda que prorroga a contribuição. A Receita calcula que a isenção custará algo como R$ 350 milhões ao ano. Como a isenção vigorará somente a partir do momento em que a nova CPMF for cobrada, a conta fica menor: cerca de R$ 100 milhões.

Os técnicos da Receita estão esperando a votação da CPMF para saber o tamanho exato do "buraco" a ser coberto. No entanto, a impressão deles é que a margem para cortes é muito pequena. Ou seja, boa parte terá de ser coberta com aumento de impostos.

O próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan, deixou isso muito claro ao anunciar novos cortes no Orçamento e a necessidade de elevar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Para Everardo Maciel, haverá "aumentos pesados" de carga tributária.

Malan já avisou que só o aumento do IOF não será suficiente, mas não detalhou quais impostos serão elevados. O mais provável é que o governo opte pela elevação da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da CSLL. As contribuições podem ser aumentadas e cobradas no mesmo ano, coisa que não é possível fazer com a maior parte dos impostos. No entanto, a iniciativa teria de ser aprovada pelo Congresso, que tem rechaçado aumentar a carga tributária.

Uma alternativa são os impostos cuja elevação independe do Legislativo. É o caso do IOF, do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto sobre Importação (II). Mas eles têm arrecadação baixa e dificilmente resolveriam o problema do governo. Além disso, o II é um imposto criado mais para regular a abertura do mercado do que para arrecadar. Sua elevação representaria o fechamento do mercado brasileiro, o que criaria problemas nas negociações comerciais do Brasil com o exterior.


Em semana vazia, Câmara quer votar uma só matéria
Governo pretende unir aliados antes do feriado e examinar projeto que está travando a pauta

BRASÍLIA - Numa semana esvaziada pelo feriado de 1.º de maio, o governo vai tentar reunir seus aliados para votar amanhã, na Câmara, o projeto de conversão à medida provisória que trata da renegociação da dívida dos pequenos agricultores produtores rurais. É a única matéria que será examinada na semana.

A intenção original do presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), era votar sete projetos que alteram o Código de Processo Penal, mas nem o líder do PSDB acredita que isso vá ocorrer. Além de ser uma matéria polêmica, há a dificuldade de ajustar as mudanças ao que foi sugerido pela extinta Comissão de Segurança do Congresso. Seus integrantes trabalharam 60 dias achando que teriam prioridade na votação. Ao final da comissão, foram informados de que o relatório que abrange quase todas as áreas de segurança pública serviria como subsídio às propostas já examinadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

O líder do PSDB, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), acredita que seu apelo aos colegas, para que compareçam à Câmara, será atendido. Em telegrama que passou para os parlamentares, ele explica a necessidade de votar o projeto de conversão da MP que está travando a pauta. O texto já foi examinado nas duas Casas, mas, como foi alterado no Senado, tem de ser votado novamente pelos deputados. Segundo Madeira, há um acordo para retirar da proposta o aumento, de R$15 mil para R$35 mil, do limite da dívida a ser renegociada, aprovado pelos senadores.

Senado - Já as votações no Senado só serão reiniciadas na terça-feira da semana que vem, quando será examinada, em primeiro turno, a proposta de emenda constitucional que permite o ingresso de capital estrangeiro em empresas de comunicação.

Hoje ou amanhã deve ser lida em plenário a proposta de emenda constitucional que amplia a vigência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 2004. A matéria será, sem seguida, encaminhada à CCJ, onde deve ter como relator o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Bernardo Cabral (PFL-AM).

A paralisação das votações do Senado também adia, por uma semana, a sabatina do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, na CCJ. Ele foi indicado por Fernando Henrique para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) pela aposentadoria compulsória do ministro Néri da Silveira.


FHC cita Le Pen e propõe que todos tirem lições da xenofobia
Ao analisar eleições francesas, presidente diz que ‘somos fadados ao universalismo’

PORTO ALEGRE – O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o Brasil não pode ficar indiferente às manifestações de radicalização no mundo atual. O País deve, no entanto, apostar na radicalização da democracia. “Esta é a utopia pela qual devemos continuar a lutar: uma utopia que não estigmatiza as minorias, mas busca integrá-las no convívio social; uma utopia que não divide, mas agrega”, destacou o presidente, em artigo publicado neste domingo pelo jornal gaúcho Zero Hora, no qual analisa a surpreendente votação que o líder de extrema direita Jean-Marie Le Pen obteve nas recentes eleições gerais da França.

O artigo enfatiza as lições que o Brasil pode tirar do crescimento de idéias xenófobas na Europa. O presidente lembra que, por ser uma nação rica em diversidade e repleta de contrastes sociais e regionais, o Brasil tem a necessidade de construir uma mentalidade de inclusão, e não de exclusão, de participação e solidariedade, e não de antagonismo nefasto. “Como afirmei em meu discurso na Assembléia Nacional Francesa, países como a França e o Brasil estão mais do que credenciados a a ssumirem um papel ativo na modulação de uma ordem mais imune ao dogmatismo e à exclusão. Por história e formação, somos fadados ao universalismo”, afirma Fernando Hernrique, parecendo referir-se indiretamente aos critérios adotados, em política externa, pelo atual governo dos Estados Unidos.

Só contra – Citando análises de estudiosos, Fernando Henrique observa que a globalização da democracia parece estar revelando a insuficiência dos mecanismos tradicionais de representação popular. “Vota-se mais contra o que se teme (insegurança, violência, perda de identidade nacional) do que a favor do que se deseja”, avalia.

Uma segunda causa para a radicalização seria uma fratura cultural. “Ela separa, fundamentalmente, aqueles que estão do lado da modernidade da razão, do universalismo, e aqueles que se refugiam na segurança de suas identidades, em suas atitudes excludentes”, constata o presidente.

Em sua análise, Fernando Henrique salienta que a busca de uma social-democracia renovada deve continuar a ser perseguida, pois o recuo a extremismos “não atende à necessidade de conjugar liberdade e justiça social”. Ele diz que sua visão sempre foi avessa a dogmatismos e aos extremismos: “Sempre me opus aos fundamentalismo do mercado tanto quanto ao peso do Estado burocrático e ineficiente.”

O presidente prega que, para o País conseguir se desenvolver, é necessário o empenho de todos.

“No Brasil, não há a menor dúvida de que a construção de uma sociedade mais desenvolvida, mais igualitária e fundada nos valores da democracia e da cidadania não passa pelas ortodoxias ou pelos sectarismos. Depende, sim, da participação coletiva, o que pressupõe levar em conta que somos uma nação plural, repleta de contrastes regionais”.


Relação vive pior momento desde anos 70
Desgaste pode ser creditado à política externa americana e a antigas discordâncias

BRASÍLIA - Parceiros que sempre conviveram entre rusgas e comunhão de valores, o Brasil e os Estados Unidos mergulharam, desde o segundo semestre do ano passado, em um ciclo de desgaste em suas relações.

Movimentos feitos em Washington foram vistos em Brasília como claras tentativas de isolar o Brasil entre seus aliados latino-americanos e de quebrar a ambicionada liderança do País na região. No governo brasileiro, a percepção é que nunca, desde o conflito provocado pelo acordo nuclear com a Alemanha, nos anos 70, as relações bilaterais estiveram tão ruins.

O desgaste pode ser creditado à política externa do presidente americano George W. Bush, em especial à guinada para posições unilaterais depois dos atentados terroristas de setembro. O Brasil já deixou claro que não corrobora a nova visão do mundo de Washington. Há também desentendimentos antigos sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e a insistência do Brasil em se abster de votar contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos.

O mundo mais "difícil" gerado dos destroços de 11 de setembro tornou os dois parceiros cada vez mais bicudos. Em outubro, o discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso na Assembléia Nacional da França deixou evidente sua percepção dissonante, ao indicar que o espírito bárbaro e autoritário também está presente na civilização ocidental - leia-se, nas reações americanas aos atentados terroristas. Fernando Henrique ainda teimou em sucessivos discursos que as ações do mundo desenvolvido não podem se resumir ao confronto com o terror. "Contra o medo e o irracionalismo, façamos prosperar o diálogo e a cooperação, valores que sabemos inscritos em todas as civilizações", disse. O tom teria irritado o Departamento de Estado dos EUA.

Meses antes dos atentados, no final de março, Fernando Henrique havia dito a Bush que tinha dúvidas sobre a linha que o colega iria seguir. "Os EUA têm um poder incontrastável, dos pontos de vista político, econômico e militar.

Resta saber se vão compartilhá-lo ou se vão impor suas vontades", afirmou, em visita à Casa Branca.

Observadores do governo não têm dúvidas que os EUA optaram pela segunda alternativa.

Abortaram acordos de controle de armamentos e o Protocolo de Kyoto e conspiraram contra a criação do Tribunal Penal Internacional. Também pressionaram para a demissão do embaixador brasileiro José Maurício Bustani da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) .

No episódio do golpe de Estado na Venezuela, o governo considerou que Washington contradisse seus princípios democráticos. Na semana passada, Fernando Henrique declarou ao jornal inglês Financial Times que Bush "está em um estágio de aprendizado" sobre como lidar com a América Latina.

Aço - Em novembro, os EUA impuseram medidas de salvaguarda às importações de aço. O argumento de que o Brasil sairia beneficiado por uma cota mais ampla para semi-acabados não convenceu o governo nem as siderúrgicas, que podem levar o caso à Organização Mundial do Comércio.

Neste ano, os americanos devem pressionar para avançar nas negociações da Alca. Valem-se da frustração da maioria dos vizinhos do Brasil - Argentina, Uruguai, Paraguai e os andinos - com o processo de globalização, apesar da abertura de seus mercados. Para esses países, acenam com a abertura de seu próprio mercado. "Eles querem a aliança com os americanos, e, para isso, vão passar por cima do Mercosul, do Pacto Andino", afirmou uma fonte da diplomacia. "Se a estratégia der certo, o Brasil tende a acabar completamente isolado."


artigos

A crise da Igreja norte-americana
Carlos Alberto Di Franco

A imprensa brasileira tem noticiado a respeito da crise que fustiga a Igreja norte-americana com razoável prudência e serenidade. Os casos de abuso sexual protagonizados por clérigos daquele país são, de fato, matéria jornalística inescapável. A reação do Vaticano, convocando os cardeais norte-americanos para o recente encontro com o papa, deu a exata dimensão dos acontecimentos no espaço público. Impressionou-me, de saída, a transparência com que o papa enfrentou o problema. Ao contrário de alguns representantes do episcopado norte-americano, que, há anos, se vinham omitindo e empurrando o lixo para debaixo do tapete, João Paulo II quis dar à reunião com os cardeais um caráter quase público. Manifestou-se "profundamente amargurado", mas, confirmando a tradição destes quase 24 anos de pontificado, foi incisivo e claro.

Em conversa recente com um colega, arguto editor e brilhante intelectual, ele me fazia notar os riscos que sempre rondam qualquer cobertura sobre escândalos sexuais. "É preciso andar com cuidado. As coisas se confundem, as fantasias substituem a notícia e a apuração acaba se complicando." Tem razão. O factual está bastante resolvido na cobertura do lamentável episódio: os responsáveis estão identificados, os delitos foram confessados e já há gente na cadeia. Na esfera da Igreja, da punição canônica, ocorre algo semelhante. O problema da cobertura está em algumas análises precipitadas, interpretações generalizadoras e ausência de matizes.

Paira no ar a injusta sensação de que todos os religiosos estão sob suspeita. Algumas centenas de sacerdotes norte-americanos estão, efetivamente, envolvidos em crimes de abusos sexuais contra menores.

Trata-se, no entanto, de uma inexpressiva minoria, se comparada com os 46 mil sacerdotes que formam o clero daquele país. A omissão deste número não é jornalisticamente correta. O rabo abana o cachorro. É claro que o abuso é notícia. Mas não podemos ocultar o outro lado: há milhares de sacerdotes abnegados que não merecem carregar tamanho estigma.

Algumas matérias tentaram, equivocadamente, vislumbrar no episódio um sintoma de falência do celibato sacerdotal. Esqueceram, curiosamente, que as estatí sticas demonstram que, em sua imensa maioria, os abusos sexuais contra menores costumam ocorrer no ambiente familiar. Pais, irmãos, primos e padrastos são, de longe, os campeões do sórdido crime. Os agressores são, ordinariamente, pessoas casadas. O problema não está no celibato, mas num transtorno da afetividade. Os turistas sexuais que, ocasionalmente, são presos na Tailândia ou nas nossas cidades não ostentam nenhum compromisso celibatário. Mas são eles que, majoritariamente, ocupam as nossas páginas de informação policial.

O diretor do Catholic Information Center de Washington, padre C. John McCloskey, afirmou que, ao contrário do que tem sido noticiado, os casos de pedofilia foram, de fato, escassos. Segundo ele, os abusos têm sido marcadamente de caráter homossexual e refletem um grave "problema de idoneidade" para o exercício do sacerdócio. As declarações de McCloskey despertarão, certamente, fortes reações, mas são de uma lógica meridiana.

Afinal, uma instituição que, há séculos, defende o celibato sacerdotal tem o direito de estabelecer os seus critérios de idoneidade, o seu manual de instruções para a seleção de candidatos. Quem entra sabe a que veio. É tudo muito transparente. Quem assume o compromisso o faz livremente.

O que não dá, por óbvio, é para ficar com um pé em cada canoa. E foi exatamente isso o que aconteceu. A Igreja norte-americana, afirma McCloskey, está enfrentando as conseqüências de anos e anos de descuido na seleção e formação do seu clero.

O escândalo, como lembrou João Paulo II, é "um sintoma de uma grave crise da moral sexual e das relações humanas", que atinge não apenas a Igreja, mas toda a sociedade. A onda de hipersexualização e vulgaridade que tomou conta do ambiente social não exclui ninguém. Nem padres estão imunes ao seu apelo.

Quando a secularização afoga a vida de oração, não pode dar outra. Estamos assistindo ao corolário de um silogismo perfeito. O papa, um homem corajoso e de elevada espiritualidade, já fez um balanço: "Tanto sofrimento e tanta tristeza devem levar a um sacerdócio, um episcopado e uma Igreja mais santos."

Do ponto de vista jornalístico, o episódio, com seus acertos e exageros informativos, é uma evidência de que vivemos a era da transparência. A crise na Igreja norte-americana deixará, estou certo, um saldo positivo e servirá de escarmento para o clero de outras partes do mundo. Ninguém está acima do bem e do mal. Felizmente.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Queremos melhoramentos!
O assunto do momento é a clonagem. Todo dia aparece um bicho novo clonado em laboratório. E não se ficou em ovelhas e galinhas, mas se chegou aos macacos - um passo, claro, para a clonagem humana, que, na novela de televisão já chegou à realidade. Com muita pesquisa e inteligência, diga-se. Mas a impressão que dá é que a autora está tão perplexa quanto nós, telespectadores, sobre o rumo e destino que dará à sua adorável Criatura.

Mas voltando à clonagem real, aí é que está todo o fulcro do problema, o centro principal de todo o interesse: clonar seres humanos. Até que ponto o processo pode ser efetivo, a clonagem atingirá realmente a psiquê ou a cópia ficará apenas na parte física: feições, estatura. Cor da pele e cabelos ou irá também para os miolos; ou pior (ou melhor?) atingirá essa coisa indefinível, imaterial mas inegável - a que chamamos de alma?

Se você clonar um criminoso, a cópia terá também instintos criminosos? Ninguém publicou ainda observações sobre o caráter dos clones, em relação ao seu original. Por exemplo: sabe-se que as ovelhas são, por sua própria natureza, dóceis, pacíficas e agem sempre em grupos, tão unidas que nem precisam ter uma liderança explícita. Todos nós, fazendeiros, sabemos que basta abrir a porteira do redil, e encaminhar à saída o primeiro carneiro ou ovelha, e o rebanho inteiro o seguirá, os de trás atropelando os da frente, como se temessem ficar em solidão.

Outra pergunta: até agora, entre animais clonados, só se tem tido notícias de fêmeas - a começar pela Dolly. Será que eles também podem clonar machos? E em se tratando da espécie humana, vão poder clonar cavalheiros? Ah, essa invenção de clonagem abre espaços tão amplos para a imaginação que até nos deixa tontos!

O grande perigo apontado por todos os que discutem o assunto é a reprodução não autorizada, criminosa, clandestina de seres que não obedeçam aos padrões de ética, beleza, funcionalidade, desejados a todos os seres humanos.

A figura do cientista louco está sempre presente quando se fala nos processos biológicos que visam a interferir com a rotina da natureza. Não é de ontem o alvoroço que atacou a mídia, quando se começou a fazer a inseminação 'in vitro', tornando férteis casais sem filhos por dificuldade de acesso ao óvulo do indispensável espermatozóide. Hoje, o processo é banal, não originou nenhuma anomalia, e quase todo mundo já pode ter filhos, se os quiser.

Mas com a clonagem o campo fica muito mais amplo. Aberto o processo ao uso geral, terá de haver uma legislação específica e uma vigilância estreita dos laboratórios de clonagem, por parte das autoridades responsáveis. Talvez até se crie um Ministério da Clonagem, decretando por miúdos, quem pode ou não pode ser reproduzido. Por exemplo: a idade do clone-mãe? (ou pai): clonando-se um velho, será possível obter um clone jovem?

E a inteligência, os dons artísticos se transmitirão ao clone? Ou apenas os traços biológicos essenciais, a cara, os ossos, a musculatura? Eu, por exemplo, que não tenho filhos, talvez até gostasse de ser clonada. Mas exigiria tantos melhoramentos que, de certo, seria impossível satisfazer. Por exemplo: ser mais bonitinha, sem tendência para engordar, estatura um pouco maior e entranhas muito mais saudáveis: fígado, coração, miolos (não são entranhas, mas vá lá), miolos especiais, queda para as matemáticas e as demais ciências exatas... Ah, tanta coisa que eu queria ser e que não sou!

Vocês dirão: "Mas aí já não seria um clone, e sim um ser bem diferente de você." Claro! Os fabricantes de clones têm de aprender a criar diferenciações, senão não teriam freguesia. Um ou outro egocêntrico doentio poderia querer se reproduzir com total fidelidade. Mas até a verruga do queixo? Ou a urticária, a alergia a certos tipos de alimentos, ou ao tempero, ou ao queijo da pizza?

Há que pensar nisso tudo antes de fazer a encomenda. E voltando à lei disciplinadora: o narcisista delirante poderia exigir dos clonadores reprodução do seu nariz horroroso, que a ele parece lhe dar personalidade?

Agora a pergunta maior: e a inteligência, será clonável? Pois que adianta criarmos seres novos se não formos capazes de os fazer melhores do que os padrões da Mãe Natureza?

O Woody Allen é quase um gênio. Mas aceitará ele que o seu clone lhe reproduza, além do talento, a cara feia. O corpo desengonçado? Até agora só se sabe que o clone é uma reprodução perfeita da sua matriz. Mas qual matriz? A masculina ou a feminina? Se são necessários os dois elementos, macho e fêmea, para fazer um novo ser, qual será a cópia de quem? Da mãe ou do pai? Ou a clonagem dispensa a colaboração do pai? Então só teremos seres femininos? Ah, mas já existe mulher demais no mundo, é só ver as estatísticas.

O mal da humanidade, desde Adão, é querer ser mais sabida do que Deus. Se Ele fez o mundo assim como é, foi porque só dava deste jeito mesmo. Ele deve ter experimentado vários tipos.

Dispõe de todos os sistemas planetários, de todas as galáxias - e só conseguiu nos fazer tais como somos, com todas as nossas deficiências. Quem sabe mesmo se Deus Nosso Senhor, desgostoso da humanidade tal como é, não suscitou essa invenção de clones para nos eliminar pela total monotonia? Os Seus desígnios são insondáveis. Quem sabe, Ele não quer, com a igualdade geral, acabar com a excrescência que é o pecado, nos fazer todos dóceis e inocentes, como um rebanho de Dollys? Ou, pelo menos, deixar que se separem os bons dos maus, por seleção natural, isto é, por seleção de clonagem; e, pondo os maus de um lado, acabar com eles?

Só ficaremos nós, os bonzinhos; afinal, para todos os humanos, o bom somos nós, o mau é sempre o outro...


Editorial

ECONOMIA DOS EUA VOLTA A SURPREENDER

Os Estados Unidos, principal motor da economia mundial, tiveram no primeiro trimestre um crescimento econômico equivalente a 5,8% ao ano, informou sexta-feira o Departamento de Comércio americano. Nem os mais otimistas haviam projetado uma expansão tão grande. Foi o melhor desempenho desde o quarto trimestre de 1999 e um dos mais notáveis dos últimos dez anos. O vigor da economia americana contrasta fortemente com o baixo dinamismo europeu e com a persistente recessão japonesa. Só se pode esperar do mercado americano, portanto, algum empuxo para o comércio internacional em 2002 - a menos que ocorra algo extraordinário no Japão ou na Europa.

Economistas discutiram nos últimos meses se houve ou não uma recessão nos Estados Unidos.

Foi um debate inútil. Segundo os dados oficiais, o Produto Interno Bruto (PIB) americano encolheu no terceiro trimestre de 2001 em ritmo correspondente a 1,3% ao ano. O quadro piorou entre outubro e dezembro, por causa das ações terroristas em Nova York e Washington. Nesse período, a redução do PIB chegou à taxa anualizada de 1,7%. Mas a recuperação foi muito mais veloz do que havia estimado a maioria dos analistas. Já no começo do ano havia sinais de reanimação, que se fortaleceram em fevereiro e março.

O notável crescimento do último trimestre pode ser explicado, em grande parte, como reação da economia à política do banco central dos Estados Unidos, o Sistema da Reserva Federal (Fed). Os primeiros sinais de enfraquecimento da economia surgiram no primeiro trimestre do ano passado.

A partir daí, o Fed realizou 11 cortes consecutivos dos juros básicos. A economia demora alguns meses, normalmente, para responder às mudanças na política monetária. Mesmo assim, a diretoria do Comitê de Mercado Aberto, responsável pela política de juros, continuou a reduzir a taxa, sem esperar que surgissem os primeiros resultados.

A liderança de Alan Greenspan, presidente do Fed, foi um fator de segurança para a economia americana durante a última longa expansão e também na fase seguinte. Ele se mostrou atento, o tempo todo, à evolução dos fatores reais do crescimento, como inovação tecnológica, investimento e produtividade. Foi bastante sensato para não confundir esses fatores com a evolução das cotações no mercado de capitais. Advertiu o mercado, muitas vezes, para o risco de uma bolha excessivamente grande, cunhando a expressão "exuberância irracional". A bolha estourou, como previam as pessoas sensatas. A economia real, no entanto, tinha solidez e, por isso, foi breve sua fase de retração, um fato previsível, normal e apenas acentuado depois dos atentados de 11 de setembro. Como poucos, o presidente do Fed conseguiu calibrar a política monetária para conter a inflação, nos momentos de atividade mais intensa, e dar espaço ao crescimento nas fases de menor prosperidade.

Em seu último depoimento no Congresso, Greenspan deixou claro que a inflação continua controlada e que não será necessário, por algum tempo, elevar os juros. Assim, a economia americana deverá ter mais alguns meses para consolidar a recuperação. Por enquanto, o crescimento americano está sendo sustentado principalmente pelo consumo e pelos gastos em habitação. O investimento caiu pelo quinto trimestre consecutivo. Será preciso que se recupere, para que a expansão econômica se mantenha no longo prazo.

Especialistas em conjuntura estimam que a economia americana cresça menos velozmente entre abril e junho. A expansão, segundo alguns analistas, poderá acomodar-se, nesse período, na faixa de 3% a 3,5% anuais. Mesmo assim, será um desempenho apreciável, muito melhor que o esperado para a economia européia.

Economistas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada majoritariamente por países do Primeiro Mundo, apontam dois fatores preocupantes. Um deles é o preço do petróleo, sujeito à influência de crises políticas. O outro é o mercado de ações, que pode ser afetado - e já tem sido - por grandes empresas com rentabilidade menor que a esperada.

Este segundo fator é certamente o menos importante. Lucros e perdas consumados podem contribuir para a alta ou a baixa dos preços das ações, mas o mercado também leva em conta as perspectivas de ganhos, reforçadas pela recuperação da economia americana.


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04/29/2002


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