Parte do Fundo de Pobreza vai para ajuste fiscal







Parte do Fundo de Pobreza vai para ajuste fiscal
Apenas R$ 1,9 bilhão dos R$ 3,1 bilhões serão destinados para a população carente

BRASÍLIA - Mais de um terço dos recursos que compõem este ano o fundo criado para combater a pobreza no País não vai beneficiar a população carente. Dos R$ 3,1 bilhões de recursos previstos para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, serão dirigidos a esta população no máximo R$ 1,9 bilhão. O restante está sendo usado pela União para ajudar no cumprimento do ajuste fiscal de 2001.

Os dois maiores programas do fundo são os mais prejudicados. As verbas para o Programa Bolsa-Escola, que complementa a renda das famílias com crianças matriculadas nas instituições de ensino, caíram de R$ 1,486 bilhão para R$ 486 milhões, de acordo com dados oficiais. As ações de saneamento básico também foram reduzidas de R$ 1,222 bilhão para R$ 1,022 bilhão.

Permaneceram iguais as dotações orçamentárias para os demais projetos - combate à seca (R$ 135 milhões), Bolsa-Alimentação (R$ 100 milhões), entre outros.

Governo e oposição atribuem a baixa aplicação dos recursos ao atraso na regulamentação da emenda constitucional que criou o fundo. Apesar das discussões terem se iniciado em 2000 e o fundo ter sido criado em dezembro daquele ano, somente em julho de 2001 o Congresso aprovou uma lei complementar instituindo as regras de aplicação das verbas. "É culpa do governo, pois em dezembro de 2000 apressamos a regulamentação, mas não houve empenho do Palácio do Planalto", afirmou o ex-senador e autor da proposta do fundo, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).

O líder do governo na Câmara, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), acusa a oposição de ter retardado a tramitação da lei que regulamentou o fundo. "A destinação de qualquer verba social envolve um grande embate no Congresso", afirmou.

Ele lembrou ainda que uma das dificuldades do setor público no Brasil é fazer chegar os benefícios das verbas sociais aos seus destinatários finais.

Para a senadora Heloísa Helena (PT-AL), esse é de fato o maior problema do fundo. "Ele não tem mecanismos de controle social e não há como fiscalizar os projetos que receberão os recursos."

O Fundo de Combate à Pobreza foi criado para vigorar até 2010 e tem como objetivo incrementar as ações de governo nas áreas de nutrição, habitação, saúde, educação, reforço de renda familiar e outros programas da área social. Até agora, a única fonte de verbas do fundo é o adicional de 0,08% da alíquota de 0,38% da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Regulamentação - As outras fontes - o adicional de 0,10% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de supérfluos e o Imposto sobre Grandes Fortunas - ainda não foram instituídas.

A própria emenda que criou o fundo permite a utilização em 2002 de parte da arrecadação deste ano com o adicional da CPMF. Segundo o texto constitucional, essas receitas obtidas entre 18 de junho de 2000 e o início da vigência da lei complementar que regulamentou o fundo poderão ser aplicadas no segundo semestre do próximo ano. Caso a regulamentação do fundo tivesse ocorrido em março deste ano, quando começou ser arrecadado o adicional da CPMF, o dinheiro poderia ser integralmente gasto em 2001.

O secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guilherme Dias, informou que a arrecadação de março a 6 de julho, quando houve a regulamentação, corresponde a R$ 1,2 bilhão, parcela essa a ser utilizada no próximo ano. A arrecadação obtida no segundo semestre deste ano, estimada em R$ 1,9 bilhão, foi destinada aos programas sociais. Dias lembrou que os recursos do fundo não podem ser utilizados em outros programas, "portanto, a solução é transferi-los para 2002".


TCU vai fiscalizar uso de verbas em programas sociais
BRASÍLIA - A exemplo do que fez com as obras públicas, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu inspecionar os programas do governo federal voltados para as áreas de Saúde, Educação, Assistência Social e Agricultura.

O objetivo do TCU é verificar se os projetos estão realmente atendendo à principal clientela a que se destina - a população de baixa renda.

No ano passado, técnicos do TCU detectaram diversas irregularidades em programas sociais do governo, como nos Fundos de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e no Sistema Único de Saúde (SUS).

O resultado, nos três casos, foi surpreendente: em muitos municípios inspecionados haviam desvios de recursos ou má utilização do dinheiro público.

Desta vez, as auditorias do TCU serão nos programas Biblioteca da Escola, Saúde Escolar, Erradicação do Trabalho Infantil, Irrigação e Drenagem, Saúde da Família e Valorização e Saúde do Idoso. Na avaliação do tribunal, os projetos inspecionados são os que hoje atendem a parcela mais pobre da população brasileira. Para o presidente do TCU, Humberto Souto, além de verificar o andamento dos programas, os técnicos irão avaliar se os objetivos estão sendo alcançados.

Escovas - Dentre as irregularidades, o TCU chegou a constatar desvio de dinheiro do Ministério da Educação destinado à compra de escovas de dentes. Uma secretaria chegou a superfaturar em 400% o produto comprado para ser distribuído a crianças carentes. Em um município da Bahia, um prefeito pegou a televisão, a antena parabólica e o videocassete destinado ao programa TV Escola e levou para casa.

Outro projeto que está sendo investigado pelo TCU é o Canal de Xingó, criado para aumentar a disponibilidade de água no Nordeste. O tribunal vai ouvir técnicos sobre o desvio de recursos, usados indevidamente em outras obras sem relação nenhuma com o empreendimento. Isso, segundo auditores, desviou completamente o rumo do programa, que era o de contribuir com o desenvolvimento da agricultura, hoje deficitária em função da seca.


Sem propostas polêmicas, Fome Zero é lançado hoje
Lula apresenta no Senado programa que será a base de sua campanha à Presidência
BRASÍLIA - Como parte de sua campanha à Presidência da República, o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, lança hoje, no Senado, texto final do Projeto Fome Zero - sem propostas polêmicas, como a que instituía a cobrança de 5% sobre as contas de restaurantes de luxo. Também foi retirada da proposta, feita pelo Instituto Cidadania, a sugestão para a criação do Ministério Extraordinário para o Combate à Fome.

O Projeto Fome Zero estabelece, entre vários pontos, a necessidade de se elevar o salário mínimo para US$ 100 - o equivalente hoje a R$ 277 -, e cria ainda cupons que seriam distribuídos para moradores de baixa renda adquirirem alimentos. Esses cupons serviriam para complementar a renda até R$ 80 mensais de famílias que mantivessem seus filhos nas escolas. Por meio de avaliações periódicas, os pais teriam de participar também de atividades de qualificação profissional para garantir a continuidade do benefício. Nas grandes e médias cidades, os tíquetes seriam substituídos por cartões magnéticos.

O Fome Zero também ressuscita o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, já que a idéia de se criar um ministério extraordinário da área foi abortada diante das duras críticas à proposta. Em parceria com o Ministério do Planejamento, esse conselho seria vinculado diretamente ao gabinete da Presidência da República.

Para garantir a viabilidade da proposta, um eventual governo petista destinaria pelo menos R$ 10 bilhões por ano para a distribuição dos cupons.

Os gastos teriam de ser incluídos no orçamento federal, sendo que uma parte do dinheiro po deria vir do Fundo de Combate à Pobreza.

Segundo dados divulgados pelo Instituto de Cidadania, atualmente são gastos R$ 45 bilhões ano em meio a um universo de 44 milhões de pessoas que vivem com fome.

De acordo com o PT, o Fome Zero poderá ser adotado por qualquer partido, apesar de ser uma das bandeiras petistas para a campanha de Lula em 2002.

Para a elaboração do texto, o partido contou com a participação de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Embrapa, Unicamp, UFRJ e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).


Aécio retém projeto que dá 13.º a ex-congressistas
Presidente da Câmara quer primeiro discutir com líderes se é possível evitar que entre em vigor

BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), telefonou ao presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), ontem, para informar que vai segurar o projeto de resolução que estende o direito a 13.º salário aos aposentados e pensionistas do extinto Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). O texto teria de ser enviado a Tebet, responsável pela promulgação de projetos do Congresso. Mas Aécio decidiu esperar até a reunião com os líderes partidárias sobre o assunto, que marcou para amanhã.

A reação negativa da opinião pública à decisão da Câmara de pagar o 13.º a ex-parlamentares levou Aécio a procurar uma “saída política”. Preocupado com a imagem do Congresso, Tebet também defendeu uma “solução” para o problema. “Esse projeto é inconveniente e inoportuno para este momento”, disse.

Mas os líderes dos partidos esbarram num problema: a proposta já foi aprovada pelo Senado e pela Câmara e tem de ser promulgada, de acordo com o regimento do Congresso. A assessoria de Aécio informou que ele pediu à secretaria-geral da Câmara que encontre uma brecha “regimental” para impedir a concessão do benefício, mas até ontem não fora encontrada uma solução para dar fim ao impasse.

De acordo com a assessoria da Presidência da Câmara, Aécio considerou inadmissível a idéia de que parlamentares que foram punidos pelo Congresso – como os chamados anões do Orçamento, por exemplo – sejam beneficiados pelo projeto de resolução. O líder do PSDB na Casa, Juthay Júnior (BA), já disse ser contra a promulgação do projeto.

Sua assessoria informou que o PSDB foi o único partido que não assinou o requerimento de urgência para a votação do projeto, no fim da sessão da quarta-feira passada. Mas tucanos que estavam presentes à votação – como Jovair Arantes (GO) e Arthur Virgílio (AM), que até emitiu parecer favorável em nome da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – não se manifestaram contra a aprovação.

Detalhe – Pelo projeto aprovado, aposentados e pensionistas do IPC ganharam isonomia em relação ao restante dos trabalhadores – e aos parlamentares no exercício do mandato – e receberão o benefício. Os anões do Orçamento, João Alves (BA), Cid Carvalho (MA) e Manoel Moreira (SP), são alguns dos que já têm direito a aposentadoria integral como ex-congressistas e receberão mais R$ 8 mil relativos ao 13.º salário.

O IPC foi extinto pela Lei 9.506 de 1997, depois de uma disputa no Congresso para acabar com seus privilégios. Pelas regras do antigo instituto, o parlamentar, depois de oito anos de mandato, tinha direito a uma aposentadoria de R$ 2.080. Após 30 anos de mandato, deputados e senadores podiam requisitar o benefício integral de R$ 8 mil.


Senado deve adiar exame de processo contra Luiz Otávio
BRASÍLIA – O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado reúne-se hoje para examinar parecer da senadora Heloísa Helena (PT-AL), favorável à abertura de processo contra o senador Luiz Otávio (PPB-PA) por quebra de decoro parlamentar. Mas um provável pedido de vistas deve adiar a votação para a semana que vem. O parlamentar é acusado de participar, em 1992, do desvio de US$ 13 milhões repassados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à empresa Rodomar, onde ele trabalhava.

O dinheiro destinava-se à construção de 13 balsas, que, entretanto, nunca foram construídas. No lugar das prometidas balsas, com capacidade de mil toneladas cada uma, foram apresentadas embarcações antigas, remodeladas e pintadas como se fossem novas. O senador já foi indiciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro.

Apesar dos fortes indícios de irregularidade, Luiz Otávio não deverá ser processado, a não ser que a pressão da opinião pública, traduzida pela imprensa, obrigue os senadores a levar o caso adiante. Caso contrário, a tendência é adiar indefinidamente a votação do parecer de Heloísa Helena ou então rejeitá-lo. A maioria dos integrantes do Conselho de Ética alega que está cansada de investigar os colegas.

A “faxina ética” foi iniciada com a cassação do senador Luiz Estevão (PMDB-DF) em junho do ano passado. Ela continuou em abril último, com a apuração do episódio de violação do painel eletrônico, que levou à renúncia dos senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (PSDB-DF), e teve seu último capítulo aberto em agosto, com as denúncias de envolvimento de Jader Barbalho (PMDB-PA) no desvio de recursos do Banpará. Jader também acabou renunciando.


Serra considera prévias uma 'idéia interessante'
Ministro diz que aceita participar de disputa interna por candidatura, proposta por Jarbas

BRASÍLIA - Apesar das dificuldades que teria de participar de uma campanha para sair candidato do PSDB nas prévias eleitorais defendidas por setores do partido, por estar à frente do Ministério da Saúde, José Serra (PSDB) avisa que não se opõe à idéia. O ministro vai além: aceitaria participar de eleições prévias interpartidárias (com os candidatos dos partidos da base aliada) em janeiro. Essa proposta será apresentada hoje pelo governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), em almoço com os governadores do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), e do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), em Brasília.

"Nunca fui contra as prévias e acho a proposta do Jarbas uma idéia interessante", disse Serra, ontem, a um cardeal do PSDB. O ministro ressaltou que foi ele quem primeiro levantou esta questão, a partir do exemplo do Chile. Os três governadores pretendem usar o encontro para dar a partida em um movimento nacional em favor da candidatura única dos partidos governistas em 2002.

Preocupado com as interpretações de que o almoço dos três governadores é parte de uma articulação contra a candidatura presidencial de Serra, o governador de Pernambuco esclarece logo que não se trata de um movimento para excluir ninguém. "A iniciativa foi muito mais de Roseana que de Tasso e, se fosse uma movimentação contra o Serra, o que não é o caso, não me passaria para isto."

Dirigentes do PSDB que engrossam a corrente dos "serristas" na corrida eleitoral de 2002 avaliam que a articulação de Tasso com Roseana e Jarbas é parte de sua estratégia de levar sua candidatura presidencial para fora dos limites do PSDB, onde Serra é o preferido. "O Tasso só terá chances de sair candidato se envolver os demais partidos da base, porque no PSDB o Serra é, de longe, quem tem mais voto", diz o cardeal tucano. E não só no PSDB.

Ibope - Circula na cúpula tucana uma pesquisa recém-concluída pelo Ibope, que ouviu 2 mil eleitores em todo o País entre setembro e outubro. Pela pesquisa, em todas as simulações que envolvem a preferência sobre as opções do PSDB na corrida pelo Palácio do Planalto, Serra aparece na frente, disparado.

Quando a pergunta é sobre qual candidato do PSDB o eleitor prefere, Serra aparece com 42% dos votos, contra 6% de Tasso e 5% do ministro da Fazenda, Pedro Malan, que não se filiou a nenhum partido. Em seguida, estão os ministr os da Educação, Paulo Renato (4%), e das Comunicações, Pimenta da Veiga (2%).

O dado que mais entusiasmou os serristas é o desempenho do ministro sobre quem tem mais chances de chegar ao segundo turno e vencer. Nesse quesito, Serra aparece com 43%, Malan com 8%, Paulo Renato com 3% e Pimenta com 2%.

Se a opção é restrita a tucanos paulistas, Serra bate Paulo Renato por 64% a 9%.

Regras - Quem primeiro falou em regras para as prévias foi o presidente interino do PPB, Pedro Corrêa (PE), com apoio do presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC). "O encontro dos três governadores é uma advertência a seus partidos, no sentido de buscar um critério para manter a aliança em 2002", disse Bornhausen ontem.

Jarbas vai sugerir no almoço de hoje que cada filiado possa votar em dois candidatos. "Se cada um tiver direito a apenas um voto, fica a presunção de que ele fechará no candidato de seu partido, seja quem for."

"Minha preocupação central neste momento não é o procedimento, mas que nossos pré-candidatos falem para que ocupemos o espaço devido", diz o presidente do PSDB, José Aníbal (SP). "O fundamental é a consistência das idéias, porque não se ganha eleição com imagens."


Alckmin não aceita hipótese de PSDB não ter candidato
Governador recusa apoio a nome de outra legenda e acha que não há espaço para manter aliança

O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) não admite a possibilidade de apoiar um candidato fora do PSDB para disputar a sucessão presidencial. "A hipótese de o PSDB não ter um candidato é uma hipótese que eu não enxergo", afirmou o governador. E a data da escolha desse nome, avalia, deve ocorrer entre março e abril do ano que vem. "Não tem de ter pressa nisso."

Segundo Alckmin, não há espaço para o lançamento de uma candidatura única da base aliada - que reúne PSDB, PFL e PMDB - se o cabeça-de-chapa não for um nome tucano. "Em princípio, uma aliança é aberta, todos que a integram deveriam poder participar. Na prática, vamos ser bem objetivos, o PSDB é o partido que tem o presidente da República e a sucessão que se faz é a de Fernando Henrique Cardoso. Portanto, é natural que o PSDB queira ter um candidato", justificou.

Escolha - Sobre a realização de prévias interpartidárias para definir uma candidatura única da base aliada, Alckmin apoia o mecanismo, mas com ressalvas. O tema das prévias será debatido no encontro, hoje ou amanhã, entre os governadores e presidenciáveis Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Roseana Sarney (PFL-MA).

"Formalmente, quem escolhe o candidato são os delegados, na convenção. Mas pode haver outro mecanismo de consulta no partido. É uma coisa a ser avaliada."

O governador acredita que São Paulo não será atingido pela proposta do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Paulo Costa Leite, sobre pagamento de precatórios. No projeto que será enviado à Câmara, o ministro propõe que se torne inelegível o administrador que não cumprir o pagamento de precatórios. O Estado de São Paulo tem R$ 6 bilhões em dívidas judiciais.

"Não vou discutir proposta do ministro do STJ. Quero dizer que São Paulo está fazendo a sua parte. Se São Paulo for atingido não vai ficar ninguém sem ser atingido porque dificilmente alguém está pagando tanto precatório como São Paulo", disse Alckmin.

De acordo com o governador, só em 2001 o governo paulista estará pagando quase R$ 800 milhões em precatórios, "cumprindo rigorosamente o que estabelece a Emenda Constitucional Número 30, que permitiu pagar em 10 anos".


Pedido para investigar Maluf é enviado a Jersey
Inglaterra confirma que rogatória às autoridades do paraíso fiscal deve chegar até amanhã

O Ministério das Relações Exteriores da Inglaterra comunicou ontem à Procuradoria da República em São Paulo que "está encaminhando" à Procuradoria-Geral da Ilha de Jersey a carta rogatória enviada pelo Itamaraty com pedido de quebra do sigilo e bloqueio de contas e aplicações das quais o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) e familiares seriam beneficiários.

O comunicado foi transmitido por e-mail de um escritório ligado ao ministério em Londres.

A documentação enviada pelo governo brasileiro, com pedido de formal cooperação judicial, deverá chegar ao paraíso fiscal do Canal da Mancha entre hoje e amanhã. A rogatória era uma das condições impostas pelo procurador-geral da ilha, Willian James Bailhache, e pela Advocacia da Coroa Britânica para liberar eventuais dados referentes a Maluf.

Ontem, dois filhos do ex-prefeito - Otávio e Lina - e uma nora, Jacquelline, recusaram-se a depor à Promotoria de Justiça da Cidadania, onde está em curso inquérito civil que apura conexão entre desvio de verbas públicas que teriam ocorrido na gestão Maluf (1993-1996) e remessa de valores para o exterior. O promotor Silvio Antonio Marques, que conduz o inquérito, fez cerca de 25 perguntas, mas ouviu apenas uma resposta: "Nada a declarar."

Marques questionou os Maluf sobre o patrimônio de cada um, as profissões que exercem e se fazem declarações de bens à Receita em conjunto ou separadamente. O promotor perguntou a Otávio se ele sabia que Maluf "teria contratado" o escritório suíço Schellemberg Wittmer. Também quis saber sobre "supostas contas" no Citibank de Genebra e sobre o "suposto trust em Jersey". Fez indagações sobre o escritório HBK, em Genebra, especializado em consultoria a grandes investidores.

O promotor perguntou sobre telefonemas dos Maluf. A quebra do sigilo do ex-prefeito permitiu identificar chamadas para a Suíça - de linhas em nome de Lígia, outra filha de Maluf, foram feitas 15 ligações para o Citibank de Genebra, entre 26 de abril de 1994 e 1.º março de 1996. As ligações duraram, ao todo, 332 minutos. Na época, Maluf era prefeito de São Paulo.

Direito - A estratégia do silêncio - o artigo 5.º da Constituição permite ao investigado permanecer calado -, foi preparada pelo advogado Ricardo Tosto, renomado civilista que integra a equipe de defesa dos Maluf. "A nossa linha é clara e tranqüila, meus clientes têm o direito de saber se o Ministério Público possui provas sobre uma coisa que na verdade não existe", anotou Tosto.

O promotor reconheceu que cabe ao Ministério Público "procurar as provas".

Marques confirmou que ainda aguarda documentos de Jersey e da Suíça - onde Maluf teria mantido contas entre 1985 e 1997, antes de transferir os ativos para a ilha. "Temos indícios muito fortes, mas faltam provas definitivas."

Ele explicou que convocou os Maluf "porque autoridades de Jersey informaram sobre a existência de fundos". A informação de Jersey foi feita por e-mail, em 1999, para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda.

"Troca de e-mail não é documento oficial", rebateu Tosto. "Até agora, estão na linha do 'um disse que o outro disse e que o outro falou'; Direito é prova e o meu cliente (Maluf) reafirma peremptoriamente que não tem nada no exterior." Em nota, Maluf comparou "a perseguição a sua família a um ato terrorista".


Ex-prefeito sofre nova derrota no caso Paulipetro
BRASÍLIA - O ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) sofreu nova derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ) na ação sobre o contrato firmado entre a Petrobrás e o consórcio Paulipetro para prospecção de petróleo na Bacia do Paraná. Os ministros da 2.ª Turma do STJ negaram recursos de Maluf e da Petrobrás contra decisão anterior do tribunal, que anulou o contrato de risco.

Em dezembro de 1997, o STJ invalidou o contrato, após analisar uma ação popular de autoria do advogado Walter do Amaral - hoje juiz federal em São Paulo.

Segundo Amaral, o contrato continha diversas ilegalidades e era altamente lesivo ao patrimônio público federal e estadual, pois obrigava o Estado a gastar aproximadamente US$ 200 milhões na prospecção de petróleo numa área que a Petrobrás já tinha pesquisado, mas não havia encontrado nada.

Para negar os recursos da Petrobrás, os ministros argumentaram que não cabe ao STJ analisar os argumentos levantados pela empresa com base em dispositivos da Constituição Federal. Sobre os recursos de Maluf, eles concluíram que tinham o propósito de postergar os efeitos da decisão.

De acordo com a resolução que declarou nulo o contrato de risco, o negócio entre a Petrobrás e o consórcio Paulipetro foi "premeditado, engendrado e, afinal, realizado pelo Estado de São Paulo" e "lhe deu colossal prejuízo" por ter sido "efetivado com evidente atentado à moralidade administrativa, decorrente de ato administrativo, em que falta, um a um, todos os elementos para a sua caracterização, já que praticado com desvio de finalidade".


Fraudadores do INSS no interior de SP são alvo do Ministério Público
Quase 100 processos de benefícios estão sendo analisados desde novembro de 2000

PIRACICABA - O Ministério Público Federal está investigando uma quadrilha de fraudadores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que atua nas região de Piracicaba. Pelo menos 80 processos de benefícios irregulares e outros 15 com indícios de irregularidades estão sendo analisados por uma equipe composta por funcionários do Ministério Público, da Polícia Federal e do próprio INSS. O inquérito foi aberto em Piracicaba e está sob segredo de Justiça.

Funcionários - De acordo com informações do Ministério Público Federal em Piracicaba, o INSS poderá afastar de suas funções empregados com suspeita de envolvimento em fraudes. Os nomes e a quantidade de suspeitos, no entanto, estão sendo mantidos em sigilo.

As investigações foram iniciadas depois que uma denúncia de fraude que chegou às mãos da advogada Edite Aparecida de Oliveira Acorsi, que tem escritório no município de Rio Claro.

A partir de uma medida cautelar de busca e apreensão, expedida de novembro do ano passado, a Polícia Civil de Rio Claro apreendeu uma série de documentos e arquivos que foram encaminhados à gerência executiva do INSS.

Após investigá-los, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal obtiveram mandados judiciais de busca e apreensão, que foram concedidos por juízes federais das 1.ª e 2.ª Varas Federais em Piracicaba, para enviar diligências a 30 outros locais suspeitos nos municípios de Rio Claro, Piracicaba, Cordeirópolis e Santa Gertrudes.

Apreensão - Nessa diligências, foram apreendidos pelo menos 400 quilos de documentos, carimbos, disquetes e unidades de processamento de computadores, que estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal em Piracicaba.

A operação contou com 23 delegados e 39 agentes da Polícia Federal, 21 escrivães, 20 policiais militares, 21 servidores do INSS, quatro procuradores da República e um servidor da Caixa Econômica Federal.

Foram descobertas fraudes em Rio Claro, Pirassununga, Bauru e Piracicaba.

Somente em Piracicaba, o grupo apurou 34 benefícios com indícios de irregularidade, dos quais 9 revelaram-se fraudulentos.

Esses 9 benefícios somam R$ 7.618,41 pagos irregularmente por mês pelo INSS da cidade.

Em Rio Claro, onde a Procuradoria levantou 49 processos com indícios de irregularidade, o montante de pagamento dos benefícios é de R$ 34.808,59 por mês.

Os procuradores da República em Piracicaba, Oswaldo Capellari e Sandra Akemi Shimada Akish, não foram encontrados ontem para falar a respeito das investigações.
O Ministério Publico Federal, por meio da assessoria de imprensa, reforçou que o inquérito é sigiloso e que não pode divulgar detalhes das investigações. A assessoria de imprensa da Procuradoria da República, em Brasília, alegou não ter informações sobre o caso.


Artigos

Oferta e demanda de energia
JOSÉ GOLDEMBERG

A crise de energia - leia-se crise de eletricidade - foi oficialmente reconhecida há seis meses e tem ocupado um espaço considerável na mídia e nas preocupações das autoridades do País.

Graças à mídia, ao sentimento de alarme diante do pior - que seriam os "apagões" - e a mais algumas ameaças de multas, aumento de tarifas e outras medidas mais sutis (como não atender a novos pedidos de ligação de eletricidade), conseguiu-se reduzir o consumo em cerca de 20% na maioria das regiões afetadas. Com isso uma crise real - que seria o corte de energia em certos dias da semana ou em determinados horários - foi adiada até que voltem as chuvas de verão e de outono.

O sucesso não foi desprezível, graças à competência do ministro Pedro Parente e de sua Câmara de Gestão. Economizar energia ou, ao menos, racionalizar o seu uso foi sempre o sonho de muitos dos especialistas em energia do País, que aprenderam que isso pode ser feito sem abrir mão dos benefícios que a energia nos traz - o que já ocorreu nos países industrializados, na década de 1970, com a crise do petróleo. Esses especialistas tiveram até suficiente influência para criar programas governamentais encarregados de promover a economia de eletricidade na Eletrobrás (Programa de Conservação de Eletricidade, o Procel) e na Petrobrás (Conpete).

A lógica desses programas é a de que tanto a eletricidade como o petróleo são usados, em geral, de forma menos eficiente do que poderiam sê-lo e, portanto, aperfeiçoamentos tecnológicos são possíveis sem que os usuários sejam privados dos serviços e benefícios que o uso de energia permite. Nunca houve entre os especialistas a idéia de que economia de energia fosse feita à custa de privações ou de redução do desenvolvimento econômico.

Esses programas tiveram um sucesso bastante limitado, mas ainda assim demonstraram que progressos eram possíveis, apesar de jamais terem atraído muito a atenção dos dirigentes de nível elevado das empresas estatais ou no âmbito ministerial.

A iminência da falta de eletricidade deu um tom dramático ao problema e reduzir o seu consumo tornou-se uma prioridade nacional. Sucede que, ao fazê-lo, o governo misturou o uso de melhores tecnologias e privações. Não há a menor dúvida de que essas privações dominam hoje o quadro, haja vista a forma perversa como as pequenas e médias empresas foram atingidas, bem como os consumidores mais pobres. Uma coisa é um ricaço que vive numa mansão desligar um "freezer" e duas de suas cinco televisões e outra é forçar um habitante da periferia a desligar sua única televisão ou o chuveiro elétrico.

Sob este ponto de vista, a ação da Câmara de Gestão tem sido ineficaz, porque não resolveu ainda - provavelmente nem tentou - os problemas estruturais que nos levaram à crise.

O que mais poderia ser feito? Há pelo menos três respostas a essa pergunta.

Em primeiro lugar, editar por medida provisória (MP) uma lei que tramita no Congresso há mais de dez anos - proposta originalmente pelo então senador por São Paulo Fernando Henrique Cardoso - e que dá ao Executivo poderes para fixar padrões mínimos de desempenho de produtos que consumam energia.

Fazendo isso, os industriais seriam encorajados a produzir lâmpadas mais eficientes, geladeiras que consumam menos eletricidade, e assim por diante, eliminando do mercado equipamentos que desperdiçam - desnecessariamente - energia. A Câmara dos Deputados já aprovou essa lei, que ainda tramita no Senado. O uso de uma MP foi proposto na Comissão Nacional de Política Energética, que assessora o presidente da República, em março, mas não foi adotada.

Em segundo lugar, adotar as recomendações feitas pela comissão que investigou as causas da crise, presidida pelo dirigente da Agência Nacional de Águas (ANA), Je rson Kelman. Essa comissão apontou claramente as principais causas da crise, que foram as medidas tomadas pela Aneel que levaram ao desinteresse dos grupos que poderiam e deveriam investir em mais geração de eletricidade:

Permitir "contratos iniciais" que asseguravam às empresas geradoras a venda de 100% de sua energia às distribuidoras, quando o razoável seria assegurar menos do que isso (como está previsto para o ano de 2002 em diante), para forçá-las a investir em mais geração.

A fixação de valores normativos (preço da eletricidade) em níveis pouco rentáveis e garantias insuficientes de manutenção de valores adequados a longo prazo.

Em terceiro lugar, é incompreensível que tenha demorado quase seis meses para que o grupo encarregado de acelerar as obras de construção de novas fontes de energia (hidráulica, térmica e outras) e de linhas de transmissão tenha começado a trabalhar, efetivamente, sob a coordenação do presidente do BNDES. Esse grupo deveria ter sido instalado em março. Ele está agora tomando várias medidas adequadas - com o apoio de financiamentos do governo -, mas um bom tempo foi perdido.

Em conclusão, o que se pode dizer é que, se não fosse a generosa cooperação do povo brasileiro, estaríamos numa situação pior do que estamos. Por outro lado, contudo, se o governo tivesse sido mais ágil, poderíamos estar numa situação muito melhor do que estamos.


EUA e Brasil rumo à Alca (3)
C. FRED BERGSTEN E MÁRIO GARNERO

A prioridade para a política de comércio exterior do Brasil, isto é, a principal atração para a economia brasileira no que diz respeito às relações hemisféricas, com ou sem a Alca, tem de ser o acesso aberto ao gigantesco mercado interno dos Estados Unidos. Além disso, o Brasil precisa atrair capital dos Estados Unidos para setores com valor agregado de alta tecnologia. Para esse fim, está muito claro que as barreiras, sejam tarifárias ou não, têm de ser diminuídas pelos Estados Unidos.

Simultaneamente, o Brasil tem de melhorar sua capacidade interna, e fazer um esforço maior. O Brasil tem de atuar com mecanismos inovadores em várias partes dos Estados Unidos para fortalecer a inserção de sua arte e cultura e estimular os americanos a visitar o Brasil como turistas. O Brasil tem de aumentar sua participação nos centros de pesquisas e universidades da Nova Inglaterra, especialmente em Boston e na área metropolitana de Boston, onde é produzida a tecnologia da informação mais avançada, que é o produto mais valioso do século 21.

O Brasil perdeu o "timing", o momento oportuno para fechar um acordo de status preferencial com os Estados Unidos, de um ponto de vista bilateral. A visita do presidente Fernando Henrique Cardoso aos Estados Unidos poderia ter ajudado nesse ponto, mas essa oportunidade foi desperdiçada. Durante as negociações com vista à Alca, a equipe brasileira preferiu dar ênfase ao programa, em vez de ao conteúdo. Isso, juntamente com outras preocupações políticas e de segurança em outras regiões do mundo, fará os Estados Unidos dirigirem parte significativa de sua atenção para o seu relacionamento com a União Européia e o Leste da Ásia.

Eis por que é tão importante para as comunidades empresariais brasileira e americana reformular a escolha do momento oportuno para as relações comerciais bilaterais e a parte substancial da Alca. No campo comercial, o Brasil precisa apoiar-se em estruturas mais robustas para promover suas exportações ou atrair investimentos dos Estados Unidos. Cidades como Nova York, a capital comercial e financeira do mundo, ou centros empresariais dinâmicos como Los Angeles, Dallas ou Seattle não contam com canais adequados que permitam o florescimento de investimentos e do comércio com Brasil e do Brasil. Os empresários precisam associar-se ao governo brasileiro a fim de se proverem ferramentas inovadoras de diplomacia econômica. O primeiro passo será a abertura de um escritório do Fórum das Américas em Miami, onde desejamos fomentar joint-ventures entre companhias brasileiras e americanas com vista a competir sob o guarda-chuva da Alca.

Há amplo espaço para incrementar as relações comerciais Brasil-Estados Unidos. No auge da prosperidade americana, depois de dez anos de expansão econômica, e mesmo depois da brusca desvalorização do real em 1999, o Brasil foi o único país entre as dez maiores economias do mundo que continuou a ter déficit no comércio com os Estados Unidos. A estratégia comercial do Brasil em relação ao mercado americano precisa, de fato, ser repensada. Em resumo, não podemos permitir que as dificuldades nas exportações brasileiras de dois produtos de baixo valor agregado, como o aço e o suco de laranja, paralisem por inteiro o comércio bilateral. Precisamos também proporcionar às autoridades de ambos os países elementos que as capacitem a acabar com a exigência recíproca de vistos, que dificulta o turismo e os negócios, de forma a se adaptarem ao ritmo dinâmico que ambos os países desejam para suas relações.

Com a crescente participação de agentes da sociedade civil, ambos os países precisam aumentar o papel que desempenham em nossa agenda comum as tecnologias da informação, o agrobusiness, a pesquisa e desenvolvimento, o turismo e o entretenimento. Fortalecer a capacidade do Brasil de diversificar e promover suas exportações para os Estados Unidos e atrair investimentos norte-americanos para o Brasil - esses são os objetivos desse jogo para o Brasil. Assegurar que a agenda da Alca avance, apesar de um cenário político internacional incerto - esse é o papel dos Estados Unidos.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

As vozes do calabouço
Não o digo por pabulagem, mas modéstia à parte, o Ceará está sempre na frente, quando se trata de direitos e liberdades do cidadão.

E isso vem de longe. Quando, por exemplo, em 1824, o imperador resolveu arbitrariamente dissolver a Assembléia Nacional Constituinte, a Câmara da Vila de Campo Maior de Quixeramobim (situada a 200 quilômetros de Fortaleza) resolveu pronunciar-se: "Considerando a horrorosa perfídia de Pedro I, resolve declarar excluído do trono o Imperador e decaída a dinastia bragantina..."

Assinou a ata Antonio Francisco Barreira de Queiroz (meu antepassado, aliás). Durante a campanha de abolição da escravatura, foi o Ceará o primeiro a declarar extinto o cativeiro dos negros. A Vila do Acarape mudou de nome e passou a se chamar "Redenção"; o movimento expandiu-se até as praias de Fortaleza: é que, de lá, os senhores de negros, temerosos de os perder, pretendiam embarcá-los, para os vender em Pernambuco.

E o chefe dos catraieiros cearenses (por nome Nascimento, que mais tarde passou a ser chamado "Dragão do Mar") decretou a proibição do embarque dos negros, com a seguinte frase, que ficou famosa: "Nesta terra não se embarca mais escravo!"
Nos levantes nordestinos de 1817 a 1824, já entre "correios" e participantes que faziam a ligação entre os "alevantados" do Recife e os do Crato, estava então o seminarista José Martiniano de Alencar, pai do romancista.

No Ceará, o movimento teve o seu trágico desfecho no combate de Santa Rosa:

os imperiais, vencedores, fuzilaram o presidente revolucionário da Província, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe: o cadáver foi insepulto e, mais tarde, encontrado de pé, encostado a uma árvore, mumificado pelo sol.

Relembro estas coisas todas porque poucos dias atrás tive ocasião de ver o calabouço onde esteve presa a heroína dona Bárbara de Alencar, mãe de Tristão Gonçalves (dos quais tenho a honra de ser descendente).

O local é uma relíquia histórica muito bem conservada, onde se evocam principalmente as figuras de dona Bárbara e Tristão.

Fica a prisão dos heróis dentro da própria fortaleza - Fortaleza Nossa Senhora da Assunção -, que deu o nome à capital do Ceará. O calabouço é sinistro como um instrumento de tortura -, o qual, aliás, era mesmo. Em certos trechos é tão baixo que só se pode andar ajoelhado. E dá na gente uma revolta retrospectiva ao pensar naquela heróica antepassada (uma frágil mulher, aliás) ser obrigada a atravessar, posta a ferros, de joelhos o buraco sinistro que lhe servia de prisão.

Tive a honra de lá ser recebida pelo comando e toda a corporação da fortaleza que proporcionou à descendente da mártir gloriosa uma espécie de homenagem póstuma de reparação à memória da heroína. As gotas do sangue heróico que ainda me correm nas veias como que reconheceram a memória de dona Bárbara e parecíamos ouvir na masmorra sufocante os seus ais abafados, pelo orgulho de revolucionária e pelo amor à Pátria esmagada pelos coloniais.

Contudo, a visita não nos deixa uma impressão de tristeza. A oficialidade que cuida da velha fortaleza prima em manter o local tal como deveria ser antes, duro e sóbrio. É chocante o contraste entre as masmorras lúgubres do interior da prisão e a bela edificação da fortaleza, banhada de luz, dando para o verde mar que quase lhe lambe os alicerces, oceano aberto, cuja visão parece levar ao infinito.

A oficialidade da fortaleza talvez nem soubesse direito a importância que tinha para esta velha senhora, que eles recebiam com tanto carinho, o momento de emoção e orgulho suscitados pela evocação dessa saga de sofrimento e heroísmo.


Editorial

O voto do desalento

No sábado, véspera das eleições que renovaram o Senado e metade da Câmara da Argentina, o presidente Fernando de la Rúa anunciava que "as mudanças (da política econômica) serão feitas no devido momento e atendendo à mensagem da sociedade". Conhecidos os primeiros resultados parciais do pleito, que garantiu à oposição peronista a maioria no Senado e deu ao Partido Justicialista a maior bancada na Câmara, De la Rúa reconheceu a derrota da Aliança - a coalizão governista da União Cívica Radical e da Frepaso - e arrematou com um lugar-comum: "O povo depositou nas urnas a sua fé no futuro."

Na verdade, os argentinos depositaram nas urnas a sua descrença nos políticos que se candidataram e o seu ceticismo quanto à capacidade dos que já exercem mandatos para tirar o país de uma crise recessiva que já entra no quarto ano. Não é nos votos válidos, que deram maioria para os peronistas, que De la Rúa terá de ler a "mensagem da sociedade", mas nos votos em branco e nulos e nas abstenções. No Distrito Federal e na Província de Santa Fé, o voto de protesto ficou em primeiro lugar, batendo qualquer candidato eleito, tomado individualmente. Na Província de Buenos Aires, os votos nulos e em branco ficaram em segundo lugar, em número superior aos sufrágios recebidos pelo ex-presidente Raúl Alfonsín. E, em Córdoba, os votos de protesto ficaram em terceiro lugar.

Quando o voto de protesto assume tais proporções nos quatro maiores colégios eleitorais da Argentina - e isso ocorreu em todo o país, estimando-se que de 25% a 30% do eleitorado tenha escolhido essa forma de manifestar seu descontentamento -, o que se tem não é uma expressão de fé no futuro, mas de desilusão e, até, de desalento. Fosse outro o ânimo dos argentinos, eles teriam votado maciçamente na oposição, mantendo a margem histórica de 4% de votos nulos e em branco que era a marca registrada da militância partidária dos eleitores.

Os resultados eleitorais demonstram que os argentinos não acreditam na capacidade do governo de tirar o país da crise e não confiam na oposição justicialista para fazê-lo. E tamanho ceticismo se justifica. Durante a campanha eleitoral, os peronistas atacaram a política econômica do governo, mas não foram capazes de fazer propostas consistentes e convincentes, isto é, não sabem o que fazer para sair da crise. O ex-presidente Raúl Alfonsín, que controla parte da UDR, chegou a propor o default da dívida externa, medida que qualquer argentino sabe que seria catastrófica para o país. A Aliança, por sua vez, reiterou os termos básicos da política em curso, com doses maiores de austeridade e o governo está preparando mais um pacote, o oitavo a ser lançado em 22 meses de gestão, ampliando cortes orçamentários e reestruturando a dívida - o que já foi feito mais de uma vez, sempre como se isso fosse a salvação da economia nacional.

O ministro da Economia, Domingo Cavallo - amplamente derrotado nas urnas -, enquanto trabalha na elaboração de mais um pacote, enfatiza a importância de um pacto entre todos os partidos, para buscar a saída da crise. Também nisso não há nada de novo. Quando a Aliança tinha maioria na Câmara e a crise era menos grave, isto é, quando as condições objetivas para a formação de um pacto de salvação nacional eram mais propícias, os partidos já não se entendiam. As diferenças políticas entre o vice-presidente Carlos "Chacho" Alvarez e o presidente Fernando de la Rúa quase destruíram a Aliança e levaram à renúncia do primeiro. O próprio partido do presidente, a União Cívica Radical, cindiu-se com a dissidência de Raúl Alfonsín. A probabilidade de um governo de união nacional, agora que os peronistas têm maioria nas duas Casas do Congresso e ganharam as eleições em 17 das 22 províncias, parece mais distante do que nunca.

Enquanto isso, as agências de rating rebaixam os bancos argentinos e o risco país é o maior do mundo, o que significa que a Argentina não deve esperar ajuda substancial do exterior - a não ser a que poderá vir mais uma vez do FMI. Afinal, se os argentinos não têm confiança no futuro do país, por que os investidores estrangeiros haveriam de tê-la?


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10/16/2001


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