Patrícia Sabóia: CPMI deu visibilidade ao problema da exploração sexual infantil



Em mais de um ano de trabalho, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual ouviu mais de 800 pessoas, produziu um relatório com 200 sugestões de indiciamentos, desvendou rotas de tráfico de seres humanos e elaborou propostas de mudanças legislativas. O resultado é vasto, mas, na avaliação da senadora Patrícia Sabóia (PPS-CE), presidente da CPI, há um produto também fundamental, que não pode passar desapercebid ao se debruçar sobre a questão, deputados e senadores deram visibilidade a um problema antes "coberto por um manto de silêncio e impunidade", mobilizando a sociedade e o poder público. Este é um dos temas abordados pela senadora em entrevista à Agência Senado. Ela fala também sobre os próximos passos da comissão e como se dará o acompanhamento das medidas sugeridas no relatório da deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Terminado o trabalho de investigação, quais as expectativas a respeito dos encaminhamentos que devem ser feitos pela Justiça e pelo Ministério Público?

A CPI da Exploração Sexual trabalhou arduamente por mais de um ano e levantou casos gravíssimos de violência contra crianças e adolescentes em todo o país. Nesse universo, há situações novas e outras que já eram de conhecimento da Polícia, da Justiça ou do Ministério Público, mas que estavam paradas. Esperamos agora que essas autoridades abram, com a máxima urgência, novas frentes de investigação no que se refere aos casos que vieram à tona nas atividades da CPI e recomecem aquelas que se encontravam paralisadas. Acreditamos, sinceramente, que o relatório da comissão seja uma peça fundamental para dar fôlego redobrado à cruzada da Justiça, da Polícia e do Ministério Público contra a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

E com relação à tramitação das propostas de mudança legislativa?

Sabemos que neste segundo semestre o calendário do Congresso Nacional estará vinculado às eleições municipais. Mas temos uma boa expectativa em relação à discussão das nossas propostas uma vez que as proposições oriundas de CPIs têm tramitação diferenciada no Congresso. É importante ressaltar que grande parte das sugestões apresentadas no relatório encontra respaldo na sociedade civil. Por isso, o nosso esforço para colocar em pauta essas propostas o mais rapidamente possível terá forte apoio das entidades engajadas na defesa dos direitos de crianças, adolescentes e mulheres.

Que políticas públicas podem ser implantadas para prevenir o problema?

Basta o combate à pobreza? Constatamos, nos trabalhos da CPI, que o fenômeno da exploração sexual é bastante complexo e não está ligado apenas a fatores como a pobreza e a exclusão social. Está relacionado também com problemas culturais como o machismo e as relações de poder entre adultos e crianças, brancos e negros, ricos e pobres, por exemplo. Portanto, o combate à exploração sexual deve ser feito com ações articuladas em várias áreas. É evidente que o enfrentamento da pobreza é essencial. Temos, porém, a convicção de que não basta incluir esses meninos e meninas em programas como o Bolsa-Família e o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Precisamos aprimorar esses instrumentos para que eles sejam realmente capazes de livrar milhares de crianças e adolescentes do mercado do sexo. Essas crianças merecem, assim como os filhos da elite, freqüentar escolas de qualidade, ter acesso à internet, a cursos de línguas, à prática de esportes, à diversão e à cultura. Costumo dizer que o problema das iniciativas adotadas para combater questões como a exploração sexual é que elas sempre se pautaram pela lógica de uma política pobre voltada para os pobres. Isso precisa mudar. Por que não oferecemos a esses meninos e meninas chances concretas de fazer cursos de moda, artes gráficas e computação, por exemplo?

Que avaliação a senhora faz do trabalho da CPI? A senhora acredita que o problema da exploração sexual infanto-juvenil terá a partir de agora a atenção das autoridades?

Na minha opinião, obtivemos relevantes vitórias na CPI. Não me refiro apenas ao minucioso trabalho de apuração das denúncias que chegaram à comissão. Em mais de um ano de atividades, conseguimos uma grande mobilização da sociedade civil e do poder público em torno do combate à exploração sexual. Sem dúvida nenhuma, a CPI deu maior visibilidade a um tema que, infelizmente, ainda está sob o manto do silêncio e da impunidade. Uma prova de que começamos a quebrar os tabus que cercam o fenômeno da exploração sexual foi o grande número de denúncias que recebemos de todo o país (mais de 800). Isso mostra que a sociedade não tolera mais esse tipo de crime. E essa conscientização é uma das mais poderosas armas de enfrentamento. Acredito, portanto, que a intensa mobilização da sociedade fará com que as autoridades se empenhem cada vez mais na tarefa de combater essa tão grave violação dos direitos de nossas crianças e adolescentes.

Como está a proposta de instalação de uma comissão de acompanhamento das providências solicitadas pelo relatório?

A proposta já foi aprovada pela CPI quando da avaliação do seu relatório final. Aguardamos agora a publicação oficial do relatório para iniciarmos o processo de instalação da nova comissão. A Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e do Adolescente trabalhará para ser a instância coordenadora desse processo.



06/08/2004

Agência Senado


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