Pauta trancada atrasará projetos contra violência









Pauta trancada atrasará projetos contra violência
Antes de aprovar propostas para reduzir crime, parlamentares precisarão votar 3 MPs

BRASÍLIA - A falta de consenso e a complicada pauta de votações do Congresso vão impedir os parlamentares de aprovar qualquer projeto na área de segurança pública antes de pelo menos dois meses. Diante da repercussão de casos como o assassinato do prefeito Celso Daniel, os presidentes do Senado, Ramez Tebet, e da Câmara, Aécio Neves, se reuniram ontem com os líderes dos partidos para definir uma estratégia capaz de acelerar o debate de propostas para o combate ao crime. Mas há muitos obstáculos políticos.

Quando voltarem ao trabalho, em 15 de fevereiro, os deputados vão encontrar a pauta "trancada" por três medidas provisórias que já deveriam ter sido votadas. Isso porque, pela emenda constitucional que regulamentou a edição de medidas provisórias, se uma MP não for aprovada ou rejeitada em 120 dias, o Congresso não poderá apreciar nenhum outro projeto até que ela seja votada.

No encontro, que durou cerca de duas horas, Aécio e Tebet fizeram um apelo aos partidos para que busquem um acordo. "A prioridade é a votação das MPs para liberar a pauta", disse Aécio. O problema é que há medidas provisórias consideradas polêmicas, entre as quais a do pacote antigreve que autoriza o governo a contratar trabalhadores temporários em caso de paralisações de servidores.

O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), disse que o partido não fará acordo para votar a MP: "Não queremos votar nada que fira os direitos de servidores." O PT também é contrário ao projeto de lei do pacote antigreve que permite a demissão de funcionários públicos estáveis por falta de assiduidade. Em 6 de março, tem início a urgência constitucional da proposta, que está na Câmara. Ou seja, se ela não for apreciada até esta data, a pauta das sessões da Câmara receberá mais um reforço para bloquear outras votações.

Mas não é só o PT que criará dificuldades para a liberação da pauta do Congresso. A bancada ruralista promete comandar uma operação para evitar que a a MP que rola a dívida dos grandes produtores rurais seja aprovada do jeito que está. Os parlamentares ligados ao meio rural consideram o texto ruim, pois prevê que quem ficar inadimplente será incluído na dívida ativa da União.

Fundamental - O Congresso também terá outra missão: votar a proposta de emenda constitucional que prorroga a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até dezembro de 2003. A emenda já foi aprovada na comissão especial e foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ela é considerada fundamental pelo governo, porque, se não for prorrogada, a União perderá neste ano R$ 9 bilhões - metade da arrecadação anual proporcionada pelo tributo. A emenda constitucional em vigor prevê que a CPMF será cobrada até junho.

Na reunião de ontem, ficou definido que será criada uma comissão de deputados e senadores especialmente para fazer uma triagem das propostas de combate à violência urbana, entre elas a que trata da unificação dos comandos das Polícias Civil e Militar e a que proíbe a venda de armas de fogo. Essa comissão terá 60 dias, a contar de 15 de feveiro, para concluir o trabalho. Só então, em abril, começarão a ser votados projetos considerados importantes pelo governo federal para reduzir os crimes no País. "O Congresso mais uma vez vai ficar correndo atrás do prejuízo", disse o deputado Aloizio Mercadante (PT-SP).


MPE gaúcho pede quebra de sigilo do filho de Olívio
PORTO ALEGRE – O Ministério Público Estadual pediu à Justiça a quebra do sigilo bancário de Espártaco Dutra, filho do governador gaúcho, Olívio Dutra (PT). O objetivo é cruzar os dados com o depoimento de Espártaco à CPI da Segurança Pública, em que afirmou ter feito doações ao Clube de Seguros da Cidadania, entidade ligada ao PT que está sob suspeita de ter recebido recursos do jogo do bicho na campanha de 1998.

O dinheiro foi usado para a compra da sede do PT gaúcho. Para justificar a entrada de dinheiro no clube, teriam sido emitidos recibos falsos. Os promotores querem confirmar se o dinheiro da doação de Espártaco saiu mesmo de sua conta.

O MPE pediu ainda quebra de sigilo de mais seis pessoas e arquivou a acusação de tolerância ao jogo do bicho contra Olívio, por falta de provas. A ação criminal foi enviada ao Ministério Público Federal.


Popularidade de FHC continua em crescimento
Instituto Sensus indica, ainda, que Garotinho é candidato à Presidência que mais avançou

A avaliação positiva do presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a crescer este mês e atingiu 26,7%, segundo pesquisa do instituto Sensus divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Em dezembro, quando já havia apresentado melhora, o porcentural foi de 22,9%. O índice de satisfação do brasileiro também subiu no mesmo período - de 56% para 57,25%.

Os resultados indicam, ainda, que a avaliação negativa de Fernando Henrique caiu de 35,2% para 30,5%. Já o desempenho do presidente à frente do governo melhorou - 40,5% de aprovação, enquanto no mês passado atingiu 37,4%.

Na pesquisa sobre sucessão presidencial, o governador Anthony Garotinho (PSB) teve o maior crescimento e aparece em terceiro lugar, com 15,1% - em dezembro, tinha 7,9%. O ministro da Saúde e candidato do PSDB, José Serra, foi de 5,5% para 7%, se aproximando do presidenciável do PPS, Ciro Gomes, que obteve 7,4%.

Tanto o petista Luiz Inácio Lula da Silva quanto a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), tiveram queda de 1% e apresentaram 26,1% e 22,7%. No segundo turno, Roseana derrotaria Lula, com 46,1% contra 38,4%.

Em queda - A maior queda foi a do governador de Minas, Itamar Franco (PMDB), que ficou com 3,8%. Na pesquisa anterior, ele teve 9,1%. Em julho, quando estava melhor colocado, Itamar chegou a 13,7%.

Segundo o instituto Sensus, o aumento de Serra, tanto na pesquisa espontânea como na estimulada, foi maior entre os entrevistados com nível de escolaridade superior. Já os votos de Roseana estão concentrados na faixa com menor escolaridade e os de Garotinho, na de nível médio. O eleitorado de Lula está bem distribuído entre as várias faixas de escolaridade, mas está caindo na de nível superior.


Governo cobra ação de Estados contra crime
BRASÍLIA – O governo federal quer que os governadores assumam maior responsabilidade em relação à segurança pública e invistam mais recursos no setor. Ontem, o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, disse que a União já destinou R$ 393 milhões aos Estados e defendeu a retirada da Constituição do capítulo que trata da segurança, permitindo que cada governo organize suas polícias como bem entender, podendo chegar até à unificação das Polícias Militar e Civil, ou apenas criando um comando único.

A afirmação do ministro foi feita depois da reunião entre ele, o presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), na qual de tratou dos projetos do governo que estão no Congresso à espera de tramitação. Só que os parlamentares não devem aprovar nada na área de segurança antes de dois meses.

Em 1997, na primeira greve de policiais militares, o então ministro e hoje senador Íris Rezende (PMDB-GO) chegou a encaminhar proposta de emenda constitucional que previa a unificação das polícias. O lobby das PMs, no entanto, foi mais forte e o projeto ficou parado. Os governadores também não têm muito interesse na aprovação porque sempre que enfrentam problemas em seus Estados recorrem ao governo federal.

O governo queria apressar a tramitação dessa pr oposta, juntamente com a que permite aos municípios criar guardas municipais. Aloysio destacou ainda o projeto que proíbe a venda de armas. Segundo ele, o governo vai insistir na proibição, mas não poderá impor sua vontade ao Congresso. O ministro confirmou que o governo decidiu mudar o Plano Nacional de Segurança Pública, concentrando as ações em pontos considerados fundamentais, conforme antecipou ontem o Estado. Dos 124 itens do plano, cerca de 80 são considerados irrelevantes. “Vamos focalizar mais o plano naquilo que é essencial”, disse Aloysio.

O presidente do Senado afirmou que o governo está disposto a ajudar os Estados. “Ninguém vai combater a violência com refresco. Esse combate exige dinheiro, estrutura, aparelhamento das polícias e muitas outras coisas”, disse Tebet, que prometeu combater os lobbies no Congresso contrários à unificação das polícias e à proibição de venda de armas. “Mais forte do que o lobby é o interesse da sociedade.”


Jarbas dirá a Roseana que prefere Serra
Dá para compor. O PMDB não se resume a (José) Sarney Serra só vai ser candidato quando aparecer em público. É bom aparecer quando se tem discurso, conteúdo Não acredito em aliança baseada em um nome sóNossa luta (no PMDB) é para reduzir a dissidência ao mínimo Com uma candidata que tem 20% nas pesquisas não é uma conversa fácil Roseana tem de ser testada se expondoAlém de pôr nome à disposição, ele prevê que tucano crescerá nas pesquisas em 2 meses

RECIFE - Vice dos sonhos do PSDB e da direção do PMDB na composição da chapa à Presidência, o governador de Pernambuco, o peemedebista Jarbas Vasconcelos, recusa-se a tratar do tema agora, mas já pôs seu nome à disposição do candidato tucano, o ministro José Serra (Saúde). A conversa de mais de uma hora que os dois tiveram segunda-feira no Recife foi apenas mais um dos encontros que mantêm desde o ano passado.

A agenda que Jarbas propõe agora é trabalhar para manter a aliança na eleição, fator "indispensável" para a vitória até porque, avalia, seu PMDB não sairá inteiro do processo. "Nossa luta é para reduzir a dissidência ao mínimo", conta. Apesar disso, ele não esconde que vê em Serra o melhor candidato das forças governistas.

É o que explicará à governadora do Maranhão, Roseana Sarney, presidenciável do PFL, com quem deve encontrar-se nos próximos dias. "Não terei o menor desconforto de dizer isto a ela."

Jarbas aposta todas as fichas no naufrágio da candidatura própria do PMDB, não por boicote de alguém, mas pela fragilidade dos candidatos. Diante disso, segue no apoio a Serra. Ele não tem dúvidas do potencial do ministro e acredita que vai chegar aos 20 pontos porcentuais nos próximos dois meses.

Vai crescer, avalia, em cima dos votos da própria Roseana, que não está consolidada.

Estado - Depois de ver Serra em ação no Recife, o senhor avalia que o discurso dele como candidato vai sensibilizar o eleitor nordestino?
Jarbas Vasconcelos - Acho que sim. Os nove estados do Nordeste têm eleitorado maior que São Paulo, o maior colégio do País. É uma região que continua, infelizmente, desnivelada do centro-sul por uma série de razões que não adianta agora estar enumerando. É preciso priorizar isto. Olhar de forma objetiva, racional, moderna.

Estado - Nas suas conversas com ele, que compromissos Serra já assumiu?
Jarbas - O de ele ver o Nordeste como uma região desnivelada, que precisa de uma política que não seja assistencialista. Olhar para o Nordeste não só na ótica de muita chuva ou de seca. Olhar o Nordeste de outra forma, vendo suas potencialidades.

Estado - A conversa sobre o programa aponta o avanço da parceria de PMDB e PSDB. Como os dois partidos vão chamar o PFL para negociar, se já têm prato feito? A candidatura Roseana nasceu justamente como reação à de Serra.
Jarbas - Eu também sou contra prato pronto. Eu acho que o PFL tem como apresentar sugestões para um programa que integre esta aliança. Isso não deve ser discutido só com o PMDB, mas com outros partidos. Acho que não se deve fechar um acordo para a Vice-Presidência agora. Então, não tem nada de prato feito. Mas com uma candidata que tem 20% nas pesquisas não é uma conversa fácil. Eu acho que não se deve impor coisas ao partido que detém 20% . Deve-se ter cuidado nessas conversas .

Estado - Qual a melhor estratégia para que Serra dê um salto nas pesquisas?
Jarbas - O que levou Fernando Collor a decolar não foi só a caça aos marajás. Aqui no Nordeste, por exemplo, quando você abria os jornais, o governador de Alagoas estava lá no Triângulo Mineiro recebendo o título de cidadão. No outro dia, estava na Associação Comercial de Sorocaba. Ele queria os votos e se expôs para obtê-los. É isto que o Serra vai fazer.

Estado - Roseana está consolidada nos 20% nas pesquisas? Ela chegou ao teto?
Jarbas - Se bateu no teto eu não sei, mas solidificada não está. Acho que ela tem de ser testada se expondo. O que é se expor? É ir na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na Associação Comercial do Rio, dar coletiva em Belo Horizonte. Roseana se mantém hoje como novidade apresentada nos programas do PFL. Ainda não houve uma exposição.

Estado - Mas esse apelo do novo, da mulher, da executiva nordestina sensibiliza...
Jarbas - Sensibiliza, mas não se sustenta se não tiver conteúdo. E o conteúdo só se demonstra com exposição.

Estado - Esta não parece ser a estratégia do PFL. Pelo menos por enquanto.
Jarbas - Não.

Estado - O PMDB tem um problema, com o senador José Sarney (AP) acreditando que a filha pode ser candidata e trabalhando por ela?
Jarbas - Tudo bem. Dá para compor. O PMDB não se resume a Sarney.

Estado - Na visita ao Recife o senhor sentiu o presidente Fernando Henrique Cardoso efetivamente engajado na candidatura de Serra e também acreditando na aliança?
Jarbas - Senti. Ele está entusiasmado com a candidatura do Serra, acha que o ministro tem condições de decolar, mas continua apostando na aliança. O presidente está certo.

Estado - E qual é o timing desta decolagem?
Jarbas - Acho que uns 60 dias. Agora ele tem de se expor. Serra só vai ser candidato quando aparecer em público. É bom aparecer em público quando se tem discurso, tem conteúdo.

Estado - O senhor não quer falar de chapa agora, mas sendo Serra paulista o Nordeste tem de estar na vice, seja lá de que partido for?
Jarbas - Não necessariamente. Política tem de deixar de ser feita nestes termos.

Estado - Definição do vice na chapa, só em março?
Jarbas - Fim de março, começo de abril. Eu estabeleci isto com meus companheiros.

Estado - Mas o senhor já está engajado na campanha do ministro Serra?
Jarbas - Já. Fiz a opção porque sempre o achei uma pessoa muito preparada, competente e capaz.

Estado - Há quem diga que o sr. não abriria mão de uma reeleição fácil, até porque não há outro nome com sua força eleitoral, capaz de unir os três partidos em Pernambuco...
Jarbas - Eu não acredito em aliança baseada em um nome só. Não pode ser assim.

Estado - A possibilidade de o senhor ocupar a vaga de vice representaria alguma ameaça à parceria local com o PFL?
Jarbas - Acho que não. Não tem conexão. Só sei que eu me sentiria profundamente desconfortável sendo candidato ao governo e ficando no cargo.

Estado - Isso quer dizer que o sr. pode licenciar-se em abril e resolver depois se aceita a vice ou tenta a reeleição?
Jarbas - Você não vai inventar regras, as regras já existem.


Governo terá candidato único, afirma Lula
Para petista, investimento em Roseana é só "pirotecnia" e aliados vão convergir para Serra

RIO - O comando político do PT duvida da possibilidade de divisão da base go vernista na eleição presidencial e já trabalha com a hipótese de enfrentar um candidato único do governo na corrida sucessória. O presidente de honra e pré-candidato do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem acreditar que PSDB, PFL e PMDB disputarão juntos o pleito, declarou que o pré-candidato tucano, ministro José Serra, crescerá, e classificou de "pirotecnia" a pré-candidatura da pefelista Roseana Sarney. Para ele, o quadro político, até abril, mudará.

"Acho que PFL e PSDB não se dividem, devem ter candidatura única. PMDB também", disse Lula, após participar da cerimônia de posse da nova diretoria da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) "O governo sabe que, quanto mais eles se dividirem, mais chance a oposição tem de ganhar as eleições."

Lula declarou que, "se o PSDB der um programa inteiro para o Serra", ele crescerá. E ironizou a campanha de Roseana na TV, que destaca belas imagens do Maranhão, Estado que ela governa. "Acho que o Maranhão tem coisas bonitas, mas que foram feitas pela natureza, não pela governadora."

Debate - O petista afirmou também que não há motivo para que debata propostas com o outro pré-candidato do PT, senador Eduardo Suplicy (SP). "Acho que duas pessoas devem debater quando têm divergência política, programática, ideológica", explicou. "Não é esse o meu caso com o Eduardo. O PT aprovou no congresso de Pernambuco as diretrizes básicas para o programa de governo. Significa que seja Suplicy, seja Lula, terá de seguir as normas aprovadas."

Lula voltou a mostrar desconforto com a prévia do PT, marcada para 17 de março. "Eu já fui (candidato a presidente) três vezes, não tenho que reivindicar ser candidato. Não vou fazer isso. Se o partido entender que deve ser outro, estarei no dia seguinte sendo cabo eleitoral. A prévia é uma votação, os militantes do PT que votem."

Ele demonstrou que não tem pressa para se lançar. "Você conhece algum outro que tenha 30% de votos?", perguntou. "Eu posso ficar parado ali mais uns seis meses."


Artigos

Falta de inteligência
José Nêumanne

Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, foi assassinado em 10 de setembro do ano passado. No dia seguinte, terroristas suicidas jogaram dois aviões contra as torres gêmeas do World Trade Center, reduzindo-as a ruínas.

De lá para cá, o presidente dos EUA, George W. Bush, costurou uma aliança diplomática internacional para enfrentar o terrorismo e as tropas americanas derrubaram a tirania taleban, que oprimia o Afeganistão. Enquanto isso, a polícia paulista não tinha capacidade de informar aos dois secretários de Segurança Pública e ao governador do Estado sequer a natureza do assassínio do prefeito de uma cidade hoje tida e havida como a capital brasileira do crime organizado.

Pelo que foi possível depreender de manifestação posterior de militantes petistas, principalmente de seu candidato a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, o partido da vítima tende a considerar suspeita de partidarismo a negligência com que a polícia investiga os crimes de que são vítimas seus militantes. O assassínio de outro prefeito do PT, o de Santo André, Celso Daniel, na madrugada do dia do mártir Sebastião, 20 de janeiro, também sem conclusões dignas de nota, reforçaria essa suspeita.

A verdade completa, porém, é que a desorientação da autoridade estadual em relação a esses dois casos - e mais a execução da dona de casa Rosana Rangel Melotti na porta de sua casa, no bairro Alto Taquaral, em Campinas - se deve principalmente à ausência de um órgão de inteligência que seja capaz de abastecer com o mínimo de informações os encarregados das investigações. E essa ausência tem origem num preconceito tolo que o PT das vítimas e o PSDB que chefia a polícia compartilham.

Nenhuma voz no PT ou no PSDB se levantou contra a decisão estúpida de Fernando Collor que extinguiu o Serviço Nacional de Informações (SNI), para se livrar de um "entulho autoritário", conforme o jargão "politicamente correto" na moda à época. Está certo que o próprio fundador do SNI, general Golbery do Couto e Silva, reconhecera haver criado um monstro. Está certo que o SNI havia prestado relevantes serviços à ditadura militar e não poderia ser mantido com os mesmos quadros e com os mesmos objetivos, num governo democrático. Ou seja, teria de haver uma drástica reformulação de seus objetivos e de sua organização. Mas simplesmente imaginar que um Estado de Direito, por ser democrático e legítimo, prescinde de um serviço secreto é de uma estultice indigna dos políticos que assumiram o comando do País após a derrocada do autoritarismo.

A primeira "vingança maligna" do SNI defunto foi espalhar "arapongas" desocupados, que passaram a produzir dossiês e vender "inside informations" aos interessados que quisessem e pudessem pagar. Foi a febril atividade desses ex-agentes desempregados que alimentou o denuncismo e instituiu o modismo das CPIs que destroem reputações, mas não investigam nada a fundo, deixando os peixes graúdos escapar e reservando a execração aos miúdos, embora também impunes na forma da lei.

A segunda conseqüência tem sido essa de que estamos sendo vítimas agora. O crime atinge todos indiscriminadamente e, mesmo quando elimina personalidades da elite política dirigente, a autoridade policial se vê obrigada a atirar a esmo, contando com o acaso e a sorte para solucionar casos que nem parecem assim tão complicados - como os citados acima.

Seria fácil inculpar apenas Collor por essa falta de tirocínio. Na verdade, todos os políticos de todos os partidos foram cúmplices no desmonte dos serviços de informação. A elite bem-pensante festejou a extinção do famigerado Dops por Mário Covas. Agora está aí seu sucessor, Geraldo Alckmin, tentando compor o quebra-cabeças de um serviço de inteligência para assessorar os investigadores especializados no crime em voga, o seqüestro.

Mas, como não há informações disponíveis, o governador passa a impressão de não saber direito nem por onde começar.

Neste particular, talvez seja útil lembrar que a memória de Mário Covas, o administrador austero e reto, deve ser respeitada, mas convém não esquecer sua condição humana, falível por definição. Sua bem-intencionada decisão de reciclar psicologicamente policiais que enfrentem criminosos nas ruas não é exatamente o meio mais inteligente de estimular os agentes da lei a combaterem o crime, que hoje se encontra em nítida vantagem sobre o aparato policial.

O reconhecimento humilde dos erros e uma tentativa de corrigi-los de forma adequada talvez dessem melhores resultados - e num prazo mais curto - do que a parafernália de providências anunciadas a toque de caixa. Sem informação nem estímulo para quem arrisca a vida na inglória defesa da lei, a guerra contra o crime será perdida de saída.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Assim caminha a humanidade
Há muito que penso nisso e muitas pessoas devem ter pensado a mesma coisa.

Mas ninguém fala, ninguém diz nada. Por que, não o sei. Trata-se do automóvel. Essa maravilha mecânica, o veículo revolucionário que acabou com os carros de tração animal e expulsou o trem urbano para os longos percursos. E agora esse totem da nossa era, o AUTOMÓVEL, também chega ao seu fim, transforma-se num veículo obsoleto. Não serve mais. A finalidade a que se destinava, nas áreas urbanas: transporte individual, rápido, seletivo, perdeu o sentido. Você, hoje, para transpor alguns poucos mil metros, da sua casa para o centro, leva o mesmo tempo que gastaria se fosse caminhando a pé. As ruas de todas as cidades do mundo - pequenas, médias, grandes (ou imensas como São Paulo ou Nova York) vivem atravan cadas por essas tartarugas ninjas, andando a passo de - sim, de tartaruga mesmo, cada uma ocupando um espaço que vai de 10 a 12 metros quadrados, e transporta na sua grande maioria só uma ou duas pessoas, no máximo três, se houver o motorista.

Arrogante. Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos, o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo. A área que ele exige para si, na via pública, em vez de dois personagens lhe ocupando os assentos, daria para, no mínimo, três bancos de três pessoas, folgadamente instaladas. Para quem vem, aqui no Rio, da Barra da Tijuca ao centro, tem de se inserir, logo na Avenida das Américas, num imenso, compacto cortejo, andando em velocidade de enterro (qual enterro, já vi enterro marchando em muito maior velocidade!) e carregando todos juntos, um contingente de pessoas que caberia folgadamente dentro de um trem suburbano. E em meio de buzinadas, palavrões, batidas de pára-choques ou outros incidentes mais graves, só vai alcançar o seu destino - se der sorte - dentro de, no mínimo, hora e meia. É, temos de livrar as ruas disso que Macunaíma chamava "a máquina veículo automóvel". O carro puxado a cavalos também não desapareceu, por obsoleto? Hoje nem a rainha da Inglaterra o emprega, prefere os seus reluzentes Rolls Royces. Tal como não se podia mais suportar o atropelo e sujeira dos cavalos, das lerdas carruagens do fim do século 19, assim também o automóvel acabou.

Há que substituí-lo por um transporte coletivo de qualidade, rápido, limpo, confortável. Metrôs, ou mesmo grandes veículos de superfície, sei lá. A cabeça dos técnicos já deve estar trabalhando, a dos urbanistas, a dos chamados cientistas sociais. Hoje em dia, se leva mais tempo viajando de casa para o trabalho, do que no trabalho propriamente dito. E como os patrões exigem as suas oito horas, tem-se de sair de casa em plena madrugada e chegar em casa depois das 10 da noite. Quem mora em subúrbio conhece bem essa tragédia. Os ônibus mesmo, que poderiam ser um grande recurso, têm os seus espaços disputados furiosamente pelos carros, e se embaralham, retardam e engarrafam, na confusão geral.

Quem sabe vai-se recorrer ao transporte aéreo, grandes helicópteros que seriam como ônibus voadores, pousando em heliportos arranjados nos tetos dos grandes edifícios? Não sei... Porque logo apareceriam helicópteros particulares, cada executivo teria o seu, de luxo, importado. O que, aliás, já está acontecendo. Eu mesma já viajei num desses, a convite de um amigo.

Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os seqüestros, os meninos de rua, as favelas e demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então, a solução seria mesmo acabar com os próprios grandes ajuntamentos urbanos. Voltar todo mundo a se espalhar pelo campo, só procurando os centros quando a natureza do seu trabalho o exigisse.

Até que o campo se deteriorasse também - já que esse é o destino do homem sobre a Terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.


Editorial

UM ACORDO QUE INTERESSA A TODOS

O relatório final do comitê de arbitragem (panel) da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o contencioso comercial entre Brasil e Canadá concluiu que a Bombardier - que disputa o mercado de aviões a jato para linhas regionais com a Embraer - vinha recebendo subsídios ilegais desde 1996. Com isso, cai o argumento canadense de que a Bombardier passou a receber subsídios somente em 2000, quando a OMC condenou o programa de equalização de juros do Proex. Na realidade, essa linha do Proex foi criada para que a Embraer pudesse financiar a venda de seus aviões em igualdade de condições com a empresa canadense.

A decisão da OMC expõe a falsidade da alegação sustentada nos últimos dois anos por Ottawa de que o Canadá atua rigorosamente de acordo com as normas internacionais de comércio, enquanto o Brasil subsidiava ilegalmente as exportações de material aeronáutico.

Mas essa não é a principal conseqüência da decisão da OMC. O comitê de arbitragem deu ao Canadá 90 dias para retirar subsídios no valor de US$ 3,98 bilhões que facilitaram a venda de 199 aviões da Bombardier. Como o ministro do Comércio, Pierre Pettigrew, já declarou que seu governo continuará "apoiando" a Bombardier e manterá as condições dos contratos assinados com as transportadoras Comair, Air Nostrum e Air Wisconsin, fica aberto o caminho para que o Brasil aplique retaliações ao Canadá em valor igual ao dos subsídios ilegais concedidos.

Com isso, o jogo fica empatado, pois, em 2000, o Canadá obteve da OMC autorização para retaliar o Brasil em cerca de US$ 1,5 bilhão, porque o Proex violava as normas internacionais de comércio - só no ano passado o programa foi considerado legal pelo órgão.

Mas o Brasil e o Canadá não têm o menor interesse em acionar os mecanismos de retaliação. Isso equivaleria a uma guerra comercial que tornaria inviáveis as trocas entre os dois países. O Brasil importa US$ 927 milhões do Canadá e vende US$ 555 milhões para aquele país. Trata-se de um intercâmbio pequeno diante das potencialidades dos dois países e o interesse mútuo é ampliar o comércio, não condená-lo à paralisia, o que aconteceria se fossem criadas sobretaxas para compensar as perdas sofridas pela Embraer e pela Bombardier - empresas que, aliás, não teriam benefícios diretos com a aplicação das sanções. Além disso, existem grandes investimentos canadenses no Brasil e a ninguém interessa abalar o clima de confiança recíproca.

O chanceler Celso Lafer deixou bem claro que o governo brasileiro separa as duas questões: o contencioso entre a Embraer e a Bombardier - empresas que disputam entre si terceiros mercados - e o futuro do comércio bilateral. Em ambos os casos, está em jogo o interesse nacional. A Embraer é a maior empresa exportadora do Brasil e por isso o governo estendeu a ela a necessária proteção diplomática. Mas também interessa ao País manter o Canadá como mercado e como investidor. Não é outro o entendimento das autoridades canadenses, que usaram todos os recursos à sua disposição para proteger a Bombardier, mas não querem comprometer o relacionamento bilateral.

No dia 8 de fevereiro, representantes comerciais dos dois governos se reunirão em Nova York, para tentar uma solução negociada para o contencioso comercial. Para as duas partes, a base de qualquer solução satisfatória é um acordo que assegure que as medidas de apoio que os governos continuarão a dar às empresas aeronáuticas não resultem em condições desiguais de competitividade entre a Embraer e a Bombardier. A decisão da OMC dá margem a tal acordo. Os programas de financiamento às exportações do Brasil e do Canadá foram considerados em conformidade com as regras da OMC; é a sua implementação que pode gerar distorções na competitividade. Ou seja, se cada operação de venda de aviões for atentamente acompanhada, para que sejam respeitadas as regras da OMC, estarão removidos os obstáculos ao bom relacionamento comercial entre o Brasil e o Canadá.


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01/30/2002


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