PPCUB atende à especulação imobiliária em Brasília e não pode ser aprovado, dizem urbanistas




Preocupações com o crescimento desordenado de Brasília marcaram o debate na CDR

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Com mais da metade do texto apresentando pontos imprecisos, nebulosos ou que ferem o tombamento da capital federal, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) precisa ser mais debatido, quem sabe até retirado de tramitação, para dar lugar a uma nova proposta que considere as observações dos diversos setores da sociedade em sua construção e, principalmente, que respeite os parâmetros da Unesco para a manutenção do título de Patrimônio da Humanidade. Essa foi a tônica da audiência pública desta quinta-feira (5) na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), que tratou do projeto em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

- Não vejo alternativa para esse PPCUB do que ser retirado e fazer uma coisa com 'todo mundo na mesa' [opinando] – afirmou o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), um dos autores do requerimento para a realização da audiência pública.

O PPCUB está em análise na Câmara Distrital desde o ano passado. O pré-projeto passou por audiências públicas e outras instâncias de análise – como o Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan) – com aprovações polêmicas e até mesmo questionadas pelo Ministério Público. Nos últimos dias, ele voltou a tramitar no legislativo distrital.

O plano prevê, por exemplo, a possibilidade de criação de uma cidade com prédios de nove andares no Setor Ferroviário, próximo à antiga Rodoferroviária e ao Setor Militar; a divisão de lotes em setores como o de embaixadas e o de garagens, além da criação de uma nova quadra no Setor Sudoeste, próximo ao Eixo Monumental; a possibilidade de construção de mais hotéis na orla do Lago Paranoá, dando brecha para a transformação em residências, o que isolaria o acesso da população ao Lago; e um dos mais polêmicos, a possibilidade de construção de um novo setor hoteleiro na 901 norte, espaço cuja destinação é originalmente residencial, entre outros pontos.

Premissa

De acordo com Vera Ramos, diretora de patrimônio cultural do Instituto Histórico e Geográfico do DF, pelo texto quase 70% dos setores como Candangolândia, Cruzeiro, e outros que compõem a área tombada de Brasília, sofrem algum tipo de intervenção. Na opinião da arquiteta, o PPCUB erra por não ser claro, não apresenta mapas com as principais alterações, não dizer o que está proposto e nem o que vai ser modificado de fato, detalhadamente. Também não cria mecanismos para corrigir desvirtuamentos, como os condomínios residenciais na orla do Lago e a regularização dos puxadinhos, postergando situações urgentes e promovendo adensamentos urbanos em quase toda a área tombada sem os devidos estudos de infraestrutura.

- Ele tem um erro de premissa, é de desenvolvimento urbano, não de preservação – destacou Vera.

O professor Benny Schvarsberg, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB),  ressaltou que não são poucos os itens problemáticos e que merecem ser debatidos. Pelos últimos levantamentos feitos por um grupo que tem se dedicado a estudar o projeto, são cerca de 130 artigos problematizados, o que representa mais de 50% do teor do projeto do PPCUB, declarou.

João Gilberto Accioly, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal, lembrou que o PPCUB prevê extensões e adensamentos, mas não deixa claro onde estão os estudos que atestam as novas demandas por infraestrutura urbana ou se as alterações de uso previstas consideraram o aumento do tráfego e da demanda de água e energia. Ele afirmou que um ordenamento é necessário para a capital, que modifique e regularize o uso, evitando situações como a de não poder haver instituições bancárias na W3 Sul, por exemplo – as que existem funcionam com autorização precária. Na opinião dele, a proposta demanda inúmeras alterações, mas algo precisa ser aprovado com certa rapidez.

- Nosso pleito é por segurança jurídica – frisou.

Já o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-DF), Paulo Henrique Paranhos, apontou a especulação imobiliária de Brasília como motivadora das mudanças que colocam em risco o tombamento da capital, tema também abordado pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), o outro proponente do debate, que afirmou crer, em alguns momentos “que Brasília está à venda”.

- Determinadas figuras que já ocuparam esta Casa, que já ocuparam a Câmara e que às vezes ocupam para as suas grandes negociatas, fazendo disto aqui um balcão do lobby, um balcão de empreendimentos escusos. Nós sabemos que a especulação imobiliária é forte e desumana – declarou Paranhos.

O presidente do IAB criticou a forma “atabalhoada” com que a cidade vem crescendo, em função de demandas da “Terracap ou do Metrô” e afirmou que o Senado, a Câmara e até mesmo a Presidência da República precisam estar atentos para evitar o colapso da cidade. Ele anunciou ainda a criação de um movimento, um grupo com entidades da sociedade civil para trabalhar, de forma mais elaborada, no crescimento e preservação de Brasília, em parceria com o Iphan. E lembrou que outra proposta tão prejudicial para a cidade quanto o PPCUB está prestes a ser aprovada: a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos).

Imobilidade

Rodrigo Rollemberg apontou a responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deveria reprovar projetos arquitetônicos e urbanísticos que ferem o tombamento da capital e aumentar a fiscalização. A presidente da instituição, Jurema Machado, confessou o estado de imobilidade do Iphan diante dos problemas de Brasília, especialmente pelo excesso de leis e normas federais e distritais que regem as construções e pela falta de detalhamento da chamada Portaria 314, com as definições do crescimento da cidade observando o tombamento da Unesco.

- Não se resume a falta de profissionais, mas diz respeito, sobretudo, à falta de normas claras e abrangentes para minimizar as incertezas, desacertos e inseguranças jurídicas – declarou, durante a reunião.

Ela pediu a ajuda dos participantes da audiência para apontar, nos detalhes, o que está no PPCUB e é prejudicial, para num esforço conjunto, pressionar por melhorias no texto antes de sua aprovação.

Aprovação rápida

Por outro lado, o representante da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano, Romulo Andrade, afirmou que as propostas mais polêmicas vão ser retiradas do texto, mas apontou a necessidade de aprovação rápida da matéria por necessidade administrativa, para regularizar situações tanto de uso comercial quanto institucional.

- Concordo que temos que melhorar o projeto para que não provoque as polêmicas que ele provoca – disse.

Mas ele também defendeu o adensamento populacional no Plano Piloto que o PPCUB instiga, com a maior previsão de usos mistos de áreas, já que a zona central da cidade, segundo disse, vem perdendo população, sendo expulsas para dar lugar às atividades econômicas. Ele declarou que isso se coaduna com a proposta original de o urbanista Lúcio Costa (1902-1998), e trará benefícios como a proximidade das moradias com os trabalhos, diminuindo, por exemplo, o tráfego de veículos.

Ministério Público

Maria Elda Fernandes Melo, promotora de Justiça da Ordem Urbanística do MPDFT, explicou os motivos pelos quais o MP pediu a suspensão do PPCUB. Ela mencionou a aprovação irregular no Conplan, sem os conselheiros que representavam a sociedade civil, por exemplo. Segundo a promotora, ele nem deveria ter sido enviado para a Câmara Distrital por erros de tramitação. Quanto ao mérito, ela disse que o MP não pode opinar.

- O Ministério Público entende que a tramitação do PPCUB está viciada. Da forma como foi feita, decidida pelo Conplam e enviado à Câmara Legislativa, entendemos que não tem com prosperar, mas a decisão não é nossa, é do magistrado, ele que vai tomar todas as providências – disse.

Pessoalmente, ela se disse bastante preocupada com o adensamento da cidade, com os rumos que estão sendo delineados para Brasília, e instigou a sociedade a entender o texto e propor mudanças, pois os poderes do Ministério Público têm limites.

- Deixo aqui um pedido de ajuda, lutamos, mas os resultados são difíceis de aparecer. Por mais que ajuizemos ações, a solução não vem de ação legal e ministerial, vem do Congresso, da participação e do empoderamento da sociedade – declarou.

Também participou da audiência pública o arquiteto Thiago Teixeira de Andrade, que atua em Brasília.

 

Ouça o áudio ou confira as notas taquigráficas da audiência

 

Lúcio Costa

Antes do debate, Rodrigo Rollemberg divulgou trechos de um especial elaborado pela Rádio Senado em homenagem ao arquiteto Lucio Costa, para lembrar os 10 anos de sua morte. No vídeo, ele fala sobre a evolução de Brasília, seus problemas e aponta algumas soluções e ampliações, explicitadas no documento “Brasília Revisitada”.

Ouça o programa nos links abaixo:

Dez anos sem Lucio Costa, o inventor de Brasília - 1ª parte
Dez anos sem Lucio Costa, o inventor de Brasília - 2ª parte

 

Ouça o áudio ou confira as notas taquigráficas da audiência



05/12/2013

Agência Senado


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