Presença de médicos estrangeiros em regiões carentes é polêmica
Com o objetivo de ampliar a presença de médicos estrangeiros nas regiões mais pobres do país, onde há falta desses profissionais, tramita no Senado um projeto de lei que flexibiliza as exigências legais para essa atuação. O projeto (PLS 451/03), no entanto, foi alvo de críticas de representantes da classe médica durante audiência pública realizada nesta terça-feira (8), pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS).
Quando apresentou a proposta, em 2003, o senador e médico Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) apontou as dificuldades para "interiorizar" pelo país, com médicos brasileiros, os serviços de saúde - eles preferem trabalhar nos grandes centros, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste. A Amazônia, de onde provém o senador, é uma das que sofrem com a falta desses profissionais. Por isso, tornou-se recorrente nessa região a atuação de médicos provenientes de países próximos, como a Bolívia, ou de brasileiros que cursaram medicina naquele país.
Segundo Mozarildo, existem mais de 400 municípios no Brasil que não contam com médico algum, embora o problema não seja a quantidade desses profissionais, e sim sua distribuição desigual pelo país.
Qualificação
Uma das críticas ao projeto refere-se à qualificação dos médicos estrangeiros que pretendem atuar no Brasil (o projeto de Mozarildo permite que os médicos - e outros profissionais de saúde - estrangeiros trabalhem no país por quatro anos sem precisar revalidar seus diplomas no país, ao menos nesse período). O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, disse que "não se pode aceitar que profissionais estrangeiros atuem aqui sem serem avaliados". Ele lembrou que os médicos brasileiros precisam revalidar seus diplomas quando atuam no exterior, "enfrentando, às vezes, avaliações muito rigorosas, como é o caso da Inglaterra".
Ao criticar a qualidade de determinadas faculdades da Bolívia que recebem alunos brasileiros, o presidente da Associação Médica Brasileira, José Luiz Gomes do Amaral, afirmou que "foram montadas espeluncas na fronteira para pegar estudantes brasileiros incautos". Sobre esse comentário, Mozarildo declarou que "há a presunção de que o Brasil como um todo é uma excelência em medicina".
- Como pensar em tal nível de excelência quando as pessoas morrem por motivos muito elementares? Dizem que há profissionais ruins entre os estrangeiros. Mas como ficam os locais onde não há nenhum médico? - questionou o senador.
Mozarildo disse que concorda com a exigência de avaliação, mas argumentou que isso "não precisa esbarrar na burocracia terrível que existe hoje no processo de revalidação de diplomas". Segundo ele, bastaria, no caso dos estrangeiros que atuam em regiões carentes, avaliar "se eles têm condições de oferecer o atendimento primário, porque nem isso existe em determinados locais". De acordo com sua proposta, a revalidação só teria de ser feita pelos estrangeiros após quatro anos.
Condições de trabalho
Ao justificar por que os médicos brasileiros resistem em atuar nas regiões mais pobres, o presidente da Associação Médica Brasileira, José Luiz Gomes do Amaral, apontou a falta de perspectivas quanto a uma carreira como um dos motivos. Por isso, o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, José Caetano Rodrigues, sugeriu a criação de uma carreira única de Estado para os serviços de saúde, com concurso público e o respectivo plano de cargos e salários.
José Luiz Gomes do Amaral também assinalou que a falta de uma estrutura adequada para o trabalho é outra razão para a resistência em trabalhar em regiões carentes (ele se referia, por exemplo, às dificuldades para fazer diagnósticos ou tratamentos devido à falta de itens como medicamentos, equipamentos e instalações adequadas, entre outros).
- O médico não quer atender de uma forma que não seja digna. É necessário atrair os médicos [para as regiões carentes], e não empurrá-los - disse ele, acrescentando que o sistema de rodízio seria uma possível solução.
Nesse ponto da discussão, houve concordância quanto à necessidade de o governo implantar uma "infraestrutura", nessas regiões, para que os serviços de saúde sejam oferecidos. Segundo Mozarildo, "é preciso forçar o governo federal a ter políticas públicas de saúde corretas, pois ele [o governo federal] passa o ônus e a responsabilidade aos municípios, mas não repassa os recursos necessários".
Salários e "reserva de mercado"
O presidente da Associação Médica Brasileira declarou ainda que "é uma mentira" uma das vantagens oferecidas aos médicos que venham a trabalhar em regiões carentes - os altos salários. José Luiz Gomes do Amaral afirmou que as prefeituras não conseguem arcar com esses custos, "pois, entre outras razões, há a Lei de Responsabilidade Fiscal".
- Essas propostas são ilusórias - disse ele.
No entanto, Mozarildo afirmou que o Programa Saúde da Família, implementado pelo governo federal, paga salários maiores para os médicos que se dispõem a trabalhar em locais mais distantes.
- E mesmo assim eles não vão para o interior - frisou ele.
Ao reiterar essa resistência, o senador disse que um projeto de lei de sua autoria, apresentado em 1999, "foi arquivado por pressão de entidades médicas". Segundo Mozarildo, essa proposta previa, entre outros itens, o estágio remunerado de médicos recém-formados em regiões carentes.
Já o senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) afirmou que "a reserva de mercado, expressão que os médicos preferem não usar, é um dos fatores determinantes para explicar por que ainda não foi resolvida a questão da regularização dos médicos estrangeiros ou dos brasileiros que estudaram medicina no exterior". Ao responder a esse comentário, José Luiz Gomes do Amaral disse que os médicos formados no exterior que não conseguem a revalidação, em sua maioria, simplesmente não têm condições de exercer a profissão.
08/06/2010
Agência Senado
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