Presidente da Comissão de Educação, Cristovam defende revolução no ensino
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) não é homem de meias palavras. Escolhido presidente da Comissão de Educação do Senado para o biênio 2007-2008, o engenheiro de formação, ex-ministro da Educação e ex-reitor da Universidade de Brasília afirma que o Brasil, um país que para ele "não tem a cultura de privilegiar a educação", só vai derrubar os muros do atraso e da desigualdade se os partidos políticos e a sociedade se unirem para fazer a revolução do ensino. A lição do professor Cristovam é clara: não é através da economia que o país conseguirá dar a todos e a cada um igualdade de oportunidades. Conduzir este debate, dentro da comissão, é uma das expectativas de Cristovam para os próximos meses, embalado para recente onda de indignação que tomou conta da sociedade com a violência e a criminalidade. "O país chegou a uma realidade tão trágica que as pessoas estão despertando", alegra-se o senador, que concedeu a seguinte entrevista ao programa Cidadania, da TV Senado, com a participação do Jornal do Senado e da Rádio Senado:
Com toda essa reflexão que a sociedade e o Congresso estão fazendo, diante da recente onda de violência, o senhor acredita, como presidente da Comissão de Educação, que o tema do ensino poderá ganhar agora um novo impulso?
Esses crimes que têm ocorrido trouxeram o problema da educação para o imaginário da população. A verdade é que o país chegou a uma realidade tão trágica que as pessoas estão despertando. Para a Comissão de Educação, isto traz a perspectiva de que, se o povo quer, os políticos virão atrás. Vamos falar com franqueza: não se dá importância à educação porque o eleitor também não dá. Ninguém ganha eleição falando de educação; eu, aliás, sou um exemplo. Se o povo despertar para a educação os governantes vão ter que fazer. Aí a gente consegue aumentar a consciência no Brasil de que não basta, mesmo que fosse certo, reduzir a maioridade penal. É preciso fazer uma revolução. Não é desapropriando, não é estatizando, não é na economia. É na educação. E a comissão pode ser, neste processo, um alto-falante para reverberar os gritos que o povo começa a dar.
Afinal, é mais barato para o Estado educar o cidadão do que depois ter que gastar muito mais com a repressão e os sistemas punitivos, não?
Sem dúvida alguma! Para se ter uma idéia, hoje se gastam cerca de mil reais por ano por aluno na educação pública, o que é, aliás, muito pouco (basta comparar com o que um pai de classe média gasta nas escolas particulares). Em contrapartida, cada menino que está na Febem custa R$ 4,4 mil por mês, o que dá uma idéia exata da discrepância.
Existe uma consciência no Brasil de que a educação só poderá melhorar com maiores e melhores investimentos públicos. Este ano entrou em vigor o Fundeb [Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica]). Ele será suficiente para dar à educação um padrão mínimo de qualidade?
Não. Votei a favor do fundo e qualquer dinheirinho que vier a mais para a educação, eu voto a favor. Mas não vamos mentir. Primeiro, é pouquíssimo o que vem aí neste Fundeb. Nós precisamos de R$ 7 bilhões por ano para mudar a educação. É um por cento do Orçamento Geral da União, não é muito! Mas o Fundeb fala em R$ 4 bilhões, mas só daqui a quatro anos. O governo federal está falseando os dados. Colocou R$ 2 bilhões no fundo para 2007, mas retirou R$ 1 bilhão em verbas orçamentárias destinadas à educação. Colocou R$ 2 bilhões no Fundeb, mas esqueceu de dizer que R$ 400 milhões já estavam lá, eram os recursos do antigo Fundef. É então só R$ 1,6 bilhão a mais, mas deste dinheiro R$ 300 milhões vieram de um programa orçamentário chamado "Educação de Jovens e Adultos", que em 2007 teve as verbas cortadas pela metade. Outros R$ 500 milhões do Fundeb saíram da rubrica "Ensino Fundamental", que reduzirá de R$ 2 bilhões para R$ 1,5 bilhão as verbas neste ano. Então, na verdade, o governo vai colocar entre R$ 700 milhões e R$ 800 milhões no Fundeb. É pouquíssimo!
Não falta ao usuário de educação pública no Brasil um pouco este compromisso de cobrar e fiscalizar a qualidade?
Falta, porque o Brasil é um país onde a cultura não privilegia a educação. É o povo, somos todos nós, sem excluir ninguém. Mesmo o pai que gasta um dinheirão educando um filho, no fundo ele não está querendo que ele fique bem educado, mas sim que ele tenha no futuro um bom salário. Imagine o garoto chegar com 17 anos para o pai e dizer: "Eu vou ser filósofo". O pai fica com raiva. Não tem ninguém mais educado do que filósofo, é o máximo que você pode querer em educação, mas não se ganha bem. Aí os pais não gostam. Não há este sentimento pela educação no Brasil. Alguns povos sim. A gente tem pelo futebol, pelo automóvel, pela praia, pela economia, pelo consumo; a gente não tem pela educação.
Talvez a educação no Brasil ainda seja vista como um gasto e não como um investimento.
O problema principal não é dinheiro - que é mesmo pouquíssimo -, mas a criação de um sistema nacional de educação. Para dar certo, tem que federalizar. E a educação no país hoje é municipal, cada prefeito tem que cuidar dos seus meninos e meninas. Mas existem cidades com renda per capita 50 vezes maior do que outras. Usemos o exemplo do Banco do Brasil: onde você for, no país, o funcionário recebe um salário federal e passou em um concurso federal. Temos que federalizar, mas não significa que o governo federal vai assumir a gerência da educação, pelo contrário. Eu radicalizo é na descentralização. Acho que deveria haver escola em que nem o prefeito mandasse, que fosse administrada pelos pais e mestres. A educação é vista por muitos prefeitos não como uma solução, mas como um problema, como o lixo que ele tem que retirar das ruas. Eu já ouvi prefeito dizer: "Tô com um problema enorme lá na minha cidade, tem muita criança para botar na escola". Isto não é problema! É a solução do futuro do Brasil!
Como modificar esta realidade?
O país tem dois problemas que não o deixam avançar: é o muro do atraso em relação aos países desenvolvidos e o muro da desigualdade, que divide o país. A gente achava, até uns 20 anos atrás, que para derrubar esses dois muros bastava crescer a economia. Não é verdade. A gente pode crescer o quanto quiser, mas a gente não vai dar o salto nem trazer a igualdade sem a revolução da educação. O capital de um país e de uma economia já não é mais a máquina, é o cérebro de quem desenha a máquina. Se você não for capaz de ter ciência e tecnologia, não vai dar o salto. A desigualdade não vai diminuir apenas porque a economia cresce. Ela só diminui se houver oportunidades iguais para todos. E a oportunidade vem da escola. Antigamente, não. Um menino saía pobre do Nordeste - como o próprio presidente Lula -, chegava na rodoviária de São Paulo e já tinha alguém esperando para dar um emprego para ele. Aí ele fazia um curso de torneiro mecânico e ele subia na vida. Não é assim mais hoje. Quem não tem curso, não arranja emprego. E se ele não tiver uma boa base em matemática, informática e até inglês, ele não faz mais sequer o curso! Ou a gente faz a revolução da educação, ou a gente nem salta para um país desenvolvido nem derruba o muro da desigualdade que tem dentro do Brasil.
Quando se fala em investimentos em educação, sempre se cita a comparação entre o Brasil e a Coréia, que ao final dos anos 50 estava destruída pela guerra e era muito atrasada em relação ao nosso país. Nas décadas seguintes, a Coréia investiu forte em educação e hoje é muito mais desenvolvida que o Brasil.
É um belo exemplo. Em 1960, a renda per capita do Brasil era duas vezes maior que a da Coréia. Hoje, a renda per capita da Coréia é quatro vezes maior que a do Brasil. Houve outros investimentos, claro, mas fundamentalmente o vetor que mudou o rumo da Coréia foi uma revolução na educação. Não só mais dinheiro, e sim um conjunto de ações: formação do professor, cobrança dos resultados do professor, equipamentos, incentivo às crianças que estudam... Se amanhã chegar um presidente e disser "Eu vou fazer chover dinheiro nas escolas", sabe o que vai acontecer? No dia seguinte, vira lama. É preciso que o dinheiro se transforme na sabedoria da criança. Do dinheiro até o cérebro da criança existe um longo processo. E o Fundeb não tratou disso.
É possível o Brasil também formular uma política educacional que possa resistir às trocas de governos?
O caminho é fazermos um grande acordo entre todos os partidos. A Irlanda é um bom exemplo. Em 1973, os três partidos do país - só havia três - se reuniram e ficaram dias reunidos em um castelo decidindo em quais áreas fariam os investimentos, mesmo com a eventual troca de governo no futuro. Resolveram que seriam nas áreas de ciência, tecnologia, educação e saúde. Desde então, entra e sai governo e a política continua preservada.
E o Brasil tem políticos e partidos prontos para este tipo de compromisso?
Temos que lutar para que tenha. Seja porque a tragédia da violência está exigindo, seja porque é preciso que se chegue a um consenso. Nós não nos reunimos e fizemos uma constituinte? Na hora do "apagão", a gente não ficou de acordo em economizar energia para superar a crise? Por que não ficamos todos de acordo para superar o "apagão" intelectual que a gente vive hoje? Não dá para garantir que vá acontecer, mas é preciso lutar por isso. Antes, temos que nos conscientizar de que educação não é custo, é investimento. As pessoas esquecem que o salário do professor se transforma em conhecimento no cérebro da criança, que o salário vai virar tecnologia, ciência, cidadania.
O senhor acredita que a reforma universitária poderá estar na pauta da comissão ainda este ano?
Ainda continua na Câmara, o projeto anda meio parado, acho que nem tem relator escolhido ainda, mas vai ter que chegar ainda neste semestre. E acredito que será um bom debate. Da maneira como o governo fez o projeto é apenas uma forma de melhorar a administração. Creio que a Comissão de Educação vai querer discutir como efetivamente mudar a universidade, uma instituição ainda muito presa ao conceito do século 19 e da primeira metade do século 20. Mas mudou tudo desde aquela época! Não tinha computador quando foi feita a última reforma universitária no Brasil. Hoje a maior parte do ensino não precisa mais ser presencial. A velocidade como o conhecimento avança é enorme e a universidade é muito lenta. Para se fazer um doutorado, leva-se cinco anos. Em cinco anos, já mudou tudo! Em muitas profissões, pessoas que se formaram há menos de cinco anos precisam fazer cursos de atualização, se não ficam fora do mercado. Eu sou engenheiro já me formei há alguns anos, é verdade. Mas entre eu e Galileu mudou menos do que de mim para a engenharia de hoje. A mecânica evoluiu menos em 300 anos do que nos últimos 30 anos. Por isso defendo que, na reforma universitária, seja incluída a obrigatoriedade da reciclagem permanente do aluno. Algumas universidades do mundo hoje já emitem diplomas de graduação com prazo de validade, como comida. A Microsoft dá cursos de informática cujo certificado tem a validade de um ano.
A educação, neste contexto, também precisa de uma reciclagem? Um médico do século 19 e um de hoje têm práticas inteiramente diferentes. Já o ofício do professor pouco mudou, mesmo com toda a evolução tecnológica.
Quem entra numa agência bancária hoje e lembra como era em 1980, elas são completamente diferentes. Tudo mudou, até a missa, que antes era celebrada em latim e com o padre de costas para os fiéis. Só o que não mudou foi a sala de aula. Da escola pública, estou dizendo. E isso é uma coisa grave. Porque se você quiser saber como vai o futuro do país, dê uma olhada nas escolas de hoje. Se ela for bem equipada, com professores felizes, o futuro vai ser assim. Se a escola for caindo aos pedaços, sem equipamentos, professores mal remunerados, e violenta como é, o futuro vai ser feio. A gente pensa: "Caramba, este vai ser o futuro do meu país?"
O senhor então é favorável ao sistema de educação integral, experiência que ficou mais famosa com a criação dos chamados Cieps durante os governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro?
Não existe escola, plenamente, se não for com horário integral. A escola de quatro horas não satisfaz. É claro que no Brasil, como existe esta tradição, a classe média resolveu mandando os filhos para cursos de línguas e de esportes. Escola tem que ser em horário integral e Brizola foi o precursor como governante. Muito antes dele, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro trouxeram a idéia, antiga, dos anos 30. Mas foi Brizola quem, nos anos 80, disse, vamos fazer isso aqui. Pena que não foi adiante porque ele saiu do governo e parou. Já pensaram como seria o Rio hoje se os cerca de 200 Cieps feitos pelo Brizola fossem hoje mil, todas escolas em horário integral? O Brasil seria outro, não há dúvida. Acabariam os crimes? Não, porque gente ruim existe em todo lugar. Mas eles seriam exceção, não a regra. A tragédia do Brasil não é que tem muito crime, mas que aqui ele virou regra. Se a gente tivesse toda criança na escola, dos quatro aos 18 anos, em horário integral, não tenha dúvida: crime ia ser coisa de algumas pessoas perversas.
Teríamos uma sociedade com oportunidades iguais...
Sou de uma geração que defendia, no socialismo, a igualdade. Confesso que hoje, para mim, a igualdade não é importante. Importante é a igualdade de oportunidades. Uns têm talento; outros, talento e persistência; outros, talento, persistência e vocação. Esses vão ser os bons. Por isso que os jogadores de futebol em geral são de origem pobre. Primeiro, porque todos jogam bola desde pequenos. Igualdade de oportunidades. Depois porque os pobres não têm a alternativa de estudar, aí vão jogar bola. Mas já pensou se todos tivessem acesso a um computador como têm a uma bola, a uma boa escola como têm a um campo de pelada? Ah, o Brasil seria outro...
(Sílvio Guedes / Repórter do Jornal do Senado)
02/03/2007
Agência Senado
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