Presidente da CRE, Suplicy acha que vitória de John Kerry seria melhor para o mundo e para o Brasil
- É uma eleição livre e democrática, uma decisão soberana do eleitor dos Estados Unidos, e nós não temos o direito de contestá-la, qualquer que seja o resultado, mas eu preferia sinceramente uma vitória do candidato democrata, John Kerry - disse Suplicy, por telefone, em entrevista à Agência Senado durante uma viagem de carro entre São Paulo e Diadema, onde participaria de um comício nesta sexta-feira (29).
Suplicy não acha consistente a idéia de que os republicanos seriam melhores para o Brasil porque, por tradição, seriam menos protecionistas na economia.
- Não é um argumento sólido, e a maior prova foi o governo do democrata Bill Clinton, com quem o Brasil teve uma relação excepcional, e que teve políticas econômicas que devem nos levar a reflexões muito interessantes - avaliou. O senador também evita que interfira na sua preferência o problema dos dois déficits gigantescos do governo George Bush, o orçamentário e o déficit em conta corrente (em torno de 6% do PIB do país). Para Suplicy, o próximo governo terá que atacar o problema, mas ele espera que seja de forma gradual, de modo a não prejudicar os outros países, principalmente os chamados emergentes:
P - O senhor tem alguma preferência nas eleições norte-americanas, seja em relação às conseqüências para o mundo em geral, seja em relação ao Brasil?
R - Como congressista brasileiro, tenho a obrigação de respeitar a democracia e as eleições livres, e também a decisão do povo norte-americano. Mas, sinceramente, tenho preferência pela vitória do candidato democrata, John Kerry. Para mim, o presidente George W. Bush agiu em um episódio importante para os Estados Unidos e para o mundo de uma forma equivocada, sem antes tentar esgotar todos os meios possíveis para transformar institucionalmente o Iraque, para colaborar na implantação de uma democracia no país. Bush também errou ao não esperar uma resolução favorável da Organização das Nações Unidas (ONU) antes de iniciar uma invasão militar. Era preciso que, caso a invasão fosse realmente necessária, que isso fosse aceitável para o mundo, que houvesse provas claras e objetivas da necessidade da intervenção militar.
P - Mas o que se diz é que Bush não queria correr o risco de ter a invasão rejeitada pela ONU.
R - Então, o presidente Bush esqueceu-se ou deixou de lado a recomendação de um dos maiores líderes dos Estados Unidos, o reverendo Martin Luther King, em seu mais importante pronunciamento. King disse que nunca deveríamos tomar o chá do gradualismo, que nunca deveríamos esperar que apenas o tempo se encarregasse de mudanças que são profundamente necessárias - mas também nunca deveríamos beber do veneno do ódio, da violência e da guerra. À força física, deveríamos contrapor a força da alma, da razão. Bush errou, e as conseqüências para a humanidade, para o Iraque, e até mesmo para seu próprio país, os Estados Unidos, são as piores possíveis, e dificultam a paz e a transformação do Iraque em uma nação livre - sem falar na perda irreparável de milhares de vidas humanas.
P - Mas alguns analistas dizem que Kerry, se for eleito, fará mudanças econômicas internas, em relação a emprego, a crescimento econômico, a déficit, e não mudará substancialmente os métodos da guerra contra o terror, e nem a política em relação ao Iraque, porque o cidadão norte-americano hoje tem medo, vota com o medo, e não com a razão.
R - Eu não concordo, e acho que o senador John Kerry trará mudanças substanciais, caso seja eleito. Ele tem dito que o presidente George Bush agiu de maneira precipitada, sem pensar. Eu vejo nele, Kerry, uma postura bastante racional e de bom senso. É verdade que muitos norte-americanos vão, sim, votar com base no medo e ainda sob o efeito dos atentados de 11 de setembro de 2001. Mas muitos outros norte-americanos sabem que a melhor forma de lutar contra o terrorismo é transformar a realidade e as condições que levam ao terrorismo. É esta a luta que tem que ser buscada agora, não o uso de mais e mais violência como forma de retaliação.
P - Senador, é comum dizer-se que os democratas norte-americanos são mais protecionistas em relação à sua própria economia, zelam mais pelos seus empregos, sua indústria, do que os republicanos, o que seria ruim para o Brasil e para a América Latina. Os republicanos seriam mais adeptos do livre mercado. O senhor acha que é uma análise correta?
R - Não acho que seja um argumento sólido para que tenhamos preferência pelo presidente Bush neste momento. O Brasil e a América Latina já têm condições de manter um diálogo firme em defesa dos seus próprios interesses, propondo aos Estados Unidos um diálogo franco e racional, mostrando que uma América Latina desenvolvida e combatendo a pobreza e a miséria será muito bom também para os Estados Unidos.
P - Os empresários brasileiros de vários setores, como os de aço, da indústria alimentícia e de calçados, por exemplo, continuam reclamando de barreiras comerciais nos Estados Unidos.
R - Pois é, esta é uma tarefa que deve ser permanente, fortalecer o Mercosul, mostrar aos EUA que é preciso melhorar o fluxo de comércio, não apenas de lá para cá, mas também no sentido inverso, e não acredito que os democratas norte-americanos sejam mais fechados para isso. As melhores cabeças de lá entendem que é preciso desenvolver a América Latina, ter projetos de médio e longo prazo aqui, desenvolver todos os setores, aumentar a cooperação técnica e econômica. Todos ganham com isso. O ex-presidente Bill Clinton, por exemplo, mostrou que os democratas podem ser grandes aliados do Brasil e da América Latina. Ele teve uma relação com o Brasil muito boa. O governo Clinton envolveu seqüências de políticas econômicas que fizeram os Estados Unidos crescer acentuadamente, zerou o déficit orçamentário. Devemos fazer uma reflexão muito importante sobre isso. E devemos, principalmente, tornar nossa economia cada vez mais competitiva e garantir a inclusão social, aprimorar os programas de distribuição de renda, como o Bolsa-Família e outros.
29/10/2004
Agência Senado
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