Professor da USP critica processo de privatização do setor elétrico em audiência na CI



O professor Ildo Luiz Sauer, da Universidade de São Paulo (USP), afirmou nesta terça-feira (dia 15) que a crise de energia elétrica que se inicia no Brasil não foi apenas anunciada: foi programada. Durante audiência pública na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura que discutiu a privatização da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) - cujo leilão está marcado para esta quarta-feira (dia 16) -, o professor criticou duramente a gestão do setor, assim como a política de privatizações.

De acordo com Sauer, o sistema elétrico brasileiro, baseado no acúmulo de água em hidrelétricas de grande porte, permite que o déficit de chuvas em determinado período seja equacionado em um horizonte longo, entre cinco e seis anos. O correto, afirmou, é que, ao fim do período chuvoso, as represas estejam com os reservatórios cheios ou quase cheios, acima de 95% de sua capacidade.

O último ano em que isso aconteceu, afirmou o professor, foi 1994. Ele disse que essa reserva, em 1999, estava em torno de 70%. No ano passado, caiu para 56%, até desabar, este ano, para 36%, em média.

- Isso aconteceu porque, de 1995 para cá, tiramos mais água do que entrou pelas chuvas, para atender a oferta que cresceu 10% a mais do que a demanda - lembrou Sauer. Segundo ele, a demanda cresceu em torno de 3.000 Megawatt/hora (MWh) por ano, desde 1995, enquanto a ampliação da geração não passou de 2.000 MWh anuais.

Sauer lembrou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estava proibido, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de financiar empresas estatais para ampliação da capacidade instalada. Essa ampliação, para ele, teria evitado o colapso que está à frente. No entanto, o governo permitiu que o banco financiasse metade do preço mínimo das usinas vendidas a grupos estrangeiros em leilões - ou R$ 700 milhões. Juntas, elas totalizam potência instalada de 4,4 Megawatts. Com a venda, segundo o professor, o Estado perdeu a capacidade de alavancar novos investimentos em geração de energia.

- É de uma clareza meridiana que houve algo errado, gastando-se mais água do que se podia repor e usando dinheiro do BNDES para financiar o que já estava pronto - comentou o senador Alberto Silva (PMDB-PI).

Cesp

Para o professor, a privatização da Cesp está se dando em um momento fundamental do país, mas há "dúvidas muito sérias" quanto a sua realização. Ele lembrou que o preço mínimo para a estatal, de R$ 1,79 bilhão, foi fixado pelo governo de São Paulo em 30 de junho do ano passado. De lá para cá, a empresa investiu R$ 1,1 bilhão em obras e ainda renegociou US$ 500 milhões (cerca de R$ 1,15 bilhão) de seu endividamento. Mas o preço, afirmou, continuou o mesmo, e o controle acionário da empresa está sendo vendido por pouco mais do que seu faturamento anual, em torno de R$ 1,6 bilhão.

Para Sauer, a venda da capacidade de geração de energia no Brasil irá gerar uma transferência de renda de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões por ano para o setor privado. Essa situação, segundo ele, irá criar uma problema de custo para as indústrias. Respondendo ao senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o professor universitário acrescentou que essa transferência irá também diminuir a renda das famílias. Afirmou que o aumento do custo da energia já acontece no varejo, com o MWh vendido a R$ 35. Vaticinou que o preço futuro será ditado pelas usinas térmicas, que vendem o MWh a R$ 90.

Já o presidente da Cesp, Guilherme Augusto Cirne de Toledo, respondeu ao senador Nabor Júnior (PMDB-AC) que o leilão da empresa não será influenciado pela crise energética, já que a concessão será feita por 30 anos. A empresa tem seis usinas, com produção de 6,93 mil MWh instalada.

O presidente da Cesp ressaltou que quem adquirir os 38% do capital da companhia em poder do governo paulista terá também de assumir a dívida da empresa. Esse percentual corresponde a 75% das ações com direito a voto.

Cirne de Toledo disse que as regiões Sul, Sudeste e Nordeste não têm mais grandes reservas hidrelétricas. Nas outras regiões, afirmou, os custos ambientais inviabilizam a maioria das obras programadas. O senador Carlos Patrocínio (PFL-TO) disse ser preciso "flexibilizar um pouco" a legislação referente ao impacto ambiental causado.

Respondendo ao senador Leomar Quintanilha (PPB-TO), o presidente da Cesp disse que a companhia antecipou-se à crise energética, ampliando sua capacidade instalada em 30%, desde 1995. Já o professor Sauer respondeu ao senador Sebastião Rocha (PDT-AP) que a vinda de energia elétrica da Venezuela - país que tem excedente em sua produção - é problemática devido à passagem das linhas de transmissão por reservas indígenas naquele país.

15/05/2001

Agência Senado


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