Projeto que reserva vagas para negros no serviço público e nas universidades é bem recebido



Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (3) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), várias autoridades foram unânimes na defesa de políticas de ação afirmativa como forma de compensar a exclusão social a que os negros foram submetidos no Brasil, desde o período colonial. A audiência foi realizada para instruir o projeto de lei do senador José Sarney (PMDB-AP) que institui cotas para negros nas vagas abertas no serviço público, nas universidades públicas e nos contratos do crédito educativo.

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Roberto Borges Martins, apresentou indicadores que apontam a existência de profundas desigualdades sociais, desfavoráveis aos negros. Ele também revelou que a melhoria em índices sociais como a escolaridade, por meio de políticas públicas universais bem implementadas, não têm levado a uma convergência entre os indicadores de brancos e negros. Como exemplo, ele relatou que a redução do trabalho infantil tem sido maior entre crianças brancas que entre os negros.

- Existem evidências da necessidade de políticas de ação afirmativa. É preciso dar tratamento desigual a quem tem condições desiguais. A livre ação das forças de mercado não está corrigindo as desigualdades. Precisamos propor políticas para que as injustiças herdadas do passado sejam superadas - disse o presidente do Ipea.

Ele afirmou ainda que, apesar de os Estados Unidos e a África do Sul, por exemplo, demonstrarem mais expressões de segregação e ódio racial que o Brasil, nesses países as desigualdades sócio-econômicas entre brancos e negros não são tão grandes como aqui.

O presidente do Ipea, que é um especialista no assunto, rebateu o argumento de que a definição de uma cota para um segmento da população é inconstitucional, já que a reserva de vagas para deficientes, por exemplo, já está implantada. Ele lembrou ainda que nos colégios militares é dada preferência nas matrículas para os filhos de militares.

Para não deixar dúvidas de que existe racismo e discriminação no Brasil, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Carlos Moura, afirmou que o fato de não serem encontrados negros na mesma proporção da população entre os parlamentares, nos altos escalões do governo e das Forças Armadas, em universidades e na Igreja católica, por exemplo, são "manifestações odiosas".

- Sem a inclusão dos negros, a nossa democracia não estará completamente efetivada - afirmou Carlos Moura.

Na mesma linha, a representante do Instituto Axé Ilê Obá, de São Paulo, Mãe Sylvia de Oxalá, disse que os descendentes de africanos sofrem diversos tipos de discriminação, inclusive nas escolas, onde os livros didáticos apresentam os negros e sua cultura de maneira distorcida.

- Na escravidão, nações foram divididas e a comunicação entre os próprios negros era impedida. Fomos heróis, pois, apesar do desastre de 400 anos de escravidão, sobrevivemos e mantivemos nossas tradições. Existe preconceito, sim, e existem situações odiosas. A criação de cotas de ação afirmativa seria simplesmente uma forma de ressarcimento aos negros - disse.

A secretária-executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Dulce Pereira, afirmou que a aprovação de uma lei chega com pelo menos cem anos de atraso, mas é um passo importante para que "as perversidades cometidas contra os negros no passado, principalmente na República, sejam reparadas". Ela ressaltou que, ao oferecer oportunidades aos negros, o Brasil sairá ganhando, inclusive, economicamente.

O diretor do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies), Aurélio Hauschild, que participou da audiência pública representando o Ministério da Educação, sugeriu que, além da reserva de contratos de financiamento para estudantes negros, o projeto de lei garanta também cotas das bolsas de estudos que as entidades educacionais filantrópicas são obrigadas a conceder, de acordo com a lei do Fies, sancionada em julho deste ano.

A proposta foi bem recebida pelos demais participantes da reunião e o relator indicou que deve incluir o dispositivo entre as alterações a serem sugeridas ao projeto. Hauschild declarou ainda que o Ministério da Educação vê o projeto com simpatia e, em caso de aprovação, vai tratar de regulamentar a lei o mais rapidamente possível, e com todo cuidado, com base em experiências já existentes em outros países.

03/10/2001

Agência Senado


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