PSDB paga despedida de Serra
PSDB paga despedida de Serra
Dinheiro do fundo partidário bancou festa. Candidato tucano compara mosquito da dengue a ônibus de turismo
BRASÍLIA - A saída de José Serra do governo federal, oficializada ontem em ato solene pago com dinheiro público, foi uma demonstração de força política. Uma platéia repleta de funcionários do ministério, políticos, autoridades e até pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) viu o ministro conter o choro e contar piadas sobre o mosquito da dengue. No discurso de despedida, Serra reconheceu que a doença recrudesceu. ''Mas o mosquito não é federal, estadual ou municipal. É de todos. Não tem cor'', disse. ''É uma espécie de ônibus da Itapemirim, cheio de listras, que leva o que quiser'', brincou, arrancando risos de parte dos espectadores.
O tom do discurso do candidato do PSDB ao Planalto, que será lançado formalmente no próximo domingo, em Brasília, foi de prestação de contas. Serra evitou a política. Preferiu fazer um balanço da atuação na pasta. Chegou a se comover ao declarar que, em 40 anos de vida pública, estar no Ministério da Saúde foi um momento especial. ''Nunca um cargo me gratificou tanto quanto este'', disse, com a voz embargada.
Antes de discursar, o ex-ministro ganhou mimos dos ex-auxiliares. Os funcionários presentearam-no com um álbum de charges. Também ganhou um livro com os feitos de sua administração, estampado com uma foto na capa. A solenidade abriu espaço para outros discursos. A paciente Cristina Magalhães, que recebeu alta após enfrentar um câncer de mama, elogiou o bom funcionamento do SUS. Também o cacique txucarramãe Raoni foi à festa. ''Quero falar para ele continuar pensando nos índios quando chegar na casa grande'', disse o líder dos Caiapó, numa referência à eventual vitória de Serra na corrida à Presidência. Foi a única menção, velada, à candidatura de Serra.
O administrador e o candidato se confundiram todo o tempo. No auditório do Centro Cultural Banco do Brasil, cedido gratuitamente para o que seria, oficialmente, a posse de Negri, havia um poster imenso de Serra, em cor esverdeada. Junto à imagem, a reprodução de uma declaração do ex-ministro: ''Falta mais a fazer do que já fizemos. Mas já fizemos muito''.
A saída em grande estilo teve direito a um estande sobre os programas do ministério. E um vídeo de 15 minutos enaltecendo Serra, com trechos do discurso de posse, em março de 1998. O vídeo foi produzido pelo PSDB. A festa ganhou ares de superprodução, com o toldo branco na entrada do edifício e o tapete azul que se estendia até porta do auditório. ''Não é ostentação. É uma demonstração de força'', comentou o líder no Senado, Geraldo Melo (PSDB-RN). ''Nunca vi um ato desse em posse, quanto mais numa saída (do governo).''
As despesas foram paa a conta do PSDB, explicou a assessoria de imprensa do ministério. As informações, no entanto, foram desencontradas. Os custos do aluguel do toldo e do tapete azul, mais a parafernália eletrônica, seguranças e recepcionistas, além do vídeo foram bancados pelo partido. Somaram R$ 20 mil, de acordo com os assessores que, a princípio, declararam que caberia ao ministério pagar parte do evento. Informaram depois que o PSDB vai honrar os compromissos financeiros da posse do ministro da Saúde, apresentado como um técnico. Ainda assim, o dinheiro público financiou o ato. No ano passado, o PSDB abocanhou a maior parte do fundo partidário, que totalizou R$ 86,9 milhões. É verba reservada pelo governo no Orçamento da União para as despesas de todos os partidos políticos. Os tucanos receberam R$ 17,2 milhões.
O Poder abre as portas
Palácio do Alvorada entra no roteiro turístico de Brasília uma vez por semana
BRASÍLIA - Pronto. A partir de agora, qualquer brasileiro que quiser, pode conhecer a intimidade do Poder, pelo menos uma vez por semana. Toda quinta-feira, o Palácio da Alvorada, endereço de Fernando Henrique e Ruth Cardoso até 31 de dezembro, estará aberto a visitação pública. Basta chegar ao portão da residência presidencial e pegar a senha para se habilitar ao tour cívico.
E será assim, pelo menos, até o fim deste segundo governo Fernando Henrique. Os visitantes são recolhidos no portão por um microônibus azul com as iniciais PR (de ''Presidência da República''). Em grupos de 25 cidadãos, são levados por uma volta de meia hora pelos 400 mil metros quadrados da morada. O passeio atravessa o jardim projetado pelo paisagista japonês Yochi Aikawa (o preferido do Imperador Hirohito) e desemboca no palácio.
No jardim, árvores de todo o canto do país, da araucária ao pau-brasil. Momento ecológico: o ar blasé das 70 emas que passeiam pelo quintal, descendentes do casal de aves trazido pelo ex-presidente Jânio Quadros. Também perambulam pelo gramado punhados de militares em verde oliva, carabina às mãos, e seguranças de paletó e gravata, donos de ar nem tão blasé assim.
Encontro - ''A idéia de reabrir o palácio foi do presidente'', explica a guia Rosana Fragomeni, relações públicas da Casa Civil, para o primeiro grupo de visitantes em sete anos. ''O horário das visitas permite encontro com o presidente. É exatamente o desejo dele.'' Infelizmente, é pouco provável que o turista se depare com o FH. Nas tardes de quinta, ele despacha a quatro quilômetros dali, no Palácio do Planalto. Ontem mesmo, o presidente não estava por lá. Embarcara para a Suécia.
Além do mais, o tour não sobe as escadas para o segundo andar onde se localizam os aposentos íntimos do primeiro casal. Nada de invasão de privacidade. Pode-se, contudo, detectar indícios de vida intelectual no cantinho do sociólogo. Num dos aposentos do primeiro andar, o Salão dos Estados, livros sobre a fauna brasileira repousam em cômodas, ao lado de um catálogo do artista pernambucano Brennand.
Dizem mais sobre Fernando Henrique do que os 3,2 mil volumes da Biblioteca Presidencial. De filósofos gregos a Ernest Hemingway, os livros são do acervo da Presidência. Como os móveis, de pesado jacarandá. E as tapeçarias de Di Cavalcanti. Também os recorrentes conjuntos de sofás. Tudo frio e impessoal, pontuando os espaços projetados por Oscar Niemeyer. Decoração que sobreviveu a Fernando Collor - até porque esse morava na Casa da Dinda.
Num puxadinho do palácio, a capela modernista de Nossa Senhora da Alvorada. Folheada a ouro por dentro. Revestida de mármore branco por fora. Tem uma santa do Aleijadinho. Tem até sacristia com banheiro, no subsolo. Só não tem água benta, nem confessionário.
Empresário teme vitória de Lula
Presidente de associação de importadores de veículos garante que eleição de petista afetará investimento externo no país
SALVADOR - Treze anos atrás, a eventualidade de uma vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial levou o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mário Amato, a prever uma evasão de empresários do país. Amato se arrependeu da frase algum tempo depois, mas fez escola. Ontem, o presidente a Associação Brasileira dos Importadores de Veículos Automotivos, José Luiz Gandini, comandante do braço brasileiro da sul-coreana Kia Motors, ecoou Amato. ''Uma eventual vitória de Lula afetará a credibilidade do Brasil lá fora'', opinou. ''Significará uma mudança radical da direita para a esquerda e pode reduzir os investimentos externos no Brasil.''
Gandini fala grosso para quem representa uma empresa em débito com o Fisco (leia abaixo). Em Salvador para a inauguração da concessionária Samurai Veículos, garantiu não ter absolutamente nada contra Lula, mas acredita que com a esquerda no poder, os capitalistas estrangeiros se sentirão inseguros para aplicar dólares em projetos brasileiros . ''Essa é a mentalidade do investidor estrangeiro'', afirmou.
Gandini não revela quem seriam tais investidores temerosos. Faz a previsão, explicou, baseado nos contados que mantém com empresários do exterior e no que lê na imprensa internacional.''Noto isso no que leio e na impressão que tenho nos contatos que faço lá fora'', disse.
Mercado - Presidente da Abeiva, representa 12 importadoras de veículos que ainda não têm fábrica no Brasil. Pensa que o sucesso de Lula na campanha presidencial provocará a desvalorização do real e afetará o mercado de automóveis importados. ''O PT no poder significa a perda da credibilidade internacional do Brasil'', avaliou.
Acredita que o ideal para o mercado de automóveis importados no Brasil é que a moeda americana permaneça cotada entre R$ 2,40 e R$ 2,45. Em 2001 a venda de carros importados no país movimentou US$ 350 milhões, 1,1% do mercado de veículos no país. A Kia Motors, líder do segmento, faturou US$ 197 milhões, bem menos do que os US$ 305 milhões de 2000.
O presidente da Abeiva anunciou que entre os projetos da indústria automotiva para esse ano está a criação de um novo centro de distribuição de peças em Itu, no interior paulista.
Roseana prepara maratona eleitoral
BRASÍLIA - Com o fim da overdose visual na televisão, o PFL e a governadora Roseana Sarney se preparam para uma maratona tipicamente pré-eleitoral. Em busca de apoio nos Estados, o partido quer impor um só discurso em nível regional. Para isso, está disposto a levar Roseana aonde for necessário. Quando isso não for possível, parlamentares, prefeitos, governadores e vices do PFL virão até ela.
Tudo ficou acertado ontem, em uma reunião da Executiva Nacional. A principal interessada não estava presente, mas já concordou com o roteiro de viagens. ''É uma agenda bem extensa'', resumiu o presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (SC). O próprio Bornhausen prometeu dedicação exclusiva ao projeto. A partir de hoje, ele se licencia do mandato no Senado para cuidar exclusivamente da campanha de Roseana para presidente. Em seu lugar, assume o amigo e empresário Ari Stadler (PFL-SC).
A primeira parada da governadora do Maranhão acontece dia 11 de março em Minas Gerais. De passagem pelo segundo maior colégio eleitoral do país, Roseana pretende conversar com prováveis aliados. Nos dias 12 e 13, viajará para Brasília. Roseana quer saber o que pensam os representantes do PFL na Câmara e no Senado. Divididos por Estados, eles foram chamados a dar sugestões para compor um possível plano de governo. Dia 14, será a vez de governadores, prefeitos e vices do partido.
O programa de viagens pára por uma semana, mas será retomado em lugar e data estrategicamente escolhidos. Em 25 de março, a cúpula do PFL e Roseana Sarney estarão em Salvador, na Bahia. Por lá, o ex-senador Antônio Carlos Magalhães os aguarda com uma recepção com cara de lançamento oficial de campanha presidencial.
Na reunião de ontem, os membros da Executiva Nacional da legenda também decidiram que a governadora do Maranhão só sairá do cargo no dia 5 de abril. Os pefelistas também discutiram a opção de deixar ou não o governo Fernando Henrique antes de abril. Segundo Bornhausen, a decisão foi adiada para o próximo dia 15. ''Essa foi a data estabelecida em comum acordo entre nós e o presidente da República. Antes disso, nada feito''.
Os ministros da Previdência e Assistência Social, Roberto Brant, e do Esporte, Carlos Melles, só aguardam uma sinalização do partido para decidir até quando permanecer no cargo.
Frente desafinada
Partidos se unem para apoiar Ciro, mas divergem
BRASÍLIA - O lançamento de uma Frente Trabalhista - formada pelo PPS, PTB, PDT e PTN - destinada a apoiar Ciro Gomes, deixou claras as divergências entre os parceiros, logo no primeiro dia. O PDT defende os nomes de Leonel Brizola, do deputado Miro Teixeira (RJ) e do ex-governador gaúcho Alceu Collares para a vice-presidência da chapa. O PTB quer o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, ou o presidente do partido, deputado José Carlos Martinez (PR). ''A escolha do vice não será fácil. É a última coisa que vou fazer'', disse Ciro.
Também não houve consenso em relação à divulgação do manifesto com os compromissos da nova aliança. O documento foi vetado pelo PTB e o PDT. Brizola insiste no voto conjunto da nova frente parlamentar contra as propostas de capital estrangeiro nos meios de comunicação e de mudança da CLT. Martinez adverte, no entanto, que o documento impediria mais adesões a Ciro. ''Faltou consenso'', reconheceu o autor, senador Roberto Freire (PE).
O compromisso, por enquanto, é apenas verbal ''como os homens de bem costumam fazer'', resumiu Ciro. ''O que vale é a palavra empenhada e não o documento'', acrescentou.
A festa foi realizada no Espaço Cultural da Câmara, com 600 convidados. No discurso, o candidato aproveitou para criticar a atitude ''inconseqüente'' de José Serra, ao sair do Ministério da Saúde para disputar a presidência em momento de ''explosão'' da epidemia de dengue. O ministro teria prazo até 5 de abril para se desincompatibilizar, mas preferiu deixar a função ''para cuidar de caraminholas eleitorais'', atacou Ciro, usando antiga expressão de Serra.
Arsenal privado contra crime
Presidente da Comissão Especial de Segurança, Íris Rezende guarda 14 armas
BRASÍLIA - Presidente da Comissão de Segurança Pública do Congresso Nacional, o senador Íris Resende (PMDB-GO) comanda a discussão de propostas para combater a criminalidade no País. Em casa, adota uma política particular contra a escalada da violência. Guarda um arsenal. São 14 armas registradas em seu nome, inclusive dois revólveres calibre 44, de uso restrito. Íris não tem porte de armas. Tampouco é um colecionador. Na comissão que comanda, o principal projeto em pauta proíbe a venda de armas no território nacional. Íris é contra a idéia. E não acredita que o poder de fogo doméstico o impeça de participar do debate. ''Qual é o senador que não tem arma em casa?'', desafia.
Segundo levantamento da Delegacia Estadual de Controle de Armas, Munições e Explosivos de Goiás (Decame), o senador é proprietário de sete revólveres, seis espingardas e uma pistola Beretta. Os revólveres são em sua maioria americanos, marca Smith-Wesson. Um deles é calibre 44, a chamada arma letal. Outro é um Colt, calibre 357, proibido para o cidadão comum. Na lista de espingardas há uma Rossi de dois canos, calibre 28.
Íris confunde-se na hora de fazer as contas. ''Tenho um revólver e armas de caça de aves, tenho três armas antigas...'' Prefere se definir como ''um moço evangélico'', que só disparou alguns tiros em caçadas. ''Há muitos anos eu era caçador de perdiz'', conta. O senador se atrapalha no momento de dizer onde abriga todo esse armamento. ''Não sei. Tenho sítio perto de Goiânia...'', divaga.
O senador não vê contradição nem impedimento em ocupar a presidência da comissão e possuir tão vasto equipamento de defesa. ''A discussão sobre posse de arma de fogo é uma forma de desviar a discussão sobre segurança pública'', afirma.
Não é a primeira vez que o senador goiano provoca controvérsia ao tratar de segurança pública. Ex-ministro da Justiça, Íris estreou no cargo, em maio de 1997, com uma frase polêmica: '' O crime, ás vezes, é inevitável.''
Encarregada de cadastrar as armas de o País, a Polícia Federal esclarece que um cidadão armado como o senador Íris Resende não está fora da lei. O brasileiro pode ter armas em casa, ainda que não possua o porte. Obrigatório é o registro - Íris os tem.
O senador diz não sabe precisar quantas, mas teria vendido algumas armas. Segundo o delegado titular da Decame, Sidney Costa e Souza, o proprietário que t ransferir arma tem de comunicar à autoridade policial. É o que determina artigo do decreto que regulamenta o Sistema Nacional de Armas.
A Comissão de Segurança analisará projetos capazes de transformar em problema a coleção do presidente. Além da proposta que proíbe qualquer comércio de arma de fogo, há outros que determinam a guarda de espingardas de caça nas delegacias. Íris combate também projeto do senador Roberto Freire (PPS-PE), que prevê a estatização das fábricas de armas.
Apesar da pauta extensa - mais de 200 projetos - e do curto prazo de 60 dias para encaminhar propostas ao plenário, os parlamentares da Comissão Mista de Segurança Pública não parecem apressados. Discutiram ontem apenas metodologias de trabalho. A equipe de 38 políticos se dividiu em sete grupos, o que, segundo eles, facilitará a discussão. A equipe que trata da estrutura da segurança, com salário, integração e unificação das guardas, foi o mais concorrido: 14 parlamentares inscritos. O crime organizado e o narcotráfico ficarão a cargo de Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP) e Robson Tuma (PFL/SP).
Artigos
O antinordestino
J.M. Vilar de Queiroz
O regionalismo não deve ser aspecto preponderante na visão da problemática nacional, sob pena de distorções, mas quando se trata da escolha do futuro presidente da República não podem ser desprezados posicionamentos e tendências dos candidatos em relação ao principal problema brasileiro, o das crescentes desigualdades regionais.
Não se pretende que as regiões menos desenvolvidas busquem fazer um de seus representantes presidente, porque isso não garante que o problema do desequilíbrio seja resolvido ou superado. Vários nordestinos foram alçados ao cargo, como Café Filho, Castelo Branco, Sarney ou Collor e nem por isso houve progresso na questão. Até pelo contrário, houve maior sensibilidade por parte de políticos ou autoridades oriundos dos Estados mais adiantados, como Juscelino Kubitschek e Mário Andreazza, o primeiro criando o mecanismo da Sudene e o segundo preparando o bem elaborado projeto de transposição de águas do Rio São Francisco.
Mas também não se pode assistir sem reação à tentativa de ascensão ao posto de um político que não só deu provas de desprezo pela sorte das regiões atrasadas, mas até combateu publicamente soluções apresentadas como capazes de superar o subdesenvolvimento relativo.
É agora o caso do pré-candidato do PSDB, José Serra. Nele se combinam duas influências perigosas: de um lado, uma formação esquerdo-cepalina avessa a soluções com capital estrangeiro ou de políticas liberais; de outro lado, uma ótica exclusivista e colonialista dos interesses de São Paulo no modelo capenga de nossa federação.
O Nordeste, mais do que o Norte e o Centro-Oeste, já se viu prejudicado por tais características e posturas do político José Serra. Em 1988, o governo Sarney decidiu implantar uma série de projetos especiais naquelas regiões para fazer decolar o desenvolvimento, as Zonas de Processamento de Exportações Industriais (ZPEs). Para o Nordeste foram criadas as de Fortaleza, Natal, Cabedelo, Suape, Aracaju e Ilhéus. Seguia-se, no caso, a experiência exitosa iniciada na Irlanda e que quebrou o impasse exportador em Taiwan, na Coréia do Sul, Cingapura, Malásia e Hong Kong, além de permitir o milagre da industrialização exportadora da China Comunista a partir da ZPE de Shenzen.
O então deputado José Serra promoveu intensa campanha contrária à implantação das ZPEs, mobilizando os industriais de São Paulo e os paulistas incrustados na burocracia federal para obstar os avanços do programa. Suas relações íntimas com altas autoridades ainda hoje obstaculizam os interesses do Brasil subdesenvolvido.
Um país economicamente poderoso como os EUA até hoje utiliza perto de duzentas ZPEs, suas Foreign Trade Zones, para aumentar suas exportações industriais. No Brasil, vítima da campanha anti-nordestina do candidato Serra, se fala a toda hora em utilizar fórmulas assemelhadas e imperfeitas, como áreas industriais nos aeroportos e outras, para quebrar nossa inapetência em comércio exterior, quando as ZPEs que Serra procurou bloquear já teriam produzido os efeitos extraordinários que se viram na experiência chinesa.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer
A diferença que o rumo faz
Ciro Gomes e Leonel Brizola praticamente selaram ontem uma aliança com o PTB e o PTN que inclui gente de passado tão discutível - alguns inclusive na Justiça - quanto francamente condenável, como é o caso de alguns integrantes da antiga tropa de choque de Fernando Collor de Mello.
O acordo, ainda dependente de questões regionais e acertos programáticos, poderia ser comparado às conversas que unem PT e PL, não fosse uma diferença, que faz toda a diferença: Concorde-se, goste-se ou não da proposta nacional-trabalhista defendida ali, pelo menos a existência de um eixo confere alguma racionalidade à união.
É claro que incomoda um pouco a gente ver uma solenidade, como a de ontem, em que o saudosismo histórico põe na cena principal Getúlio Vargas, cuja importância é inequívoca, mas pertence a dias passados há quase 50 anos. É evidente que a presença de alguns personagens, que até anteontem apoiavam exatamente o contrário do que os discursos de Brizola e Ciro defendiam, soa algo incongruente.
Mas o candidato do PPS de certa forma mata a charada quando, confrontado com essa questão, argumenta que à coerência é preciso aliar, na política, a confiança na capacidade de adaptação que as pessoas têm a novas situações.
Com isso, quis dizer o seguinte: àqueles que tinham posições antagônicas ou é conferido o benefício da dúvida - o que denota saudável tolerância - ou, no caso do descompromisso, é indicado o caminho de saída. Vulgarmente conhecido como porta da rua.
Assim pareceu ontem a idéia da conformação dessa aliança: a concordância dos que se pretendem aliados a uma proposta de país e a aceitação - esta exigida pelo PDT - de formação de palanques estaduais minimamente coerentes, ou nada feito.
É o inverso da concepção das conversas entre PT e PL, em que não há, pelo menos da parte dos petistas, pressupostos conseqüentes a não ser aquele de que, sendo o PL contra Fernando Henrique Cardoso e, tendo como filiado um empresário que serve à conveniência de um vice empresário, tudo o mais se ajeita.
É bom que se diga isso com todos os efes e erres, para que não se dê margem à interpretação de que o tratamento conferido aos movimentos aliancistas do PT é pautado por preconceito. Não, trata-se de uma questão objetiva: tirando a seara petista, a patrulha ideológica caiu em desuso com o desmonte de vários dogmas.
O que nem de longe significa dizer que esteja instaurado de uma vez por todas o descompromisso com a lógica de posições. Sejam elas quais forem. No caso da junção de Brizola a Ciro, a liga é a presunção do pedetista de que o seu acalentado nacionalismo, não podendo ser implementado por Itamar Franco, o será pelo PPS.
Brizola pode estar até enganado, mas pelo menos parte de um princípio claro. No caso do PTB e do PTN, são eles é que terão de se enquadrar nessa filosofia. Se, amanhã ou depois, bandearem-se para uma candidatura mais bem posicionada nas pesquisas, pelo menos o PPS não terá pago o preço da concessão a priori.
No lugar errado
A presença do senador Íris Rezende na presidência da Comissão de Segurança Pública da Câmara, que entre outros temas debate a proibição da venda de armas, é um caso típico da pessoa errada no lugar errado.
Aliás, Íris já havia se exposto à mesma situação quando, na condição de ministro da Justiça, declarou não apenas que o ''crime é i nevitável'' como, ante uma série de rebeliões em presídios, exibiu seu apoio ao direito inalienável do presidiário à fuga.
Mas, agora, o senador pemedebista de fato superou todas as piores expectativas. Começou às 7 da manhã no programa Bom-Dia Brasil, dando um susto em quem o ouviu dizer que tinha arma em casa, mas não dispunha de porte para tal.
À primeira vista, pareceu uma confissão de infração à lei, até que ao longo do dia esclareceu que o porte não é obrigatório, desde que o proprietário possua o registro e não ande na rua com a arma.
Já no início da tarde, descobre-se que o senador é dono não de uma, mas de 14 armas. Considerando que não se trata de um colecionador - pelo menos ele jamais alegou essa condição -, lícito supor que as possua para que alguma utilidade tenham. Utilidade que pressupõe uso, que obriga a propriedade do porte.
Mas digamos que o senador goiano nunca, jamais, em tempo algum, tenha usado ou pretendido usar seu arsenal particular. Ainda assim, se não estamos diante de 0uma situação ilegal, temos um senador da República no centro de cena moralmente inaceitável.
Como defensor da venda de armas, tem um lado. Portanto, é absolutamente inadequada sua presença na presidência de uma comissão que tomará decisão sobre o assunto. Mais inadequada, ainda, configura-se agora sua luta interna na bancada do partido para assumir a posição que, agora, se torna insustentável.
Editorial
SOLUÇÃO ESGOTADA
A queda da taxa de juros básica foi pequena, de apenas 0,25 ponto percentual. Mas serviu para mover o que parecia um rochedo de Gibraltar: por oito meses seguidos o Banco Central manteve a taxa Selic em 19% ao ano. Não faltaram motivos para adotar o remédio amargo. Numa reviravolta sem precedentes, vários males se abateram sobre a economia brasileira de uma hora para outra.
Veio primeiro a crise da Argentina, depois a turbulência política em Brasília que levou à renúncia dois senadores. Em seguida, o país acordou com a péssima surpresa do racionamento de energia e aconteceu o morango da torta. No dia 11 de setembro, os atentados ao Pentágono e ao World Trade Center abalaram os negócios nos Estados Unidos, já à beira da recessão. Diante do rosário de más notícias, o Banco Central buscou defesa nas taxas de juros em nível recorde. Outra maneira de garantir o fluxo de investimentos estrangeiros seria a desvalorização acentuada do real. Mas ao preço de pressões inflacionárias incontroláveis.
Houve, portanto, fartas justificativas para a dose cavalar de juros. Alguns economistas acreditavam que tão cedo - pelo menos enquanto o quadro argentino não desse sinais de melhoras - o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) daria passo atrás. Foram enfáticos e queimaram a língua. Segundo a nota do Copom que explicou a redução da taxa para 18,75%, ''a decisão é compatível com a convergência da taxa de inflação para suas metas''. A meta, vale ressaltar, é draconiana. Pretende-se que a inflação em 2002 não ultrapasse 3,5%, menos da metade do ano passado. Embora a inflação tenha cedido nos últimos meses, o objetivo oficial exigiria extremo rigor monetário. Contudo, o recuo de 0,25 ponto percentual pode ser sinal de que a Fazenda e o BC começam a aceitar taxa de inflação mais flexível, em prol da atividade econômica.
Na verdade, é tempo de rever a rigidez teórica sobre a necessidade de manter as taxas de juros em patamares elevados. Por que não acionar mecanismos que tragam menos prejuízo ao país? Usar no limite do absurdo os efeitos da austeridade monetária é opção de quem acredita que as empresas se adaptam a qualquer circunstância, por mais adversa que seja. Ledo engano. O setor produtivo no Brasil vem dando freqüentes demonstrações de resistência (bom exemplo foi o racionamento), mas ninguém sobrevive ao garrote dos juros. Trata-se de questão de tempo. Com juros estratosféricos, não há empreendimento que prospere, à exceção evidentemente do sistema financeiro. Mesmo este segmento sofre com os altos índices de inadimplência. Sem falar no peso dos juros sobre os custos da dívida pública.
Que o Copom não tenha dúvidas e muito menos recaídas: não é mais possível prolongar o recurso às taxas de juros. A dose excessiva quase mata os pacientes. É hora de adotar soluções mais compatíveis com o crescimento econômico e a geração de empregos. Afinal, o rabo não pode balançar o cachorro.
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02/22/2002
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