PT não convence de que é contra a moratória









PT não convence de que é contra a moratória
Bloomberg descreve Lula como o candidato que defende o calote da dívida externa

Embora o Partido dos Trabalhadores não defenda mais a moratória da dívida externa do Brasil, o candidato do PT terá muito trabalho para convencer o mercado financeiro internacional de sua nova versão light.

Ontem, por exemplo, ao comentar o desempenho do mercado de títulos de países emergentes no dia, o correspondente de uma das maiores agências de notícias do mundo, a Bloomberg News, descreveu Luiz Inácio Lula da Silva como um candidato que defende a moratória.

"Os títulos de mercados emergentes caíram, liderados pelo Brasil e o Equador, por causa de temores de que um escândalo de suborno reduzirá o apoio ao candidato do partido do governo, impulsionando um candidato que tem dito que o Brasil deveria declarar moratória", dizia a notícia da Bloomberg, uma agência especializada em notícias financeiras, usada por operadores do mercado e investidores do mundo inteiro.

A Bloomberg prosseguia descrevendo as supostas intenções caloteiras de Lula:

"Um socialista, Lula tem dito que a dívida líquida externa e interna do Brasil, de R$ 680 bilhões (US$ 277 bilhões), é insustentável. Seu partido tem defendido regularmente a renegociação dos títulos do País."

Embora o PT tenha há décadas defendido uma moratória da dívida externa brasileira, o partido mudou seu discurso nessa área para as eleições presidenciais deste ano. Mas seu programa de governo até agora também não afirma que o partido pretende cumprir seus contratos de dívida como estão.

Pelo contrário, indica que o partido pretende renegociar a dívida externa do Brasil.

O documento Concepção e diretrizes do programa do governo do PT para o Brasil, embora não defenda abertamente uma moratória, indica uma atitude hostil em relação ao mercado internacional de dívida. "Em relação à dívida externa, hoje predominantemente privada, será necessário denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI. (...) O Brasil deve assumir uma posição internacional ativa sobre as questões da dívida externa, articulando aliados no processo de auditoria e renegociação da dívida externa pública, particularmente de países como o Brasil, o México e a Argentina, que respondem por grande parte da dívida externa mundial e, não por acaso, têm grande parte de sua população na pobreza."

A proposta de que o País articule um processo de renegociação já é suficiente para deixar o detentor de um título duvidando seriamente de que ele será pago. "Reputação é muito difícil de construir e precisa de paciência. Mas é muito fácil de destruir. O PT está experimentando isso", diz o vice-presidente da área de mercados emergentes do banco JP Morgan em Nova York, Drausio Giacomelli.

A Argentina, por exemplo, iniciou seu colapso financeiro prometendo uma troca amigável dos termos de sua dívida ao mercado. Mas, para que o investidor aceite trocar um contrato voluntariamente, o novo contrato tem de ter juros maiores, ou seja, render mais para o aplicador, ou ter mais garantias de pagamento que o título original. Caso contrário, a troca não é mais voluntária, mas, sim, uma afirmação do devedor de que não tem condições de pagar a dívida como está e é melhor o investidor aceitar cláusulas piores que não receber nada.

No caso argentino, o governo conseguiu realizar a troca com investidores locais e parte dos estrangeiros, mas não foi o suficiente para evitar que o país decretasse a maior moratória da história em dezembro.

Uma moratória do Brasil seria maior ainda e, justificadamente ou não, Lula é o candidato mais identificado com essa proposta para o mercado. "Ninguém manda apoiar plebiscito da CNBB", disse um investidor, lembrando a consulta feita pelos bispos e o PT à população sobre uma moratória da dívida externa em 2000.


FHC critica bancos e ataca protecionismo
Em discurso, ele avisa que governará 'à revelia do que pense esta ou aquela agência de risco'

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso voltou ontem a atacar o protecionismo comercial de países desenvolvidos, condenando suas retóricas sobre o livre comércio, e criticou os bancos de investimentos estrangeiros que rebaixaram a classificação de títulos brasileiros. Ao discursar na abertura da reunião da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), no Itamaraty, ele disse estar determinado a administrar o País "à revelia do que pense esta ou aquela agência de risco, inapta, muitas vezes, a ir além de equações de curto fôlego".

Sem citar nomes, Fernando Henrique reclamou de "incompreensões" dos bancos de investimentos e organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional. "Nem todos observadores externos souberam se manter atualizados em relação ao Brasil, a muitos países da América Latina e a alguns de nossos vizinhos", disse.

Segundo o presidente, o governo tem demonstrado ser capaz de gerir o País - e os sucessivos superávits primários seriam prova disso. "Os dados mostram que competência técnica não nos falta para o controle das contas públicas."

A principal diferença da América Latina hoje em relação ao passado, segundo ele, está na democracia e tudo o que isso representa: regras mais transparentes e controle social sobre o governo. "As políticas não são mais ditadas pela suposta onisciência de tecnocratas, nativos ou estrangeiros", disse. E advertiu: "A menos que se apreenda o real alcance desses desdobramentos, torna-se difícil compreender a América Latina de nossos dias e fazer previsões que gozem de um mínimo de credibilidade."

Subsídios - Um dia após o Congresso dos Estados Unidos aprovar novos subsídios a agricultores, Fernando Henrique atacou as barreiras comerciais na área agrícola, que limitam o acesso do País a mercados do Primeiro Mundo.

"É chegado o momento de a comunidade internacional evoluir para uma adesão menos retórica e mais efetiva aos cânones do livre comércio, inclusive no âmbito hemisférico, onde projeto algum de integração deve prosperar sem que tenha a reciprocidade como fundamento", discursou, numa referência à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

O presidente lembrou que a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Doha (Catar), no ano passado, foi um avanço ao abrir caminho para a negociação de temas como agricultura, medidas antidumping e subsídios à exportação. "Esperamos que Doha tenha sido o início de um processo que assegure um livre comércio de mão dupla, com ganhos generalizados e eqüânimes." A agricultura, comentou Fernando Henrique, ficou fora das negociações que levaram à criação da OMC. "Os acordos costumam refletir o descompasso de poder entre os países ricos e o mundo em desenvolvimento", afirmou.

O presidente defendeu a criação de mecanismos para o controle do fluxo de capital financeiro internacional. Ele lamentou que o assunto esteja "ausente da agenda" dos países ricos.

"É verdade que o capital especulativo, nos últimos dois anos, parece ter deixado de migrar em bloco, segundo o chamado instinto de rebanho, e esteja aos poucos aprendendo - e espero que continue - a distinguir o joio do trigo", discursou. "Mas não podemos passar um atestado de racionalidade a quem vive da fabricação de expectativas e não responde a motivação outra que não seja o próprio lucro."


Tese de 3.º mandato é 'má-fé', diz presidente
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou ontem seu discurso na abertura de reunião da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), no Itamaraty, para desfazer publicamente boatos sobre a possibilidade de tentar um terceiro mandato. Ao dizer que exercia "temporariamente funções presidenciais", ele acrescentou:

"Insisto no temporário, diante de alguns rumores de má-fé."

A idéia tem sido defendida nos últimos dias por políticos do PFL contrários à candidatura presidencial do senador José Serra (PSDB-SP). O argumento é que a regra só passou a vigorar no segundo mandato do presidente. Assim, o cálculo seria feito sobre, apenas, o segundo mandato, criando a possibilidade de um terceito.

Serra também negou a possibilidade de um terceiro mandato para Fernando Henrique. "Se pudéssemos dar um nome ou uma medida à palavra tititi, esse nome seria rerreeleição. É o mais puro tititi", disse o candidato, ontem. O governador Geraldo Alckmin foi solidário a Serra: "O candidato do PSDB está definido, é o senador José Serra." (Demétrio Weber e Janaina Simões)


Malan defende permanência da CPMF
Para ele, não é possível imaginar corte de R$ 18 bi para eliminar totalmente o tributo

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, fez ontem um apelo aos senadores para que não atrasem a aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e defendeu a manutenção do tributo. "É impensável imaginar - a não ser que o País estivesse disposto a cortar R$ 18 bilhões dos gastos totais do governo - dela (da CPMF) prescindir totalmente", disse ele, em entrevista à Rádio Eldorado. "Olhando no futuro, a médio e longo prazo, eu acho que uma parte da CPMF deve continuar, porque ela cumpre um papel importante no combate à elisão fiscal, evasão fiscal, sonegação e para essa checagem de movimentação financeira."

Malan disse acreditar que o risco de o Brasil se transformar numa Argentina é baixo, mas tudo depende das ações do governo. "O País não está condenado a um fracasso e também não está fadado ao sucesso independentemente do que façam seus governantes. A questão é saber se estamos avançando no processo de criação de uma estabilidade política, institucional, que independa de pessoas e ter continuidade e avançar independentemente de nomes e sua capacidade de aglutinação."

Críticas - O PT não escapou de críticas. Malan lembrou artigo em que classificou de estapafúrdio o envolvimento do "principal partido da oposição" no plebiscito sobre pagamento ou não da dívida.

"Aparentemente, embora não tenha havido nenhum reconhecimento do erro em que incorreram ao se empenhar tão profundamente no plebiscito, essa idéia foi abandonada", disse. "Seria bom se o erro fosse reconhecido de maneira explícita e não velada." Ele condenou as declarações do candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, que prometeu expansão de crédito e redução de juros se for eleito: "(Isso) significa um enorme potencial de volta da inflação e quebra da responsabilidade fiscal."

O ministro reconheceu a necessidade de uma aliança política para garantir a governabilidade, mas furtou-se a apontar o candidato do PSDB, José Serra, como a pessoa indicada para liderar essa união. "Não quero passar para julgamento pessoal em nome de candidatos, mas acho que o Serra e outros têm possibilidades de fazê-lo."

Ele afastou a hipótese de continuar no ministério no próximo governo. "Eu já tenho 7,4 anos como ministro da Fazenda..."


Platéia nega ter medo de petista, mas elogia tucano
BRASÍLIA – Encerrado o debate entre os candidatos, o presidente eleito da CNI, Armando Monteiro, deixou clara a sua preferência. Disse que o tucano José Serra é “indiscutivelmente o mais preparado”, embora o petista Luiz Inácio Lula da Silva também tenha se saído bem.

Mas essa é uma posição pessoal, destacou Monteiro, que é deputado, pelo PMDB (PE), partido aliado do PSDB na campanha para a Presidência. A CNI, disse ele, não pode nem deve ter um candidato, não se vinculando diretamente ao jogo político.

O presidente da CNI também disse que o empresariado não teme uma eventual vitória de Lula, porque o Brasil está vivendo uma “democracia real” e não um “faz-de-conta” em que só seria admissível a vitória de determinado candidato. “Se o jogo político fosse de cartas marcadas, nós estariamos vivendo em uma republiqueta.”

O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, do setor da indústria siderúrgica, também observou que ninguém tem motivos para temer o petista. “Ficou claro que o Lula tem um discurso social-democrata europeu”, afirmou ele. “Não vejo motivo para preocupações se ele vencer a eleição.”

Segundo Gerdau, o que todos têm de avaliar nos candidatos é a forma como farão para manter a inflação sob controle, porque todos têm uma grande vontade de gastar muito. Nenhum presidente pode abrir mão do ajuste, sob risco de empurrar o País para uma aventura inflacionária, advertiu.

Para ele, o candidato que menos enfatizou a necessidade do controle fiscal foi Lula.

Monteiro também destacou em seus comentários que todos os candidatos concordaram com as prioridades definidas na agenda do setor industrial, entre elas: necessidade de crescimento, adoção de uma política industrial e reforma tributária.

Coadjuvantes – O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, afirmou que no geral as propostas foram muito convergentes, mas que as diferenças apareceram nos detalhes. Segundo suas observações, Ciro Gomes mostrou que domina a técnica do discurso, Lula fez um pronunciamento político, José Serra foi muito consistente e Garotinho pôde se apresentar ao empresariado.

Piva considerou importante o fato de os candidatos não terem tratado os empresários como coadjuvantes do processo eleitoral e sim como participantes.

O vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Eduardo Moreira Ferreira, disse que ficou satisfeito com o fato de Lula ter dado ênfase à necessidade de interação do setor público com a iniciativa privada. “O discurso dele mostra que estamos todos no mesmo barco, que o barco se chama Brasil, e precisamos remar para a frente.” Em relação ao pronunciamento de Serra, Moreira Ferreira destacou a “consistência”, o que seria uma desmonstração do “amplo conhecimento dos problemas macro e microeconômicos”.

Melhores – A única ressalva de Moreira Ferreira quanto ao discurso de Serra foi sobre a proposta de criação de um Ministério do Comércio Exterior. Como não foram apresentados detalhes desse ministério, ainda permanece a dúvida de se saber se ele realmente vai ter um poder decisório, como têm hoje a Fazenda e a Secretaria da Receita Federal, ou se o novo órgão seria simplesmente o que são hoje o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Ministério da Integração Nacional.

Para Moreira Ferreira, Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB) demonstraram “um melhor conhecimento do Brasil do que os candidatos que concorreram em 1998”. (J.D. e L.A.O.)


Garotinho afirma que é "popular, não populista"
BRASÍLIA - O candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, rejeitou o rótulo de populista.

"É muito genérico, para ser irônico, o rótulo de populista", disse ele ontem, no debate promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). "Eu sou popular, não populista." A diferença, explicou ele, é que o populista "se aproveita do povo, mas não quer que ele saia da situação em que se encontra". Já sua proposta popular é diferente: é promover programas emergenciais, transitórios, para lidar com as carências mais agudas da população. Ele propõe políticas emergenciais em três áreas:

alimentação, geração de emprego e segurança pública.

Garotinho questionou por que programas do governo federal, como o vale-gás e o bolsa-escola, não são tachados de populistas.

Entre as propostas populares que apresentou ontem estão o acesso desburocratizado ao crédito para micro e pequenas empresas e a criação de um programa de crédito educativo. Elas fazem parte de uma lista de dez compromissos que incluem ainda: investir em infra-estrutura, principalmente em portos e energia; renegociar os contratos de fornecimento de gás natural, para baixar os preços; retomar o álcool como combustível alternativo; promover uma política de compras governamentais; fortalecer o caráter técnico das agências reguladoras; estabelecer a liderança do Brasil na América do Sul; ampliar os vínculos do Brasil com nações emergentes como China, Índia, Rússia e África do Sul; fortalecer o mercado de ações e criar o Ministério do Comércio Exterior.

Garotinho defendeu quatro linhas de ação para a economia brasileira. Em primeiro lugar, promover uma reforma tributária. Ele defendeu a redução das taxas de juros e a ampliação da oferta de crédito, com um uso mais agressivo dos bancos oficiais. Segundo Garotinho, eles representam um terço de todo o crédito oferecido no País, que deve ser dirigido ao setor produtivo.

Finalmente, ele pregou uma "política de exportação ativa", que envolveria a substituição de importações e estímulo a setores estratégicos. (J.D. e L.A.O.)


Artigos

Quem é birrento?
Washington Novaes

No mesmo dia em que se iniciava no Rio de Janeiro, com representantes de vários países, o Seminário Internacional de Direito do Meio Ambiente, promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União, o presidente da República, durante cerimônia de assinatura de contratos de concessão de nove hidrelétricas, criticou duramente ambientalistas, juízes e membros do Ministério Público, que, segundo ele, estariam impedindo a construção de usinas em alguns pontos do País.
Seria uma "birra", um capricho, que estaria dificultando o desenvolvimento econômico e a geração de empregos.

Pena que o presidente não tenha ouvido algumas das exposições feitas no seminário pelos juristas. Como a do professor Paulo Affonso Leme Machado, uma das maiores autoridades em Direito Ambiental, que criticou expressamente a Resolução 279 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que, a seu ver, ao reduzir drasticamente os prazos para exame de estudos de impacto ambiental de hidrelétricas, simplificou excessivamente o processo e abriu margem a licenciamentos apressados, sem examinar todos os ângulos necessários - com o risco de danos irreparáveis.

Curiosamente, três dias antes fora publicada (Jornal do Brasil, 21/4) entrevista em que o ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) neste governo e membro do Conselho Nacional de Política Energética David Zylbersztajn criticava duramente o governo federal por estar "vendendo novas usinas hidrelétricas - ou o direito de construí-las - sem priorizar o destino dessa energia. O resultado é que as grandes vencedoras dos leilões da Aneel têm sido as indústrias eletrointensivas, que consomem grande quantidade de energia (...). O lado perverso dessa tendência é que vai sobrar mais da energia cara, a térmica, para suprir o resto do País". A seu ver, "é indispensável priorizar o uso do potencial hidráulico do País, porque esse é um bem da União que um dia vai acabar".

Coincidentemente, a razão principal dos queixumes presidenciais eram as fortes críticas ao projeto da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (já comentadas neste espaço), que levaram a um embargo judicial da construção. E praticamente toda a energia ali gerada se destinará à fabricação de eletrointensivos, principalmente para exportação. Até aqui, esse tipo de geração na Amazônia tem sido subsidiado e pago por toda a sociedade - para alegria dos países industrializados, seus importadores, que se livram dos custos energéticos (47% do total), econômicos, sociais e ambientais. Todos eles absorvidos aqui, sem nenhuma compensação, nem sequer discussão.

"Hoje", disse o ex-diretor-geral da ANP, "1% dos consumidores gastam 50% da energia do País e são financiados pela quase totalidade dos consumidores."

E, com a prioridade que estão tendo nos leilões de novas usinas, vão-se beneficiar ainda mais, "porque o custo de expansão da hidrelétrica é bem menor: são US$ 40 o megawatt-hora, contra US$ 100 da térmica. Estamos falando do uso social de um bem que é a água".

Mas não foram apenas nessa área as críticas que se ouviram no seminário.

Criticou-se também, por exemplo, a resolução que eliminou a exigência de consultores independentes para fazer os estudos de impacto ambiental. Como pode a sociedade ter garantia de que todas as questões envolvidas num empreendimento estarão sendo examinadas com competência, se os realizadores do estudo forem dependentes dos empreendedores? A dependência pode abrir caminho ao nepotismo, à corrupção - lembrou-se.

Razões semelhantes não permitem que um estudo de impacto ambiental não tenha ampla divulgação, não chegue ao conhecimento dos cidadãos. Não pode haver EIA-Rima secreto, como pretendem tantos empreendedores e administradores públicos. A publicidade é exigência constitucional. E, sem uma discussão aprofundada de tudo o que seja necessário, será muito mais difícil adotar na prática o princípio da prevenção do dano, exigido por várias convenções internacionais de que o Brasil é signatário. A prevenção é recomendada para que não se fique diante do fato consumado, do dano irreversível.

Não é a mitigação do dano - como está na moda dizer - o melhor caminho. Nem a compensação pelo dano, de que tanto gostam muitos órgãos licenciadores estaduais e municípios, que assim recebem recursos, principalmente no licenciamento de hidrelétricas. Como lembraram os juristas, essa postura leva a uma "excessiva tolerância com o dano".

Teria sido muito útil que a comunicação houvesse dedicado mais espaço às discussões no seminário. Como, por exemplo, à questão do dito desenvolvimento sustentável no âmbito jurídico brasileiro - já que, segundo o procurador Antônio Herman Benjamim, de São Paulo, adotamos o conceito "de forma implícita e sem definição", o que dificulta muito sua aplicação.

Porque reduz sua efetividade, "impede que seja o guia das políticas públicas, afeta as decisões judiciais", uma vez que "o que é tudo não é nada". Ainda mais no direito brasileiro, fortemente marcado pelo positivismo e pela prevalência do direito de propriedade.

Seria interessante se chegassem ao presidente da República os anais do que foi ali discutido.

Como seria útil que o Ministério do Meio Ambiente lhe fizesse chegar os resultados de mais de uma pesquisa que fez, juntamente com o Iser, sobre o que pensa o brasileiro em matéria de meio ambiente. Está dito ali que mais de dois terços da população se dizem contra qualquer dano ambiental, ainda que em nome do desenvolvimento econômico e da geração de empregos - este, sem dúvida, nosso maior problema.

No caso das hidrelétricas da Amazônia, nem disso se trata. Os principais beneficiários estão fora do País. Que pensará a sociedade? Talvez o presidente queira saber, já que, no mesmo pronunciamento, disse ser "defensor do meio ambiente".


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

As várias faces da violência
Diz todo mundo, mostra-se na TV, que São Paulo, Rio - e todas as grandes cidades brasileiras atravessam uma fase de incrível violência. As pessoas se matam nas ruas, nas favelas e nas avenidas, como o cinema conta que se matava em Chicago de Al Capone.

É verdade. Mas o pior é que não é só aqui. Não é um fenômeno particular. A violência ataca o mundo inteiro. Agora mesmo, a Alemanha, ainda está em estado de choque com a chacina no colégio G utenberg, em Erfurt: um ex-aluno, revoltado porque fora expulso pela falsificação de um atestado médico, em apenas l5 minutos disparou 40 tiros na escola, matando 16 pessoas, entre alunos, professores e funcionários do colégio, suicidando-se depois.

Alguns dos 12 professores foram mortos como numa execução: o garoto assassino exigiu que eles ficassem de joelhos antes de matá-los com um tiro na cabeça.

Depois dessa tragédia, que abalou toda a Alemanha, retorno às aulas, agora, é sob o domínio da tensão e do medo: de repente, os professores começaram a levar a sério ameaças de alunos descontentes com notas baixas. Num ginásio de Varel, perto de Bremen, a prova de conclusão do curso foi realizada sob forte proteção policial: o diretor do ginásio recebeu uma carta em que um aluno ameaçava suicidar-se e levar com ele o maior número possível de alunos e professores. A carta revela que o autor é um fanático religioso. Ele disse que faria tudo por ordem de Deus.

No Oriente Médio - Europa, França e Bahia - só se briga, só se mata - é só tocar com o dedo um ponto do mapa-múndi, e se vai encontrar sempre sangue correndo, fogo queimando.

E daí? Mas será que não foi sempre assim? As guerras foram sempre o tema dominante na História. A verdade é que desde que o mundo é mundo, vivemos sob a marca da violência. Todo bicho maior usa o direito de matar o bicho menor, e os do mesmo tamanho batalham mortalmente entre si. Até no lar, doce lar. Mamãe castiga o bebê. Como? Com uma palmada. Ele não sabe falar, mas sabe que dói: violência educativa. Aliás, tudo não começou no Gênesis, quando o primeiro filho do primeiro casal humano matou o irmão? Eram só eles dois, mas eram dois machos, Caim sentiu que devia acabar com Abel para ficar o senhor da futura tribo.

Sim, hoje a violência é demais, e isso é terrível. A gente tem medo de mandar as crianças para a escola, de deixar os filhos adolescentes saírem para o futebol, morre-se de medo quando os jovens se juntam num bar, à noite, para um chopinho. Quem tem família tem medo de tudo! E com razão, o medo é justificado. Grande parte dos pais já teve a prova amarga na própria carne.

E volto à minha velha tese: esse agravamento da violência no mundo inteiro é porque tem gente demais neste dito mundo. Até as florestas da Amazônia, da África, da Austrália fervilham de índios, de negros, de "aborígines", como diziam os ingleses colonizadores. Os quinhões de terra e comida para cada um vão ficando cada vez menores, mais magros, e então se briga.

E isso sem falar na situação dramática dos espaços urbanos. E fora a violência pelo espaço e pelo pão, ainda existe a violência pela pura diversão, como espetáculo. Haverá nada mais brutal do que uma tourada? E o boxe? Milhares de pessoas enlouquecidas ante dois brutamontes seminus, se matando aos socos?

Nas batalhas modernas acabaram-se os combates a espada e lança, depois que se inventou a pólvora. E depois se inventou a dinamite, ainda mais mortífera. E logo se chegou à bomba atômica: uma só mata milhões. E se ainda se mantém uma paz relativa, em muitas partes da Terra, é porque uns têm medo dos arsenais dos outros. Já pensou na quantidade imensa de explosivos que existe armazenada nesses arsenais espalhados por todo o mundo? Daria, talvez, para liquidar não só com o nosso planeta, mas com todo o sistema solar!

Nos hinos e nos discursos, nas pregações religiosas clamamos que "somos todos irmãos".

Verdade. Somos irmãos, desde Caim e Abel.


Editorial

A DÉCADA GANHA NO PAÍS FRANCISCANO

O Brasil entrou no século 21 justificando o lugar-comum do século passado: continua sendo um país de contrastes. Isso é o que revelam os números iniciais do Censo 2000, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No último ano da década passada, em comparação com o primeiro (1991), muito mais brasileiros estavam estudando, tinham carros, eletrodomésticos, telefones, luz, água encanada, esgoto e coleta de lixo - e muito menos brasileiros morriam antes de completar 1 ano de vida. A mortalidade infantil caiu 38%, de 48 por mil nascimentos para 29,6. A queda foi maior do que os especialistas haviam projetado no início da década.

Isso, a despeito de a grande maioria da população continuar vivendo com rendimentos franciscanos: pouco mais da metade dos 76,1 milhões de membros da população economicamente ativa ganhava até 2 salários mínimos por mês (ou R$ 302 à data do recenseamento, agosto de 2000, e R$ 400 hoje) e apenas 2,4% ganhavam mais de 20 salários mínimos, ou seja, R$ 4.000,00 - um salário relativamente modesto nas sociedades desenvolvidas. Por esse ângulo, pode-se dizer que o Brasil é um país igualitário: ostenta a dramática igualdade na pobreza. Os "ricos" são estatisticamente negligíveis. Os ricos, sem aspas, nem falar.

Comentando os resultados do censo, o presidente Fernando Henrique sugeriu serem esses dados incompatíveis com o expressivo aumento do consumo de bens duráveis no período. Ocorre que o levantamento apura os ganhos individuais declarados e não a renda familiar, sendo de presumir que esta é duas ou três vezes mais alta, porque só uma proporção insignificante das famílias pode dar-se ao luxo de ser sustentada por um único membro.

Além disso, é sabido que existe uma parte do PIB brasileiro que não é captada pelas estatísticas, que é a chamada economia informal, como observou ontem o ministro Pedro Malan em entrevista à Rádio Eldorado.

Os números agregados escondem que o consumo se distribui de forma acentuadamente desigual pelo território e entre os diversos grupos de renda.

Enquanto no Sul e no Sudeste os domicílios com carro somam mais de 40%, no Norte e no Nordeste não chegam a 15%. De certo modo, quem pode consumir bens duráveis acaba consumindo por si e por quem não pode. O desequilíbrio regional e social do consumo acompanha, obviamente, a concentração da capacidade aquisitiva.

No Nordeste, mais de 70% da população ativa ganha até 2 salários mínimos. No Sudeste, esse contingente se limita a 42%. Nesta região, em contrapartida, uma em cada quatro pessoas ocupadas recebe mais de 5 salários mínimos; no Nordeste, uma em dez. Diferenças similares existem no que diz respeito ao acesso a serviços públicos. A coleta de lixo, por exemplo, abrange 90% dos domicílios do Sudeste, ante 60% no Nordeste. O mesmo se dá com o aproveitamento escolar: enquanto 20% dos paulistas com mais de 10 anos não conseguiram terminar o curso primário, nos Estados do Nordeste o índice varia entre o dobro e quase o triplo.

Os dados que apontam para a intolerável persistência da igualdade na pobreza entre os brasileiros têm relação manifesta com o desempenho da economia. Se é verdade que, em matéria de expansão dos benefícios sociais e do acesso a bens indispensáveis no mundo contemporâneo, como o telefone, os anos 1990 foram uma "década ganha", no que toca ao crescimento econômico foram uma década das mais medíocres, desde a transformação do País em sociedade industrial.

Entre 1991 e 2000, o Brasil cresceu, em média, parcos 2,7% ao ano. Mesmo em 1994, o melhor ano do período, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) não chegou a 6% - muito abaixo dos picos registrados na década de 1970 - a do "milagre brasileiro". É óbvio que a retomada do desenvolvimento é condição sine qua para a elevação da renda do povo. Menos óbvia, quem sabe, é a explicação do excepcional contraste entre o lento crescimento econômico dos últimos tempos e os progressos alcançados em todos os outros aspectos de que depende a qualidade de vida dos brasileiros.

Mas foi, principalmente, graças à prioridade absoluta do governo para os gastos sociais - aliás, tornada obrigatória por algumas vinculações constitucionais de verbas - que o Brasil de 2000 é mais educado, mais saudável e mais moderno do que o de 1991. Claro que não tanto mais como seria necessário. Manter esse rumo, acelerando o ritmo do crescimento econômico, é o desafio que o País terá de vencer nesta década que apenas se inicia.


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05/10/2002


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