Receita quer dados da CPI para investigar clube petista
Receita quer dados da CPI para investigar clube petista
PORTO ALEGRE - A Superintendência da Receita Federal no Rio Grande do Sul solicitou à Assembléia Legislativa uma cópia do relatório da CPI da Segurança Pública. Os documentos, que só poderão ser liberados após a aprovação em plenário, em dezembro, vão auxiliar a investigação do fisco sobre o Clube de Seguros da Cidadania, que intermediou doações para a campanha eleitoral do PT em 1998.
Tanto a entidade quanto seus dirigentes tiveram o sigilo fiscal, bancário e telefônico quebrados por determinação judicial. Esses dados serão confrontados com os levantados desde setembro pela Receita, que apura se as doações recebidas foram tributadas de acordo com a lei.
O relator da CPI, Vieira da Cunha (PDT), e outros deputados da oposição deverão ingressar na Justiça com uma representação popular pedindo que o governador Olívio Dutra (PT) devolva os valores gastos em anúncios publicados em jornais de circulação estadual e nacional acusando a comissão de "golpismo". O pedetista protolocou ontem na Assembléia Legislativa um pedido de informações ao governo sobre o custo dos informes publicitários."Esse panfleto partidário não poderia ter sido pago com dinheiro público", disse.
Segundo ele, a Constituição estadual restringe a publicidade do governo a anúncios de caráter educativo, informativo ou de orientação social. A nota na qual o governo gaúcho critica a CPI em defesa de Olívio, ameaçado de impeachment, poderia configurar promoção pessoal de autoridade, o que é proibido.
O secretário de Comunicação, Guaracy Cunha, disse que prestará as informações quando receber o pedido formal.
De acordo com os valores de tabela apurados pelo Estado junto aos jornais, o anúncio pode ter custado até R$ 223 mil aos cofres públicos.
Planalto joga tudo contra a correção do IR
Meta é barrar ajuste de 35,29% na tabela da pessoa física, já aprovada nas comissões da Câmara
BRASÍLIA - O governo parte hoje para o tudo ou nada na briga sobre a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. O texto que propõe a correção da tabela em 35,29% até agora escapou das tentativas do Executivo de substituí-lo por uma proposta de correção menor e foi aprovado em duas comissões da Câmara. Numa manobra arriscada, o Palácio do Planalto entra hoje com recurso para levar o projeto ao plenário da Câmara, onde pretende modificá-lo. A idéia é tentar um acordo, mas tanto a base governista quanto a oposição consideram a tarefa difícil.
Em último caso, o texto irá a votação no plenário. Lá, os negociadores poderão ganhar algum tempo, pois cabe ao presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), pôr o projeto em votação. Depois, o texto volta ao Senado, onde já fora aprovado, porque sofreu modificações. Mas a correção não deverá encontrar resistência dos senadores. Não está descartada a hipótese de o governo se derrotado do processo e o presidente Fernando Henrique Cardoso ser obrigado a tomar a impopular decisão de vetar a correção.
As dificuldades com relação à tabela do IR não são a única dor de cabeça para o governo. A pauta de votações do Congresso está "trancada", por causa do projeto de lei que modifica a legislação trabalhista, permitindo que acordos entre empregados e empresa se sobreponham às regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O projeto despertou tanta polêmica que foi impossível votá-lo numa comissão da Câmara e foi enviado ao plenário, com pedido de votação em regime de urgência. Ou seja: nenhum outro projeto será apreciado antes desse.
Pendentes - Para superar o impasse que impediria a votação de projetos de interesse do governo, Aécio deve pedir hoje a retirada do pedido de urgência. A tendência é o governo editar uma medida provisória com as regras constantes do projeto de lei, de modo que entrem já em vigor. Essa MP, segundo informaram técnicos da área, teria validade até fevereiro ou março, adiando o debate.
Uma vez "destrancada" a pauta, poderão ser votados projetos que, de outra forma, ficariam pendentes. Na pauta da Câmara está a votação, em segundo turno, do projeto de emenda constitucional que restringe a imunidade parlamentar, permitindo que deputados e senadores sejam processados por crimes comuns sem prévia autorização do Legislativo.
De acordo com parlamentares aliados, Aécio não deverá pôr o projeto de lei de correção da tabela do IR em votação antes da apreciação do projeto da imunidade parlamentar.
A Câmara também deve votar a emenda constitucional que aumenta a participação de capital estrangeiro nos meios de comunicação, de 20% para 30%. Outra votação na área tributária, em segundo turno, é a da emenda que autoriza os municípios e o Distrito Federal a cobrar uma taxa para financiar a iluminação pública. Figuram ainda na pauta da Casa o projeto que trata do regime de previdência complementar e o que estabelece a obrigatoriedade de as urnas eletrônicas imprimirem os votos.
Longa - A lista de projetos importantes que o Congresso precisa aprovar nas quatro semanas que restam de trabalho legislativo é longa. O principal é o Orçamento-Geral da União que, se não for aprovado até o fim de dezembro, impedirá o governo de fazer investimentos a partir de janeiro.
Uma previsão mais precisa das receitas que constarão do Orçamento, por sua vez, depende da votação de alguns projetos. Entre eles estão a correção da tabela do IR, a prorrogação da cobrança da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) e a criação da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) sobre a importação de petróleo e derivados.
Planalto já começa ceder a fundos de pensão
BRASÍLIA - O governo começa a ceder nas negociações com os fundos de pensão e pode aceitar o princípio do diferimento tributário, previsto na Lei 109 e vetado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Em troca de uma adaptação da Medida Provisória 2.222, que ainda será votada pelo Congresso, os fundos concordam em pagar os impostos correspondentes aos anos de 1996 e 1997 por seus valores nominais corrigidos pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), o que resultaria num montante de R$ 6,8 bilhões.
Os entendimentos são conduzidos pelo líder do governo na Câmara, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) e envolvem um conjunto de líderes parlamentares de todos os partidos. "A legislação tem de voltar para os termos já aprovados pelo Congresso para que o País forme poupança interna e tenha uma seguridade social mais eficiente", disse o deputado Nelson Marchesan (PSDB-RS), que presidiu a Comissão Especial que regulamentou o assunto.
Se o governo der um sinal favorável aos termos do acordo, os represetantes dos fundosde pensão estão dispostos a referendá-lo numa reunião convocada para quinta-feira pela Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
O princípio do diferimento tributário garantiria aos fundos que o imposto seria cobrado apenas quando as reservas dessas entidades de previdência complementar se transformassem em renda sob a forma de aposentadoria paga aos participantes. O veto presidencial ao princípio do diferimento deu origem ao regime tributário especial previsto na MP 2.222, o qual determina a taxação das aplicações financeiras e outras equivalente a 25% do imposto exigido dos demais setores da economia. Ou seja, fixa a tributação sobre as reservas garantidoras do benefício e o valor pago a título de aposentadoria, uma bitributação que ainda não chegou ao Judiciário.
A proposta poderá pôr fim a um impasse nas negociações entre governo e fundos, que já dura seis meses. A principal resistência à mudança é representada pelo secretário d a Receita Federal, Everardo Maciel. O debate foi reaberto agora porque o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que os fundos de pensão não têm imunidade tributária, o que torna mais factível o acordo. "Chegou a hora de decidirmos se queremos continuar buscando dólares no exterior para financiar o nosso desenvolvimento ou se vamos promovê-lo com nossos próprios recursos", disse Marchesan.
Procuradoria acusa juíza de favorecer Maluf
Representação contesta decisão de Adriana de arquivar ação por fraude em emissão de títulos
A Procuradoria da República pediu ao Tribunal Regional Federal “providências cabíveis” contra a juíza Adriana Pillegi de Soveral, da 8.ª Vara Criminal Federal, que mandou arquivar ação penal contra o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) por suposta fraude na emissão de títulos para pagamento de precatórios. As recentes decisões da juíza – que favorecem o pepebista –, foram usadas ontem por Maluf, no programa do partido exibido nas emissoras de rádio e TV, como principal argumento de que sofre “perseguição política”.
A representação, subscrita por um grupo de cinco procuradores, tem 19 páginas e foi protocolada no gabinete do presidente do TRF, desembargador Marcio Moraes, com cópias para os 23 desembargadores que integram o plenário da corte. Os procuradores acusam Adriana de ostentar “evidente pré-disposição de romper com a imparcialidade, dificultando de todo modo o curso dos atos processuais” – até mesmo com relação ao procedimento sobre existência de contas do pepebista na Suíça e na Ilha de Jersey.
Os procuradores já haviam levantado suspeição da magistrada por “agir com parcialidade, favorecendo Maluf”. Adriana não admitiu a condição de suspeita e mandou o caso para o TRF. De acordo com os procuradores, é “absolutamente estranha” a ordem da juíza de enviar ofícios para os Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores “para conhecimento” sobre o arquivamento da ação contra o ex-prefeito.
Conselhos – “Não se sabe que propósito subjacente animou sua excelência a proceder dessa forma, cujos ofícios certamente terão o único condão de dificultar a remessa dos documentos do exterior solicitados pela via diplomática, em claro detrimento da jurisdição brasileira”, sustentam os procuradores. Eles dizem que a juíza “de forma reiterada desconsiderou decisões tomadas por juízes que a precederam nos atos do processo, atuando em prol de uma das partes, inclusive exarando manifestações que se afiguraram como verdadeiros conselhos”.
Ao criticarem a primeira decisão da juíza na ação dos precatórios – Adriana considerou “descabido” pedido da Polícia Federal para prisão temporária de Maluf –, em 1998, os procuradores anotaram: “A juíza não permitiu que o Ministério Público tivesse conhecimento do pedido; na mesma decisão, remeteu os autos à 4.ª Vara Criminal para extração de cópias, conforme requerido pelo juiz federal João Carlos da Rocha Mattos.”
Itamar sofre derrota, e prévias do PMDB podem ter colégio reduzido
Para vencer a disputa interna, governador mineiro precisa de eleitorado amplo
BRASÍLIA - O governador de Minas, Itamar Franco (PMDB), foi derrotado em sua primeira reunião com integrantes da cúpula peemedebista para discutir as regras das prévias que escolherão, em janeiro, o candidato do partido na sucessão presidencial. Ao final do encontro na casa do presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), não se chegou a um acordo sobre o eleitorado das prévias que será definido hoje pela executiva nacional, onde o grupo de Itamar é minoritário. "A reunião foi ruim para o governador", resume o representante do governo mineiro em Brasília, o ex-deputado Israel Pinheiro Filho.
Embora Tebet e o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), tenham saído do encontro engrossando o coro de Itamar em favor das "prévias amplas e democráticas", Israel está convencido de que o resultado da executiva será um colegiado reduzido a no máximo 6 mil pessoas. "E o Itamar só tem chances de vencer as prévias de 20 de janeiro se elas reunirem mais de 20 mil eleitores", lamenta, para concluir: "Com 3 mil pessoas ele está liquidado".
Todos definiram o encontro como "cordial", mas foi em clima de constrangimento que Itamar se reuniu com o presidente do partido, deputado Michel Temer (SP), e com seu adversário nas prévias, senador Pedro Simon (RS). Diante do mal-estar inicial, em que ninguém se arriscava a abrir a conversa, Temer sugeriu que o anfitrião Tebet fosse o primeiro a falar e, a partir daí, as manifestações ocorreram "em sentido horário".
Temer e Itamar ficaram para o final e, antes que se manifestassem, o governador já havia sido cobrado direta e indiretamente pelas manifestações de simpatia ao PT. "O Roberto Requião já declarou voto ao Lula (o petista Luiz Inácio Lula da Silva), e isto é muito ruim para o partido", reclamou Simon. "Cada um diz que vai votar em fulano e sicrano, e houve até quem anunciasse voto a Roseana (Sarney, pré-candidata do PFL), mas ninguém diz que votará no PMDB", disse Temer.
Itamar desmentiu que tivesse prometido apoio ao PT. "Nunca disse que votaria no PT e gosto muito da Roseana, mas minha briga é para sair candidato do PMDB." Ele afirmou que, mesmo derrotado nas prévias, permanecerá no partido e apoiará o vencedor, com uma condição: "Desde que não seja um candidato governista". A ressalva foi interpretada como um veto à eventual candidatura de Temer.
O governador mineiro defendeu uma definição urgente, com a participação dos diretórios municipais e estaduais, e dos peemedebistas que têm mandatos eletivos, que somariam cerca de 100 mil eleitores. "Prévias muito amplas são difíceis de operacionalizar e também de fiscalizar", contestou Temer. Simon disse que não faz objeção a um núcleo menor. "Quem ganha em 60 mil, ganha em 6 mil."
Tasso e Paulo Renato defendem redução de juros
RIO - Dois pré-candidatos à Presidência pelo PSDB, o governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, defenderam ontem a redução de juros. Tasso afirmou que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, "poderia ter mais audácia e correr mais risco em relação à inflação" para tentar baixar os juros. Em um almoço na Confederação Nacional do Comércio, no centro do Rio, o governador sugeriu que Malan "deveria fazer um teste com o mercado financeiro e, mesmo que isso signifique um pouco mais de inflação, reduzir os juros para retomar o crescimento do País".
Já Paulo Renato, em seminário sobre Educação e Desenvolvimento promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), enfatizou que o risco país do Brasil precisa diminuir porque é um dos principais fatores que mantém os juros altos. "É preciso mostrar que o nosso ajuste fiscal é permanente e, ao reduzir os juros, diminuiremos também a dependência de financiamento interno e externo", declarou o ministro, para quem 'o desenvolvimento econômico passa necessariamente pela redução dos juros".
Justiça nega condicional a fraudador do INSS
RIO – Fraudador do Instituto Nacional do Seguro Social, o advogado Ilson Escóssia da Veiga teve o pedido de liberdade condicional negado ontem pelo desembargador Marcus Faver. Escóssia fraudou o INSS em R$ 188 milhões e foi condenado a 28 anos de prisão. Ele era integrante da quadrilha de Jorgina de Freitas, que roubou R$ 500 milhões da Previdência. Faver negou o pedido considerando que Escóssia não quis devolver parte do dinheiro, enviado à Suíça. O governo brasileiro conseguiu repatriar o montante.
Artigos
A Cepal e as veias abertas da pobreza
MIGUEL JORGE
Nestes tempos de terror sem limites, quando o ódio vira "desígnio de Alá" ou perspectiva de vida, a fome ganha cada vez mais evidênci a na América Latina. Os recentes números do estudo da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) superam qualquer escala de aferição, por absurdos na sua grandeza e só passíveis de avaliação quando as condições objetivas que causam a fome forem mais investigadas. Até lá, nós, latino-americanos, continuaremos empurrando com a barriga nossos problemas mais graves, enquanto discutimos liberalismo, economia de mercado, medidas de curto, médio e longo prazo, programas de governo, etc., sem ações que diminuam a pobreza de milhões.
Conclusão do estudo Panorama Social da América Latina 2000-2001, da Cepal:
em 1999, 76 milhões de latino-americanos, ou 18,5% da população, viviam com menos de US$ 1 por dia, abaixo da linha de pobreza. Outros 175 milhões, 43,8%, viviam com menos de US$ 2 diários.
A Cepal calcula a linha de pobreza de cada país tendo como base o custo de uma cesta básica capaz de cobrir as necessidades nutricionais da população, levando em conta hábitos de consumo, disponibilidade de alimentos e preços relativos. Pelo estudo, o perfil dos pobres é o de famílias que habitam casas com pouco acesso à água potável e se distribuem em grupos de três pessoas por cômodo, em média. Não têm nenhuma instrução, têm alto grau de desnutrição, menos de três anos de escola - portanto, inaptos para o mundo do trabalho, que hoje julga um homem só pelo que ele pode ou não fazer.
Quando essas famílias têm filhos, eles também têm baixíssimo nível de escolaridade, sendo incapazes de exercer qualquer ocupação, por mais modesta que seja. E, se habitam áreas rurais, as chances de freqüentar uma escola são próximas do zero.
Exemplo: em Piaçabucu, na Bahia, a última cidade banhada pelo São Francisco antes de ele chegar a Sergipe, uma família de cinco pessoas que habita uma tapera de barro cozido e telhado de palha compra um coqueiro por US$ 1, grava com uma faca as iniciais do pai no caule e sobrevive dele por algum tempo.
Outro: em São Paulo, a cidade mais rica do País, com US$ 1 um chefe de uma família de três pessoas compra num armazém de periferia 1,5 kg de farinha de mandioca ou 1,2 kg de feijão.
E no Brasil, ano passado, 29,9% dos lares ou 37,5% da população ainda estavam abaixo da linha de pobreza, ganhando menos de US$ 1 por dia, número que difere pouco das estatísticas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da Secretaria do Planejamento, para quem os pobres eram 34% da população em 1999.
Mais perturbadora é a constatação da Cepal de que, em todos os países da América Latina, nem maciços investimentos sociais estão resultando numa grande reviravolta na fome e na miséria que cobrem a região. Isso inclui tanto o Brasil quanto os pequenos países da região - quase invisíveis para o mundo rico.
O estudo mostra que, entre 1997 e 1999, os esforços dos países para diminuir seus níveis de pobreza, com destaque para Brasil, Chile e Panamá, fizeram efeito - o número de lares pobres na América Latina caiu de 35,5% para 35,3% e o porcentual de indigência, de 14,4% para 13,9%. Mas a pobreza multiplicou-se com o crescimento demográfico, crescendo de 204 milhões para 211 milhões.
No caso do Brasil, cuja sociedade tem lutado por uma democracia econômica autêntica, agora num mundo conturbado pela guerra, somos o terceiro país com mais gastos sociais por habitante de baixa renda e pobre, depois da Argentina (US$ 1,687) e do Uruguai ((US$ 1,539).
No ano passado, o governo investiu US$ 1.011 em programas sociais por habitante em cada lar abaixo da linha de pobreza, o que nos coloca muito à frente da média da América do Sul (US$ 540) e do México (US$ 402), embora esses investimentos sejam menores que o necessário. Dados do Ipea revelam ainda que em 1993, dois anos antes da implantação do Plano Real, tínhamos 59,4 milhões de pobres, número que, a partir de 1995, caiu para 50 milhões - mas, em 1999, aumentou para 53 milhões.
As razões desse crescimento foram as constantes altas de juros, as sucessivas crises externas no mercado financeiro e a desvalorização do real em janeiro de 1999. Os estudos da Cepal e do Ipea mostram, enfim, que a pobreza na América Latina e no Brasil continua uma realidade degradante a ser enfrentada com vontade e determinação para que os latino-americanos não se transformem numa sociedade socialmente estática, sem perspectivas e sem futuro.
A Bolívia, diz a Cepal, tem 54,4% dos lares e nada menos que 66,6% da sua população abaixo da linha de pobreza; em 1998, o México tinha 46,9% da sua população abaixo da linha de pobreza. Sobre o desemprego na região, o estudo da Cepal constata que seu nível aumentou de 6% para 9% nos anos 1990 e que o número de desempregados passou de 7,6 milhões, em 1990, para 18,1 milhões em 1999. A qualidade dos empregos caiu: nessa década, sete de cada dez novos empregos foram do setor informal.
A Cepal adverte que, com a desaceleração da economia mundial, são pequenas as chances de a região reduzir a pobreza pela metade até 2015 - para isso cada país latino-americano precisaria de uma taxa mínima de crescimento de 2,3% ao ano.
Diante desse desafio para o Brasil, nossa sociedade como um todo precisa encontrar os meios de promover a transformação de milhões de pobres em cidadãos. A questão é complexa e exige coragem para efetuar as mudanças necessárias. Em recente visita a São Paulo, e ao analisar as saídas dos governos do continente para enfrentarem a crise social, o escritor mexicano Carlos Fuentes, ex-embaixador do México em Paris, afirmou que, "sem mais investimentos no capital humano, para criar prosperidade desde a base, não haverá solução para a América Latina". Isso implicaria "criar infra-estruturas, comunicações, escolas, agricultura, urbanização e outros requisitos básicos para o desenvolvimento econômico e social, sempre a partir da sociedade e sem depender de fatores externos", declarou Fuentes.
Apesar das previsões pessimistas, da eventual retração dos investimentos nos países emergentes e de o foco do governo americano ter-se voltado para a Ásia Central, o momento para começar a fazê-lo é agora, pois essa é a realidade que teremos de enfrentar, querendo ou não.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Eternidade
Um viajante, especialista em desertos, dizia que tal qual o mar, o deserto era imutável, aparentemente eterno. E no entanto, isso eram apenas aparências; tal como no mar, a mesma gota d'água que cavalga uma onda nunca se repete, vai em frente, rola até a praia, e de lá recua por via submarina, indo agregar-se às ondas novas que se formam. Assim, o sertão. Quem o vê uma vez tem a impressão de que já o viu antes - na sua aparente imutabilidade.
Mas em geral, aquela moita não é a mesma do ano passado, perdeu folhas, sumiu, enroscou-se, ficou apenas, nos meses mais secos, um crestado enrolado de garranchos. Mas bastou uma chuva noturna para que a moita morta de garranchos se cubra toda de rebentos verdes; no dia seguinte já será uma moita quase completa; e três dias depois você já a rodeia com cuidado, quem sabe dentro da moita não se esconderá alguma cobra.
Há tantos anos, tantos, desde que nasci, assisto ao espetáculo da morte e ressurreição da paisagem sertaneja.
Novembro, por exemplo: em toda a volta do horizonte seus olhos só distinguem os galhos ásperos das árvores secas: o capim, o matapasto já não lutam entre si por espaço, como que se recolhem às raízes, esperando a sua hora de brotar e estender galhos e folhas para o céu.
Quem chegar hoje ao sertão nordestino - corre os olhos em redor de si e tenta descobrir onde se esconde a vida. Talvez nos bodes? São os únicos quadrúpedes que ainda se espalham pelos pátios das fazendas. O mais, o gado, o que restou das ovelhas, se abrigando às poucas sombras, esperando a hora da ração - se há ração.
O que est ou tentando dizer é que o sertão tem a sua dignidade própria; não se enfeita nem se alvoroça, não sai do seu ritmo em homenagem a ninguém nem a nada. Você o tem que aceitar assim como ele é: não se baixa a agradar os humanos, castiga quando acha que deve, mas também festeja com alegria e um carinho que, experimentados uma vez, nunca mais se esquece. - Nós, sertanejos. Aprendemos com ele essa dignidade orgulhosa. Quem não agüenta, foge. Mas pelo resto da vida guarda no coração o remorso do abandono. Sente-se um traidor sem saber muito bem o que traiu.
Qualquer um de nós - eu digo nós com a maior naturalidade - porque realmente, more onde more, viva com quem viva, continuamos a ser sertanejos. Cada um de nós. Na cara, no tipo, na voz, na linguagem. Meus pensamentos nascem dos conceitos de lá. Minhas alegrias e tristezas são reguladas pelo que lá acontece.
Na realidade, depois que envelheci, das perdas que sofri, o sertão é o único que nunca me enganou. Nunca me prometeu o que não poderia dar. Ele, aliás, não promete: é sempre imprevisível e variado. Sol ou chuva, fartura ou miséria, esconde-se tudo nas mãos dele. E não adianta que a gente aprenda truques para modificar o sertão, adaptá-lo às nossas aspirações. Ele é ele. Pode dar folhas verdes ou apenas galhos secos. Dentro do seu tempo particular. Ele é o senhor, nós somos os escravos. Do tempo, do céu, da fartura, da miséria, do gado gordo, das reses magras do verão. E também dos caboclos, que o entendem e o temem, que só saem de lá quando obrigados, mas mesmo que morram de velhos na terra estranha, jamais se esquecerão dele.
Editorial
Um desafio para o Congresso dos EUA
Um novo desafio foi lançado ao Congresso dos Estados Unidos, quarta-feira passada. Naquele dia, delegações de 142 países lançaram oficialmente, em Doha, no Catar, uma nova rodada geral de negociações comerciais. Além dos 142, participarão das negociações, com início marcado para o próximo ano, 2 novos sócios da Organização Mundial do Comércio (OMC), a China e Taiwan. A agenda, aprovada por manifestação de consenso, inclui assuntos que muitos parlamentares americanos não querem que sejam discutidos. Um deles é a legislação antidumping.
A delegação americana, fortemente pressionada por diplomatas da Europa, do Brasil, do Japão e de vários outros parceiros do comércio internacional, aceitou que o tema fosse incluído na pauta. Mas, para negociar acordos comerciais, o governo americano depende de um mandato especial. Esse mandato, que só o Congresso pode conceder, permite a conclusão de acordos não sujeitos a emenda parlamentar. Os congressistas podem simplesmente rejeitar o compromisso internacional, se a maioria for contrária a seus termos, mas não mudar suas cláusulas. Esse mandato era conhecido, no tempo do presidente Bill Clinton, como fast track. Foi rebatizado, depois da posse do presidente George W. Bush, como "autoridade para promoção comercial".
Essa autorização é necessária, em negociações amplas e complexas, para que os demais parceiros se disponham a investir tempo e esforço no processo. Não tem sentido entrar numa discussão demorada e trabalhosa, sobre grande número de teses e propostas, se, depois de tudo, um senador de Indiana se levantar e disser que o acordo contraria os interesses dos plantadores de batata ou de milho de seu Estado e exigir uma revisão. Só o Congresso, nos Estados Unidos, detém o poder final de celebrar acordos internacionais de comércio.
Noutros países, mesmo que seja indispensável a ratificação dos acordos pelo Parlamento, a hipótese de contestação é pouco significativa. Políticos, lobbies setoriais e organizações não-governamentais tentam influir nas negociações, mas quem conduz o processo é o Executivo.
Se os congressistas americanos, agora, recusarem o mandato ao Executivo, ou proibirem a negociação dos assuntos incluídos na agenda, criarão um caso com os outros 141 países representados na 4.ª Conferência Ministerial da OMC, encerrada na última quarta-feira. Já não se trata, depois dessa conferência, de limitar somente os assuntos que podem ser negociados na formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Nada garante que parlamentares americanos se tornem mais flexíveis, diante de um fato consumado e de significado político muito claro. Mas o presidente Bush e sua equipe, se quiserem participar das negociações globais previstas para o próximo triênio, terão um duríssimo trabalho nos próximos meses. Se não tiverem sucesso, o Congresso imporá ao país mais um vexame, certamente maior do que o provocado pelo abandono do Protocolo de Kyoto.
Se houver condições para a realização da rodada global, as condições de formação da Alca serão alteradas. Os prazos para a conclusão das duas negociações - a hemisférica e a da OMC - são os mesmos. Os trabalhos, em princípio, deverão ser encerrados até 1.º de janeiro de 2005. Se antidumpig e política agrícola forem discutidos na OMC, o que for acertado valerá para todo o mundo. Mais precisamente: nenhum acordo regional ou bilateral poderá ter condições mais restritivas do que aquelas válidas para o sistema global.
Essas condições serão um piso para a Alca e também para qualquer acordo que venha a ser concluído entre Mercosul e União Européia. Para o Brasil, esse foi um dos melhores resultados, se não o melhor, da conferência de Doha.
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11/20/2001
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