Reforma agrária que o MST quer é possível com leis em vigor, afirma Stédile



No depoimento que prestou à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar a estrutura fundiária brasileira, tanto no campo quanto nas cidades, e a origem dos conflitos de terra no país, a CPMI da Terra, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, declarou que a legislação existente é suficiente para que o Brasil promova uma reforma agrária capaz de absorver os 23 milhões de trabalhadores sem terra no país.

O texto da Constituição de 1988, afirmou, permite que o problema da concentração fundiária seja enfrentado, pois determina que a grande propriedade rural que não cumprir sua função social deve ser desapropriada, o proprietário, indenizado e a terra, distribuída para gerar renda.

Segundo ele, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou, com base em cadastro de 2003, que existem 54.781 mil imóveis (cerca de 1% do total) classificados como grande propriedade improdutiva, passível de desapropriação, totalizando mais de 120 milhões de hectares.

- Aplicando a Constituição, seria possível assentar todas as famílias sem terra e sobraria muita terra. A concentração da terra é a razão porque os conflitos de terra estão aumentando. Enquanto houver propriedades que não estão produzindo, que estão escondendo a terra da sociedade e essa polarização, obviamente haverá conflito - analisou.

Depois de fazer um relato do processo histórico que levou à grande concentração da terra no Brasil, que vem se agravando, Stédile esclareceu que o objetivo fundamental do MST é combater a pobreza e a desigualdade social. A melhor maneira de chegar a essa finalidade, afirmou, é a democratização da terra, que passa pela eliminação do latifúndio.

- Não nos conformamos de viver num país com tanta riqueza e ainda existirem tantos pobres e tanta desigualdade social - declarou.

Especificamente, Stédile disse que o MST defende a Carta da Terra, que contém propostas para que o país realize uma reforma agrária casada com um modelo agrícola que valorize o mercado interno e que produza alimentos para retirar o povo da pobreza. Esse modelo, explicou, exige mudanças na política econômica de distribuição de renda, com aumento do salário mínimo, geração de trabalho e ampliação do número de consumidores.

O primeiro passo nesse sentido, afirmou o coordenador do MST, é a distribuição de terra, o que não representaria riscos à propriedade privada. Para isso, ele também identificou que é necessário reaparelhar o Incra.

- O fato de um bem da natureza, que deveria ser utilizado por todos, ser monopolizado por uma parcela minoritária da nossa sociedade, acaba gerando distorções econômicas, sociais e políticas em toda a sociedade, com influência nos graus de pobreza e desigualdade. A sociedade foi construída sobre uma base injusta em que as pessoas não tem os mesmos direitos e oportunidades, de trabalho, terra, moradia e educação. Essa não é uma sociedade democrática, segundo a Revolução Francesa. Essa realidade impede que milhões de brasileiros se transformem em cidadãos; impede que nossa sociedade tenha pessoas iguais, fazendo com que muitos sejam párias - avaliou.



01/04/2004

Agência Senado


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