Relator da CPI promete revelar provas contra o governo Olívio
Relator da CPI promete revelar provas contra o governo Olívio
Vieira da Cunha garante que denúncias atingem pessoas do núcleo do poder no RS
PORTO ALEGRE - As sessões de depoimento da CPI da Segurança Pública do Rio Grande do Sul terminaram, mas o suspense não. O relator da comissão, deputado, Vieira da Cunha (PDT), passou o final de semana trabalhando sobre as conclusões das investigações e promete revelar na quarta-feira as provas da conexão entre o escândalo do jogo do bicho e as autoridades do governo Olívio Dutra (PT). "Há várias denúncias que estão atingindo pessoas que participam do núcleo de poder do Estado. Quem são essas pessoas meu relatório revelará", afirmou Vieira.
Por enquanto, a comissão reuniu documentos e provas para denunciar ao Ministério Público o presidente do Clube de Seguros da Cidadania, Diógenes de Oliveira, e outros dirigentes da entidade por estelionato e tráfico de influência.
O nome de Olívio foi envolvido no "carteiraço" que Diógenes deu no ex-chefe de Polícia Luiz Fernando Tubino para pedir que o jogo do bicho não fosse reprimido, mas o governador foi isentado de responsabilidade pelo episódio.
Mesmo sem enquadrar o governador por nenhum crime, o relatório deverá apontar contradições e suspeitas sobre a cúpula estadual. Os fatos que faltam apurar servirão de justificativa para a instalação de um novo inquérito que a oposição já batizou de CPI da Corrupção.
Entrevista - "Esse relatório já estava definido antes de a CPI começar. Será uma sentença contra o PT e o governo sem indícios e sem provas", disse o deputado petista Ronaldo Zülke. O parlamentar é um dos que mais críticas tem feito à atuação do relator e o acusa de ter recebido doações de bicheiros e pessoas ligadas ao jogo em sua campanha eleitoral. Na ofensiva contra a CPI, os petistas também distribuíram uma entrevista na qual o presidente da comissão, Valdir Andres, considera o jogo do bicho "inocente".
Na posse do novo diretório estadual do PT, os líderes do partido evitaram qualquer debate sobre o caso devido às polêmicas internas. Apenas Olívio prometeu, em seu discurso, processar quem o caluniou.
FHC quer mais espaço no Banco Mundial e FMI
Luta por vaga no Conselho de Segurança serve como alavanca principal da estratégia
NOVA YORK - A demanda do Brasil por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas ( ONU) tornou-se a principal alavanca da estratégia do presidente Fernando Henrique Cardoso de inserir o País nos foros de decisão internacionais. Nesse contexto, o importante não é conquistar a vaga, mas garantir a maior participação brasileira nos organismos multilaterais de financiamento, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e em um G-8, o grupo que reúne as sete nações mais ricas e a Rússia, ampliado com economias emergentes.
O presidente esmiuçou sua estratégia numa conversa informal com assessores no coquetel oferecido pelo cônsul-geral do Brasil em Nova York, Flávio Perri, na noite de sábado. Ele reconheceu que o assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança teria um custo elevado - significaria, por exemplo, contribuição acentuada do País às forças de paz da ONU. Ao ser questionado se isso seria incompatível com as restrições orçamentárias impostas pelo ajuste fiscal, deu uma piscadela e concordou.
Fernando Henrique disse que a maior participação do Brasil nos foros econômicos internacionais tornou-se prioridade diplomática, assim como a reformulação do G-8, com a inclusão dos países emergentes. Esses pontos estavam presentes no seu discurso na abertura da Assembléia-Geral da ONU, sábado. E vinham sendo antecipados nas semanas anteriores, tanto nos discursos que fez na viagem à Europa, como nos encontros que teve com líderes europeus e, já na quinta-feira, com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. "Em matéria de política, vocês sabem, é água mole em pedra dura: tanto bate até que fura", brincou no sábado, ao falar dessas conversas.
"Acho que, crescentemente, o Brasil está compreendendo que é importante sua participação no foro global porque a economia está globalizada", afirmou.
"Se o Brasil não tiver voz forte, quem perde são os brasileiros. É ao povo que interessa isso, porque aumentam as possibilidades, não só de comércio, mas de intercâmbio cultural, de política, de defesa do Brasil."
Ele contou que seu discurso na ONU teve repercussão rápida e no sábado vários líderes da América Latina e da Europa lhe contaram que pensavam o mesmo. "Todos me disseram que o que eu disse expressava o sentimento deles também."
Na conversa com assessores, o presidente fez uma distinção entre seu grau de interlocução com chefes de Estado dos países desenvolvidos, que considera bastante elevado, e o do País, que ainda acha tímido. E explicou que concentra seus esforços em promover a institucionalização da presença do Brasil nas discussões de temas de impacto mundial e nos foros de decisão.
Ele disse que é o País que deve ser um interlocutor forte, e não um ou outro presidente. Essa seria a principal herança de sua diplomacia para seu sucessor.
FMI - Fernando Henrique afirmou que, embora note mudanças positivas na orientação do FMI, deve fazer forte discurso em defesa de sua reestruturação, assim como a do Banco Mundial, na Conferência das Nações Unidas para o Financiamento do Desenvolvimento, em março de 2002, em Monterrey, no México. No sábado, ele foi convidado a participar dessa reunião pelo presidente mexicano, Vicente Fox. "O que for importante para o Brasil, eu vou."
Em agosto, o presidente criticara o FMI, particularmente a rigidez no cálculo das metas de ajuste fiscal a serem cumpridas pelos países a quem dá empréstimos. Como alternativa, ele propôs que o fundo adote os critérios previstos pelo Tratado de Maastricht, da União Européia. O Brasil já vem reivindicando acesso a uma cota maior no FMI, que lhe garantiria maior peso nas suas decisões.
No sábado, após o discurso na ONU, Fernando Henrique visitou os escombros do World Trade Center, e confessou-se comovido, principalmente quando conversou na saída com um grupo de cerca de 50 americanos. "Eu me emocionei porque alguns deles choraram quando eu disse que vinha do Brasil prestar solidariedade", contou. Ele embarcou ontem de volta para Brasília, por volta das 11 horas (14 horas, no Brasil).
PMDB quer lançar Temer até quarta-feira
BRASÍLIA - Os governistas e independentes do PMDB querem anunciar até quarta-feira a pré-candidatura do presidente nacional do partido, deputado Michel Temer (SP), contra o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, nas prévias para escolher o candidato ao Palácio do Planalto. Temer articula um movimento nacional em torno de seu nome, que inclui a desistência do senador Pedro Simon (PMDB-RS) e o apoio de diretórios hostis como o PMDB paulista, que estimula a candidatura Itamar, mas prometeu fechar unido com o vencedor das prévias.
Simon está sendo pressionado a disputar o governo gaúcho, até porque recusa-se a encarnar o candidato anti-Itamar. "Já que ele não quer bater de frente com o outro, tem que abrir para o Temer, e já", cobra um dirigente.
Encarregada de definir as regras das prévias, a cúpula do partido está determinada a encolher o colégio eleitoral, deixando de fora os diretórios municipais que se renovaram na semana passada e ainda nem enviaram a lista dos eleitos.
Além de escalar o presidente do partido para enfrentar o governador de Minas, o partido trabalha em outra frente: o esvaziamento da candidatura Itamar. "Minha proposta é a de criar uma dissidência maior que o apoio do candidato", resume o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB).
< BR>"Vamos deixar claro que há uma rejeição nacional a Itamar porque ele é um candidato profundamente atrasado, que não tem proposta e realiza um governo acanhado em Minas."
No Rio, Itamar condenou qualquer mudança na regra das prévias. "O que sei é que o atual presidente do PMDB disse que o partido terá candidato", declarou Itamar. "A convenção resolveu realizar prévias por maioria de mais de 90%.
Crise política não afeta agenda do Legislativo
Retrospectiva mostra votações importantes, como a restrição das medidas provisórias
BRASÍLIA - É difícil acreditar. Mas, mesmo com toda a turbulência política deste ano, que começou com a conturbada disputa entre os partidos da coalizão governista pelo comando do Legislativo, passou por uma avalanche de denúncias de corrupção e culminou com a renúncia de três poderosos senadores ante a ameaça de cassação, a agenda do Congresso não ficou comprometida.
Embora algumas matérias relevantes - como a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a contribuição sobre importação de combustíveis e a regulamentação da previdência complementar dos servidores públicos - ainda não tenham sido votada, a retrospectiva das deliberações do Congresso mostra que foram feitas importantes mudanças na legislação neste ano.
A mais emblemática foi, sem dúvida, a emenda constitucional que restringiu os abusos na edição de medidas provisórias. Incluída na agenda política por desafio do presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), a proposta foi debatida durante um dos períodos mais tensos do Congresso: a investigação de denúncias de corrupção contra o então presidente do Congresso, Jader Barbalho (PMDB-PA), no Conselho de Ética do Senado. Contudo, o texto promulgado encontrou um equilíbrio entre os Poderes, restabelecendo prerrogativas do Congresso sem limitar a ação do Executivo em casos de urgência e relevância.
O Congresso promoveu mais 80 modificações na legislação infra-constitucional desde o início da sessão legislativa deste ano. Foram sancionadas duas leis complementares regulamentando os fundos de pensão, a regulamentação do Fundo de Combate à Pobreza, a reposição das perdas do FGTS em razão de planos econômicos, a modificação na Lei das S.As., a criação da Agência Nacional de Transportes e a desoneração do PIS e da Cofins das exportações, entre outras normas legais.
Também avançaram as discussões sobre assuntos polêmicos, como a reforma política, a regulamentação do sistema financeiro, a participação do capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e a restrição da imunidade parlamentar. E ainda foram concluídas votações de matérias engavetadas a décadas, como a reforma do Código Civil e a criação do Conselho de Ética da Câmara.
O que falta - Para que a agenda mínima proposta pelo governo para este ano seja cumprida integralmente, só faltam quatro itens. A aprovação do Orçamento de 2002, a promulgação da emenda que institui a contribuição sobre importação de combustíveis e a conclusão de duas votações na Câmara: da proposta de emenda constitucional que possibilita a regulamentação parcial dos setores que integram o sistema financeiro e do projeto de lei complementar que regulamenta a previdência complementar dos servidores públicos.
A prorrogação da CPMF também está nos planos do Executivo, mas o próprio líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), preve a votação só no ano que vem. A mudança da legislação trabalhista é outro projeto prioritário, que o governo espera votar na Câmara já na semana que vem.
Entretanto, por causa do clima emocional que tomou conta dessa discussão, o governo pode adiar a votação para não complicar outras negociações
Judiciário e MP custam mais do que área social
Gasto de SP com salários das 2 instituições é 4,7 vezes superior ao valor destinado para habitação
O Judiciário e o Ministério Público de São Paulo gastaram R$ 4,79 bilhões apenas com vencimentos de pessoal - promotores, procuradores, juízes, desembargadores e servidores - nos últimos dois anos, segundo planilha orçamentária e de despesas produzida pela Secretaria de Economia e Planejamento. Essa quantia é 4,7 vezes superior ao que foi investido no mesmo período em habitação (R$ 1,014 bilhão) - o mais ambicioso programa social do Palácio dos Bandeirantes - ou 9 vezes mais que a verba destinada para o setor de energia (R$ 562 milhões), que atravessa crise sem precedentes.
Os dados estão nas mãos dos 94 deputados da Assembléia paulista, assediados pelo lobby de promotores e juízes que não admitem abrir mão das propostas que enviaram ao Executivo para o exercício de 2002. O documento é peça importante na batalha das emendas ao Orçamento relativo às duas instituições.
O mapeamento mostra que 94% da verba do Judiciário e do MP são aplicados exclusivamente com a folha salarial. Não há gastos com grandes investimentos, como contratação de obras. As despesas com pessoal no período de 2000 e 2001 somam 12 vezes mais o que o governo aplicou em criação de empregos (R$ 405 milhões) ou 6 vezes mais que o montante repassado para o setor de recursos hídricos (R$ 794 milhões).
Para o próximo exercício, o governo planeja satisfazer o contracheque da Justiça e da Procuradoria com liberação de R$ 2,85 bilhões - ou 5 vezes o que deverá ser investido em habitação (R$ 568 milhões); 12 vezes o previsto para empregos (R$ 214 milhões); ou 9 vezes o total que será destinado para a área de energia (R$ 304 milhões). Todo o setor de saúde deverá ficar com R$ 3,8 bilhões - R$ 990 milhões a menos do gasto com vencimentos no Judiciário e no MP nos últimos 2 anos.
Cortes - O Judiciário sustenta que recebe bem menos do que necessita. Desembargadores criticam a "verba insuficiente", que leva ao quase total comprometimento do orçamento com salários. Os servidores da Justiça estão em greve por reajuste. Os servidores do MP também andam revoltados e querem aumento que não têm há sete anos.
Para 2002, o corte previsto na proposta do Tribunal de Justiça é de R$ 627 milhões. Em 1997, o governo tirou quase R$ 1 bilhão. Para investimentos de ampliação e modernização, o Judiciário recebeu naquele ano R$ 3,00 - suficientes para compra de 15 pãezinhos.
Os cortes levaram à maior crise entre os dois poderes com a paralisação do Orçamento em 16 de outubro. A ordem foi do vice-presidente do TJ, desembargador Álvaro Lazzarini, em mandado de segurança. Lazzarini voltou atrás, permitiu a retomada do processo legislativo, mas obrigou a Assembléia a apreciar a proposta do TJ.
No Ministério Público, o governador Geraldo Alckmin promoveu corte global de R$ 167,8 milhões - os promotores querem R$ 692,71 milhões ao todo, sob alegação de que têm direito a 2% da receita corrente líquida. Eles apostam na negociação direta com os parlamentares. O presidente da Associação Paulista do MP, promotor José Carlos Cosenzo, foi recebido pelo presidente da Assembléia, Walter Feldmann. "Não estamos preocupados com salários, mas em dar condições dignas e adequadas para que os promotores executem sua missão constitucional", disse Cosenzo.
Alckmin irá aos EUA pedir recursos
Se BID der empréstimos de US$ 200 milhões, São Paulo chegará a seu limite de endividamento
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), provável candidato à reeleição, embarca para Washington à 0h30 da terça-feira para trabalhar pela continuidade financeira do governo. Ele vai ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pedir empréstimos de um pou co mais de US$ 200 milhões. Se conseguir, a contrapartida do Tesouro paulista será volumosa:
US$ 419,5 milhões. Além disso, terá chegado ao limite de endividamento do Estado permitido pelo acordo de refin anciamento da dívida com a União. Ou seja, não poderá mais contratar empréstimos.
Os três projetos que serão apresentados ao BID só farão parte do Orçamento de 2003, quando o novo governador já terá assumido. O secretário de Comunicação, Luiz Salgado Ribeiro, diz que imaginar que o governador esteja já pensando em 2003 é ter uma "visão míope" das coisas. "Os programas e projetos têm duração muito maior que os mandatos", diz. "Metrô, por exemplo, tem de ser uma obra permanente em São Paulo."
Estarão ao lado de Alckmin, nos Estados Unidos, os secretários de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, da Fazenda, Fernando Dall'Acqua, de Cultura, Marcos Mendonça e o presidente do Metrô, Miguel Kozma. Isso porque os projetos a serem apresentados estão vinculados a essas três pastas. Cada secretário apresentará a sua proposta.
Favelas - Os projetos que serão expostos na capital americana são relevantes para São Paulo. Um deles é o prosseguimento da Linha 5 do Metrô. O primeiro trecho, que deve ser inaugurado no próximo ano, liga o Largo Treze ao Capão Redondo. Na segunda fase, para a qual será solicitada a verba ao BID, serão construídas seis estações, que vão ligar o Largo Treze à estação Santa Cruz. Estima-se que 500 mil passageiros por dia utilizarão toda a extensão da linha. O BID participaria com US$ 175,5 milhões.
A Secretaria da Cultura apresentará a idéia de estender alguns dos projetos que já existem - oficinas culturais, Projeto Guri, Universidade Livre de Música, entre outros - para regiões de "alto risco social" na periferia da capital. As favelas que seriam beneficiadas são Pantanal, Elba, Alba e Morro da Macumba. Para esses projetos serão pedidos US$ 10 milhões.
No caso da Secretaria da Fazenda, os US$ 15 milhões seriam utilizados para a 2.ª etapa do programa de modernização do sistema de administração tributária e financeira. Entre outros pontos, o projeto prevê a instalação de um mecanismo de controle das bombas de álcool nos postos e das máquinas produtoras de refrigerantes. O objetivo é diminuir ao mínimo possível a sonegação fiscal.
Alckmin também vai ao Banco Mundial (Bird) tratar de verbas para a Linha 4 do Metrô, mas, neste caso, as negociações já estão avançadas e a previsão já foi feita para o Orçamento de 2002. Nas contas do próximo ano aparecem ainda dois projetos com verbas do BID, que também estão na pauta da viagem: o programa de recuperação e manutenção de rodovias estaduais e o projeto de erradicação de cortiços, que visa melhotar a qualidade de moradia e revitalizar o centro da capital.
Artigos
O discurso de 2002
GAUDÊNCIO TORQUATO
O pleito sucessório de 2002, que já começa a desenhar-se com as primeiras encenações, será bem diferente dos anteriores, não em função dos candidatos, entre eles velhos conhecidos da cena brasileira, mas do discurso, este, sim, fator decisivo para a motivação e a decisão do eleitor.
Depois de décadas de fulanização e sicranização da política, o País começa a abrir uma era de idéias e conceitos, empurrado pela onda de transformações históricas que varrem o planeta e cujo vértice é a globalização, com os vetores da mundialização dos mercados, da integração dos sistemas econômicos e dos avanços científicos e tecnológicos. Diante de uma moldura internacional que entrelaça o socialismo e o liberalismo, e cujos reflexos iluminam os ambientes nacionais, os atores políticos terão de definir claramente suas posições sobre o papel do Estado na condução de uma economia de mercado que seja capaz de promover o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, realizar a coesão social.
O nível de organicidade que se observa no País, e que transparece na multiplicidade de associações, movimentos e organizações de defesa de direitos e interesses, tem sido responsável pelo aumento da taxa de racionalidade. Significa que a campanha eleitoral não arriscará cosmetizar demasiadamente os candidatos, sob pena de fazer voltar contra eles a esculpida linguagem estética que, nos últimos anos, vendeu aos brasileiros gato por lebre, furas-filas capengas sobre trilhos mentirosos de trens-bala voadores e trânsfugas e oportunistas desfilando como estadistas. O País está maduro para ouvir e distinguir o discurso dos candidatos e esse será o elemento de diferenciação entre eles.
Algumas questões precisam ficar muito claras. A primeira refere-se ao histórico cavalo de batalha da esquerda: a igualdade. Como tratar a questão da igualdade? A experiência fracassada do comunismo mostrou que igualdade não é uma condição que se imponha do alto, pela força, negando o princípio da liberdade. Liberdade, por sua vez, implica autonomia dos cidadãos para escolher os rumos da vida, condição esta que elimina o mito de uma sociedade planificada e privilegia o regime da livre economia de mercado. Igualdade e liberdade são, assim, conceitos irmanados, devendo ser eles a fonte de inspiração para o conjunto de políticas públicas que os programas partidários terão, necessariamente, de contemplar, como a desigualdade entre pobres e ricos, a discriminação entre sexos e raças, a questão dos direitos humanos, a segurança e a violência, entre outros.
Debulhando o conceito global, aparecerão questões pontuais mais agudas: como o PT e seu candidato Lula, por exemplo, evitarão as distorções que o mercado naturalmente provoca nos resultados da alocação de recursos e nos programas de distribuição de renda? Como fazer a compatibilização entre estabilidade econômica, promoção do desenvolvimento e inclusão social, usando instrumentos harmônicos e justos? O candidato governista, por sua vez, terá de demonstrar como o País poderá consolidar os eixos da estrutura social e evitar que a exclusão - dos direitos aos serviços essenciais, do trabalho, da segurança - seja o preço a ser pago para o sucesso da eficiência econômica. Será esta, em suma, a essência do discurso.
Estarão sendo confrontados, ainda, o PNBinf - o produto nacional bruto da infelicidade, que é o amálgama da violência, do desemprego, da precariedade dos serviços públicos, das aflições e angústias pertinentes às grandes cidades - e a promessa de mudança, sendo esta a pontuação mais forte da oposição, a partir de um PT que se diz e se mostra cada vez mais light - ou diet, como queiram. Mudar é um verbo conjugado por todos os partidos e candidatos. Mas o eleitorado sabe quando o termo é usado de maneira demagógica. Por isso mesmo, o conceito de mudança estará integrado à consistência do discurso. Se mudança, por exemplo, contemplar gafes e visões distorcidas, como a defesa do protecionismo do governo francês à sua agricultura ou a idéia de que não vale exportar antes de matar a fome do povo, ambas da autoria de Lula, ele, já entronizado pela mídia no palanque do segundo turno, poderá ser rebaixado de posição e morrer antes de chegar à praia. Mais surpreendente é a forma olímpica e arrogante que o candidato e assessores usam para continuar a defender suas extravagâncias.
As referências pessoais - história, imagem e aspectos pessoais, preparo, experiência - terão sua importância no processo decisório, mas o efeito-demonstração do discurso, ou seja, o domínio temático e a capacidade do candidato de provar, com propriedade, as possibilidades expostas em suas propostas serão mais decisivos. Há quem diga que a barba de Lula surrupie uma boa cesta de votos. Há quem garanta que a cara técnica de Serra, se for este o candidato tucano, acabe esmaecendo seu perfil de político preparado.
E não são poucos os que consideram Roseana uma candidata que não vingará na hora do discurso nacional; que Ciro morrerá como peixe, isto é, pela boca; que Itamar, com a raiva guardada no congelador, não resistirá a um vento capaz de mudar a posição do topete. E há quem gar anta que o vencedor ainda não deu as caras.
O Sudeste, como pulmão mais racional do País e onde se concentra parcela ponderável da mídia nacional, terá papel importante na estratégia de capilaridade do pensamento. Mas não se pense que as regiões menos desenvolvidas ainda conservem o gosto pela velha política. Há, ainda, bolsões tradicionais amparados nas práticas do clientelismo. Mesmo aí, floresce, com vigor, a semente da racionalidade. A vacinação ética, que se desenvolve como o antivírus contra a corrupção escancarada pelos meios de comunicação, é o colchão da nova realidade eleitoral.
O Brasil está mudando para melhor. Esse sinal poderá indicar a linha de um novo horizonte. Mais claro e retilíneo.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
O coreto e a orquestra
Nos tempos da minha mocidade havia dois tipos de música, não digo irreconciliáveis porque um ignorava o outro: a música erudita, que se tocava e se ouvia nos concertos que os alunos aprendiam com grande superioridade, e, do outro lado a música dos botocudos que se tocava e se dançava nos salões da mocidade.
A música clássica era uma espécie de religião dos bem pensantes; os jovens que se dedicavam a ela aprendiam a ler o texto musical, uma misteriosa escrita feita sobre a pauta em pontinhos e bolinhas que se multiplicavam e já traduziam sons para os que a sabiam ler mas, absolutamente indecifrável para os analfabetos musicais.
E analfabetos éramos quase todos. As bandas que nos animavam os saraus eram chamadas de "pancadaria" pelos melômanos que se deleitavam com a grande música. E a Grande Música era privilégio dos iniciados e não estava à altura da plebe inculta, que éramos quase todos nós, usuários da música primária constituída geralmente com a música de carnaval.
Numa família onde se destacava um jovem capaz de interpretar Chopin ou Beethoven não cabia a rude categoria amante dos ragtimes e congêneres. A mocidade em geral, adepta da música dançante não freqüentaria jamais os concertos onde se tocasse Mozart ou Liszt. Wagner, nem falar - Wagner tinha sua tribo especial. Os moços queriam apenas a música dançante dita de "baticum" que lhes permitisse deslizar ou pular nos salões de baile. Os amantes da boa música formavam quase uma seita de pequenas proporções onde se deliciavam com seus ídolos. Enquanto nós, a plebe rude queríamos dançar as novidades americanas que nos iam chegando em discos e os foxtrotes que as orquestras populares forneciam para o nosso consumo.
Hoje em dia, o panorama musical mudou no mundo inteiro. As duas linguagens, a popular e a erudita não se misturam, já se misturando. Compositores importantes deixam de lado as suas sonatas para se arriscarem - em geral com êxito - na música popular. Já a música clássica não é mais privilégio dos grandes intérpretes, e os bons compositores populares se arriscam em ritmos que seriam territórios dos "mestres".
Na verdade, parece que a música popular e, no nosso caso, a música popular brasileira não aceita limites rígidos nos territórios que ocupa. Sei que não tenho a mínima autoridade para me meter nesses assuntos musicais, mas dou um palpite que foi o maestro Villa-Lobos um dos responsáveis pela fusão da bandinha do coreto com a partitura da orquestra clássica. Ele revigorou o folclore brasileiro, dando-lhe um sopro de vida. Até para as canções folclóricas infantis, o Villa fez arranjos. Depois dele, ficou mais fácil romper limites. Hoje, muitos dos nossos autores populares têm formação erudita e armados com esses conhecimentos se sentem capazes de navegar em quaisquer águas. Muitos até já retrabalharam os temas de Villa-Lobos, fazendo novas leituras da fusão do maestro. No Nordeste, os músicos do movimento armorial, animados pelo meu amigo Ariano Suassuna, usam sua erudição para desencavar instrumentos e ritmos ibéricos executados nas feiras pelos cantadores e tocadores de rabeca. Na verdade, para os incultos, meus colegas, a música clássica ou popular se divide em duas categorias: a boa música que nos seduz a todos, seja qual for a sua família e a música imposta pela ciência de alguns e que nos longos concertos dá à maioria um desejo vergonhoso de dormir. Ou então aquela que de tão ruidosa, não deixa ninguém dormir.
Editorial
Entraves à reforma do Judiciário
Idealizada há cerca de dez anos - em inícios de 1992, por ocasião da revisão da Constituinte de 1988 -, especialmente para remover os entraves causadores da crônica morosidade de nossa Justiça, a Reforma do Judiciário, originada da Proposta de Emenda à Constituição PEC 96-E, de 1992, aprovada na Câmara dos Deputados, com relatoria da deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, em junho do ano passado, e desde então no Senado, sob a relatoria do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Bernardo Cabral (PFL-AM), vai sendo entravada pela pressão de lobbies, que se opõem a determinadas inovações.
Há três pontos em que se manifesta, claramente, a pressão lobística contrária a mudanças: o primeiro diz respeito à súmula vinculante; o segundo, ao problema dos precatórios; e o terceiro, à questão do controle (interno e/ou externo) do Judiciário.
A súmula vinculante, pela qual decisões dos tribunais superiores, sobre matéria idêntica, criam jurisprudência obrigatória - a ser seguida pelas instâncias inferiores -, foi proposta para diminuir o congestionamento do Judiciário e o conseqüente retardamento no cumprimento das sentenças, pela repetição de julgamentos de questões semelhantes. Pelo projeto aprovado na Câmara, a súmula vinculante se restringia ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O relator, no Senado, estendeu-a ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Contra essa mudança pressiona o forte lobby dos advogados, encabeçado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Não há como deixar de considerar que a procrastinação, na execução das sentenças, muitas vezes é o melhor "serviço" que muitos escritórios de advocacia prestam a seus clientes.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) é o outro poderoso lobby contrário à súmula vinculante, argumentando que os tribunais superiores, por meio dela, assumiriam o "poder de legislar". O argumento é discutível, se se levar em conta que a jurisprudência dos tribunais superiores - aqui como em tantos outros países - já tem sua considerável força normativa. Mas a entidade dos magistrados apresentou uma alternativa que poderia ser discutida: a chamada "súmula impeditiva de recursos", que impediria a parte de recorrer, caso a decisão do juiz de primeira instância estivesse de acordo com uma decisão da Corte para a qual se pretendesse apelar.
A questão dos precatórios (ou dívidas judiciais) surgiu da incorporação, que fez o relator Bernardo Cabral, de sugestão do STF (que já comentamos em editorial anterior), no sentido de criar-se os "títulos sentenciais", emitidos pela autoridade judiciária e resgatáveis em dez parcelas. Seria uma solução para acabar com a inadimplência de muitos governos, em relação a tais pagamentos, o que tem gerado, por sua vez, milhares de pedidos de intervenção - que, não cumpridos, acabam resultando na desmoralização da própria Justiça, perante a sociedade. O maior lobby contra essa proposta vem do próprio governo - e tem sido exercido pelo advogado-geral da União, Gilmar Mendes. Não haveria maiores problemas para se chegar a um entendimento sobre a matéria, pela via da transparente negociação - e aí está uma questão que interessa de perto a todos os governos e aos cidadãos.
Já a questão do controle do Judiciário - que também sofre a atuação do lobby dos magistrados - talvez seja menos complicada do que aparenta. Senão vejamos: no projeto que saiu da Câmara dos Dep utados, criara-se o Conselho Nacional de Justiça, composto por 15 membros, com participação de representantes dos Tribunais Superiores, dos Tribunais e juízes estaduais, do Ministério Público da União e dos Estados, da OAB e de dois cidadãos "de notável saber jurídico", um escolhido pela Câmara dos Deputados e outro, pelo Senado. Bernardo Cabral retirou esses últimos do Conselho, alegando o risco de que fossem escolhidos parlamentares não reeleitos... Aí encontrou compreensível resistência da oposição (expressa, por exemplo, pela senadora Heloísa Helena (PT-AL). Talvez se resolvesse o problema proibindo, expressamente, a escolha desse tipo de candidato. Mas será que as duas Casas Legislativas federais não haveriam de descobrir pessoas de notável saber jurídico (e ilibada reputação) para exercer uma função tão relevante, que vem ao encontro de uma exigência inquestionável da sociedade brasileira de hoje? E o que os magistrados teriam tanto a temer, com essa participação?
Enfim, os entraves à Reforma do Judiciário são, no fundo, menores do que os difusos temores corporativistas fazem supor.
Topo da página
11/12/2001
Artigos Relacionados
Relator viaja para divulgar teses de CPI contra Olívio
Busatto promete novidades sobre gestão financeira de Olívio
Covatti ingressa com ação popular contra o governo Olívio
SESSÃO PLENÁRIA/Covatti ingressa na Justiça contra governo Olívio
Artur da Távola nega participação do governo na busca de provas contra Murad
Relator da CPI acusa Olívio de prevaricação