Relator viaja para divulgar teses de CPI contra Olívio
Relator viaja para divulgar teses de CPI contra Olívio
PORTO ALEGRE - O relator da CPI da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, deputado Vieira da Cunha (PDT), inicia amanhã viagem para divulgar as conclusões da investigação sobre a suposta relação do governo Olívio Dutra (PT) com o jogo do bicho. Ele pretende dar uma resposta ao périplo realizado por Olívio na semana passada em São Paulo. "Vou levar para a imprensa nacional uma versão resumida do meu relatório", disse Cunha.
Em Brasília, Cunha assistirá ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de uma ação direta de inconstitucionalidade contra o governo gaúcho por não conceder reajuste geral anual aos servidores. Em nome da redução das distorções salariais, Olívio tem dado reajustes apenas para as categorias que ganham menos. "No caso de o governador ser declarado omisso pelo STF, ele ficará passível de um novo processo por crime de responsabilidade", disse.
O diretório regional do PT gaúcho decidirá hoje, em reunião, devolver a sede de Porto Alegre para o Clube de Seguros da Cidadania e romper os vínculos com a entidade.
FHC e líderes tentam definir agenda de votações
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu intervir nas discussões sobre as votações que ocorrerão nesta semana no Congresso.
Ele marcou para hoje, às 11h30, uma reunião no Palácio do Planalto com os líderes do governo, com o objetivo de estabelecer uma pauta de votação.
As articulações começaram ontem mesmo. Fernando Henrique convidou os deputados Pedro Correia e Severino Cavalcanti, do PPB de Pernambuco, para conversar no Palácio da Alvorada.Depois, foi a vez de se reunir com os líderes no Congresso, Heráclito Fortes (PFL-PI), no Senado, Arthur da Távola (PSDB-RJ) e na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP).
O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), testa sua força hoje na votação do projeto de lei que altera o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele quer aprovar as mudanças na legislação trabalhista, porque a proposta tramita em regime de urgência, o que impede apreciação de outros projetos.
Estão na lista de prioridades de Aécio, nas próximas sessões, o Orçamento-Geral da União e o segundo turno de duas propostas de emenda constitucional: a que restringe a imunidade parlamentar ao exercício do mandato e a que permite cobrar taxa de iluminação pública nos municípios.
Ele se comprometeu, ainda, a votar a emenda que autoriza participação de capital estrangeiro nas empresas de comunicação.
PSDB tenta hoje acelerar definições
Executiva deverá definir data e critério para escolha do sucessor de FHC
BRASÍLIA - O PSDB pode fixar hoje a data da escolha do candidato tucano à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso e o método que será utilizado para definir o nome. A executiva nacional reúne-se à noite para tratar da corrida sucessória, pressionada pela bancada federal, que reclama a participação dos deputados no processo e pede pressa na definição.
"É natural que a bancada queira participar, até porque ela tem peso e os deputados são os grandes agentes de divulgação dos pré-candidatos a presidente nos Estados", defende o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA). No início da tarde, ele reunirá sua bancada para discutir o tema, já informado de que um grupo de tucanos ligados ao presidente da Casa, Aécio Neves (MG), apresentará documento com as reivindicações que deverão ser levadas à executiva.
Com este movimento, os dirigentes avaliam que até o fim de janeiro o candidato tucano estará escolhido. O método a ser usado será debatido pelos dirigentes nacionais, mas já começa a ser construído um consenso em torno da tese de que a pré-convenção é o instrumento mais adequado. Segundo o secretário-geral do partido, deputado Márcio Fortes (RJ), a executiva tem várias alternativas de métodos democráticos para escolher. Mas como a realização de prévias já foi descartada pela própria executiva, ele admite que a pré-convenção ganha força.
"As prévias seriam um método mais amplo e mais movimentado, mas não tenho nada contra a pré-convenção", disse o governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira. Ele chega hoje a Brasília para participar da reunião, onde repetirá as ponderações que fez a Fernando Henrique em almoço no Palácio da Alvorada há 15 dias.
Rapidez - "Pedirei que se defina o mais rápido possível as regras e a data da escolha do candidato, para que tenhamos um prazo de campanha", antecipa, colocando seu nome na disputa. Na conversa, o presidente defendeu a data de 25 de janeiro. "Defenderei a definição em fim de janeiro ou início de fevereiro, o mais tardar".
Os signatários do manifesto da bancada tapresentam três argumentos para sustentar a pressa. Ponderam que o candidato tucano precisa estar escolhido para que possa crescer nas pesquisas eleitorais; que alongar o processo de indefinição pode criar dificuldades internas irreversíveis e, especialmente, que a sucessão já começou dentro e fora do PSDB.
Estes argumentos mudaram a opinião de muitos tucanos, como o vice-presidente do partido, deputado Alberto Goldman (SP). "Havia um consenso de boa parte do PSDB e de todo o governo de que não deveríamos apressar nada, mas isto só era válido quando os candidatos não estavam disputando."
"O processo foi desencadeado e isto ficou claro no programa do partido no rádio e na TV", disse. "Cada um apareceu dizendo 'eu fiz, eu penso'. Está na hora de tirar a conversa da primeira pessoa do singular e passar para a primeira do plural, com o partido e o governo dizendo o que fizeram."
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mantem-se contrário à antecipação da escolha do candidato. Para ele, a definição só deve sair depois das "águas de março".
Ciro acusa institutos de pesquisa de forjar dados
O ex-ministro da Fazenda e presidenciável do PPS, Ciro Gomes, criticou ontem duramente os institutos de pesquisa do País, dizendo que os resultados são forjados para atender a interesses políticos. Para ele, que vê pouca importância nas oscilações registradas até agora nesses números, há "variáveis pecaminosas" nas consultas eleitorais.
"Boa parte dos institutos trabalha para os partidos, para nós políticos, para nós candidatos", afirmou Ciro. "Alguns institutos, a serviço da gente, fazem o que a gente manda, botam o número que a gente quer."
As declarações foram feitas durante uma palestra para empresários em São Paulo, ao ser questionado sobre a queda de dois pontos percentuais registrada na última pesquisa - Ciro tinha 14% e agora aparece com 12% -, divulgada no fim de semana. "Em toda pré-campanha você tem isso. Há momentos de grande e intensa oscilação por conta de algumas variáveis. A maior parte delas veniais, mas algumas delas pecaminosas", observou. "O que conta é não ter euforia e depressões."
Tucanos - Ciro considera "justo" o ministro da Saúde, José Serra (PSDB), pensar que o PSDB deve crescer nas pesquisas, tão logo o candidato governista seja definido. "Se ele não pensasse assim, teria de desistir."
O pré-candidato do PPS afirmou ainda que o quadro eleitoral só estará completo quando o PMDB e os tucanos se definirem e, também, após 2 de abril, quando termina o prazo para governadores e ministros se desincompatibilizarem para as eleições. "Só a partir daí teremos a verdadeira campanha."
No Rio, Serra ensaia papel de candidato
Ministro não esconde pretensões ao distribuir beijos e apertos de mão na periferia carioca
RIO – O traquejo no corpo-a-corpo anda enferrujado, mas o ministro da Saúde, José Serra, não escondeu ontem o desejo de ser o candidato do PSDB à Presidência. À vontade, respeitando os limites de sua sisudez, ele distribuiu beijos para criancinhas, apertou a mão de mulheres e idosos, tirou fotos. Foi no bairro de Bangu, na zona oeste, o maior colégio eleitoral do município do Rio, que Serra viveu o dia de candidato.
A convite do secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, seu companheiro de partido, Serra foi ao Rio e enfrentou o calor para lançar o Cartão Nacional de Saúde, que pretende facilitar o atendimento dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O ministro esteve na Escola Nações Unidas, onde foi recebido por alunos, pais e componentes da bateria-mirim da escola de samba de Padre Miguel.
Ao chegar em Bangu, Serra fez questão de avisar que não falaria de política. Cumpriu o prometido, mas não foi preciso nem falar: a política esteve no atos. “Sempre fiz corpo-a-corpo, mas agora com essa história de sucessão, vocês ficam dizendo que estou em campanha”, tentou justificar, meio sem jeito, antes de ir embora.
Em São Paulo, o ministro Paulo Renato Souza (Educação) disse que mantém sua pré-candidatura e criticou a concentração dos debates na disputa entre Serra e o governador do Ceará, Tasso Jereissati. Ele defendeu uma terceira via no PSDB. “Eu já protestei contra o Fla-Flu”, contou, falando de Serra e Tasso, após a entrega do 2.º Prêmio Cultural Sérgio Motta, na Sala São Paulo.
Em Brasília, o presidente Fernando Henrique Cardoso negou, por meio do porta-voz adjunto, Alexandre Parola, que já tenha feito a escolha de seu candidato à sucessão. Parola disse que os comentários sobre Tasso atribuídos ao presidente “não refletem de forma nenhuma o alto conceito que faz do governador e tampouco fazem justiça à sua administração à frente do Ceará”.
Suplicy retoma enquete sobre candidatura
Embora não queira desistir, ele ouve apelos de dirigentes e pensa na pergunta de Lula sobre renda mínima
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) retomou ontem a enquete para decidir se mantém sua pré-candidatura à Presidência ou desiste em favor de Luiz Inácio Lula da Silva. “Desejam os integrantes do diretório nacional que Lula seja o candidato e, diante dos novos apelos para que eu pense sobre a conveniência dos debates, resolvi prosseguir com minha consulta”, afirmou o senador, ontem à noite, ao falar sobre seus planos para alunos da Escola de Governo da USP.
Suplicy continuará “entrevistando” a população até a véspera do Encontro Nacional do PT, de 14 a 16 de dezembro, no Recife. Apesar desta providência, ele não pretende, de fato, voltar atrás na decisão de obrigar o PT a realizar prévia para a escolha do candidato. “Quando saio às ruas, todos dizem para eu não desistir”, contou.
Até Lula disse a Suplicy durante a reunião do diretório, no sábado e domingo, que gostaria de entender suas motivações. “Vamos fazer uma prévia para discutir a renda mínima?”, perguntou, numa referência ao projeto do senador. Diante dos companheiros, Lula reiterou que, assim como Suplicy tinha o direito de postular a indicação, ele também tinha de não se inscrever para a prévia.
“Teremos de convencê-lo”, comentou um dirigente do PT. O prazo de registro dos concorrentes termina no dia 17 de dezembro e, até agora, Suplicy é o único inscrito. O prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PT), garantiu ontem que também entrará no páreo para representar facções radicais do partido e debater um programa de governo “bem diferente” do apresentado pelos moderados. “Minha candidatura é irreversível”, notou.
Ainda na reunião do fim de semana, Lula disse não ver sentido numa disputa interna só para marcar posição. Citou como exemplo o próprio Edmilson, que, no seu entender, seria o melhor candidato do PT ao governo do Pará, em 2002. O prefeito alegou, porém, que vai terminar o mandato. Lula destacou a contradição: “Então, como ele quer ser candidato a presidente?”
Procuradoria pede prisão de Estevão por fraude
Acusação é de falsificar livros contábeis do Grupo OK e fazer "ameaças de morte" a contadora
A Procuradoria da República requereu à Justiça Federal em São Paulo decretação da prisão preventiva do ex-senador Luiz Estevão, acusado de falsificar livros e registros contábeis do Grupo OK e fazer "ameaças de morte" a Jesuína Tereza Varandas Ferreira - contadora que trabalhou durante quase 20 anos em suas empresas e denunciou ousado esquema de fraudes que teria sido determinado por ele. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, Tereza "expôs fatos delituosos" envolvendo o senador cassado, apontado como um dos mentores do desvio de verbas das obras do Fórum Trabalhista.
Para a procuradora Denise Neves Abade, "a custódia cautelar se faz necessária, tanto pelo fundamento da conveniência da instrução criminal, como pelo fundamento de garantia da ordem pública, na medida em que o réu acentuadamente demonstra que, em liberdade, encontra estímulos para prática de delitos". Segundo ela, "o acusado demonstra claramente que pode fazer desaparecer provas do crime, ameaçando testemunhas, além da possibilidade de adulterar documentos".
A prisão foi pedida junto com denúncia criminal, por falsidade ideológica e falsificação de documento. Foram denunciadas Eliana Suely Freitas da Cunha e Lúcia Bernardete Pinto de Azevedo, funcionárias do OK.
Bloqueio - Os livros e escrituração contábeis que Estevão teria mandado forjar foram juntados à ação civil, da 12.ª Vara Federal, em que o ex-senador é acusado de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Ele teve bloqueada parte de seu patrimônio e do OK - do qual é o presidente. Para executar medida de indisponibilidade de bens, a Justiça determinou a apresentação do balanço patrimonial, balancetes e contas do ativo permanente e do circulante das empresas.
O Ministério Público sustenta que "simples exame dos documentos" demonstra que o balancete de dezembro de 1998 relaciona determinados imóveis como pertencentes ao ativo circulante do grupo. No balancete de janeiro de 1999, sob a mesma conta, há o registro de outros imóveis, completamente distintos, como integrantes do circulante, anotou a procuradora, que listou 32 bens.
Os imóveis que passaram a constar das mesmas contas apresentam valores econômicos superiores dos que efetivamente fazem parte do ativo circulante do OK. Estevão teria tentado incluir como sua própria residência - que não pode ser disponibilizada -, no lugar de imóvel à CRS 514, bloco B, em Brasília. "Houve clara falsificação", acusa a procuradora.
Laudo técnico "comprova que as alterações e ou substituições de imóveis foram efetuadas com ausência de suporte e são contabilmente inexplicáveis, ensejando inferir ocorrência de fraude".
Maluf recorrerá contra bloqueio de bens em Jersey
Estratégia da defesa é alegar que decisão judicial ‘não preenche os requisitos legais’
O ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) decidiu ontem à noite recorrer da decisão da juíza Silvia Maria Meirelles Novaes de Andrada, da 4.ª Vara da Fazenda Pública, que decretou o seqüestro de valores depositados em nome do pepebista e de seus familiares na Ilha de Jersey. A decisão foi tomada pelo próprio Maluf, durante reunião de uma hora e meia com seus advogados ocorrida na sua residência.
A estratégia é combater a medida judicial “com argumentos estritamente técnicos”. Maluf reclama que ele e sua família têm sido alvos de “execração pública”, mas perante a Justiça pretende evitar dar conotação política para o caso.
“O seqüestro não preenche os requisitos legais”, avalia a defesa do ex-prefeito. O recurso, um agravo de instrumento, deve ser protolado ainda hoje na presidência do Tribunal de Justiça (TJ) – e distribuído a uma Câmara de Direito Público – com pedido de liminar para tornar imediatamente sem efeito a o rdem de seqüestro.
A defesa vai sustentar no TJ que “não existe seqüestro de algo indeterminado” – o Ministério Público pediu bloqueio do dinheiro em instituições financeiras no paraíso fiscal do Canal da Mancha, sem especificar a quantia. Foi juntada aos autos informação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, que cita existência de US$ 100 milhões. Maluf afirma que não tem recursos no exterior. Seus advogados querem derrubar o seqüestro com base na própria Lei da Improbidade.
Confissão – Para o promotor Silvio Antonio Marques, que investiga suposto enriquecimento ilícito, o recurso é “uma confissão” da existência de dinheiro no exterior. “Por que Maluf iria tentar evitar o bloqueio se afirma não ter dinheiro em Jersey?” O advogado Ricardo Tosto, especialista em Direito Civil. rebate: “Essa lógica equivale a dizer que quem contrata advogado é culpado.”
A juíza Silvia Andrada preparou as rogatórias que deverão ser enviadas pelo Ministério da Justiça às autoridades de Jersey e da Suíça – onde Maluf também teria mantido ativos.
Artigos
OMC, democracia e distorções
MÁRIO MARCONINI
O lançamento de uma nova rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC) serviu para tirar um pouco da atenção dos novos problemas da governança global e desviá-la para as antigas distorções do comércio mundial. Que países em desenvolvimento se mostrem indignados com a persistência de um comércio internacional intrinsecamente injusto e exijam o que podem na mesa de negociação não espanta mais observadores e analistas do Primeiro Mundo. Afinal, o mundo em desenvolvimento tem levado a sério o valor de mercados abertos para suas economias e isso não passa despercebido.
O que segue espantando é por que demandas do Terceiro Mundo ainda são percebidas como sendo exclusivamente de interesse do Terceiro Mundo.
Os dois principais assuntos da pauta de reivindicações brasileiras ilustram bem a situação. Vejamos a agricultura: 2% do PIB e 5% do emprego dos países da OCDE, em média, têm origem agrícola, apesar de o setor ter acesso a US$ 361 bilhões em subsídios anuais, o que corresponde a 1,4% não dos subsídios totais, mas do PIB total anual desses países. A noção de que o apoio beneficia os menores produtores é simplesmente equivocada: a maior parte do apoio é dado em função de preços, produção e/ou área plantada, o que faz com que 70% do apoio vá para as 25% maiores fazendas na União Européia (UE) e no Japão, o que chega a 90% no caso dos EUA.
E receitas, rendas e patrimônios, o que revelam? Em primeiro lugar, que subsídios são responsáveis por 40% em média da receita dos fazendeiros dos países da OCDE, chegando a 80% no caso da Noruega e da Suíça, 70% no caso do Japão e 50% na UE (é de apenas 21% nos EUA). Em segundo, que a renda dos fazendeiros beneficiados é até duas vezes maior que a de outros grupos econômicos (2 vezes na Holanda, 1,8 na Austrália, 1,1 nos EUA, 1,8 na França, 1,7 na Dinamarca). Os dados são todos da própria OCDE.
Em outras palavras, não faltam argumentos agrícolas para reivindicar maior eqüidade e isonomia dentro desses países - mesmo sem evocar o interesse de países pobres. Quando a UE defende princípios sofisticados, como a "vitalidade sustentável das áreas rurais" ou a "multifuncionalidade" da agricultura, bom seria que se reconhecesse que não são apenas os países em desenvolvimento que "pagam" o alto custo do protecionismo europeu, e sim o próprio cidadão, contribuinte e consumidor europeu em primeiro lugar.
A segunda ilustração é o caso do aço. O setor já tem longa história de apoio e favoritismo. Nos EUA, já em 1968 começou a bateria de direitos compensatórios contra o aço europeu. Nas duas décadas seguintes, a perversidade aumentou com a combinação antidumping-preços mínimos-restrições voluntárias à exportação - época em que o Brasil foi "notado" pela primeira vez. Nos anos 1990 tentou-se um acordo multilateral para a contenção de subsídios, porém a iniciativa fracassou e o protecionismo voltou com vigor.
O ano 2002 pode ser o pior de todos: o governo Bush quer cotas (Steel Revitalization Act) e salvaguardas (Seção 201) para as importações e apoio para a indústria doméstica. Os EUA lograram uma proeza: definir o mundo inteiro como desleal - todo os produtores estrangeiros ou "dumpeam" ou subsidiam, o que dá unilateralmente aos EUA o status de mercado de referência mundial, apesar da conhecida falta de competitividade de parte de sua indústria siderúrgica.
Estudos do International Institute for Economics de Washington demonstram que o custo das políticas de proteção para o aço que se propõem no momento seria de US$ 3,5 bilhões por ano, enquanto políticas de realocação de trabalhadores do setor custariam dez vezes menos! É do interesse do cidadão ou do consumidor norte-americano que dez vezes mais do que o necessário sejam gastos para proteger uma única indústria (cujo custo se propaga por inúmeras cadeias produtivas) e que a maior parte do dinheiro seja alocada para investidores nessa indústria e importadores afortunados? Interessa ao contribuinte norte-americano que US$ 360 mil sejam gastos em subsídios anuais (por meio do proposto Steel Revitalization Act) por emprego mantido na indústria? É isonômico que o Tesouro garanta empréstimos privados para a indústria do aço, aumentando em dez vezes o limite disposto pelo Emergency Steel Loan Guarantee Act de 1999 - de US$ 1 para US$ 10 bilhões?
A correção desses tipos de distorções passa pela democracia, assim como a sua manutenção parece depender de uma certa "falta" de democracia. Nesse contexto, o que surpreende é a relativa ausência das ONGs de Primeiro Mundo na defesa da eqüidade e isonomia nos seus próprios países de origem.
Subsídios agrícolas, antidumping industrial e abusos não-tarifários miscelâneos não figuram sequer na agenda de "desenvolvimento sustentável" dessas instituições, como se um mundo mais justo e próspero dependesse apenas de questões ambientais, trabalhistas e de cunho propriamente social.
Por que não tomar claramente posição contra os abusos do erário a favor de grupos poderosos que impõem suas demandas protecionistas? Por que reclamar apenas do lado de fora de reuniões ministeriais em lugares exóticos do planeta, quando a batalha pelo desenvolvimento sustentável segue sendo travada nas grandes capitais da OCDE? Por que não encarar o fato de que a melhor forma de ajudar o Terceiro Mundo é justamente resolvendo grandes favoritismos internos ao Primeiro Mundo?
Acusar a OMC de falta de transparência e alta propensão a defender grandes interesses corporativos é errar o alvo. O problema reside nas grandes potências econômicas e é ali que a pressão deve ser exercida. Só com uma mudança consistente da política comercial dos grandes protagonistas do comércio internacional poderá a OMC tornar-se um organismo tão democrático quanto exigem seus críticos.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Os portões que não foram
Na década de 40, quando vim morar no Rio, a Barra da Tijuca era um lugar quase campestre, seu único acesso conhecido era a Avenida Niemeyer. Teve até uma marchinha carnavalesca, que fez sucesso e dizia assim: "Na Barra da Tijuca/ eu fui tarrafear/ veio uma onda maluca/ me atirou no quebra-mar." Era isso, tinha até quebra-mar; e os namorados iam pescar siri, de puçá, no alto da ponte que escalava o canal.
Depois, no pós-guerra, com a brutal expansão da cidade do Rio, a moradia na Barra da Tijuca virou uma opção para os mais ricos, que tinham carro (nesse tempo também tudo era importado). Encomendou-se ao grande Lúcio Costa um plano urbanístico para o novo bairro; veio o plano e era, como de se esperar, maravilhoso. Mas aí entrou areia, quero dizer, entraram os especuladores, perverteram o plano e, do projeto de mestre Lúcio Costa, ficaram apenas aquelas torres redondas à beira-mar. E aí, como o resto do Rio, com o crescimento sem ordem e sem lei, a Barra se desumanizou; multiplicaram-se desordenadamente os edifícios, altíssimos, com seus apart-hotéis. E os grandes supermercados, que nas grandes cidades do resto do mundo se localizam nos arredores distantes das megalópoles, se instalaram por lá, achando talvez que ali ainda eram "arredores", ocuparam vastas áreas com as suas instalações. E a Barra foi crescendo, Quem queria comprar apartamento novo, a opção era a Barra. Os mais se instalavam a meio caminho, naqueles grandes prédios aristocráticos à saída de São Conrado. No governo Carlos Lacerda, abriu-se o túnel Dois Irmãos - hoje Zuzu Angel - mais outro túnel, o falso; duplicaram-se os acessos. E mais acesso, mais gente - lá nave vá.
Hoje, realmente, morar na Barra é um martírio, quase uma impossibilidade para quem trabalha na cidade. Engarrafamentos tremendos até dentro dos túneis e viadutos, ninguém chega mais de lá pra cá em menos de uma hora, hora e meia e vice-versa. E isso para quem tem carro; de ônibus é ainda muito mais penoso.
Pois é no meio desse caos, no aperto desse nó gordio, que alguém (ou alguéns?) não faz muito tempo apareceu com uma idéia alucinada: fechar com portões de ferro todas as entradas da Barra da Tijuca! Já pensaram, nossos amigos e inimigos, mesmo os que não moram na cidade do Rio? Trancar pra que - se o grande problema do bairro é sair e entrar? Os imensos shoppings, de centenas de lojas, que já se multiplicam, de onde iriam tirar a freguesia? Só os da Barra? Não iria dar. As velhas cidades européias mantêm a tradição de suas antigas portas; Paris, por exemplo: já morei perto da Porta de Versailles, mas de tal porta só havia mesmo a lembrança. Qual o maluco que pretenderia fechar o acesso de Paris? Mas se eles, na Barra, tivessem mesmo cometido essa loucura, já pensaram no atropelo sem fim dos engarrafamentos, a polícia em cada portão, examinando os papéis de cada carro, a cara de cada possível suspeito? Só louco mesmo.
Não, barristas-bairristas, não se pode medievalizar uma megalópole, agredindo um dos mais democráticos direitos humanos, que é o de ir-e-vir. E se acham que se trancando todos lá dentro, se garante a segurança, é outra loucura. Os ladrões vão se trancar com vocês, e aí é que fazem a festa. Em família.
O Rio, como São Paulo, como todas as grandes cidades do Brasil (e do mundo) padecem do crescimento excessivo, provocado pelo êxodo rural; o campo fica cada vez mais pobre e deserto e as grandes cidades são poderosos ímãs, atraindo a gente rural com o sonho de desfrutarem também os confortos e deleites da vida urbana. Com a esperança de trabalho mais fácil e algum dinheiro (qualquer dinheiro) que os liberte da incerteza e da miséria. E não será se trancando em guetos, atrás de grandes portões, que os ricos moradores dos bairros aristocráticos vão se defender dos pobres que os invadem. Mesmo porque pobre anda a pé, não passa pelos portões. Desce morro sobe morro, abre veredas e, quando os ricos dão fé, já foram invadidos. Em massa. E tudo trancado dentro!
Editorial
Apenas o começo da reforma trabalhista
O projeto de flexibilização das relações trabalhistas tem sido apresentado como uma medida destinada a combater o desemprego. Na verdade, o projeto tem objetivos mais ambiciosos. Como a proposta prevê a livre negociação entre empregados e empregadores a respeito de questões que, por estarem regulamentadas na CLT, não podiam ser objeto de acordo entre as partes, a pergunta que surge, como observou o professor Hélio Zylberstajn, em entrevista publicada domingo pelo Estado, é: "Quem vai negociar"?
Uma das principais críticas que vêm sendo feitas ao projeto diz respeito, justamente, à existência de sindicatos fracos e pouco representativos que, dessa forma, colocariam os trabalhadores que representam à mercê dos patrões, nas negociações livres. O projeto em discussão no Congresso, na verdade, não obriga a livre negociação, sempre podendo o sindicato que não se sinta em condições de sentar-se à mesa com os representantes patronais preferir a aplicação pura e simples da CLT. Sob esse aspecto, nada mudaria com a aprovação do projeto.
Mas muitos dos sindicatos que hoje não têm condições de enfrentar uma livre negociação estão nessa situação porque são organizações burocráticas que sobrevivem exclusivamente porque a Constituição estabeleceu o princípio da unicidade sindical - só pode existir um sindicato por categoria, numa determinada base territorial - e são sustentados por um imposto iníquo, que todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, são obrigados a recolher. O projeto de flexibilização das leis trabalhistas abre caminho para a mudança da estrutura sindical. Com a possibilidade de a livre negociação prevalecer sobre o que dispõe a CLT, será maior a importância do fortalecimento dos sindicatos que, em última análise, só será possível quando os trabalhadores, como observou o professor Zylberstajn, tiverem "autonomia e soberania para constituir seus representantes". Ou seja, em sua maioria, os sindicatos hoje não são fortes e representativos porque a legislação trabalhista nunca privilegiou a negociação; passando a fazê-lo, a conseqüência óbvia será a revigoração da vida sindical.
Esse, aliás, é o ponto crucial do projeto de flexibilização. A atual legislação favorece o conflito e perpetua a informalidade e a exclusão. Não é à toa que o Brasil é campeão mundial de ações trabalhistas. No ano passado, foram movidas 2 milhões de ações trabalhistas no Brasil, enquanto nos Estados Unidos eram movidas apenas 17 mil e, no Japão, 1,5 mil. No Brasil, a legislação estimula o antagonismo e o conflito; nos Estados Unidos e no Japão, ela estimula a negociação e a conciliação.
Esse modelo conflitivo dá trabalho a advogados e ocupa a maior Justiça Trabalhista do mundo, que consome cerca de metade dos recursos destinados ao Poder Judiciário. Na aparência, garante os direitos, de forma rígida, dos empregados com carteira assinada, isto é, do emprego formal. Na verdade, esse modelo conduz à lesão dos direitos dos trabalhadores que recorrem à Justiça Trabalhista. Como mostrou o professor José Márcio Camargo, em reportagem publicada também no domingo, 80% dos empregados que procuram a Justiça aceitam acordos ainda na fase da conciliação e recebem, em média, 40% do que lhes é devido. O modelo, portanto, é mais iníquo do que se pinta.
Além disso, ele estimula o trabalho informal, que ocupa hoje cerca de 60% da mão-de-obra ocupada do País. E quem está no mercado informal não tem nenhum dos direitos previstos na Constituição e na CLT.
A flexibilização criaria condições para que 42 milhões de trabalhadores - num universo de 70 milhões -, que hoje estão excluídos de qualquer proteção legal, ingressassem no mercado formal. Para as empresas, aumentaria a previsibilidade do custo do trabalho e certamente seriam removidos alguns dos fatores que hoje determinam o absurdo índice de 33% de rotatividade da mão-de-obra. Para os trabalhadores, será mais vantajoso negociar condições contratuais com os empregadores do que discutir direitos na Justiça.
O projeto de flexibilização, como dissemos, vai além do objetivo de combater o desemprego. Mas com sua aprovação não se esgotaria a reforma da estrutura trabalhista. Seria apenas o começo.
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11/27/2001
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