Roriz torce para que o PSDB desista de Serra








Roriz torce para que o PSDB desista de Serra
Lá se vão mais de seis meses desde o pacto firmado entre o presidente Fernando Henrique (PSDB) e Joaquim Roriz (PMDB). O governador do Distrito Federal comprometeu-se, em visita ao Palácio do Planalto, a apoiar o candidato do PSDB à presidência, independentemente de quem fosse o indicado. Em troca, Roriz teria a liberação de recursos federais para obras. O escolhido acabou sendo José Serra. O ex-ministro da Saúde não era bem o candidato dos sonhos de Roriz.

Agora com as denúncias contra Ricardo Sérgio, ex-tesoureiro de campanha do PSDB, o governador, na intimidade, faz cara ainda mais feia para o tucano. Publicamente cumpriu o acordo. Manifestou oficialmente apoio a Serra e espera pela retribuição que até agora não veio: a liberação de R$ 42 milhões do governo federal para a construção do segundo trecho do Metrô.

Roriz anda preocupado. Teme que Serra, por causa das denúncias, despenque nas pesquisas e assim fique sem um braço forte para fazer dobradinha na campanha. Enquanto isso, o deputado Geraldo Magela do PT poderá crescer em Brasília com o apoio de Lula, que lidera as pesquisas na disputa à presidência e é um dos maiores beneficiados com as denúncias que atingem o ninho tucano.

Roriz sonha com um candidato a presidente mais forte apoiando-o para o Buriti. O governador gostaria que o ex-ministro fosse substituído por Aécio Neves, presidente da Câmara dos Deputados. Prefere um candidato do PSDB que consiga o apoio do PFL, ao contrário de Serra, que tem a rejeição dos pefelistas.

‘‘Para o governador seria conveniente a candidatura de Áecio. Ele poderia fazer as pazes do PSDB com PFL em nível nacional, reforçando uma aliança que Roriz já construiu em Brasília com esses dois partidos’’, conta um integrante do governo.

Amparo Federal
Roriz sabe que, para ter tranqüilidade, não basta vencer apenas a eleição no Distrito Federal. Precisa do amparo do governo federal, que sustenta hoje boa parte dos gastos da capital. As áreas de Segurança, Saúde e Educação dependem de repasses federais. O medo de Roriz não é perder votos no Distrito Federal com o avanço de Lula. O que ele não quer é ser governador da capital tendo Lula como presidente e Cristovam Buarque como ministro.

‘‘Lula não transfere muitos votos a Magela. Como Serra também não dará votos a Roriz. O contrário é mais provável. Mas o governador passará por um grande aperto se Lula ganhar. Roriz precisa muito do apoio federal para administrar’’, avalia o cientista político David Fleischer. Assim, é natural que Roriz torça para o PSDB arrumar um candidato mais forte, enquanto há tempo.

Existe ainda outro fator para a preferência por Aécio Neves como candidato. ‘‘Quem sabe Aécio poderia atrair até o PPB na coligação nacional. Ficaria assim resolvida a crise de Roriz com o vice-governador Benedito Domingos, que não poderia ser mais candidato ao GDF’’, prevê um aliado de Roriz.

Publicamente Roriz manterá seu compromisso com Fernando Henrique: apoiar Serra até o último momento de sua candidatura. O presidente tinha receio que o governador apoiasse a candidatura de Roseana Sarney (PFL), na época em que ela ainda andava em alta. Roriz é velho amigo do senador José Sarney. Mais um motivo para não gostar de Serra, acusado de perseguir a candidatura de Roseana, patrocinando investigações contra ela.

Apoio ao presidente
Apesar disso, Roriz foi o primeiro governador a manifestar apoio à candidatura de Serra. Foi há pouco mais de um mês, durante a inauguração do Hospital Regional do Paranoá, construído com recursos do Ministério da Saúde. Durante a solenidade, os dois mostraram um entrosamento antes difícil de imaginar. Na eleição passada, Serra ignorava Roriz e não escondia de ninguém a simpatia pelo então governador Cristovam Buarque (PT).

‘‘Roriz está sendo coerente. Apóia acima de tudo o presidente. Ele não apóia especificamente Serra, mas o candidato de Fernando Henrique, seja ele quem for’’, reforça o presidente da Câmara Legislativa, deputado Gim Argello (PMDB).

‘‘Serra não está atendendo às expectativas dos tucanos. Esse desgaste com as denúncias afeta, claro, todos os governadores que o apóiam. Nesse momento Roriz deve preferir ficar no palanque sozinho’’, avalia o deputado federal e ex-secretário de Saúde, Jofran Frejat (PPB).


Arrumando a casa tucana
Serra diz a deputados que é inocente no escândalo que envolve o tesoureiro de suas campanhas e alerta para o risco de cair nas intenções de voto. PSDB tenta se unir para afastar crise da candidatura

O PSDB mobiliza-se para afastar as especulações em torno da substituição do candidato José Serra na disputa pela Presidência da República. E já que não dá para estancar as pressões externas, vindas de setores do mercado financeiro e do PFL, que há dois dias divulgou uma nota pedindo sua renúncia, a cúpula do PSDB trata de espantar esse fantasma, pelo menos, no plano interno. Nos últimos dois dias, reuniões com as bancadas de cada região na Câmara, almoços e jantares tentam reorganizar o PSDB em torno de seu candidato.

Num jantar na casa do presidente do PSDB, José Aníbal, na terça-feira, 23 deputados, entre líderes e vice-líderes de bancadas estaduais do partido, debatiam a sucessão quando alguém disse ser ‘‘desconfortável ficar ouvindo essas histórias de troca de candidato’’. O deputado Nelson Otoch (PSDB) pediu a palavra e falou em nome do ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, aquele que o PFL adoraria ver no lugar de Serra. ‘‘Nosso candidato é Serra. Isso é assunto liquidado. A dúvida existia quando o partido ainda não havia escolhido o candidato. Meu líder político é o Tasso e eu não estaria dizendo isso se não fosse essa a orientação dele’’, afirmou. O presidente da Câmara, Aécio Neves, também desautorizou as especulações em torno de seu nome.

Quando chegou à casa de Aníbal, junto com o coordenador de sua campanha, Pimenta da Veiga, Serra foi direto ao assunto que mais incomoda o candidato e o partido: a denúncia publicada no último fim de semana pela revista Veja sobre suposta cobrança de propina ao empresário Benjamin Steinbruch por parte do ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-tesoureiro de campanhas eleitorais tucanas. ‘‘De mim ninguém encontrará história nenhuma, nada de desonroso. Não porque eu seja esperto. É porque não há nada que possa me desonrar’’, afirmou. E atribuiu seus problemas ao que chamou de ‘‘movimentos da direita conservadora’’.

Superexposição
Serra repetiria esse mesmo discurso em outro jantar, na noite de ontem, na casa do deputado Alberto Goldman (PSDB-SP). Serra afirmou ainda que estava pagando o preço da antecipação do calendário eleitoral e disse os seus correligionários que vão tentar falar mal de todos os candidatos e que ele (Serra) seria o mais exposto ‘‘por motivos óbvios’’, ou seja, é o único representante do governo na disputa. O presidenciável também preparou os espíritos para a possibilidade de queda nas pesquisas de intenção de votos. ‘‘A campanha só começa mesmo depois da Copa do Mundo’’, disse.

Na mesma terça-feira em que Serra jantou no apartamento de Aníbal, outro jantar, oferecido pela Coca-Cola, reuniu o líder do governo no Congresso, Arthur Virgílio, e o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, dono de uma engarrafadora do refrigerante no Ceará. Tasso afastou qualquer possibilidade de virar o presidenciável do PSDB. ‘‘Vou trabalhar pelo Serra. Se titubearmos, o Lula ganha a eleição’’, afirmou. Tasso sabe o que diz. Uma pesquisa da MCI, empresa do sociólogo Antonio Lavareda, por exemplo, indica que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o prim eiro colocado em Fortaleza, à frente inclusive do ex-prefeito Ciro Gomes, presidenciável do PPS.

Afastadaas a possibilidade de substituição dentro do PSDB, o PFL
reuniu a sua comissão executiva na manhã de ontem num clima nada agradável. Setores do partido, interessados em coligações regionais com o PSDB, consideraram que o presidente da legenda, Jorge Bornhausen, avançara o sinal ao pedir publicamente a substituição de Serra. ‘‘Meu principal adversário é o Lula. Se não tivermos outra alternativa, vou fazer campanha para o Serra junto com a minha campanha de deputado’’, afirmou o deputado Roberto Brant (PFL-MG).

O deputado Rodrigo Maia (PFL RJ) aproveitou a reunião para levantar a hipótese do partido lançar a candidatura do vice-presidente Marco Maciel (PE) à sucessão de Fernando Henrique. O deputado José Carlos da Fonseca Júnior (ES) chegou a falar de um terceiro mandato para Fernando Henrique Cardoso. As manobras não sobreviveram nem 12 horas — à tarde, o próprio Rodrigo dizia na Câmara que, fechada uma aliança com o PSDB no Rio, não descartava a hipótese de apoiar Serra.

Baixando o tom
A procura de apoios informais do PFL ao PSDB nos estados fez o comando do partido de Fernando Henrique Cardoso baixar o tom das críticas aos pefelistas. ‘‘Não trato das propostas eleitorais que eles discutem. Respeito o PFL e só falo sobre o partido no que se refere a questões do governo Fernando Henrique’’, dizia o deputado Arthur Virgílio.

A ordem no PSDB é voltar a ser ‘‘a velha tribo’’ dos tempos em que Fernando Henrique, Mário Covas, Franco Montoro, Euclides Scalco, José Richa, Tasso e Serra formavam a linha de frente tucana. Ontem, finalmente o ex-senador José Richa ingressou no conselho de campanha de Serra. Ele vai integrar um comando cuja função será aparar as arestas do candidato com os partidos. Richa, Serra, José Aníbal e Pimenta da Veiga acertaram, durante o almoço, inaugurar um escritório político para a pré-campanha já na semana que vem.‘‘Estamos recuperando o que sempre foi uma das marcas do partido, o sentido de que estamos juntos, no mesmo barco. Aliás, é o ponto em comum que temos com o PT, o sentimento de tribo’’, disse Arthur Virgílio.


União das esquerdas
O atual momento de fragilidade dos partidos governistas na disputa presidencial está intensificando as articulações em torno de uma candidatura única da oposição. O objetivo dessa candidatura seria aglutinar o voto antigovernista em torno de um único nome e possibilitar a vitória da oposição ainda no primeiro turno da eleição, no próximo mês de outubro.

Essas conversas estão sendo conduzidas pelo Núcleo pela Unidade das Oposições, um grupo de deputados federais do PT, PDT, PPS, PSB, PC do B e até mesmo do PMDB, partido que anunciou recentemente uma aliança com o candidato do PSDB, José Serra.

O passo mais recente em direção à candidatura única das oposições foi dado anteontem, quando o Núcleo se reuniu com o presidente nacional do PT, deputado federal José Dirceu (SP). Ficou decidido que o PT (do pré-candidato Luís Inácio Lula da Silva), o PSB (do pré-candidato Anthony Garotinho), o PPS (do pré-candidato Ciro Gomes) e seus respectivos aliados tentarão redigir um programa de governo unificado.

Concluído esse programa, os partidos de oposição passariam a discutir o nome do candidato. E tudo indica que, caso essa idéia prossiga, o candidato seria mesmo o petista Lula da Silva.

‘‘Sendo o candidato do PT o mais forte nas pesquisas, Lula acaba sendo o candidato preferencial das oposições. Seria artificial a desistência dele a favor de qualquer outro nome’’, avalia a deputada federal Luíza Erundina (PSB-SP), uma das integrante do Núcleo.

O fato novo que está fragilizando a pré-candidatura governista de José Serra é a fragmentação da base de sustentação de Fernando Henrique, ampliada pelas denúncias de irregularidade na privatização da Companhia Vale do Rio Doce. As denúncias atingem o governo e respingam em Serra, uma vez que o pivô da crise — o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira, acusado de cobrar propina para ajudar com recursos públicos o consórcio privado que comprou a mineradora — já arrecadou recursos para campanhas eleitorais anteriores do próprio Serra.

A crise governista se agravou depois que o PFL pediu, em nota oficial, a renúncia de Serra. O PSDB respondeu, também em nota oficial, que a candidatura do senador será mantida.

Para os entusiastas da candidatura única das oposições, este seria o momento ideal para ela ser lançada, pois passaria para o eleitor a idéia de que a oposição está unida e ofereceria condições de governabilidade em caso de vitória na disputa presidencial.

Acerto estadual
Paralelamente às conversas visando uma chapa única das oposições no plano nacional, as alianças no plano estadual prosseguem à revelia das disputas entre os candidatos à presidência. Ontem, o deputado José Dirceu se reuniu com o pré-candidato do PSB ao governo do Espírito Santo, senador Paulo Hartung, para discutir uma aliança na sucessão capixaba.

A conversa foi estimulada pela desistência do deputado João Coser (PT-ES) de concorrer ao governo do Espírito Santo, ocorrida no último final de semana. Pelo acordo desenhado ontem entre Dirceu e Hartung, o senador seria apoiado pelo PT na disputa pelo governo estadual e apoiaria o deputado petista na disputa pelo Senado.

‘‘A discussão em torno de uma candidatura única das oposições será discutida lá na frente, após as convenções partidárias de junho’’, afirma o senador. Atrás de um diálogo permanente com os partidos de esquerda, Dirceu também esteve ontem em debate sobre política externa, na Câmara, em que o principal convidado era o candidato do PPS, Ciro Gomes. Oficialmente, Ciro reafirmou, porém, que não haverá união no primeiro turno.


Operação-abafa na Previdência
Ministério divulga nota para tentar diminuir o impacto de revelações sobre a gestão dos fundos de pensão da estatais na época em que Ricardo Sérgio Oliveira mandava no setor a partir do BB

O Palácio do Planalto não está medindo esforços para abafar a crise política que ameaça a candidatura do tucano José Serra à sucessão de Fernando Henrique Cardoso. Ontem, por ‘‘ordem superior’’, o ministro da Previdência e Assistência Social, José Cechin, foi aconselhado a divulgar uma nota oficial, tentando desqualificar matéria do Correio que revelou as suspeitas de um esquema de operação montado por Ricardo Sérgio, ex-diretor da Área Internacional do Banco do Brasil e tesoureiro de campanhas políticas de Serra e FHC, para saquear os fundos de pensão de estatais.

A nota, divulgada pela assessoria de imprensa do ministro, desautoriza um técnico da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) ouvido pelo jornal, que declarou: ‘‘Podemos plagiar muito bem uma conhecida frase de Ricardo Sérgio para definir o que acontecia nos fundos de pensão de estatais, no período em que ele era um homem forte do governo (entre 1995 e 1998). As fundações operavam no limite da irresponsabilidade. Esse limite da irresponsabilidade quer dizer que os parceiros do ex-diretor do BB operam nos limites da lei. Por isso, é tão difícil provar o esquema de corrupção que todos nós sabemos que existia’’.

Déficit
Segundo o ministro, ‘‘tais declarações, irresponsáveis e falsas, não refletem posição nem da Secretaria (órgão responsável pela regulação e fiscalização dos fundos de pensão) nem do ministério’’. A nota da Cechin diz, ainda, que ‘‘a SPC é um órgão estritamente técnico, não cabendo a nenhum de seus membros emitir juízo de valor sobre qualquer tema que esteja sob sua área de atuação, muito menos sobre os que não são da sua competência (as susp eitas de integrantes do PSDB estarem envolvidos em esquemas de corrupção)’’.

O ministério só se esqueceu de informar na nota, que, por causa de operações montadas por grupos políticos, os fundos de pensão registram hoje um déficit potencial de quase R$ 24 bilhões. Esse buraco mostra que boa parte das fundações está sem condições de, no futuro, bancar sa aposentadorias de seus contribuintes. O rombo decorre, principalmente, da má-gestão e de investimentos que só resultaram em prejuízos. Somente em janeiro, o Tesouro Nacional foi obrigado a injetar R$ 8 bilhões no Fundo de Pensão dos Empregados da Petrobras (Petros), cujo ex-presidente e amigo de Ricardo Sérgio, Francisco Gonzaga de Oliveira, está sendo investigado pelo Ministério Público, pela Política Federal e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Aos amigos mais próximos, Cechin reclamou que não quer levar a crise política que desestabiliza a candidatura de José Serra para dentro de seu ministério. ‘‘O ministro teme ser convocado pelo Congresso para explicitar as entranhas da intensa relação de Ricardo Sérgio — acusado de cobrar propina de R$ 15 milhões do empresário Benjamin Steinbruch para montar o Consórcio vencedor do leilão de privatização da Vale do Rio Doce — com os fundos de pensão de estatais’’, ressaltou um desses amigos. A SPC está abarrotada de processos contra os gestores das fundações na década de 90. Só o Fundo dos Empregados da Caixa Econômica Federal (Funcef) entregou uma auditoria de 1.800 folhas à SPC e à Polícia Federal, que abriu dez inquéritos. Entre os citados, está o ex-presidente do fundo José Fernando de Almeida, também ligado a Ricardo Sérgio.

Acordo de cavalheiros
Na CVM, xerife do mercado de capitais, as investigações sobre operações em bolsas que deram milionários prejuízos aos fundos de estatais estão sendo aceleradas. Desde o fim do ano passado, a autarquia intensificou as análises dos negócios com ações fechadas entre 1995 e 1998. A CVM já encontrou fortes sinais de práticas não equitativas (como uso de informação privilegiada, por exemplo), formação artificial de preços e manipulação de mercado. Entre as corretoras investigadas que operavam com as fundações está a RMC, que tem como um dos sócios Ricardo Sérgio de Oliveira.

Segundo técnicos da CVM, há indícios de que diretores dos fundos de pensão escolhiam um restrito grupo de corretoras — as únicas instituições que podem operar diretamente no pregão das bolsas de valores — e avisavam que as fundações iriam comprar determinados papéis no mercado (sempre de baixa liquidez). Essas corretoras se antecipavam e adquiriam tais ações a preços bem baixos. No dia em que os fundos davam as ordens de compras, os preços dos papéis tinham subido às alturas. Passados alguns dias, as fundações revendiam os papéis com prejuízos. A diferença de preços era rateada entre as corretoras e os diretores irresponsáveis.

‘‘Como um fundo movimenta muito dinheiro e fecha, em média, 30 operações por dia, se em cinco têm prejuízos, isso desaparece no saldo final, dissimulando o esquema’’, explica um fiscal da CVM. Há, ainda, os operações day trade (compra e venda no mesmo dia). Os diretores faziam giro de alguns papéis por várias corretoras, inflando ou derrubando os preços. Os ganhos também eram rateados. Pelas regras do mercado, essas operações não precisam ser registradas. Ou seja, eram as preferidas dos esquemas montados pelos dirigentes de fundações e as corretoras. ‘‘Temos registro de um grupo que chegou a ganhar até R$ 300 mil por dia em um determinado período’’, conta o fiscal.

Por ter detectado sinais de lavagem de dinheiro nessas operações, a CVM já pediu ajuda ao Conselho Administrativo de Operações Financeiras (Coaf). Também o Banco Central está sendo acionado, devido aos indícios de fraudes cambiais. A Receita Federal vai investigar os sinais de sonegação fiscal. ‘‘Estamos agindo em todas as frentes, para desvendar as nuances do esquema que saqueou os fundos de pensão. Quanto aos prejuízos das fundações, a punição dos responsáveis caberá à SPC’’, destacou o fiscal da CVM.

A Secretaria de Previdência Complementar ainda não tem instrumentos para levar para a cadeia diretores corruptos de fundos de pensão. Baixada há 24 anos, a Lei 6.435, que criou o sistema de previdência complementar no Brasil, esqueceu de estabelecer regras punitivas para o setor, que já movimenta 13% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Por enquanto, a punição para gestão fraudulenta só está na promessa do Ministério da Previdência.


Serra e Malan são condenados
Os ministros da Fazenda, Pedro Malan, e da Casa Civil, Pedro Parente, e o pré-candidato a presidente José Serra (PSDB), foram condenados a ressarcir aos cofres públicos cerca de R$ 200 milhões. A condenação foi proferida pelo juiz da 20ªVara Federal de Brasília, José Pires Cunha. Os ministros e Serra poderão recorrer da decisão ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ªRegião.

A Advocacia-Geral da União (AGU) fará a defesa de Malan, Serra e Parente e aguarda apenas a notificação sobre o julgamento. Além de Malan, Parente e Serra, a AGU também defenderá os ex-diretores e presidentes do Banco Central (BC) Gustavo Franco, Gustavo Loyola, Francisco Lopes, Alkimar Moura, Cláudio Mauch e Carlos Eduardo Tavares de Andrade, que também constam da lista de condenados pela Justiça Federal de Brasília.

O juiz acatou em parte uma ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), que questionava a legalidade de um voto aprovado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em 1995, que garantia o pagamento de até R$ 5 mil, com recursos públicos, a todos os correntistas de três bancos que haviam sofrido intervenção do BC naquele ano. A medida do CMN garantiu esses saques para os clientes dos Bancos Econômico, Mercantil e Comercial de São Paulo.

O juiz da 20ªVara Federal concordou com a argumentação apresentada pelo Ministério Público de que o Conselho Monetário aprovou a decisão sem uma prévia autorização do Senado. O juiz, entretanto, não acolheu o pedido feito pelo Ministério Público de imputar aos réus a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos.

Na sentença, o juiz alega que não foi provado que os acusados, por terem aprovado esse voto do CMN, tivessem acrescido as dotações liberadas para os próprio patrimônios, o que justificou a negativa à solicitação feita pelo MPF para a perda da função e direitos políticos.

Santoro
A ação contra o Conselho Monetário Nacional foi iniciada pelo subprocurador-geral José Roberto Santoro, que recentemente atuou no Ministério da Saúde, dirigido até fevereiro pelo senador José Serra. Guru de uma geração de procuradores federais, como Luiz Francisco, Guilherme Schelb e Mário Lúcio Avelar, Santoro iniciou também diversas investigações sobre desvios de recursos na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Em março, Santoro foi apontado pelo PFL como o responsável pela ação do Ministério Público que culminou com a apreensão de R$ 1,3 milhão na Lunus, empresa da ex-governadora Roseana Sarney, em São Luís do Maranhão. A operação arrasou a candidatura de Roseana à Presidência da República e levou o PFL a romper com o governo e o candidato do PSDB, José Serra.

A Lunus é suspeita de participar da montagem de projetos que desviaram milhões da Sudam. A empresa é uma sociedade de Roseana com o marido, Jorge Murad, secretário de Planejamento do estado.


Fila e decepção nos postos do TRE
Nos últimos três dias, 20 mil pessoas procuraram os postos e cartórios eleitorais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no DF. A maioria que queriam regularizar a situação com a Justiça Federal, no entanto, não estava nem aí para os acontecimentos no c enário político brasileiro. Sob um sol de quase 30 graus, a enfermeira Adriana Nascimento esperava há mais de duas horas por atendimento no cartório do TRE na Asa Norte. Jurava que a coisa estava muito mais quente para o seu lado do que para o pré-candidato José Serra (PSDB), que enfrenta a dificuldade de decolar nas pesquisas eleitorais e se vê envolvido com um ex-tesoureiro de campanha acusado de corrupção. ‘‘Não é da minha conta, nem sei nada disso. Quero é sair daqui logo e ir pra casa. Só pra me vingar, vou votar nulo’’, garantia a enfermeira. Do outro lado da cidade, no cartório da Asa Sul (foto), o estudante Daniel Henrique enfrentou mais de uma hora de fila para tirar o título. ‘‘Se fosse nas eleições passadas, eu estaria mais feliz para votar. Mas nessa... Acho que vai acontecer no Brasil o que aconteceu na França: um Le Pen vai acabar indo pro segundo turno’’, contava Daniel, de 16 anos. No Fórum de Ceilândia, onde funcionam os cartórios do TRE na cidade, a fila de eleitores reunia mais de 500 pessoas no final da tarde.


PPS e PTB sem sinal de acordo
Dirigentes do PPS e do PTB do Distrito Federal estão longe de um acordo para lançar candidato único ao GDF pela Frente Trabalhista, que inclui o PDT. Os dois partidos indicaram pré-candidatos ao governo terça-feira, e ainda não há sinal de entendimento para que uma das legendas abra mão da candidatura. Os escolhidos foram o ex-distrital Carlos Alberto Torres (PPS) e o ex-governador Wanderley Vallim (PTB). O primeiro entrave ao acordo é a coligação entre os dois partidos para a eleição de deputado distrital. O PTB exige formação de aliança, mas o PPS descarta a possibilidade. ‘‘Sem coligação para distrital fica difícil ter candidato único’’, admitiu Vallim. Outro problema é a rejeição de setores do PPS à candidatura do ex-governador. A primeira conversa entre os partidos deve ocorrer ainda esta semana.


Artigos

O voto republicano
Os cidadãos se reconhecem em suas instituições e valores, o que se traduz por determinados conceitos de democracia representativa, de educação pública, de previdência social, de saúde pública e de cultura

Denis Lerrer Rosenfield

A vida política brasileira é identificada, freqüentemente, com uma vida partidária. Futricas entre políticos e partidos tendem a tornar-se problemas de governo e, até, de Estado. O sentido da proporção é perdido. Essa perda, no entanto, é significativa, pois nos permite compreender um viés específico de nosso país.

Ainda recentemente, as repercussões de desvios de verbas da Sudam e da descoberta na empresa de Jorge Murad e de Roseana Sarney de recursos de mais de R$ 1 milhão pareciam, num determinado momento, quase ter se tornado uma crise de governo. Outros exemplos poderiam ser trazidos em que assuntos de Estado — como os de esclarecimentos da origem dos recursos e da apropriação privada de fundos públicos — tornam-se políticos, ameaçando comprometer a estabilidade governamental.

Contrastando com nosso modo de fazer política, a França nos oferece um exemplo que merece reflexão. Talvez fique difícil entender o que está acontecendo naquele país se não atentarmos para duas ordens de razão: a dos valores e instituições republicanas de um lado, a da clivagem esquerda/direita de outro.

Segundo a primeira ordem de razões, as lutas partidárias e ideológicas são ordenadas e guiadas por instituições e valores republicanos, que são colocados acima dessas lutas. O que deve ser fundamentalmente preservado em qualquer caso é a existência da República. Isso supõe não apenas a obediência a determinadas regras, mas também a adesão a valores que não são considerados de esquerda, nem de direita.

Os cidadãos se reconhecem em suas instituições e valores, o que se traduz por determinados conceitos de democracia representativa, de educação pública, de previdência social, de saúde pública e de cultura, que são preservados tanto pela direita quanto pela esquerda. Podemos, então, melhor compreender que a eleição de um candidato de direita se faça com o apoio do ‘‘voto de esquerda republicano’’, pois há uma ameaça anti-republicana, representada por uma extrema direita xenófoba, racista e anti-semita. Mitterrand, quando eleito em seu primeiro mandato, começou o seu discurso com a seguinte frase: ‘‘Eu não sou o presidente dos socialistas, mas presidente dos franceses’’.

A clivagem direita/esquerda, num país fortemente ideologizado como a França, é uma diferenciação secundária. A direita não se uniu à extrema direita, nem a esquerda à extrema esquerda, pois os extremos caem fora dos valores republicanos. E na posição de fora se encontram os projetos de subversão da república, aí incluindo, evidentemente, as idéias revolucionárias. A direita clássica e a esquerda reformista estão unidas num mesmo ideal republicano, ao qual aderem como algo universal, suprapartidário.

Isso não impede, nesse país, que os confrontos ideológicos ganhem feições de verdadeiro embate quando das eleições, sem que isso prejudique a validade dos princípios em que os partidos republicanos se baseiam. Alguns analistas e políticos brasileiros, capturados pela idéia que fazemos das lutas partidárias, se apressaram a dizer que o grande erro da esquerda foi a desunião entre a esquerda reformista e a revolucionária, como se esse fosse um problema inexistente em nosso país. O argumento avançado foi o de que o PT abriga em seu seio a esquerda reformista e a esquerda revolucionária. Ora, esse é precisamente o nó da questão, pois uma reconhece a república, enquanto a outra procura a sua subversão.


Editorial

ARQUIPÉLAGO SOCIAL

Alguns dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística relativos ao Censo Demográfico realizado em 2000 mostram que o Brasil permanece na condição de verdadeiro arquipélago econômico, social e cultural. A um só tempo, houve na última década do século passado avanços consideráveis na melhoria geral nas condições de vida do povo e aprofundamento das relações injustas entre pessoas e regiões.

O suprimento de energia elétrica chegou a 93% dos domicílios. As linhas telefônicas cresceram 113,4%, apesar de servirem apenas a 40% das residências. Consolidaram-se as tendências de universalização da educação na faixa dos 7 a 14 anos (95%). Reduziu-se a proporção de pessoas menos instruídas. O acesso ao automóvel particular avançou 41,6%. Dos 44,7 milhões de moradias existentes no Brasil em 2000, 14,6 milhões dispunham de carros. Em 1991, eram oito milhões.

Há outros informes estimulantes no Censo 2000. As estatísticas não mentem, todavia são incapazes de superar avaliações de simples conteúdo numérico. No caso da educação, sabe-se que sobrevivem áreas significativas contaminadas por ensino de má qualidade. Entre grupos saídos dos primeiros graus de instrução, mais de 50% se revelam analfabetos funcionais. Sabem ler, mas não entendem o que lêem.

Os levantamentos do IBGE demonstram que os abismos sociais entre regiões não só permanecem como, em muitos casos, tornaram-se mais profundos. Na Região Sudeste, em 2000 eram 15,9% os trabalhadores em atividade com renda de até um salário mínimo. Já os situados na faixa de mais de vinte salários formavam contingente de 3,3%. No Nordeste, somavam 46,2% os assalariados com ganhos de até um salário mínimo. E só 1,4% alcançavam remuneração acima de 20 mínimos. Outro indicador perverso: no Sudeste há três vezes mais microcomputadores nos lares (12,9%) do que no Nordeste (4,3%).

Os níveis de escolaridade também exibem graves desequilíbrios. No Sudeste, 5,5% do contingente escolar alcançam 15 ou mais anos de estudo. No Nordeste, o percentual é quase três vezes meno r (2%). No Norte, situação ainda mais dramática: 1,8%. Em razão do empobrecimento crescente, entre 1995 e 2000, 1.457.360 pessoas emigraram do Nordeste para outras regiões do país. Houve aumento de 7,6%, em relação a 1991, dos nordestinos tangidos de sua região pela miséria.

No balanço geral, é indispensável reconhecer que houve conquistas significativas e refletir sobre o que fazer para resgatar as renitentes injustiças na distribuição dos bens da vida. A educação, se elevada como estratégia para qualificar o fator humano, poderá no tempo de poucas gerações fazer do Brasil um país justo, afluente, solidário


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05/09/2002


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