Sarney ataca FH e Serra sem provas









Sarney ataca FH e Serra sem provas
Senador recorre a recortes de jornais para garantir que presidente põe a democracia em perigo e candidato faz espionagem

BRASÍLIA - O ex-presidente da República José Sarney (PMDB) usou a tribuna do Senado para acusar o candidato tucano, José Serra, de utilizar o aparato do Estado para promover espionagem política. Em defesa da filha Roseana, governadora do Maranhão e candidata do PFL ao Planalto, afirmou que o presidente Fernando Henrique Cardoso seria conivente com tais métodos. Não apresentou provas, apenas exibiu recortes de jornais para reforçar seus argumentos. Garantiu que o presidente põe a democracia em perigo ao colocar o poder a serviço da perpetuação de um mesmo grupo no governo.

A reação do PSDB não se fez esperar. O líder do governo no Senado, Artur da Távola (RJ), tão logo Sarney terminou o libelo acusatório, subiu à tribuna. Obedecendo à estratégia tucana de reduzir a mero arroubo paterno o discurso do ex-presidente, Távola concedeu: ''Sei o que ele deve estar sofrendo como pai.'' Ao se referir ao discurso afirmou que as palavras do senador eram dignas de ''um excelente romancista.'' No fim da noite, Serra divulgou uma curta nota na qual considerou ''inconsistentes, irrelevantes e até mesmo alopradas'', as acusações feitas a ele. ''Devemos fazer o possível para evitar que a campanha eleitoral e o processo judicial sobre as irregularidades na Sudam virem um bate-boca'', afirmou o candidato tucano à Presidência.

O discurso de Sarney prendeu a atenção do plenário lotado de senadores, partidários e curiosos durante uma hora e meia. Desceu da tribuna, contudo, sem dissipar uma dúvida: por que representantes da família Sarney divulgaram sete versões para justificar o R$ 1,34 milhão apreendido na empresa de Roseana e do marido, Jorge Murad?

O sogro endossou o relato do genro para a fortuna encontrada no cofre da Lunus - seria uma doação para a campanha eleitoral. Atribuiu a responsabilidade pela arrecadação a Murad, mas tratou o assunto como feito rotineiro da política brasileira.

Na ânsia de defender o marido da filha, o senador do PMDB do Amapá recorreu a um adversário do presidente. Contou que o ex-senador Antônio Carlos Magalhães viu, em 1994, o então senador Andrade Vieira (PTB-PR) entregar R$ 5 milhões à pré-campanha de Fernando Henrique. Levantou dúvidas também sobre os recursos aplicados na eleição de FH, citando reportagem de jornal.

Tenso, num discurso de 43 páginas, Sarney comparou a operação de busca e apreensão da Polícia Federal na Lunus com métodos da inquisição, da Gestapo e do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Garantiu que o processo conduzido pelo Ministério Público Federal é uma montagem e a ação na empresa foi ''arbitrária'' e ''ilegal'', executada para afastar Roseana da sucessão e favorecer Serra.

Sarney anunciou que vai à Organização das Nações Unidas pedir a fiscalização internacional da eleição presidencial este ano. Ao levantar dúvidas sobre o processo organizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, não mencionou que o sistema eleitoral do País, com o uso de urnas eletrônicas, já é adotado em várias nações por ser considerado um dos mais seguros do mundo.

O uso de reportagens de jornais e revistas foi recorrente. Adotou-os para reforçar a acusação de que a espionagem e os dossiês nascem no Ministério da Saúde e envolvem o candidato tucano à Presidência. Disse que Serra adotou a mesma fórmula para afastar adversários políticos dentro do PSDB, como o ministro da Educação, Paulo Renato, o governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o ministro da Fazenda, Pedro Malan.


Do Planalto para o mundo
Nos dois mandatos, Fernando Henrique passou quase um ano no exterior

BRASÍLIA - Quem vive em Buenos Aires tem mais chances de encontrar o presidente Fernando Henrique Cardoso do que um morador de Rio Branco, capital do Acre. Desde que assumiu, em janeiro de 1995, o presidente foi 12 vezes à Argentina. Passou 20 dias no país. No mesmo período, os habitantes do Acre só conseguiram vê-lo duas vezes. E uma delas nem contou. Foi uma escala técnica de pouco mais de uma hora no aeroporto de Rio Branco, no retorno de uma viagem internacional.

O presidente passou 341 dias no exterior. Ou seja, quase um ano dos sete anos e três meses cumpridos de mandato. Um dia de viagem para cada semana no Brasil.

Parece muito, mas a explicação oficial está na ponta da língua: ''Ele resgatou a diplomacia presidencial. É uma prática comum o envolvimento pessoal dos chefes de Estado na conclusão de negociações diplomáticas'', teoriza Osmar Chohfi, secretário-geral das Relações Exteriores do Itamaraty.

De fato, o presidente assinou tratados e acordos internacionais, ajudou a fechar negócios e deu carona a muitos empresários brasileiros. Fez bonito, discursando em francês na Assembléia Nacional, em Paris. Tornou-se figura conhecida em reuniões de cúpula, como as da Governança Progressista, onde debate com os principais chefes de Estado eleitos pela social-democracia no mundo.

Até julho do ano passado, quando o site da Presidência na internet parou de fazer as contas, Fernando Henrique havia recebido 40 condecorações de governos estrangeiros e organismos internacionais. A lista é eclética e democrática. Vai da tradicional Grã-Cruz da Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha até a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Santarém, em Portugal. Quando deixar o cargo, o presidente também vai levar para casa condecorações não muito conhecidas, como a Ordem Darjah Utama Seri Makhota Negara, entregue pelo governo da Malásia.

Intelectual respeitado, Fernando Henrique adicionou peso ao currículo, desde que assumiu a presidência. Tornou-se doutor honoris causa de dez universidades, de Cambridge a Caracas, na Venezuela.

Foram 44 países, em 122 viagens. Na América do Sul, apenas o Suriname ficou fora do roteiro. Na América do Norte, não faltou visitar ninguém, mas o destaque foi para os Estados Unidos, com sete viagens.

''O brasileiro se acostumou com a imagem do nosso presidente na neve'', ironiza o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. A provocação tem base. No mesmo período em que visitou 14 países da Europa, Fernando Henrique conheceu apenas três nações da África. ''O presidente comete uma falta grave ao deixar de fora do roteiro uma região importante como a África Central'', critica Fleischer. Nem por isso deixa de ver méritos nas viagens presidenciais. ''Com Fernando Henrique, o Brasil juntou na mesma pessoa as figuras do presidente e do chanceler'', analisa.


Itamar desiste da sucessão presidencial
Serra quer atrair dissidentes do PMDB

BRASÍLIA - Itamar Franco desistiu de ser candidato à Presidência da República e não vai apoiar o PT de Luiz Inácio Lula da Silva. É o primeiro resultado de uma operação deflagrada pelo tucano José Serra para atrair os dissidentes do PMDB. Na sexta-feira, por telefone, Serra pediu o apoio de Itamar. Ficou escancarada a porta para entendimentos futuros. O mais provável é a ajuda dos tucanos a Itamar na disputa por mais um mandato de governador de Minas Gerais.

Com a candidatura própria do PMDB à beira do fracasso, o presidente do PSDB, deputado José Anibal, formalizou ontem o convite para que o partido indique o vice na chapa de Serra. O nome preferencial é o do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos. Ele também estava em Brasília ontem. Teria um encontro com José Serra mas preferiu cancelar. Poderia soar como algo definitivo. Nem Jarbas nem Serra querem isso agora. Precisam de mais tempo para continuar cooptando os grupos oposicionistas do partido. E não podem melindrar de vez o PFL, que ensaia reaproximação. Defin ição só no dia 2 de abril.

A desistência de Itamar foi anunciada ontem à tarde durante reunião da ala oposicionista do partido. ''Insistir na candidatura própria seria uma imolação política'', disse Itamar. Foi cobrado por parlamentares sobre as conversas com José Serra. Irritou-se. ''Se eu recebi telefonema de Serra, ninguém tem nada a ver com isso'', respondeu ao deputado Euler Morais (PMDB-GO).

Ressentimento - Muito tenso, Itamar fez um pronunciamento descartando apoio à aliança com a esquerda. Reclamou que os partidos de oposição, inclusive o PT, o deixaram sozinho quando ele declarou a moratória mineira em 1999. ''Não contem comigo nessa aliança de esquerda. Eles só me procuram para ser caudatário e não vou atrás de ninguém'', disse Itamar.

A ala de oposição do PMDB ainda tentarão insistir na candidatura própria. Criarão uma comissão para indicar um novo nome em reunião no dia 2 de abril.

O convite do PSDB para que o PMDB indique o candidato a vice na chapa de José Serra foi feito ontem horas antes do encontro dos oposicionistas do partido de Itamar. José Anibal e Michel Temer deram o primeiro passo do ritual da coalizão. ''Jarbas é grande líder no PMDB'', disse Anibal. Temer é quem vai trabalhar os grupos de oposição da legenda. Na cúpula do PMDB, aposta-se no entendimento com o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia.


O pacato vice dos sonhos do PSDB
Entrevista / JARBAS VASCONCELOS

BRASÍLIA - Boêmio, alegre e namorador, o virtual candidato a vice-presidente na chapa tucana, o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, do PMDB, tem olheiras profundas. Semelhantes às de José Serra. Jarbas é o único apontado por Serra no PMDB com currículo para ser o vice: é nordestino e honesto, qualidade complicada para o partido que já teve como comandantes anões do orçamento e o ex-presidente do Senado Jader Barbalho.

Nascido na pobre cidade de Vicência, interior da Zona da Mata pernambucana, Jarbas participou do movimento estudantil e lutou contra a ditadura no extinto MDB. Aos 58 anos, é sobrevivente símbolo do grupo autêntico. Seguidor de Ulysses Guimarães, cultiva o temperamento calmo e diplomático de para fazer política. Enquanto pratica seu hooby predileto - cozinhar -, maquina estratégias e se prepara para qualquer eventualidade política. ''Aprendi a não levar susto nem me escandalizar com nada'', diz.

- José Serra diz que o senhor é o vice dos sonhos dele. Por quê?

- Ele nunca me disse isso. Para mim, é uma leitura da imprensa.

- O senhor será o vice da chapa?

- Minha decisão está vinculada a Pernambuco. Se não consigo arrumar as coisas lá, onde comando uma aliança muito grande (PMDB-PFL-PSDB-PTB), fica difícil qualquer alternativa de sair.

- Isso passa por um entendimento com o PFL do vice-presidente Marco Maciel e do vice-governador Mendonça Filho. Pernambuco pode puxar um novo entendimento do PFL com o PSDB de Serra?

- Sim. Desde o momento em que o PFL sinalizou a vontade de romper com o governo, eu trabalho contra isso. Sou a favor da manutenção da aliança.

- Acredita numa aproximação rápida com o PFL?

- Torço por isso. A radicalização do PFL foi muito grande e a solução não pode ser do dia para a noite.

- Itamar Franco desistiu de disputar a Presidência. Há chances de trazê-lo para apoiar Serra?

- Há. Itamar é governador do segundo maior colégio eleitoral do país. É importante.

- O senhor tem conversado com ele?

- Não conversamos. Trombamos porque fui contra a candidatura própria. Sempre achei um contra-senso o PMDB, que é governista, de repente achar que o governo não presta e assumir uma candidatura própria, de oposição.

- O PFL votou a prorrogação da CPMF. É sinal de disposição de voltar a ser governo?

- É um sinal positivo. Não quero entrar no mérito, se o rompimento foi emocional ou não. Mas se pudermos fazer a recomposição para ganhar a eleição, será importante. Ninguém ganha eleição sozinho. É importante agregar o PMDB e o PFL, assim como o partido do Maluf (PPB).

- O PMDB exige um casamento sólido com o PSDB. Na igreja, com véu e grinalda, de papel passado?

- É o caminho. Isso representa que o PFL não vai indicar o vice. Quem indica é o PMDB. Não tem que se cogitar a vice ao PFL, é uma etapa vencida.

- O senhor acredita em vitória no primeiro turno sem o PFL?

- Sem o PFL é difícil.

- No caso da Lunus, a suspeita de espionagem é mais grave do que todas as fraudes que possam ter acontecido?

- A investigação tem que ser feita em qualquer época. Se não ocorreu antes, foi ruim. Agora, não dá para fazer isso com espionagem. É uma coisa abominável e não deve ser feita num país democrático, livre.

- A família Sarney acusa o governo FH e Serra de espionagem contra Roseana.

- Não acredito nisso.


Cai sigilo de governador
STJ vai apurar movimentações financeiras de José Ignácio, do Espírito Santo

BRASÍLIA - A quebra do sigilo bancário do governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira, foi autorizada, ontem, pelo ministro Barros Monteiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro é o relator do inquérito em que o governador é acusado de peculato, corrupção passiva e advocacia administrativa, entre outros crimes.

Em seu despacho - atendendo a pedido do Ministério Público -, Barros Monteiro especifica que a quebra de sigilo atinge ''todos os cheques, ordens de pagamento, documentos, depósitos em conta-corrente, ou qualquer forma de repasse de moeda que tenham sido emitidos'', em decorrência dos contratos tidos como irregulares, que deram origem ao inquérito.

O relator determinou ainda que o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) envie os contratos, de 1997 até agora, principalmente os que foram examinados por Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa capixaba.

Por intermédio da assessoria de imprensa, o governador José Ignácio declarou que não há nada a esconder e tem convicção de que o parecer final lhe será favorável. ''A Justiça vem cumprindo seu papel e é lamentável que os adversários tentem se aproveitar dessa situação'', afirmou o secretário de Comunicação José Nunes. ''Esse é um assunto eleitoral, prescrito e aprovado por unanimidade no TRE e TSE'', completou Nunes.
Em novembro do ano passado, a Polícia Federal (PF) concluiu um relatório com indícios de envolvimento do governador na prática de crimes comuns e financeiros. A principal denúncia refere-se a empréstimos obtidos junto ao Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes).

Os dados da PF apontam que a conta da campanha do então candidato José Ignácio, em 1998, registrou débito no banco superior a R$ 3,75 milhões. Para fins de prestação de contas à Justiça Eleitoral, o governador teria aberto outra conta no mesmo banco, na qual teriam sido debitados R$ 2,6 milhões. Para que tal valor entrasse na conta da campanha como doação, José Ignácio e seu cunhado, Gentil Ruy, teriam enviado o montante para uma agência do Banestes em São Paulo, em ordem de pagamento favorecendo Osmair Bernardino. Este, com procuração de três empreiteiras, teria ''doado'' o dinheiro para a campanha.


Juízes do TRF serão investigados
BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a abertura de inquérito penal para apurar a participação dos dos juízes Antonio Ivan Athié e Ricardo Regueira, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, em suposto comércio de sentenças, no Espírito Santo. Também foi pedida a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico dos juízes e do advogado Beline Salles Ramos.

No ofício enviado ao ministro-relator , Felix Fischer, Brindeiro afirma que as irregularidades relatadas são ''graves'', e as ''inúmeras coincidências constatadas nos processos envolvendo os dois magistrados e o advogado indicam a existência de indícios da prática de conluio entre eles.''

As denúncias foram feitas pela corregedora-geral do TRF da 2ª região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), Maria Helena Cisne Cid. No dia 13, o presidente do STJ, ministro Costa Leite, solicitou ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, proteção da Polícia Federal para a corregedora e sua família. O filho da juíza, Cláudio Cid, sofrera um atentado na véspera, quando viajava de carro entre Cachoeiro do Itapemirim e Mimoso do Sul.

Apólices - O processo mais incriminador foi uma ação da Viação Joana DArc, que pretendia a declaração do vencimento antecipado de apólices da dívida pública e a condenação da União ao seu resgate, com juros e correção. Os valores chegaram a R$ 1,3 bilhão.

Antonio Ivan Athié, hoje no TRF, era então o juiz da 4ª Vara Federal de Vitória (ES). Alem de validar os cálculos, permitiu o ingresso de mais 41 partes (litisconsortes) na ação. Na segunda instância (TRF), ele teria contado com a conivência do juiz Ricardo Regueira.

O advogado Beline Ramos é acusado de participar do conluio, tendo sacado, em decorrência de uma sentença, honorários de mais de R$ 3,2 milhões. O pedido de quebra dos sigilos bancário e telefônico dos indiciados é para o período janeiro de 1988-dezembro de 2001. A do sigilo fiscal engloba as cinco últimas declarações de renda dos três.


Artigos

Faltou prevenção
Borges da Silveira

O antigo e quase sempre desprezado dito popular segundo o qual ''é melhor prevenir do que remediar'' encaixa-se perfeitamente na análise da epidemia de dengue. A evolução da doença, especialmente no Rio de Janeiro, data de 1986, quando foram registrados 32.507 casos, que no ano seguinte passavam de 59 mil, de acordo com a Fundação Nacional de Saúde. Quando assumimos o Ministério da Saúde, em outubro de 1987, intensificamos o combate ao mosquito transmissor. Já no ano seguinte foram notificados apenas 1.450 casos.
Nesse ano, 1988, desenvolvemos campanha nacional contra a proliferação de mosquitos transmissores de doenças - todos eles, não apenas o aedes aegypti. Foram utilizados todos os recursos da mídia e buscou-se a participação da comunidade. Em 1989, deixamos o Ministério da Saúde. Havia o registro de apenas 1.144 casos de dengue.

No entanto, faltou continuidade às ações preventivas. Como é muito difícil erradicar o agente transmissor, é preciso atuar com firmeza para reduzir ao máximo a proliferação, na época estratégica, antes do período das chuvas.

A experiência nos mostra que, em saúde, profilaxia e prevenção ainda são o melhor caminho. Prevenção não depende apenas do poder público e dos organismos oficiais de saúde. É necessário ter as diversas camadas sociais como parceiras constantes. Os resultados nem sempre aparecem a curto prazo. Por experiência enquanto ministro da Saúde, posso citar duas campanhas que obtiveram sucesso em grande parte pelo trabalho de conscientização e de massificação de informações. Uma delas refere-se à poliomielite. Em 1987, os registros da Funasa mostravam a escalada desse mal. Decidimos trazer a população para a luta, o que não é fácil se o o apelo não for forte. Investimos nos grandes aliados que são as crianças. Surgiu o Zé Gotinha, personagem escolhido pelas próprias crianças, em concurso nacional. Passou a ser o ícone da criançada, o amiguinho que conscientizava para a necessidade da vacinação periódica. De 1990 para cá não houve mais registro de pólio. A outra campanha foi contra o fumo. Foi direcionada também às crianças, atingindo excelentes resultados, pois elas policiavam os fumantes.

As crianças, principalmente as que cursam o ensino fundamental, são sinceros multiplicadores. Acreditamos que qualquer campanha, notadamente na área de saúde, deve começar na sala de aula, os professores como aliados. Nesse sentido, apresentamos sugestão ao Ministério da Educação para, em convênio com o Ministério da Saúde, proporcionar um curso de educação sanitária aos professores da rede pública, dando-lhes - quem sabe até sob gratificação pecuniária - a tarefa complementar, no contato diário com os alunos, de verdadeiro agente de saúde. Teríamos as crianças cobrando dos pais medidas de proteção à saúde, numa verdadeira e permanente campanha de educação sanitária a custo baixo e, certamente, com excelentes resultados.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

E o dinheiro, de onde veio?
Fosse uma sessão de defesa de tese sobre a calúnia, a conspiração, a inquisição, a ditadura e a arte de tergiversar deixando de lado o principal para desviar o foco do acessório, o senador José Sarney até não teria se saído de todo mal. Mas, como se tratava de um discurso com o qual, esperava-se, ele conseguisse substituir com palavras a imagem das cédulas de R$ 50 amontoadas na empresa de sua filha Roseana, a tentativa resultou inútil.

Ou, por outra, serviu para reforçar a convicção geral de que a governadora do Maranhão não tem como explicar a origem do dinheiro que a polícia achou em seu cofre. Essa é a questão principal. Apenas uma única vez em todo o seu discurso o senador Sarney citou o fato referindo-se e dando fé à explicação fornecida pelo genro, Jorge Murad, de que se tratava de dinheiro de campanha.

Não se preocupou, no entanto, com um detalhe: dinheiro de campanha em geral é dado a candidatos e encaminhado aos comitês organizados pelos partidos. Mas o que vimos dias atrás foi R$ 1,34 milhão estocados no escritório particular de uma empresa cuja sócia majoritária era a governadora e onde o seu marido e homem-forte do governo dava expediente todos os dias. Seria ali o comitê da campanha presidencial de Roseana e Jorge Murad, no exercício de cargo público, o tesoureiro?

Se é assim, o senador deveria pensar duas vezes antes de espalhar acusações sobre o uso do aparelho do Estado por parte de quem quer que seja. Ainda mais que está fresca na memória nacional a monumental distribuição de benesses estatais para que, na Constituinte, o então presidente garantisse mandato de cinco anos.

À falta de uma explicação consistente para o fato principal, o senador apelou ao mesmo tipo de veemência à qual recorreu Antonio Carlos Magalhães em seu discurso de renúncia, em que buscou discutir tese filosófica sobre o que é a verdade no lugar de dizer ao respeitável público por que foi mesmo que se achou no direito de mandar violar o painel de votações do Senado.

O tremor nas vozes era em tudo e por tudo semelhante. A raiva quase incontrolável de Sarney apenas se diferenciava na dimensão do descontrole que tomou conta de ACM. Ambos sabedores de que estavam ali naquela tribuna testemunhando o réquiem de uma política atrasada baseada no mandonismo e nas versões de circunstâncias. Esse o fundamento do desespero.

Essa a razão para que nenhum dos dois se constrangesse em recorrer à defesa do estado de direito como se detivessem a exclusividade do espírito democrático e jamais tivessem sido sustentáculos do regime militar até os últimos suspiros dele, quando bandearam-se para o lado do adversário a fim de escaparem dos efeitos da extrema-unção.

A indignação exibida pelo senador José Sarney poderia até guardar relação com as razões expostas por ele - a revolta por ver a filha vítima de injusta e ilegal perseguição política - não tivesse se manifestado com tanto atraso e cálculo político sobre o melhor momento de se pronunciar. Sim, porque, se tivesse falado qualquer coisa logo no primeiro momento, teria sido desmentido pela e xibição do dinheiro de origem ainda inexplicável.

Tal como fez Jorge Murad, que, na ausência de explicação convincente, deixou que fossem disseminadas seis versões diferentes na expectativa de que uma delas adquirisse verossimilhança.

Com todo o respeito que merece o ex-presidente José Sarney, por ter conduzido a transição democrática de forma institucionalmente impecável - o que lhe confere mesmo anistia aos desastres na área econômica -, até por isso não tinha o direito de sofismar com assunto de tal importância, afirmando que, no Brasil de hoje, vigoram métodos de coerção política semelhantes aos utilizados pela ditadura.

Ele sabe que isso não é verdade. E, a despeito de toda a sua revolta de ver o projeto de continuidade de sua dinastia maranhense no cenário nacional ir pelos ares, José Sarney não poderia cometer o equívoco de conspurcar de novo uma biografia que se recuperava bem, expondo-se ao acobertamento de um crime cuja origem ainda não se sabe se é meramente eleitoral.

Violentou seu temperamento, moveu-se pelo ódio, igualou-se àquele de quem procurou se diferenciar ao recusar o patrocínio da candidatura à presidência do Senado, fez ameaças veladas para entendimento exclusivo do Planalto, no lugar de explicitá-las e dividir com a sociedade o que sabe a respeito de irregularidades governamentais.

Comparou o clima vigente no país ao Peru, de Alberto Fujimori, e ameaçou recorrer a observadores estrangeiros de organismos multilaterais para vigiar a lisura das eleições.

Poderia ser até uma boa proposta, não ficasse o Brasil exposto à suspeição mundial não em nome das garantias democráticas, mas em defesa de bom punhado de reais que apenas anteciparam o desmonte de uma candidatura, cuja inconsistência seria exposta mais dia menos dia. Era apenas uma questão de tempo. Agora tornou-se uma questão, outra vez, do mau uso da alegação de razões de Estado.


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03/21/2002


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