Senadores divergem sobre ação de diplomata brasileiro na Bolívia



A fuga do senador boliviano Róger Pinto Molina, que ficou confinado por 455 dias na Embaixada do Brasil em La Paz e chegou à fronteira brasileira com ajuda do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, voltou a dominar os debates em Plenário nesta terça-feira (27). Senadores da oposição e da bancada do governo divergiram ao comentar o caso. Enquanto os governistas criticaram a ação de Saboia, parlamentares de oposição elogiaram a atitude do diplomata, criticando, por outro lado, a condução do caso pelo governo de Dilma Rousseff.

O debate, que se estendeu por quase duas horas, foi marcado, de um lado, por acusações de quebra de hierarquia por parte de Eduardo Saboia, que organizou a fuga; e de outro lado, por elogios à sua coragem, pela defesa dos direitos humanos e da integridade física de Róger Pinto. Asilado na Embaixada do Brasil em La Paz, o senador boliviano não obteve o salvo-conduto do governo de Evo Morales, a quem se opõe.

Os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Aécio Neves (PSDB-MG) abriram o debate. O senador petista questionou declarações do tucano, segundo as quais "a diplomacia brasileira mais uma vez se curva ao alinhamento ideológico" e que, por falta de uma ação enérgica do governo para conseguir o salvo-conduto da Bolívia, coube a Saboia tomar uma decisão, mesmo "sabendo dos riscos para sua carreira, mas numa decisão humanitária".

Para Lindbergh, o diplomata colocou em risco a vida do senador boliviano, pela qual o Brasil era responsável, o que foi uma atitude ilegal e irresponsável, com quebra de hierarquia.

- Não dá para aceitar esse procedimento. E se isso vira regra no país? O próprio funcionamento do Ministério das Relações Exteriores está em cheque - disse Lindbergh.

Em resposta, Aécio enumerou erros da política externa brasileira e o alinhamento a governos autoritários, contrariando a tradição da diplomacia brasileira de defesa dos direitos humanos.

Em apoio ao discurso de Aécio, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), afirmou que, do incidente diplomático, o ministro Antonio Patriota, demitido do cargo, foi apenas "o bode expiatório" e que o Brasil é "extremamente complacente" com Evo Morales. Ele lembrou que o pedido de salvo-conduto para o boliviano, cujo asilo já havia sido concedido pelo Brasil, foi em vão, uma vez que Róger Pinto estava há mais de um ano asilado em condições precárias. E também recordou o episódio, em La Paz, quando a aeronave do ministro da Defesa, Celso Amorim, foi revistada, em busca do parlamentar boliviano.

Aloysio Nunes ainda citou a invasão de uma refinaria da Petrobras pelas Forças Armadas da Bolívia e desapropriada na “mão grande”, sem uma reação do governo brasileiro, em nome da "irmandade ideológica bolivariana".

- Deveria ter se valido dessa afinidade ideológica, ter exercido o seu poder com ênfase, do maior parceiro comercial da Bolívia, para conseguir o que era natural, o salvo-conduto - afirmou Aloysio Nunes.

O senador José Agripino (DEM-RN) apontou ainda a situação dos torcedores do Corinthians presos em Oruro, na Bolívia, e falou em "crise típica de governabilidade".

- Isso é problema de Presidência da República. É muito fácil crucificar o embaixador Saboia, que teve uma única opção - argumentou, lembrando que o diplomata brasileiro conviveu, por 455 dias, com uma situação insustentável, em seu local de trabalho, sem que o governo apresentasse qualquer solução.

O líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI), rebateu classificando a fuga de Róger Pinto de "aventura irresponsável que felizmente deu certo" e criticou Aécio Neves, potencial candidato à presidência da República, por apoiar tal atitude. Wellington Dias ainda observou que cabe ao governo brasileiro uma tomada de decisão, se agora é possível dar asilo territorial ou asilo político.

Na mesma linha, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) lamentou o incentivo da oposição "à indisciplina do corpo diplomático brasileiro". Ainda que reconhecendo a coragem de Saboia, Cristovam sugeriu que se o diplomata brasileiro não estava de acordo com as regras, "pedisse para mudar de embaixada ou mudasse de profissão". Já o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) apoiou a ação de Saboia na fuga do senador boliviano, ainda que tenha discordado da comparação que fez, da situação de Róger Pinto com a do DOI-Codi.

O senador Walter Pinheiro (PT-BA) opinou que, se o embaixador discordava do Itamaraty, deveria se afastar do cargo.

Também o senador Humberto Costa (PT-PE) criticou a atitude do diplomata brasileiro, lembrando que o senador Róger Pinto foi acusado de corrupção e chegou a ser condenado em primeira instância pela justiça da Bolívia.

Com acusações, dos dois lados, de que a questão ganhou ares de disputa política, Humberto Costa afirmou que o Brasil concedeu asilo por razões humanitárias e não por razões políticas, e que se trata de assunto que "envolve a soberania do país, não deveria ser objeto deste tipo de discussão".

Tratados internacionais

Já o senador Pedro Taques (PDT-MT) destacou a Convenção de Caracas, que estabelece caber ao Estado asilante, no caso o Brasil, definir se a perseguição é de ordem política. Taques sublinhou que o Brasil concedeu asilo por entender que Roger Pinto é um perseguido político, independente de qualquer crime pelo qual seja acusado o político, principal adversario de Evo Morales. Taques, no entanto, ressaltou que a Bolívia não é signatária do tratado, mas deveria seguir os costumes internacionais, em especial os interamericanos, que determinam a concessão do salvo-conduto para asilados.

O Brasil ofertou a condição de asilado político. Este representante [Saboia] cumpriu a Constituição. A questão aqui é de direitos humanos, nós não estamos discutindo se é ou não criminoso. A questão de hierarquia se resolve no [campo do Direito] administrativo - resumiu.

Suicídio

O senador Sérgio Petecão (PSD-AC) disse conhecer Róger Pinto Molina há muitos anos. Ele relatou as condições do parlamentar boliviano no asilo na Embaixada do Brasil, onde chegou a pensar em suicídio por duas vezes. Segundo Petecão, é preciso deixar o caso "esfriar" para ouvir o político boliviano no Senado, sem politizar o debate. Petecão também defendeu o diplomata Eduardo Saboia, que deveria ser considerado "um herói".

- Evo [Morales] podia ter evitado tudo isso. Vamos na área de fronteira ver os acrianos com casas queimadas, expulsos da Bolívia - disse, relatando casos de desrespeito aos direitos humanos junto à fronteira com o país vizinho.

Mário Couto (PSDB-PA) foi mais incisivo, criticou a postura de Lindbergh e cobrou da presidente Dilma Rousseff a mesma postura adotada pelo PT para com o escritor e ex-ativista Cesare Battisti, que foi condenado pela justiça italiana por quatro homicídios e recebeu refúgio no Brasil.



27/08/2013

Agência Senado


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