Sentença não afeta candidatura








Sentença não afeta candidatura
Enquanto houver possibilidade de recorrer contra a condenação na Justiça, Pedro Passos pode continuar na disputa por uma vaga na Câmara Legislativa. Políticos acreditam que campanha será prejudicada

A decisão judicial que confirmou a condenação de Pedro Passos por parcelamento irregular de terra no Distrito Federal não ameaçou a candidatura do empresário a deputado distrital. Como ainda cabem recursos da sentença do Tribunal de Justiça do DF (TJDF), Passos continua na disputa por uma vaga na Câmara Legislativa.

‘‘De acordo com a legislação eleitoral atual, enquanto houver possibilidade de recursos, a candidatura é válida. Só há impugnação quando o processo for transitado em julgado’’, explica o procurador eleitoral Antônio Carneiro Sobrinho. Não importa em quantos processos, e de quais tipos, o candidato esteja envolvido. Mas o procurador acredita que a lei deve ser mudada. ‘‘A existência de candidatos com problemas na Justiça, principalmente quando já foram condenados, faz com que o povo fique ainda mais descrente do processo eleitoral’’, critica.

Para Sobrinho, cabe também aos partidos políticos uma postura mais rígida na seleção de candidatos durante as convenções. ‘‘Uma triagem deveria ser feita. Aqueles filiados que respondem a processos na Justiça primeiro deveriam resolver a situação para depois entrar na disputa por um cargo eletivo.’’

Salvador Bispo, presidente do Partido Social Democrático (PSD), legenda pela qual Pedro Passos se candidatou, defende o correligionário. ‘‘Somos um partido democrático. Não podemos fazer pré-julgamento de ninguém. E se ele recorrer e for absolvido?’’, argumenta. Bispo acredita que boa parte das críticas a Pedro Passos vem de adversários que temem perder terreno para o candidato. ‘‘Ele está começando a ameaçar, por isso virou alvo fácil’’, considera.

O próprio Passos garante que sua campanha nunca esteve melhor. ‘‘Por onde eu passo sou bem recebido. A população está me aceitando muito bem’’, afirma. ‘‘Além disso, não prejudiquei ninguém. Há muitos políticos por aí que respondem a processo mais graves como má versação de dinheiro público’’, compara.

CPI grilagem
Para quem acompanhou de perto denúncias de parcelamento irregular de terras no Distrito Federal, a condenação de Pedro Passos é um alerta aos eleitores. Relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Legislativa que investigou grilagem de terras em 1995, a deputada distrital Maria José Maninha (PT) comemorou o fato do relatório da CPI ter sido usado como prova no processo que condenou os irmãos Passos. ‘‘A gente sabe que a Justiça é lenta, mas os resultados são positivos. Acredito que essa condenação aconteceu em um momento crucial, para mostrar aos eleitores quem são as pessoas que querem tornar-se parlamentar.’’

O deputado distrital João de Deus (PPB), presidente da CPI da Grilagem em que Maninha foi relatora, também ficou feliz com o aproveitamento pela Justiça do trabalho da comissão. Político da base aliada ao governo, ele avalia que a decisão do TJDF não prejudica apenas a campanha de Pedro Passos, mas chega também à do governador Joaquim Roriz — apoiador declarado do empresário, de quem é amigo pessoal. ‘‘Respinga um pouco no governador, claro’’, declara.

Candidato ao governo pelo PSB e opositor ferrenho a Joaquim Roriz, o deputado distrital Rodrigo Rollemberg considera imoral a situação de Pedro Passos. ‘‘Ainda que não haja ilegalidade, do ponto de vista da moralidade, é um absurdo que o governador apóie uma pessoa que, embora ainda caibam recursos, foi condenada por parcelar terras públicas’’ criticou. ‘‘Isso só mostra quem é a base de apoio do governador.’’


O PT procura Elias Maluco
O ímpeto na busca aos assassinos do jornalista leva à morte de traficantes e à desconfiança de que a polícia do Rio esteja promovendo uma queima de arquivo

Elias Pereira da Silva. Vulgo, Elias Maluco. Traficante. Assassino do jornalista Tim Lopes. Momentaneamente transformado em um dos principais cabos eleitorais do candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para o comando da campanha de Lula, se a polícia do Rio conseguir prender Elias Maluco, a governadora do Rio, Benedita da Silva, sairá do atoleiro em que se encontra, poderá forçar um segundo turno com sua adversária do PSB, Rosinha Matheus, e melhorará por conseqüência o desempenho de Lula no estado. O problema é que, na busca do traficante, a polícia aumenta a violência. Ontem, o gerente do tráfico na favela Vila Cruzeiro, Flávio Reginaldo dos Santos, o Buda, foi morto por policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes em uma operação no morro, pela manhã. Buda é o terceiro integrante do bando de Elias Maluco morto em duas semanas.

‘‘Para o governo, será um desastre político se Elias Maluco não aparecer’’, concorda o professor de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Ignacio Cano. Terceiro maior colégio eleitoral do país, o Rio é um estado considerado fundamental para a campanha petista. Lula sempre teve bom desempenho eleitoral ali. O PT até admite perder no estado para Anthony Garotinho, do PSB, que tem a particularidade de ter acabado de deixar o governo local. Mas não pode perder de muito. E não pode permitir que qualquer problema de Benedita no combate à violência urbana venha a prejudicá-lo. E hoje, dos problemas vividos pelo PT, a questão da violência no Rio é vista como o mais complicado. Afinal, no caso específico da morte de Tim Lopes, Benedita enfrenta a pressão direta da TV Globo.

Para os petistas, a situação exige respostas rápidas. Mas o ímpeto da polícia tem de ser administrado para evitar uma violência exagerada. De acordo com um dos coordenadores da campanha de Lula, ‘‘é claro que a ordem do governo de Benedita não é para que a polícia mate os traficantes’’. Mas, se Elias Maluco, quando encontrado, reagir, evidentemente haverá troca de tiros. E ele, como ocorreu com Buda, também poderá acabar morto.

Buda, de 37 anos, foi atingido por um tiro de fuzil que atravessou seu braço direito e atingiu o peito. Apesar da morte do traficante, o secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Aguiar, não conseguiu esconder uma certa comemoração. ‘‘Agora, só faltam dois. Espero que cheguem vivos, que a abordagem seja feita da melhor maneira possível. O cerco está cada vez mais próximo’’, disse ele. Dos envolvidos com a morte de Tim Lopes, a polícia precisa chegar agora em Elias Maluco e em Renato de Souza Paulo, o Ratinho. Além de Buda, foram mortos André Capeta e Maurício de Lima Matias, o Boizinho.

O maior problema na intensificação da violência é desfazer a impressão de que a morte dos traficantes seja, na verdade, ‘‘queima de arquivo’’. Por essa versão, os policiais estariam matando os assassinos de Tim Lopes para que eles não apresentem depoimentos que apontem para o envolvimento de setores da polícia com o narcotráfico. Denúncias nesse sentido têm sido feitas pelo corregedor de Polícia Unificada, Aldney Zacharias Peixoto (leia reportagem abaixo). Aguiar criticou Peixoto. Para ele, o corregedor tem falado sobre a hipótese de policiais sem informações concretas. ‘‘São opiniões, informações subjetivas que deveriam ser guardadas’’, opinou. A irritação de Aguiar reflete a do PT: a suposição da corrupção policial prejudica o desempenho de Benedita e do partido.

Aguiar apresentou a empresários, na Associação Comercial do Rio, os resultados do plano de segurança implementado por Benedita nos quatro primeiros meses. De acordo com ele, os índices de criminalidade caíram de abril até hoje, assim como o número de mortes em operações policiais. Os números serão divulgados hoje.

A idéia do PT é repisar ao máximo esses dados, principalmente a partir da semana que vem, no horário eleitoral. A equipe montada no Rio pelo publicitário Duda Mendonça, chefiada pelo jornalista Florestan Fernandes Jr., tem como tarefa estabelecer um contraponto nos programas eleitorais que demonstre que não há uma situação de descontrole no governo fluminense.

COMÉRCIO FECHADO
O comércio de três ruas próximas ao morro do Palácio, em Niterói (a 14km do Rio), permaneceu fechado a maior parte da manhã de ontem por ordem de traficantes da favela. A ordem foi um protesto pela morte de dois supostos traficantes e a prisão de um terceiro em operação da Polícia Militar na noite de quarta-feira. Até as 16h de ontem, haviam sido identificados apenas como Júlio César, o Playboy, e Anacleto, o Pará. Foram mortos a tiros por PMs. Na operação, foi preso Júlio Eduardo Medeiros Conceição, acusado de ser integrante da facção criminosa Comando Vermelho.


Garotinho leva puxão de orelha da CNBB
Bispos criticam o uso de eventos religiosos para pedir votos. O candidato do PSB se defende e diz que ‘‘não vai abrir mão da sua fé’’

Conhecido por sua ligação estreita com as igrejas evangélicas, o presidenciável Anthony Garotinho (PSB) tentou ontem uma aproximação com a Igreja Católica, mas acabou sendo criticado por usar eventos religiosos para pedir votos para sua candidatura. Durante reunião com o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno de Brito, disse que apoiará o plebiscito sobre adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A consulta popular está sendo patrocinado pela entidade e garantiu que governará para pessoas de todos os credos religiosos. Mas assim que deixou a sede da CNBB, levou um puxão de orelha do secretário-geral da entidade.

‘‘Não devemos explorar a religião como instrumento para conseguir votos. O importante é que o candidato apresente aos eleitores seu programa de governo, debata os problemas do país e proponha soluções concretas para esses problemas’’, disse dom Raymundo, ao ser informado que o candidato sempre pede votos em shows de música gospel, sempre citando passagens bíblicas e apelando para a fé dos eleitores. Na última segunda-feira, em encontro evangélico no Ginásio Nilson Nelson, Garotinho disse que ‘‘a ira de Deus vai se abater sobre os poderosos no dia 6 de outubro (data da eleição presidencial)’’. Ele também citou trechos do salmo 40 da Bíblia, lembrando que esse é o número de sua candidatura na cédula eleitoral.

Garotinho é criticado dentro do seu próprio partido por concentrar parte de sua campanha em eventos evangélicos. Mas seus assessores argumentam que esse eleitorado se identifica com ele e é responsável pela estabilidade da sua candidatura nas pesquisas eleitorais — ele tem cerca de 10% das preferências, de acordo com diversos institutos. Ontem, durante a reunião com a CNBB, Garotinho disse que sua opção religiosa não deve ser confundida com a sua atuação como político. ‘‘Isso é uma exploração falsa que é feita contra mim por pessoas que não podem criticar minhas propostas políticas’’, afirmou.

À tarde, durante debate promovido pelo jornal Folha de S.Paulo, o candidato disse que seu adversário José Serra (PSDB) também tem usado a religião para pedir votos, pois se reuniu com evangélicos para costurar apoios políticos. ‘‘Ruim é o candidato que só aparece em igreja na época da eleição. Não vou abrir mão da minha fé’’, disse.

Vácuo petista
Ao se reunir com a CNBB, Garotinho tentou ocupar o espaço que vinha sendo ocupado pelo PT junto à entidade na discussão sobre a Alca. Com a moderação do discurso econômico do presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva, o PT retirou o apoio que dava ao plebiscito sobre a área de livre comércio. Ontem, Garotinho assinou o documento que questiona a adesão do Brasil à Alca e disse que, assim como a CNBB, defende que a população brasileira seja consultada sobre a questão. Para ele, a CNBB é uma instituição muito importante, que deve ser visitada por todos os candidatos.

Dos quatro principais candidatos, apenas Ciro Gomes (PPS-PTB-PDT) ainda não se reuniu com a CNBB. O secretário-geral da entidade disse que ainda há tempo para isso acontecer. ‘‘Se ele nos procurar, será recebido’’, afirmou dom Raymundo Damasceno.


PSDB contra Tasso e Gros
Comando da campanha de Serra ataca integrantes do próprio partido e do governo. Site do candidato na Internet divulga mais um jingle em que chama Ciro Gomes de mentiroso

Coordenador do programa de governo do candidato a presidente José Serra (PSDB), o prefeito de Vitória, Luiz Paulo Vellozo Lucas, partiu para o ataque contra o ex-governador do Ceará, Tasso Jereissati, e contra o presidente da Petrobras, Francisco Gros, simpatizantes da candidatura de Ciro Gomes (PPS).

‘‘O Tasso não está do nosso lado e isso tem de ficar claro’’, disse Vellozo Lucas. Fundador e ex-presidente do PSDB, o ex-governador é amigo de Ciro e faz freqüentes elogios ao candidato, ao mesmo tempo que critica Serra, que pertence ao seu partido.

O coordenador tucano também criticou o presidente da Petrobras, Francisco Gros. Ele é apontado como um provável ministro em um eventual governo de Ciro. Gros também não esconde sua antipatia por Serra, ainda mais depois que o candidato começou a atacar a Petrobras pelo aumento dos preços da gasolina e do gás de cozinha. O ataque, na visão de Vellozo, foi muito suave: ‘‘Serra precisava declarar que, no governo dele, pessoas como Gros não teriam espaço’’.

‘‘A Frente Trabalhista de Ciro, agora com o apoio do PFL, mais parece uma frente dos ressentidos’’, criticou Vellozo. O coordenador do programa de Serra disse que o PFL que apóia Ciro Gomes é reconhecidamente o mesmo que reluta em abrir mão de seus feudos de poder e impede o desenvolvimento do país.

Ao falar das forças que partilharam o poder com o PSDB durante os oito anos da era FHC, o prefeito de Vitória também atacou o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva. ‘‘O PT de Lula abrigou o PL, que também participou da base de sustentação de FHC no Congresso.’’ Vellozo Lucas informou que o comando de campanha lançará, em breve, cadernos temáticos com proposições detalhadas para vários segmentos, tais como Política Industrial e Comércio Exterior, Nordeste, Amazonas, Mulheres, Emprego e etc. ‘‘Esses programas serão divulgados nos locais condizentes com os temas.’’


Desconfiança traz de volta o overnight
É cada vez maior a rejeição dos investidores por títulos públicos de longo prazo. Com isso, renasce o giro diário do endividamento do governo. Hoje, o BC aumentará em R$ 33 bilhões o débito que vencerá no próximo governo

Sem fazer alarde, o Banco Central está retomando aos poucos uma prática que o país pensava ter acabado em março de 1990, quando o então presidente Fernando Collor de Mello decretou o confisco da poupança dos brasileiros: o overnight, instrumento típico da ciranda financeira, no qual o dinheiro disponível no mercado financia a dívida pública da noite para o dia. Apenas ontem, por não ter conseguido rolar uma parte dos títulos que estavam vencendo, o BC ampliou a dívida de um dia de R$ 20 bilhões para R$ 26 bilhões. ‘‘É o reflexo da atual conjuntura’’, admitiu, laconicamente, o chefe do Departamento de Operações do Mercado Aberto do BC, Sérgio Goldenstein. ‘‘Na média, porém, o prazo de vencimento da dívida pública ainda está em 30 meses’’, ressaltou.

O encurtamento do prazo da dívida — que chegou a 38 meses no início do ano — tornou-se uma dor de cabeça para o BC. E reflete a desco nfiança dos investidores na capacidade do governo de pagar os títulos que vencerão no futuro. ‘‘Olhando para a dinâmica da economia, com a perspectiva de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de juros ainda altos e de queda nas receitas, a possibilidade de uma reestruturação forçada da dívida se torna muito evidente. Por isso, o mercado passou a exigir papéis com prazo de resgate cada vez mais curto’’, afirmou o professor Lauro Vieira de Faria, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). ‘‘Ninguém quer correr riscos. Um novo governo está vindo por aí. E os dois candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto são da oposição’’, destacou.

Desconfiança
Desde que a crise de confiança se agravou, em maio último, o BC já foi obrigado a antecipar para este e o próximo ano quase R$ 60 bilhões da dívida que venceriam entre 2004 e 2006. Hoje, tentará encurtar mais R$ 33 bilhões, por meio de dois leilões. No primeiro, de R$ 13 bilhões, o BC trocará Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) de 2004 a 2006 por papéis com resgate em 19 de março e 18 de junho do próximo ano. As instituições que participarem desse leilão, terão o direito de, no dia 18 de dezembro próximo, revender para o BC 20% das LFTs que arrematarem nesta sexta-feira.

A operação tem como endereço certo os fundos de investimentos financeiro, os FIFs, responsáveis pelo financiamento de quase metade da dívida pública. Os FIFs vinham registrando uma sangria de recursos nos últimos meses, devido à decisão equivocada — e agora suspensa — do BC, de exigir a marcação dos títulos públicos pelo valor de mercado. ‘‘O leilão de hoje será o primeiro de uma série de leilões que o Banco Central fará para atender à total necessidade de troca (de títulos) do mercado’’, enfatizou o diretor de Política Monetária da instituição, Luiz Fernando Figueiredo.

Na outra operação, o Tesouro Nacional se dispôs a trocar Notas do Banco Central série E (NBCEs) por LFTs e contratos de swap cambial (troca de rentabilidade entre o BC e o mercado), num total de até R$ 20 bilhões. O objetivo desse leilão é reduzir os custos do Tesouro com a dívida. As NBCEs estão com juros muito altos, em cerca de 50% ao ano além da variação cambial, taxa que, segundo os especialistas, reflete o medo do calote do governo. ‘‘Esse negócio de calote não existe’’, garantiu Goldenstein. ‘‘Esta será a quarta troca de NBC-Es (títulos corrigidos pelo dólar) feita pelo Tesouro’’, emendou.

Fim da letargia
Edgar da Silva Ramos, presidente da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima), reconhece que o prazo mais curto para o pagamento da dívida pública — e que pesará, sobretudo, no próximo governo — decorre das incertezas políticas que sacodem o país e do conturbado cenário internacional. ‘‘Não é o quadro desejável’’, afirmou. Mas o importante, segundo ele, é que o BC saiu do estado de letargia e tomou medidas salutares para corrigir as distorções de preços dos títulos públicos, que vinham provocando perdas aos poupadores dos fundos de investimentos.

‘‘Acabaram as medidas paliativas. O governo mostrou que está vivo e que governará até 1º de janeiro. Além disso, Fernando Henrique Cardoso mudou sua postura. Deixou de ser torcedor de seu candidato (José Serra, do PSDB), para retomar sua função de Presidente da República’’, assinalou. Não foi à toa, portanto, que as LFTs, cujos preços estavam em queda livre, recuperaram parte das perdas ontem. De qualquer forma, Ramos ainda prevê um período turbulento e dificuldades do governo para rolar sua dívida. Até o fim de outubro, mês das eleições, vencerão quase R$ 50 bilhões em títulos públicos.


Empresários atordoados
Com Serra em baixa nas pesquisas e sem confiança em Ciro Gomes, empresários começam a prestar atenção em Lula, um ex-inimigo histórico dos capitalistas

Pela primeira vez desde a ressurreição das eleições diretas para a Presidência, em 1989, o grande empresariado nacional se vê absolutamente atordoado quanto aos postulantes ao maior cargo da República. O patronato prefere José Serra, do PSDB, mas a opinião pública, não. Pelas pesquisas de intenção de voto, a maior probabilidade de vitória é compartilhada por Ciro Gomes, da Frente Trabalhista (PPS, PTB e PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT-PL). Os tubarões do Produto Interno Bruto não sabem para que lado correr. Alguns começam a se inclinar para a esquerda, na direção do petista. Outros se dizem negativamente impressionados com o estilo quase grosseiro de Ciro.

O empresário Antônio Ermírio de Morais, do grupo Votorantim, apóia Serra abertamente. Diz que é o mais preparado entre os candidatos, que expõe com clareza as idéias. Ermírio é do time pró-ativo. Isto é, abraçou a candidatura tucana e trabalha para fazê-la crescer. A atitude, no entanto, não se repete entre os colegas da indústria paulista. Esses até votarão em Serra, mas não andam suando a camisa. Muito menos abrindo a carteira para financiar a campanha.

Lula, líder nas pesquisas para o primeiro turno, conseguiu vencer antigos preconceitos quanto à sua capacidade para governar. Uma das táticas das quais lançou mão foi a convocação do senador mineiro José de Alencar (PL) para a vaga de vice-presidente. Autodidata, Alencar começou a vida como dono de uma loja de tecidos. Em 60 anos, transformou-a no maior conglomerado industrial do setor têxtil nacional — a Coteminas — e ganhou prestígio entre o alto empresariado.

Ao lado de Lula, transformou-se em avalista da mudança de imagem do PT. Alencar se apresenta toda vez que os estrategistas da campanha precisam defender as idéias econômicas do partido falando no mesmo idioma capitalista usado por Serra, o preferido dos patrões. O senador também surge nas horas em que Lula é atacado e não pode responder na mesma moeda para não passar a idéia de que recuou na moderação estreada neste ano.

Foi o que aconteceu no início da semana, quando Ciro Gomes acusou Lula de ter sido ‘‘domesticado’’ pela elite financeira nacional. ‘‘Lula é um homem sério e de princípios. Jamais seria domesticado’’, respondeu Alencar. Na boca de qualquer outro integrante da campanha petista, a frase poderia ser interpretada como uma ameaça de ruptura nas regras dos contratos privados. Na boca de Alencar, trata-se apenas de uma necessária postura de independência, de soberania nacional.

Lula, que tradicionalmente tem o apoio de um grupo restrito de pequenos e médios empresários, começa a expandir seu horizonte. Hoje, por exemplo, leva José Alencar à tiracolo para almoçarem juntos com representantes da indústria naval, no Rio de Janeiro. Os armadores ouvirão Lula com real interesse pela primeira vez na vida. Estão particularmente entusiasmados depois das críticas do candidato às encomendas de plataformas de petróleo construídas no exterior, feitas pela Petrobras.

Destempero
Ciro, por seu lado, parece querer provocar a cisma do empresariado. Num jantar promovido segunda-feira à noite, na casa do empresário Ricardo Steinbruch, da Vicunha Têxtil, em São Paulo, ele irritou-se quando um dos presentes perguntou se ele não poderia tomar alguma atitude para acalmar o mercado financeiro e facilitar a transição para o próximo governo. ‘‘O mercado que se lixe, vou fazer o que está no meu plano’’, retrucou. Disse ainda que cortaria a mão antes de assinar qualquer acordo com banqueiros. O detalhe é que a platéia, emudecida e embasbacada depois do destempero verbal do candidato, continha banqueiros de alto coturno, como Joseph e Moises Safra, donos do Banco Safra.

A frase e a reação protagonizaram uma intensa troca de telefonemas na comunidade de banqueiros nacionais por toda a semana. ‘‘O fato de o Ciro não se posicionar corretamente já está atrapalhando, fazendo o dólar s ubir e dificultando o manejo da dívida pública’’, reclamou ontem o dono do banco Stock-Máxima, Toni Rocha. ‘‘Vivemos no capitalismo. A gente não pode ser contra os mercados’’, disse Edgar da Silva Ramos, presidente da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima).

Serra acompanha com lupa os passos do adversário. Soube da explosão no jantar com Steinbruch e imediatamente passou a explorá-lo. Em palestra na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), ontem, disse que o presidente da República deve ter, além de tudo, ‘‘equilíbrio emocional’’.

Diante do cenário pré-eleitoral, os empresários do ramo financeiro já começam a descartar Serra, odiar Ciro e se aproximar de Lula. ‘‘O pessoal já está falando que o Lula é melhor, porque é mais previsível’’, testemunha Rocha, do Stock-Máxima.

O presidenciável da Frente Trabalhista continua bem cotado entre os exploradores do ramo de shopping centers e companhias de telefonia. O bom trânsito se explica pelo prestígio do empresário cearense Carlos Jereissati nesses setores. Carlos, dono do grupo La Fonte, é irmão de Tasso Jereissati, ex-governador do Ceará, mentor político de Ciro.


Artigos

Cultura e eleições
Os candidatos à Presidência precisam se conscientizar de que a cultura e as artes, melhor do que o comércio e a indústria, provocam a admiração e o respeito internacional

Jorge Antunes

O item cultura, no programa de governo de José Serra, é uma piada. Ele está totalmente voltado à indústria cultural. O candidato pretende colocar o BNDES e o Banco do Brasil financiando produções que enriquecem os cafetões de pseudo-artistas, incentivando a mediocridade lucrativa. O programa cultural de Lula é vago, cheio de frases de efeito: novos mecanismos de financiamento, distribuição justa de recursos, reforma do Ministério da Cultura etc. Já vi esse filme, de dentro e de fora: no set e na platéia. Ciro e Garotinho estão mudos. Faltando dois meses para a votação, a coordenação de campanha do PPS informa que o programa para a cultura está sendo elaborado.

Os candidatos à Presidência precisam se conscientizar de que a cultura e as artes, melhor do que o comércio, a indústria e as Forças Armadas, provocam a admiração e o respeito internacional. É justamente a intensidade do apoio às artes brasileiras que irá determinar, em termos políticos para o Brasil, a opção entre hegemonia, aliança ou submissão.

Faz-se necessário que as leis de incentivo fiscal para a cultura sejam revistas. O Estado brasileiro tem repassado aos empresários aquele seu constitucional papel de apoio à cultura. Assim, o empresariado volta suas atenções gananciosas exclusivamente para as realizações culturais conservadoras que lhe garantem retorno imediato. Uma nova política cultural deve ser implementada, para que a arte nova e a pesquisa artística, ainda sem grande público, possam ser incentivadas e apoiadas diretamente pelo Estado.

Os talentos artísticos brasileiros devem ser tratados com especial atenção porque constituem manancial de uma rica produção cultural. Cumpre ao Estado neles apostar com uma política de investimento imaterial, tal como aquela aplicada à educação, em que o retorno é a longo prazo e não imediatista. Cegamente, alguns intelectuais têm combatido o paternalismo do Estado frente à cultura e às artes.

Oferecerei minha adesão a esse combate se ele vier a ser uma ação em favor do maternalismo do Estado. Este, no trato de seus talentos artísticos, deve agir como a mãe extremosa que lambe a cria, protegendo-a, apoiando-a. Para subsidiar as habitualmente burras assessorias de candidatos, listo aqui uma série de ações reivindicadas permanentemente pelos artistas brasileiros:

1. Implantação, em todo o território nacional, de centros de criação, animação e difusão artístico-cultural;

2. Desenvolvimento do ensino das artes nas escolas e aprimoramento da educação artística;

3. Expansão do acesso aos bens culturais, com a extensão das horas de abertura de museus, bibliotecas e monumentos, com dotações orçamentárias específicas e recrutamento de pessoal;

4. Promoção das identidades regionais, com as culturas minoritárias respeitadas e ensinadas;

5. Criação de mecanismos de barateamento do livro;

6. Criação de mecanismos que provoquem a presença ativa e a difusão da cultura brasileira além de nossas fronteiras;

7. Criação de um centro latino-americano para a música e de mecanismos que permitam o intercâmbio da produção cultural latino-americana;

8. Conclusão do Complexo Cultural da Esplanada dos Ministérios na capital federal, com a construção das edificações previstas originalmente, como o Museu do Homem Brasileiro, e outras que contemplem as diferentes áreas do saber;

9. Criação de órgãos públicos nos setores da indústria cultural, para intervenções compensadoras do Estado em face das políticas culturais exclusivamente comerciais de empresas privadas;

10. Alargamento da política de salvaguarda dos bens culturais do passado;

11. Apoio à criação de escolas públicas de música de ensino médio e profissionalizante;

12. Apoio ao ensino artístico de nível superior;

13. Ajuda aos artistas, dando-lhes a oportunidade de criar obras novas e de as divulgar;

14. Criação de condições para que o artista brasileiro possa obter papel importante no movimento artístico internacional;

15. Respeito integral à liberdade de expressão e criação artística;

16. Criação de mecanismos que regulem a encomenda de obras aos artistas, a concessão de bolsas de pesquisa e de criação artística e a apresentação pública das obras;

17. Criação de um órgão de fomento, nos moldes do CNPq, voltado exclusivamente para o apoio à pesquisa artística; e

18. Incentivo e apoio à produção artística em que a ambição estética esteja à frente da rentabilidade comercial imediata.

Todas essas ações, de frutos garantidos no médio prazo, com assegurado enriquecimento do lastro cultural e econômico das futuras gerações, precisariam ser elaboradas de modo democrático. Suas implementações envolveriam investimentos a fundo perdido. Não mais seria permitido que empresários desviassem impostos para projetos popularescos que servem a eles mesmos como promoção grátis de seus produtos. A política cultural teria de ser implementada por conselhos nacionais e regionais, com representantes das áreas envolvidas, eleitos pela comunidade cultural. Estaria, assim, montada a estratégia para a justa e acertada democratização cultural.


Editorial

JOGO DA VERDADE

Depois de anos de letargia, o Estado brasileiro interveio para modernizar a gestão esportiva. Não só na destinação de recursos públicos, mas também na correção do autoritarismo da legislação herdada do governo militar.

O documento mais importante nesse sentido é a Lei nº 9.615, conhecida como Lei Pelé, sancionada em 1998. Em cumprimento a ela, começou a atuar, na terça-feira, o Conselho Nacional de Esporte (CNE). Trata-se de órgão de assessoria ao gabinete do Ministro do Esporte e Turismo, com representação de todos os segmentos do setor.

A legislação que rege o esporte brasileiro tem como base o artigo 217 da Constituição de 1988. Nele, é dever do Estado ‘‘fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um’’. Para tanto, deve ser ‘‘observada a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto à sua organização e funcionamento’’.

A citação do artigo vem a propósito da recente edição da Medida Provisória 39/2002, que introduz exigências à Lei P elé. Destaca-se a transformação de clubes profissionais em empresas. Ou seja, a obrigatoriedade de submeter-se às regras do mercado e publicar balanços. Os dirigentes esportivos ficam sujeitos a penalidades caso cometam irregularidades administrativas e financeiras em sua gestão.

Mesmo com o recesso branco do Congresso devido à campanha eleitoral, a MP está incomodando muitos parlamentares, principalmente os vinculados a clubes de futebol — a ‘‘bancada da bola’’. O interesse desses políticos, sabe-se, é evitar qualquer tipo de interferência nas ações dos clubes profissionais.

Porém, uma leitura atenta da MP 39/2002 mostra que a proposta vinda do governo federal não constitui intromissão indevida e que a autonomia clubística prevista no art. 217 da Constituição está plenamente assegurada.

O que o governo pretende com a atualização da Lei Pelé é preservar o torcedor — principalmente este — impedindo que uma de suas maiores paixões, o futebol, seja agredido por atos ilegais de dirigentes inescrupulosos. Não há como fechar os olhos ao processo crescente de falcatruas nos principais clubes brasileiros, identificadas por duas recentes comissões de inquérito no Congresso Nacional.

Por isso, a MP 39/2002 precisa ser votada até 14 de novembro, prazo limite de sua tramitação, sob pena de caducar. Nesse caso, voltaríamos à estaca zero, comprometendo seriamente o processo de modernização da legislação esportiva e adiando para a próxima legislatura a discussão, que está amadurecida e devidamente encaminhada.

O futebol brasileiro, patrimônio consagrado por cinco títulos mundiais, está amparado por legislação que garante autonomia para o seu desenvolvimento. Falta, porém, a regulamentação de leis que exijam comportamento ético e honesto dos que têm o compromisso de dirigi-lo.


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08/16/2002


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