Serra adia anúncio de programa e irrita aliados








Serra adia anúncio de programa e irrita aliados
Tucano decidiu, sozinho, que era preciso rever todos os números; evento oficial será na semana que vem

BRASÍLIA - O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, fez jus ontem à fama de exigente e centralizador, provocando uma crise no comando de sua campanha quando decidiu, sozinho, adiar a divulgação do seu programa de governo, prevista para hoje. Surpreendendo seus auxiliares - políticos e técnicos - com a alegação de que precisava "conferir os números" porque não poderia "vender terreno na lua", Serra teve de recuar no fim do dia e prometeu conceder hoje, ainda que a contragosto, uma entrevista para lançar sua proposta.

Mas o estrago já estava feito. O que seria um grande evento não terá mais o brilho que se pretendia para tentar reanimar a campanha. Com a insatisfação de políticos aliados e estrategistas da campanha, Serra comprometeu-se a eliminar suas dúvidas ontem à noite para anunciar hoje as bases de seu programa. Segundo sua assessoria, as propostas serão apresentadas apenas aos jornalistas, em São Paulo. O lançamento oficial ficou para a semana que vem.

O ponto central do programa é a estabilidade da economia, com meta de inflação de 3% ao ano até o quarto ano de mandato. A taxa de juros, prevista inicialmente, deverá ser de 9% ao ano - 6% de juros reais, com inflação de 3%. Os técnicos que fizeram o programa estimam ainda que serão gerados 8 milhões de empregos e construídas 6 milhões de habitações durante os próximos quatro anos.

Fato político - Quando o candidato informou que não lançaria hoje o programa, integrantes do comando de campanha cobraram dele maior preocupação com os fatos políticos. Um deles disse ao senador tucano que o fato de estar em terceiro lugar nas pesquisas de opinião não permite que ele se dê ao luxo de se agarrar a detalhes. O líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), aprovou a saída de um lançamento mais simples hoje como solução para evitar o adiamento: "É necessário criar fatos. Uma campanha deve ter diariamente não só fato, mas foto."

O senador Geraldo Melo (RN), líder do PSDB no Senado, foi outro que criticou o candidato. "Serra precisa criar fatos. Não criá-los é acabar comentando fatos criados pelos outros. Quem comenta não consegue nunca ser o centro dos acontecimentos", afirmou.

O que também causou muito desgosto no comando de campanha de Serra foi a decisão centralizada do adiamento do programa, pelo menos por algumas horas.

De acordo com a equipe de Serra, mais de 300 pessoas estão envolvidas no programa de governo e na criação de fatos para tornar tudo um grande acontecimento. Quando uma decisão solitária muda todo um plano feito com dias de antecedência, a frustração é geral.

Convocação - O plano dos comandantes da campanha de Serra era fazer do ato de lançamento do programa o grande acontecimento político da semana. Para tanto, foram convocados os prefeitos das grandes cidades e o conselho político da candidatura. Mas Serra, que passou a noite de segunda-feira reunido com os técnicos encarregados do programa, entendeu que para alguns números, como o da geração de empregos e da construção de residências, considerava necessário encontrar fontes de receitas e argumentos que não o desmentissem mais à frente.

"Acho que o candidato quer examinar tudo com o maior rigor. É natural que ele defenda a precisão absoluta", disse o economista Gesner Oliveira, um dos principais coordenadores do programa. Ao falar de sua decisão de adiar a divulgação, Serra alegou que precisava ter segurança em relação às medidas econômicas. Disse que necessitava de detalhes, relação do cálculo dívida/Produto Interno Bruto (PIB), estudos que tornem viável a redução nos juros e a queda da inflação.

Um dos poucos a ficar do lado de Serra foi o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA).

Para ele, o adiamento não deveria causar surpresa, porque no final se veria que a preocupação do candidato é benéfica para a campanha e ajuda a desmascarar outros candidatos. Quis, com isso, criticar o presidenciável Ciro Gomes, do PPS. "Refazer cálculos mostra a preocupação que temos com o programa, para que seja viável, nada parecido com as sandices escritas por Ciro", disse.


FHC faz piada com inferno tucano
BRASÍLIA – Confirmando a fama de que perde o amigo, mas não a piada, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez ontem uma brincadeira que pode desagradar ao candidato José Serra. Ao ser apresentado à nova diretoria do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, no Palácio do Planalto, ele se surpreendeu ao saber que havia um cearense no grupo: “Tem cearense também?” Sem conter o hábito de achar graça até no que lhe é desfavorável, emendou: “Os paulistas estão perdendo em tudo o que é lugar. Mas eu não tenho nada a ver com isso, porque sou carioca.”

O comentário ocorre no momento em que Serra luta para subir nas pesquisas. E, pior para os tucanos, a situação contrasta com a ascensão do ‘cearense’ Ciro Gomes (PPS).

Apesar de nascido em São Paulo e, portanto, ser tão paulista como Serra, Ciro é de família cearense e foi no Ceará que construiu sua carreira política. Daí a brincadeira de Fernando Henrique.

A brincadeira ganha corpo, ainda, em meio à divergência sobre a posição que o candidato deveria adotar na campanha: colado ao governo ou crítico ao que deu errado. No debate de domingo, Serra tentou esclarecer até que ponto é governista: “Sou candidato do governo, do meu governo.”


Ciro diz que apoio de Collor só pode ser vingança
Para ele, adesão seria tentativa de retaliação, porque sempre lutou contra ex-presidente

O candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, afirmou ontem, em São Paulo, que a declaração de apoio do ex-presidente Fernando Collor (PRTB) à sua candidatura é uma tentativa de "vingança". Ciro disse que Collor, que disputa o governo de Alagoas, procura vingar-se pelo fato de ter "lutado" contra o ex-presidente nos dois turnos das eleições de 1989 e, depois, durante o processo do impeachment.

Collor afirmou na segunda-feira, em Maceió, que decidiu votar em Ciro porque o PPS e o PTB, que integram a Frente Trabalhista com o PDT, fazem parte da coligação que o apóia, em Alagoas. O ex-presidente aproveitou para tirar vantagem da tentativa de associação entre ele e Ciro.

Na avaliação de Collor, a candidatura de Ciro começou a crescer depois que "a imprensa" vinculou o presidenciável ao seu nome. Em entrevista ao Jornal Gente, transmitido pela Rádio Bandeirantes ontem de manhã, Ciro reagiu. "Não pedi esse apoio, não recebi esse apoio e é evidente que isso foi para as manchetes dos jornais porque não há outra forma de me agredir, de me atacar", afirmou o candidato do PPS.

"E o que está acontecendo é uma tentativa de vingança, porque lutei contra o Collor no primeiro turno das eleições, votando em Covas (o governador Mário Covas); no segundo turno, votando em Lula (o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva); e depois lutei na linha de frente do impeachment", completou.

Diferença - Ciro atribuiu a comparação com o ex-presidente a uma "carga de preconceito e de estereótipo", pelo fato de ser jovem e por ter construído sua vida pública no Ceará, apesar de ter nascido em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. " O mais, é só diferença."

Em Brasília, o comando da campanha da Frente Trabalhista também reagiu com indignação à declaração de Collor. "Collor foi canalha e tentou pegar carona no sucesso do nosso candidato", protestou o líder do PTB na Câmara, Roberto Jefferson (RJ), que foi líder do governo Collor na Casa. Segundo Jefferson, o ex-presidente "mentiu" porque nunc a gostou de Ciro. "Ele (Collor) vivia dizendo que o Ciro não tinha coragem", afirmou.

O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), também condenou as declarações de Collor. Para Bornhausen, o ex-presidente quer apenas "aparecer na mídia nacional", a exemplo do que fez nas eleições municipais de 2000, quando se candidatou à Prefeitura de São Paulo.

Campanha - Em Campinas, Ciro deu entrevistas a várias emissoras de rádio e televisão e pediu votos na Rua 13 de Maio, o centro comercial da cidade. Ele defendeu a reestruturação das agências reguladoras nacionais e até sua extinção, "se for o caso".

O candidato prometeu retaliar os países com os quais o Brasil mantém relações comerciais que criem barreiras para a importação de produtos brasileiros. Ele defendeu também a tributação do consumo, a redução do trabalho informal como uma das formas para aumentar a arrecadação da Previdência Social, a retomada do Pró-Álcool e o aumento do efetivo da Polícia Federal de 5 mil para 15 mil homens. (Colaboraram Eugência Lopes, Rosa Costa e Silvana Guaiume)


Lula defende 'pesados investimentos' sociais
Petista sustenta que é possível fazer intensas intervenções estatais sem esquecer metas econômicas

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, deixou de lado ontem compromissos com investidores da bolsa, reuniões com empresários e discussões sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI) para cumprir uma agenda que lhe possibilitasse retomar temas sociais em sua campanha. Após assistir a uma sessão especial do filme Cidade de Deus, no Centro Cultural São Paulo, ele defendeu "pesados investimentos do Estado" em políticas públicas e fez duras críticas ao governo. "O problema não é dinheiro, e sim o dinheiro que sai pelo ralo."

O petista sustentou que é possível fazer intensas intervenções estatais sem se esquecer dos compromissos de manutenção do superávit primário e das metas de inflação. "O problema do Brasil não é falta de dinheiro para políticas públicas, o problema é que não é prioridade desse governo fazer política social", disse Lula, após a exibição do filme. "A prioridade do governo é pagar juros", atacou.

Mansões - As críticas de Lula se estenderam ao secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Paul O'Neill. Em visita ao País, ele elogiou as políticas públicas brasileiras, depois de ter questionado o destino do dinheiro da possível ajuda financeira do FMI ao Brasil, dizendo que ele poderia acabar em contas na Suíça. "Não precisava ser tão bom para desfazer as bobagens que falou antes", afirmou Lula. "Se levaram ele (O'Neill) para visitar as mansões lá de Brasília para pensar que aquilo é política pública, ele vai sair daqui do mesmo jeito que entrou: sem conhecer o Brasil."

O candidato foi recebido na sala de projeção como "o futuro presidente" por Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus, no qual foi baseado o filme homônimo, dirigido por Fernando Meirelles. Na platéia, diversos artistas, entre eles o rapper Xis. O petista disse ter gostado muito do filme, cujo fio condutor é a própria vida de Paulo Lins, crescendo em meio ao tráfico e à violência de Cidade de Deus, bairro pobre da zona oeste do Rio.

"Fui informado que o presidente Fernando Henrique Cardoso vai assistir ao filme no domingo", disse Lula. "Acho que poderia ser um banho de redefinição do papel do Estado para quem governa o nosso País." Segundo ele, "o filme deveria ser assistido por governadores e pelo ministro da Fazenda." A exibição de ontem ocorreu especialmente para Lula. Cidade de Deus entra em cartaz dia 30.

Trote - Lula cumpriu sua agenda ontem ao lado do deputado José Genoíno, candidato do PT ao governo. Antes de entrarem no centro cultural, foram parados por estudantes que pediam dinheiro para comemorar sua entrada na faculdade.

Após cumprimentos, ouviram o coro de "ão, ão, ão, cadê a contribuição?"

Genoíno deu R$ 20. "Eu não tenho nada", disse Lula. O presidenciável foi salvo por um assessor, que "contribuiu" com R$ 6.


Nota responde a Serra e o acusa de 'erro grosseiro'
A estratégia da equipe de marketing do PSDB deu o resultado esperado e Ciro Gomes (PPS) teve de dar longa explicação para mostrar que "não faltou com a verdade", como disse o tucano José Serra no debate dos presidenciáveis, na TV Bandeirantes, domingo. Em carta divulgada ontem, ele acusou Serra de cometer "um erro grosseiro" como economista: confundir valores nominais com reais ao dizer que, quando Ciro era ministro da Fazenda, entre setembro e dezembro de 1994, o salário mínimo correspondia a US$ 82, e não a US$ 100.

"Conseguimos abrir uma ferida", comemorava um integrante da equipe do PSDB segunda-feira.

Na carta, Ciro argumenta que o valor do mínimo tem de ser analisado pelo poder de compra. Ele sustenta que a variação da inflação nos Estados Unidos entre setembro de 1994 e junho deste ano foi de 20,7% e, ao fazer a correção por esse índice, o poder de compra era de US$ 100. "Em miúdos, US$ 82 compravam, em 1994, as mesmas coisas que US$ 100 compram hoje", afirmou.

"Afinal, como todo economista honesto sabe, e o trabalhador sabe muito mais ainda, não é a expressão nominal mas o poder de compra que interessa."

No debate, Serra disse que Ciro não pagou toda a dívida mobiliária quando governou o Ceará, que o prêmio do Unicef foi entregue com base em programas de seu antecessor, o tucano Tasso Jereissati, e ele não participou da fundação do PSDB.

Ciro garantiu ter pago a dívida mobiliária. Ele explicou que recebeu o prêmio do Unicef em nome do "governo e do povo" do Ceará, e Tasso estava a seu lado na cerimônia, "como reconhecimento pelo seu mérito" Ciro não respondeu à outra acusação. De manhã, na Rádio Bandeirantes, disse que participou da fundação do PSDB do Ceará. Depois, provocou os tucanos.

"Dou um Fusca zero para quem me mostrar o programa do candidato do governo", afirmou Ciro, esquecendo que a Volkswagen não produz mais o carro. "Quando Serra divulgar, voltamos a conversar."


Lula defende 'pesados investimentos' sociais
Petista sustenta que é possível fazer intensas intervenções estatais sem esquecer metas econômicas

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, deixou de lado ontem compromissos com investidores da bolsa, reuniões com empresários e discussões sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI) para cumprir uma agenda que lhe possibilitasse retomar temas sociais em sua campanha. Após assistir a uma sessão especial do filme Cidade de Deus, no Centro Cultural São Paulo, ele defendeu "pesados investimentos do Estado" em políticas públicas e fez duras críticas ao governo. "O problema não é dinheiro, e sim o dinheiro que sai pelo ralo."

O petista sustentou que é possível fazer intensas intervenções estatais sem se esquecer dos compromissos de manutenção do superávit primário e das metas de inflação. "O problema do Brasil não é falta de dinheiro para políticas públicas, o problema é que não é prioridade desse governo fazer política social", disse Lula, após a exibição do filme. "A prioridade do governo é pagar juros", atacou.

Mansões - As críticas de Lula se estenderam ao secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Paul O'Neill. Em visita ao País, ele elogiou as políticas públicas brasileiras, depois de ter questionado o destino do dinheiro da possível ajuda financeira do FMI ao Brasil, dizendo que ele poderia acabar em contas na Suíça. "Não precisava ser tão bom para desfazer as bobagens que falou antes", afirmou Lula. "Se levaram ele (O'Neill) para visitar as mansões lá de Brasília para pensar que aquilo é política pública, ele vai sair daqui do mesmo jeito que entrou: sem conhecer o Brasil."

O candidato foi recebido na sala de projeção como "o f uturo presidente" por Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus, no qual foi baseado o filme homônimo, dirigido por Fernando Meirelles. Na platéia, diversos artistas, entre eles o rapper Xis. O petista disse ter gostado muito do filme, cujo fio condutor é a própria vida de Paulo Lins, crescendo em meio ao tráfico e à violência de Cidade de Deus, bairro pobre da zona oeste do Rio.

"Fui informado que o presidente Fernando Henrique Cardoso vai assistir ao filme no domingo", disse Lula. "Acho que poderia ser um banho de redefinição do papel do Estado para quem governa o nosso País." Segundo ele, "o filme deveria ser assistido por governadores e pelo ministro da Fazenda." A exibição de ontem ocorreu especialmente para Lula. Cidade de Deus entra em cartaz dia 30.

Trote - Lula cumpriu sua agenda ontem ao lado do deputado José Genoíno, candidato do PT ao governo. Antes de entrarem no centro cultural, foram parados por estudantes que pediam dinheiro para comemorar sua entrada na faculdade.

Após cumprimentos, ouviram o coro de "ão, ão, ão, cadê a contribuição?"

Genoíno deu R$ 20. "Eu não tenho nada", disse Lula. O presidenciável foi salvo por um assessor, que "contribuiu" com R$ 6.


Artigos

O Real cai na real
Frei Betto

Após oito anos de governo FHC, eu esperava que o Brasil chegasse sem turbulências ao porto das próximas eleições presidenciais. Há, porém, nuvens carregadas no horizonte do País. O dólar disparou, ameaçando o retorno da inflação e revelando a fragilidade do Plano Real. Comprova, assim, que a propalada estabilidade da moeda é mais um artifício político que fruto de uma eficiente engenharia econômica. O Real cai na real: felizmente, para o futuro presidente, a corda arrebentou no atual governo.

Não bastasse a casa ficar destelhada pelos ventos especulativos, veio o Tio Sam e cuspiu na família: Paul O'Neill, secretário do Tesouro dos EUA, chamou o nosso governo de corrupto, acusando-o de desviar investimentos estrangeiros para contas bancárias na Suíça.

Embora se tenha retratado, O'Neill demonstra que o governo Bush alimenta solene desprezo pelo Brasil e pela América Latina. E, míope, não percebe que está falando de corda em casa de enforcado. Nos últimos meses, grandes empresas americanas tiveram suas operações fraudulentas reveladas ao público. Nem as atividades empresariais do presidente e do vice-presidente escapam da suspeita de terem utilizado artifícios escusos para valorizar suas ações na bolsa de valores.

O governo FHC optou por manter o Brasil na UTI do sistema financeiro internacional, submetido a constantes transfusões de capital especulativo.

Só que o doente doa mais sangue do que recebe: em 2001, o Brasil exportou US$ 55 bilhões. Até dezembro, deve pagar, só de juros, US$ 13,109 bilhões.

O médico, o dr. Malan, quer mais transfusões, como se em todo período eleitoral o doente sofresse de anemia crônica. Em 1998, vieram US$ 41 bilhões para assegurar a reeleição da FHC. Mas a cada transfusão o doente fica mais debilitado, pois nada se dá de graça; custa caro e deverá ser pago, como predisse Tancredo Neves, com o sangue dos brasileiros.

O'Neill, com seu destempero verbal, só agravou o nervosismo do mercado, que já andava irritado com as declarações piromaníacas de Ciro Gomes de que, se eleito, porá fim à farra das contas CC-5, que facilitam o envio de dólares para o exterior. Por essas contas, só em junho houve uma evasão de US$ 605 milhões. De 1.º a 22 de julho, a fuga chegou a US$ 1,078 bilhão.

Em meio à tempestade, o ministro Malan insiste em recorrer ao pronto-socorro do FMI para obter mais injeções de capital, já que a saúde eleitoral de José Serra, candidato do governo, está de tal modo combalida que não inspira confiança nos investidores. Mas o pronto-socorro exige um cheque-caução: as reservas monetárias do País, reduzidas a US$ 27,290 bilhões em junho. Com menos de US$ 15 bilhões em caixa, o paciente fica na rua. Aflito, dr. Malan pede clemência, quer o piso reduzido para US$ 11 bilhões, pois só assim dará curso à ciranda financeira, continuando a jogar US$ 50 milhões por dia no mercado para regular o câmbio.

Ocorre que o hospital não trata seus pacientes com imparcialidade. Os EUA são o seu principal acionista. Controlam 17,11% do capital do FMI, o suficiente para falar mais alto que todos os outros parceiros. Mesmo assim, Malan põe fé no caráter multilateral da instituição. Pois sabe que, se o paciente Brasil não resistir à permanente rolagem na esteira de sua dívida e(x)terna, o problema não será deste governo, e sim do próximo. Como na Argentina, onde De la Rúa enterrou o que o governo Menem estrangulou.

O secretário do Tesouro dos EUA pode ser um desastrado, mas é bem informado.

Graças à Lei Antibureau, ele conhece toda a movimentação de capitais mundo afora. E deve estar-se perguntando: por que o Brasil pede socorro ao FMI, se há tanto dinheiro saindo daqui para o exterior? Ao recorrer mais uma vez ao FMI, nosso país enxuga o chão, enquanto a chuva escorre pelo telhado esburacado.

Outrora considerei a economia uma ciência. Aos poucos, descobri que é uma ideologia dotada de forte fetiche religioso. Por que o Brasil não se pode levantar da cama, deixar a UTI e caminhar com as próprias pernas? Por que essa dependência crônica ao capital especulativo? O País não acredita em seus próprios recursos e, por isso, não investe neles. Sobretudo nos recursos humanos. Basta conferir a má qualidade de nossa educação, em particular a que é oferecida pelo poder público.

O medo da atual equipe econômica, que mantém os juros a 18%, é que Serra não se eleja e o próximo governo demonstre que o Brasil é capaz de caminhar, e bem melhor, por suas próprias pernas. Em outubro de 2001, Malan previu que, neste ano, o Brasil cresceria, no mínimo, 4%. A projeção média, agora, é de 1,93%. Mas, mais bem administrado, tem potencial para crescer pelo menos 5% ao ano, sem romper acordos internacionais ou dar calote, porém revendo as privatizações irresponsáveis, como a do setor energético; aumentando os investimentos produtivos; reduzindo o desemprego e expandindo as exportações para novos mercados. E fortalecendo a nossa soberania, impedindo o controle da Base de Alcântara pelos EUA e a entrada do nosso país numa Alca que signifique a livre ingerência da Casa Branca nos negócios internos dos países da América Latina.

Anne Krueger, diretora do FMI, esteve há dias no Brasil e exigiu dos candidatos presidenciais compromisso antecipado com o Fundo. Quem não se dá ao respeito escuta desaforos como esse.

Felizmente, a urna não morre de amores pelo mercado.


Editorial

URGÊNCIA PARA O CRÉDITO À EXPORTAÇÃO

A economia brasileira continua à espera do acordo com o FMI para poder, de novo, operar com alguma normalidade. A economia, sim, e não apenas o mercado financeiro ou cambial. Com a paralisia do crédito, em reais e em dólares, todas as empresas estão tendo dificuldades e nem o exportador tem meios para vender seu produto e ganhar dólares para o País.

O tumulto no câmbio já causa estragos muito além dos limites do mundo financeiro. O efeito inflacionário ainda é limitado, mas produção, emprego, consumo e exportação já vêm sendo gravemente prejudicados.

O rabo, mais uma vez, sacode o cachorro: a máquina produtiva brasileira, uma das 10 ou 12 maiores do mundo, está sendo travada por um desajuste no setor financeiro.

O governo tem pelo menos o poder, se agir com eficiência, de suprir parte do financiamento indispensável ao comércio exterior. Essa intervenção, há dias defendida nesta mesma página, já foi anunciada pelo ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, e é preciso que as decisões sejam tomadas com rapidez.

Ontem à tarde, o mercado cambial se acalmou, por algum tempo, quando circulou o rumor de um acordo praticamente fechado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Caíram o dólar e o risco País, mas o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Fazenda, Marcos Caramuru, um dos negociadores brasileiros em Washington, logo informou que um acerto não sairia nas 24 horas seguintes.

Foi um gesto prudente, mas, de toda forma, permanece a expectativa de um resultado positivo ainda nesta semana. Isso explica, segundo analistas do mercado, que o dólar tenha continuado a cair depois da declaração de Caramuru.

Enquanto não vem a confirmação do acordo, porém, o dólar permanece perigosamente escasso. O cenário eleitoral continua a influenciar o mercado, mas outros fatores, mais mensuráveis, tornaram-se cada vez mais importantes nas últimas semanas. A aversão ao risco já se vinha acentuando nos principais centros financeiros, por causa da incerteza quanto à recuperação americana e das fraudes contábeis nos Estados Unidos. A inquietação a respeito da eleição brasileira foi um motivo a mais para a redução do crédito ao País.

Na etapa seguinte, o desequilíbrio gerado por esses fatores passou a ser quase auto-alimentado.

No fim da semana passada, a expectativa de um rápido acerto com o FMI fez o dólar despencar. Absorvido esse efeito, a tensão voltou a dominar os negócios no começo desta semana.

O Banco Central (BC) continua a suprir o mercado com pelo menos US$ 50 milhões diários. A procura da moeda continua firme, porque muitas empresas não têm conseguido rolar suas dívidas e são forçadas a liquidá-las. Ainda no começo da semana, um grande banco, segundo se comentou, teria comprado US$ 250 milhões para pagar um compromisso externo.

A escassez, na segunda-feira, agravou-se, quando o BC não conseguiu vender contratos de swap cambial que deveriam substituir papéis, no valor de US$ 1,9 bilhão, que venciam ontem. A autoridade monetária julgou muito alta a remuneração pedida pelo mercado para absorver esses títulos. A inquietação do mercado agravou-se, ainda, com as dúvidas sobre a rolagem de outros lotes de papéis com vencimento próximo. A decisão do BC de não rolar os títulos a qualquer custo pode ser um indício de otimismo quanto ao acerto com o FMI.

Mesmo que se confirme um bom acordo, o governo federal não se deve dispensar de garantir um reforço do crédito à exportação. As autoridades poderão, para isso, fazer com que os bancos oficiais, especialmente o BNDES, dêem prioridade a esse tipo de operação. Poderão, também, pedir o auxílio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Corporação Andima de Fomento para essa finalidade, como já foi indicado pelo ministro do Desenvolvimento.

O problema das linhas comerciais foi examinado em Brasília com o secretário do Tesouro americano, Paul O'Neill, que em seguida teria discutido o tema com banqueiros em São Paulo.

Essa conversa pode ter sido um de seus gestos mais úteis durante a visita ao Brasil.


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08/07/2002


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