Serra atacará aliados de Ciro
Serra atacará aliados de Ciro
Estratégia do PSDB é mostrar que o candidato do PPS está ligado a velhos coronéis da política
Diz o velho ditado: ‘‘Dize-me com quem andas e eu te direi quem és’’. O comando da campanha do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, vai explorar essa idéia para intensificar os ataques ao candidato do PPS, Ciro Gomes. Para os aliados de Serra no PSDB e no PMDB, Ciro está dando a cara à tapa com os aliados que vai colecionando ao longo da campanha. As fragilidades no currículo de aliados de Ciro como os deputados petebistas José Carlos Martinez (PR) e Roberto Jefferson (RJ), o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC) e o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) serão cada vez mais exploradas. E de forma cada vez mais agressiva.
Em uma reunião interna do comando da campanha, o publicitário Nizan Guanaes resumiu o tom dos ataques: ‘‘Vamos fazer como Bush fez com Mike Dukakis’’. Nizan referia-se ao trabalho feito pelos estrategistas do então candidato republicano, pai do atual presidente dos Estados Unidos, para minar as chances de seu adversário Michael Dukakis (leia ao lado).
Estacionado
O comando de Serra sabe que a tática é arriscada. Quando o PSDB começou a explorar o fato de que ex-aliados do ex-presidente Fernando Collor estavam se aproximando de Ciro, o candidato do PPS preparou uma contra-ofensiva mostrando que essas mesmas pessoas tinham sido aliadas de Fernando Henrique. Mesmo assim, a avaliação é que a linha de ataque vale a pena. Os analistas vinculados à campanha de José Serra têm informações de que as próximas pesquisas eleitorais mostrarão Ciro estacionado. Ou seja, o candidato do PPS não caiu, mas também não sobe mais. E a análise é que isso aconteceu em conseqüência das denúncias contra Martinez.
Presidente do PTB, coordenador da campanha de Ciro, Martinez foi um fiel aliado de Fernando Collor. Nessa situação, ele recebeu um empréstimo de US$ 1,7 milhão em 1991 de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha do ex-presidente. Na segunda-feira, Martinez não conseguiu esclarecer se declarou ou não o empréstimo nas suas declarações de imposto de renda. E Martinez afirma que está pagando o empréstimo até hoje. O problema causou turbulência na campanha de Ciro. O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), reconheceu que o caso é constrangedor e desvia esforços que deveriam estar sendo usados na campanha.
Ciro respondeu às denúncias dizendo que elas são fruto da ‘‘maldade’’ de Serra, que valeu-se do mesmo expediente, segundo ele, para afastar da disputa a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney. Serra aproveitou para atacar: ‘‘Ciro faz igual ao ladrão que bate uma carteira e sai gritando ‘pega ladrão’. Ele está desviando da questão essencial que é a forma como se deu esse empréstimo’’, fulminou.
Martinez não é o único companheiro a ser atacado. O PSDB pretende mostrar em seu programa que, nos últimos anos, o país foi expurgando os políticos tradicionais, os velhos coronéis. Um processo de refinamento democrático que culminou com a briga dos ex-senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho e a renúncia dos dois. O comando de Serra apontará que os coronéis que ainda sobrevivem na atual política brasileira estão todos com Ciro. Assim, seria ele o representante do que há de mais velho, e não da renovação, como apregoa.
PT quer todos contra a Alca
O Partido dos Trabalhadores (PT) iniciará uma campanha contra a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) no próximo mês. A idéia é criar um movimento suprapartidário, envolvendo entidades empresariais, de trabalhadores e outras agremiações políticas ‘‘inclusive de centro e da direita’’. Com isso o PT se afasta da Campanha pelo Plebiscito sobre a Alca, montada por segmentos da igreja católica e por organizações não-governamentais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). A decisão foi tomada pela Executiva Nacional do partido na segunda-feira, por 18 votos a 1.
‘‘Não nos distanciamos das teses aprovadas pelo último encontro nacional do partido no Recife’’, garante Luiz Dulci, secretário-geral do PT Nacional. ‘‘Na época aprovamos uma posição contrária à Alca porque, dentro dos termos atuais em negociação, não haveria uma verdadeira integração, mas sim uma anexação das economias da América Latina pelos Estados Unidos. Só nos afastamos da Campanha pelo plebiscito porque seus organizadores resolveram incluir uma consulta sobre o acordo assinado com o governo norte-americano sobre a Base Aérea de Alcântara. Nós respeitamos essa posição, mas achamos que a discussão desse tema deve ser mantida na esfera do Parlamento.’’
Segundo Dulci, existe um consenso dentro do país contra os termos de negociação da Alca e o mesmo não ocorreria com a questão de Alcântara. ‘‘Fomos pioneiros nessa questão. Hoje até a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) é contra’’, afirma. ‘‘Tenho acompanhado Luiz Inácio Lula da Silva por todo o país e podemos perceber uma posição de repúdio quase unânime sobre a forma como a Área de Livre Comércio das Américas vem sendo negociada, seja em encontro com pequenos produtores rurais no Rio Grande do Sul ou em reuniões com grandes empresários na Federação das Indústrias de Minas Gerais.’’
Com empresários
A Fiesp preparou um documento medindo os efeitos da Alca sobre a economia brasileira. Segundo o estudo, haveria um forte prejuízo à indústria e agricultura nacionais. Pelos atuais termos de negociação, aprovados pelo Senado norte-americano, 300 produtos terão suas sobretaxas mantidas por cinco anos após a assinatura do acordo. ‘‘Exatamente onde somos mais competitivos’’, ressalta Dulci.
O candidato do PT à Presidência se encontrou ontem na Fiesp com 420 empresários. Muitos deles saíram do encontro bem impressionados com as propostas apresentadas. Lula foi elogiado pelo presidente da entidade, Horácio Lafer Piva, que afirmou que o candidato conta com a admiração do empresariado paulista. ‘‘Nas relações entre o PT, o movimento sindical e os empresários havia uma hostilidade quase conjugal. Há memórias doces, amargas e algumas até empoeiradas. Mas em anos recentes, percebemos que essa tensão está bastante abrandada’’, garantiu Piva.
Agenda dos candidatos a presidente
Lula • PT
O candidato passa o dia em São Paulo. À noite, Lula concede entrevista ao jornalista Boris Casoy, no Jornal da Record, a partir das 19h30.
Ciro • PPS
O candidato passa o dia visitando cidades no interior de São Paulo. Ele faz campanha em Bauru, Adamantina e São José do Rio Preto.
Serra • PSDB
O candidato almoça no restaurante comunitário de Samambaia, em companhia do governador Joaquim Roriz. À tarde, Serra se reuni com o conselho político da sua campanha, em Brasília.
Garotinho • PSB
O ex-governador passa o dia no Rio de Janeiro. À tarde, Garotinho grava pilotos do seu programa para o horário eleitoral gratuito, no bairro carioca de Santa Tereza.
José Maria • PSTU
O candidato tem atividades de campanha em Sergipe. De manhã, lança o comitê da campanha contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Rui Costa Pimenta • PCO
Ministra um curso de formação política para a juventude do partido, em um acampamento de férias em São Bento do Sapucaí (SP).
Agenda dos candidatos a governador
Benedito Domingos • PPB
Toma café da manhã com moradores de Taguatinga Norte. Em seguida, reúne-se com os presidentes dos partidos que formam a Coligação Brasília com Respeito. À tarde, encontra-se com equipe de marketing.
Carlos Alberto • PPS
Pela manhã, reúne-se com sua equipe de programa de governo. À tarde, faz campanha na Vila Buritis, em Planaltina.
Geraldo Magela • PT
À tarde, faz corpo-a-corpo no comércio de Ceilândia. À noite, realiza um comício em Planaltina.
Joaquim Roriz • PMDB
Não forneceu a agenda.
Rodrigo Rollemberg • PSB
Pela manhã, faz campanha no Plano Piloto e no Guará. À noite, reúne-se com o conselho político de campanha e faz campanha em Taguatinga Norte.
Expedito Mendonça • PCO
Não forneceu a agenda.
Orlando Cariello • PSTU
Passa o dia em reunião com assessores da campanha. À noite, encontra-se com líderes comunitários do Plano Piloto.
Guilherme Trotta • PRTB
Passa o dia reunido com assessores da campanha.
Ser ou não ser governo?
Justamente quando Serra decidiu ‘‘colar’’ no governo, pesquisas do PSDB mostram que eleitor quer votar em quem defende mudanças
Em terceiro lugar nas pesquisas, o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, começa a ser arrastado ao que pode terminar por se mostrar como mais um erro de campanha: a colagem geral e irrestrita da sua imagem à do governo Fernando Henrique Cardoso. A polêmica já começa inclusive a provocar divisões na equipe do candidato. O sociólogo Antônio Lavareda, responsável pelas pesquisas, já afirmou em reuniões reservadas que considera a colagem desastrosa. O publicitário Nizan Guanaes e os políticos acreditam que não há outro caminho a não ser acompanhar o governo.
As pesquisas de Lavareda apontam que a palavra ‘‘mudança’’ está na ordem do dia dos eleitores. Até aqueles 24% que, de acordo com a última pesquisa, consideraram o governo bom ou ótimo defendem mudanças. É o time de eleitores que gosta de Fernando Henrique, mas quer algo diferente para governar o país nos próximos quatro anos. O universo que apóia a continuidade do governo não chega a 10% do eleitorado.
A opinião de Lavareda é a mesma do cientista político Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi. ‘‘Essa colagem acrescenta muito pouca informação nova para o eleitor. As pessoas fazem a ligação entre os políticos de um mesmo partido. Os melhores momentos de Serra nessa campanha foram quando ele não esteve colado a nada e sim quando ele se apresentou como um político de currículo amplo, concreto, grande experiência e qualificações adequadas ao cargo, como equilíbrio’’, afirma Coimbra. ‘‘Uma aproximação excessiva do governo pode acabar fragilizando um candidato. As pessoas querem liderança, autoridade, energia e determinação’’, diz o diretor do Vox.
A avaliação de Lavareda e Coimbra é rechaçada pelos políticos. Na reunião com os governadores, na semana passada, Lavareda ouviu que a palavra ‘‘mudança’’ não deveria ser usada nas peças de campanha do candidato. ‘‘Temos que ter claro que o processo de mudança do país já está em curso e não começou agora’’, comentou na reunião o governador Almir Gabriel (PA).
No domingo, no chamado ‘‘consenso do Palácio da Alvorada’’, discutiu-se como fazer essa colagem de forma a ‘‘grudar’’ na campanha o que há de bom no governo e, ao mesmo tempo, mostrar a história de Serra e sua capacidade de realização. Lá estavam Fernando Henrique, Serra, a candidata a vice, Rita Camata, o vice-presidente Marco Maciel (PFL), o coordenador da campanha, Pimenta da Veiga, o presidente do PSDB, José Aníbal, e o ex-ministro do Trabalho Francisco Dornelles (PPB). Lavareda não estava. Lá decidiu-se que o presidente trabalhará com afinco para eleger Serra. Com crise e tudo.
Guerra suja e anônima
Polícia apreende 100 mil panfletos apócrifos contra a deputada Maninha, guardados em loja na Asa Norte e distribuídos em Samambaia. Responsável pelo serviço diz ter sido contratado por telefone
A disputa pelo voto no Distrito Federal trilhou para o caminho da baixaria. A Polícia Federal fez a primeira grande apreensão de panfletos apócrifos contra o Partido dos Trabalhadores (PT). Nove caixas com cerca de 100 mil folhetos cada foram encontradas em uma distribuidora na Asa Norte. A principal vítima dos panfletos foi a deputada distrital Maria José Maninha (PT), candidata a uma vaga na Câmara Federal.
Em formato A4 e feito com xerox colorida, o papel falava da criação do Hospital de Samambaia pelo governador Joaquim Roriz. No mês passado, a Câmara Legislativa aprovou a compra de um hospital particular em Samambaia para transformá-lo no hospital regional da cidade. A instituição foi tomada pelo Banco de Brasília (BRB) por causa do não pagamento de empréstimos feitos pela proprietária do hospital particular. Na época, a oposição pediu ao Ministério Público que verificasse a forma de compra do hospital e o valor pago por ele (R$ 22 milhões).
De acordo com o panfleto, a deputada Maninha votou contra a venda do projeto na sessão da Câmara e ainda entrou com uma ação para impedir a venda. ‘‘Quem fecha hospital, não é maninha de ninguém’’, dizia uma das manchetes. ‘‘Isso é um absurdo. Não se pode prejudicar a imagem de alguém assim’’, diz a deputada. Maninha estava ausente da sessão que aprovou a compra do hospital. E não entrou com ação na Justiça contra a operação do GDF.
Os panfletos foram distribuídos em Samambaia durante todo o final de semana. Na manhã de ontem, assessores da deputada flagraram um homem e sete jovens, alguns deles menores de idade, entregando os papéis na quadra 510. Eles chamaram a polícia e todos foram levados à 26ªDP. Lá, o responsável pela distribuição, Francisco Fernandes Carvalho, contou ser dono da Distribuidora Carvalho, contratada para fazer a entrega de 100 mil folhetos em Samambaia.
Na distribuidora, localizada na 411 Norte, a polícia encontrou as caixas com os papéis contra Maninha. A mulher de Francisco, Aldenira de Souza Carvalho, que estava na loja, também foi detida. Nas pilhas havia ainda um jornal com título Deu na Imprensa, identificado como boletim oficial da Frente União Partidária, que reúne nove partidos nanicos da cidade. Há duas semanas, Cícero Miranda, coordenador da frente, confirmou a responsabilidade de parte dos partidos que compõem a frente na confecção do jornal. Ontem, ele não encontrado pela reportagem.
No depoimento à Polícia Federal, Francisco afirmou não saber quem fez os panfletos. Disse apenas ter sido contratado por telefone por um tal de André Luís para fazer a entrega dos papéis em Samambaia. As caixas com os panfletos foram levadas à loja por um outro homem, identificado apenas como Pedro. Francisco cobrou em torno de R$ 2 mil pelo serviço. O delegado da PF Marcelo de Oliveira Andrade ouviu também Aldenira e os jovens que ajudavam na distribuição. Todos foram liberados em seguida.
Calúnia
Na queixa por crime eleitoral, a deputada Maninha acusa os autores dos panfletos também de calúnia, injúria e difamação. ‘‘No panfleto eles dizem que entrei com uma ação contra o hospital, o que é mentira’’, declara. ‘‘E está claro que os responsáveis por isso são os nossos opositores. Afinal os panfletos falam mal do PT e elogiam o governador Joaquim Roriz’’, argumenta.
O presidente regional do PT, Wilmar Lacerda, também criticou a distribuição dos panfletos. ‘‘Essa é a forma deles fazerem política’’, disse, acusando os adversários da direita. ‘‘Basta lembrar a quantidade de acusações em panfletos anônimos que foram espalhadas pelo Distrito Federal na última eleição.’’
A Polícia Federal vai investigar a pista de que o material tenha vindo de Anápolis.
Artigos
Reação tardia
Mauro Santayana
O governo reagiu, de forma contida, às declarações do secretário do Tesouro norte-americano, que insinu ava o desvio, para bancos suíços, de dinheiro emprestado ao Brasil pelos organismos internacionais. O’Neill não se desculpou — mandou um subalterno fazer de conta que explicava. As declarações de O’Neill e a reação de Fernando Henrique vieram logo depois da queixa do presidente contra os organismos internacionais, feita na reunião de Guayaquil.
Segundo os jornais, Fernando Henrique afirmou que os países latino-americanos cumpriram rigorosamente a cartilha do neoliberalismo e se encontram mergulhados na crise. Se o presidente lembrar-se de encontro do Clube do Rio, ocorrido em 1994, constatará que a queixa é antiga. Naquele ano, já com os sinais da crise de liquidez que atingiria duramente o seu país nos meses seguintes, o presidente do México, Salinas de Gortari, disse que os países latino-americanos haviam feito tudo o que os países ricos lhes haviam exigido e que a situação se agravara. Em novembro daquele ano, Gortari deixou a presidência do México, depois de haver assinado o acordo do Nafta, com os Estados Unidos e o Canadá, e teve que se esconder da Justiça na Irlanda, acusado de corrupção. Seu sucessor, Ernesto Zedillo, ao empossar-se, teve que administrar grave crise cambial e obter bilhões de dólares do governo norte-americano a fim de administrá-la. Fernando Henrique se queixa com oito anos de atraso — os seus oito anos.
Enquanto isso, as falcatruas do governo Bush e as fraudes nas grandes corporações financeiras e industriais começam a ser vistas, nos Estados Unidos, não como causa, mas efeito, de crise muitíssimo mais grave: a do sistema democrático. ‘‘Os homens de negócios e os políticos não sabem exatamente o que está ocorrendo’’, disse, em artigo recente, o historiador Kevin Phillips. Ao mesmo tempo em que a discussão se amplia e se aprofunda, os norte-americanos se somam aos que sempre criticamos o fundamentalismo mercantil — até mesmo usando a expressão criada por Celso Furtado. O ‘‘market fundamentalism’’ — afirma Benjamin Barber — ‘‘que definiu a era de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, encoraja o mito de mercados onipotentes. Mas isso é tão insensato e tão estúpido quanto é o mito dos estados onipotentes’’. Segundo Barber, o sistema norte-americano se perverteu, trocando o poder do cidadão sobre o Estado pelo poder dos produtores e consumidores. E pelo poder dos intermediários financeiros, acrescentamos nós. Dentro dos Estados Unidos, diz Barber, as pessoas são ingênuas quando pensam que a liberdade pessoal lhes permite trabalhar isoladamente pela própria prosperidade, e não em conjunto com outras pessoas, de acordo com um contrato político. Do ponto de vista externo, diz o mesmo analista, os Estados Unidos pecam quando, em nome da soberania nacional, se acham autorizados a agir unilateralmente, tendo o seu país em primeiro lugar e acima dos outros, e não juntamente com as outras nações, ou conforme um contrato político global. Barber chega a definir a situação de hoje ao ‘‘estado natural’’ como o definira Hobbes, anárquico e desordenado, no qual ‘‘a força e a fraude se tornam virtudes cardeais’’, e a vida dos homens ‘‘desagradável, curta e brutal’’.
A crise do sistema democrático é ética, por mais exausto se encontre o uso — às vezes cínico — do vocábulo. Uma visão singela da ética nela reúne todos os sentimentos positivos do homem: a solidariedade, a amizade, a igualdade, a justiça e a paz. A democracia não é, a rigor, um sistema — na concepção lógica do que seja um sistema fechado —, mas o processo de construção política do ‘‘supremo bem’’, dentro do pensamento humanista grego e cristão. É essa sua superioridade sobre outros sistemas que parecem mais eficientes, como é o caso do absolutismo defendido por Hobbes.
Quando, no entanto, o egoísmo apodrece as elites políticas, os cidadãos têm o direito e o dever de substituí-las, a fim de salvar a república e assegurar o bem-estar comum. É essa consciência de mudança que, presente nas raízes ideológicas dos Estados Unidos, está além da compreensão dos empresários e políticos daquele país, conforme anota Kevin Phillips. Mas começa a ser identificada na ‘‘intelligentsia’’ e nos setores mais lúcidos da sociedade norte-americana.
Editorial
FUTURO ARRISCADO
A crise da nova alta do dólar vai completar uma semana, mas já demonstrou às autoridades monetárias e ao homem da rua que o mundo mudou radicalmente para quem mora no Brasil. Até meados de julho, o país convivia com sérios problemas econômicos e tinha um horizonte relativamente seguro para enfrentá-los.
A partir da sexta-feira, o cenário alterou-se profundamente. A crise agravou-se de forma rápida e contundente. A maioria dos indicadores monitorados pelos mercados internacionais sofreu forte deterioração. O risco-país saltou para 22%, a taxa de juros interbancária para um ano voltou ao patamar de 30% e a desvalorização do real acumulou quase 40% em um mês.
São números inquietantes. E todos eles estão muito piores do que estavam na crise anterior, de 1999, quando o governo deixou a taxa de câmbio flutuar e o real iniciou maxidesvalorização que atingiu a 100% em um ano. Naquela época, contudo, a inteligência estratégica das empresas desconfiava de algo e muitas tesourarias se prepararam para o pior, por intermédio de proteção cambial (compra de títulos da dívida pública corrigidos pela taxa do dólar).
Agora, o impacto do encarecimento da moeda americana é muito maior. A população se prepara para suas graves conseqüências, como padrões mais modestos de consumo, patrimônio com preços mais baratos em comparação com o resto do mundo, risco de volta da inflação e a perigosa proximidade de uma recessão. Para um país que perdeu a década de 80 e atravessou os anos 90 com taxas modestas de crescimento, trata-se de um pesadelo.
De repente, há enorme curiosidade para entender a crise, avaliar suas conseqüências e aprender a se defender do pior. A discussão eleitoral começava a tomar conta do cotidiano dos brasileiros no ano em que vamos escolher presidente, novo Congresso e legislativos estaduais que pautarão nossas vidas nos próximos quatro anos. Esse tema foi substituído pela angústia em relação ao futuro imediato, que pode implicar queda de poder aquisitivo, perda de emprego, prejuízo na poupança.
Num mundo governado pelas expectativas, somos surpreendidos com a informação de que tem pouco valor o sacrifício feito no passado para estabilizar a economia e respeitar o figurino dos capitais internacionais. Bancos e investidores querem agora assegurar com antecedência como será o dia de amanhã.
Nessas ocasiões, o manual do clube ao qual nos filiamos com as reformas econômicas dos últimos oito anos aconselha a ‘‘compra’’ de um seguro representado pelo recurso a um acordo com o FMI, avalista dos países com dificuldades para conseguir receita em dólares suficiente para cobrir compromissos cambiais. O socorro é apresentado com única alternativa. Mas não há garantia de que venha com a rapidez e precisão que o cenário econômico exige.
Se a receita é adequada, que se torne realidade e sirva de ponto de partida para solução mais duradoura, capaz de ser vislumbrada no debate das idéias políticas que a eleição certamente trará.
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07/31/2002
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