Suspeitos levam procuradores ao banco dos réus









Suspeitos levam procuradores ao banco dos réus
Processos se espalham pelo País, movidos por políticos e empresários acusados de corrupção

Pelo menos 150 promotores de Justiça e procuradores da República deixaram o papel de acusadores e assumiram a incômoda condição de réus em ações civis movidas por políticos, administradores públicos e advogados que pleiteiam indenizações milionárias a título de reparação por danos morais.

Quem vai ao ataque contra os procuradores são exatamente aqueles que estão sendo investigados por improbidade, corrupção, fraudes contra o Tesouro e danos ao patrimônio público.

Eles alegam que os integrantes do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos Estaduais agem "arbitrariamente, muitas vezes movidos por interesses políticos", alegando "acusações infundadas".

Os promotores e os procuradores reagem às denúncias e argumentam que as ações têm "caráter intimidatório". "Nossa atuação limita-se à defesa do interesse público, sem nenhuma conotação de perseguição política ou pessoal", afirma Carlos Frederico Santos, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Deputados estaduais e federais, prefeitos, ex-parlamentares, presidentes de estatais, superintendentes de autarquias, ex-ministros e até empreiteiros sustentam ser alvo de "irresponsáveis processos de devassa" e que os investigadores deixam vazar informações protegidas pelo sigilo bancário, telefônico e tributário, expondo-os indevidamente perante a opinião pública.

Os processos se espalham rapidamente por quase todo o País, na maior ofensiva já desencadeada contra promotores e procuradores desde que a Constituição lhes conferiu a missão de investigar atos lesivos ao erário.

Acuados - Distribuidores da Justiça Federal e da Justiça nos Estados mostram que estão em curso 38 ações contra 50 procuradores da República (10% da categoria). A maioria dos processos tramita nos fóruns de Brasília, São Paulo e Rio.

Cerca de cem promotores também são citados em representações nas Corregedorias dos Ministérios Públicos e réus em processos que buscam sua condenação por supostos abusos. Em cada Estado, há uma média de duas a três ações dessa natureza citando, em alguns casos, dois promotores solidariamente. Além das ações civis, promotores e procuradores são alvo de representações criminais.

Fiscais da lei e guardiães da democracia, na definição do texto constitucional, os promotores e os procuradores estão apreensivos. Alguns se dizem acuados diante do "evidente esquema de retaliação e vingança". Outros sustentam que a "fábrica de processos" não vai inibir apurações sobre desmandos em repartições públicas municipais, estaduais e federais.

"Os procuradores não podem ficar à mercê desse tipo de pressão porque estão atuando rigorosamente no exercício de suas funções, pelo bem da sociedade", sustenta Frederico. "Não há um único episódio em que tenha ficado caracterizada intenção deliberada de atingir a honra de alguém."

Preocupado com os constrangimentos e a fragilidade da defesa dos colegas processados, Frederico prega a "urgente criação de mecanismo de defesa institucional dos procuradores".

Procuradores estão pagando do próprio bolso seus advogados. Em São Paulo, cinco procuradores processados por uma juíza - acusada por eles de favorecer o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) - tiveram de se cotizar para levantar quantia destinada ao advogado. Na ação por danos morais, a juíza sustenta que o País está diante do "Ministério Público do Terror".

Para o procurador de Justiça Marfan Martins Vieira, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, os processos "são uma forma clara de cerceamento da atuação dos promotores".

Marfan observa que estão em discussão no Congresso "mais de uma centena de projetos" propondo o esvaziamento das atribuições do Ministério Público.

"São propostas de emenda à Constituição e alterações significativas na Lei Orgânica e na legislação processual", relata.

O procurador constatou que os projetos são apresentados pelo governo federal e, em sua maior parte, por parlamentares que estão sob investigação em seus Estados de origem. "É óbvio que estão retaliando", argumenta Marfan.

Como os projetos são de difícil aprovação, porque esbarram em questões de ordem legal e constitucional, deputados e senadores "partem para iniciativas pessoais", por meio das ações por danos morais.


Novo presidente terá Congresso mais conservador
Para analistas, perfil do futuro Legislativo poderá ser um desafio a um presidente mais à esquerda

A ausência de um candidato de direita e a verticalização das coligações imposta pelo TSE nas eleições deste ano podem jogar o País em um grande impasse a partir de 2003: um presidente de centro-esquerda terá de negociar com um Congresso de centro-direita. Essa é a avaliação do cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), para quem a agenda desta campanha ficará totalmente defasada a partir do próximo ano."O Legislativo terá uma maioria de centro-direita e será esta a agenda do País, mas não é isso que está sendo discutido pelos candidatos, porque todos são de centro-esquerda."

Segundo ele, temas como previdência pública, aspectos da reforma tributária, excesso de municípios e os desvios da universidade pública gratuita ficarão de fora da agenda dos candidatos, mas não do futuro presidente, porque serão colocados pelo próximo Congresso. "Como não são assuntos da centro-esquerda e só temos candidatos com tal perfil, essa agenda ficará fora da campanha", constata. "O problema é que o País é mais conservador do que os candidatos que estão aí", anota Nicolau, lembrando que as legendas de centro-direita sempre conseguem maioria no parlamento.

Com a verticalização, diz ele, a situação piorou. Partidos de centro-direita foram incentivados a não lançar candidatos e ficaram livres para se concentrar nos Estados e eleger grandes bancadas. "PFL, PMDB e PPB, que não têm candidatos a presidente, podem fazer uns 250 deputados e conquistar a maioria da Câmara", prevê.

"Do outro lado, os partidos de centro-esquerda ficaram amarrados às coligações e nenhum presidenciável fará mais do que cem deputados", compara Nicolau. "Temos um debate eleitoral deslocado: o que os presidenciáveis terão de fazer estará à direita do que estão prometendo, porque o Congresso estará à direita e ninguém governa sem ele." O problema seria menor, ou mais previsível, na sua opinião, se houvesse um candidato de direita para antecipar o debate. "Só teríamos a ganhar, porque alguns temas essenciais seriam combinados desde já com o Congresso."

Plebiscito - Ao contrário, ele começa a achar que a eleição pode virar um plebiscito já no primeiro turno. "Não só não teremos um nome de direita, como Ciro (Gomes) e (Anthony) Garotinho poderão desistir por causa das pressões estaduais, já que seus partidos poderão encolher com os limites da verticalização ", teme Nicolau. "Teríamos, pela terceira vez, um duelo entre o PT e o PSDB. Um debate muito pobre e irreal, porque esta não será a agenda do País."

A pobreza do debate também é lamentada pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, professor das Faculdades Ibmec. "Corremos um sério risco de ficar polarizados entre Serra e Lula. E não teremos um debate econômico digno desse nome", avalia. "Tudo vai se resumir ao Serra cobrando posições do Lula, que ficará na defensiva, e não haverá ninguém para cobrar questões polêmicas do Serra."

Por isso, Giannetti também gostaria que houvesse candidatos do centro para a direita. "De 1989 para cá, a esquerda nunca passou de 30% ou 35% dos votos, mas você não tem hoje um candidato identificado com essa maioria de 70% do eleitorado", observa. No seu entender, isso acontece porque a direita brasileira não se modernizou. "São partidos que ficaram presos a um método anacrônico de fazer política."

Populismo - Já para o cientista político Sérgio Abranches, o problema é a falta de renovação nos partidos dominantes da velha guarda. "Estão ficando sem alternativas no plano nacional. O caso mais trágico foi o de ACM, que perdeu o filho Luiz Eduardo, uma liderança jovem e real", lembra.

"Os outros casos são de mediocridade dos herdeiros."

Essa lacuna da direita, porém, pode ter efeitos mais nocivos do que a pobreza do debate eleitoral, na opinião de dois brasilianistas. Para o cientista político alemão Wilhem Hoffmeister, diretor da Fundação Konrad Adenauer no Brasil, e seu colega americano David Fleischer, professor da UNB, o enorme eleitorado de centro-direita, órfão até agora na campanha, pode ser seduzido por uma aventura populista. "O populismo talvez seja a resposta latino-americana para os mesmos problemas de insegurança e desemprego que levaram a direita ao poder na Europa", cogita Hoffmeister.

Para Fleischer, esse risco tem até nome. "O Garotinho é o que mais acena com um populismo simplório. Esse filme, já vimos antes e dá até medo em pensar na reprise."


Planalto insiste em foro especial para autoridades
Após CPMF, prioridade é garantir 'proteção', a partir de 2003, para todas esferas de governantes

BRASÍLIA - Atormentados pela ação incansável de jovens procuradores do Ministério Público em todos os Estados e pela ousadia de juízes de primeira instância Brasil afora, líderes aliados ao governo aguardam apenas a aprovação da emenda que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para tratar de outra prioridade do Palácio do Planalto. É a proposta que garante foro especial de julgamento para "desempregados ilustres" processados no exercício de funções públicas, seja no Legislativo ou no Executivo das três esferas de poder (federal, estadual e municipal).

A proposta ganhou espaço nos gabinetes do poder em Brasília especialmente depois da prisão do ex-ministro da economia da Argentina, Domingo Cavallo.

Interlocutores do presidente Fernando Henrique Cardoso contabilizam uma dezena de ações populares contra o chefe da Nação, mas não acreditam que situação semelhante ocorra no Brasil.

Insistem, porém, que a prevenção é o melhor remédio. A ordem é evitar "situações constrangedoras" a partir de 1.º de janeiro, data oficial do desembarque das autoridades em todo o País, mantendo a garantia de que apenas Tribunais Superiores poderão julgar os atos praticados no exercício do cargo ou do mandato eletivo.

"Ações contra o presidente existem sim, mas fruto de mera perseguição política, pois não há nada que ele precise temer, que ataque sua honradez", diz o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio Neto (AM).

Ex-secretário-geral da Presidência, Virgílio é um raro exemplo de autoridade que passou pelo Executivo e saiu ileso, sem ter de responder a nenhum processo. Por isso, defende o "foro adequado" para ex-autoridades sem nenhum pudor. "Se existe hierarquia para tudo, presidente não tem de ser julgado por um tenente, sim por um general", diz Virgílio. "Só tem general em Tribunal Superior."

O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), não tem dúvidas de que a função pública virou uma atividade de alto risco, sobretudo por causa das ações populares que qualquer um pode mover contra parlamentares, governadores, ministros ou o presidente da República, sem nenhum custo.

"Outro dia, um ministro me dizia que nunca mais ocupará um cargo público, porque a gente trabalha e se doa ao máximo para acabar infernizado e tendo de se defender com dinheiro do próprio bolso", relata, sem identificar o queixoso.

A despeito do interesse dos governistas e do Planalto, os tucanos estão empenhados em descaracterizar a questão do foro especial como uma questão do governo Fernando Henrique.

"Não é um privilégio. É uma questão de justiça, que hoje vale para o governador gaúcho Olívio Dutra (PT) e amanhã poderá valer para o Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT), se eleito presidente", diz o vice-presidente nacional do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP). Ele avalia que o ideal teria sido liquidar a questão há um ano, mas que está em tempo de recuperar o atraso.

Mordaça - Pela legislação, tanto o ex-presidente e seus ex-ministros, como os ex-governadores e ex-secretários, voltam à condição de cidadãos comuns em 2003, sujeitos a ações movidas por um juiz singular em qualquer ponto do Brasil. "Do jeito como a lei está, a autoridade que tomou medidas impopulares ou contrariou interesses de alguma categoria fica sujeito ao ódio e idiossincrasias dos descontentes", argumenta Goldman.

Mas, se os senadores aprovarem um projeto de lei já aprovado na Câmara, o foro privilegiado será mantido até em casos de ações de improbidade administrativa. A proposta, de iniciativa do Executivo ainda em 1997, leva a assinatura do presidente Fernando Henrique e de seu então ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Além do foro especial, ela embute, discretamente, a chamada lei da mordaça que o próprio Congresso rejeitou.

Um de seus artigos classifica como crime de abuso de autoridade, por parte de magistrados, membros do Ministério Público e autoridades policiais ou administrativas, revelar ou permitir que chegue aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenham ciência em razão do cargo que ocupam, violando a intimidade ou imagem de pessoas.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado também aprovou por unanimidade, há cerca de um mês, emenda estabelecendo foro privilegiado a ex-ocupantes de cargos públicos sob suspeita de prática de crimes durante o exercício funcional, inclusive corrupção e fraudes contra o Tesouro. A emenda, de autoria do senador Romero Jucá (PSDB-RR), amplia o benefício aos acusados por atos de improbidade - danos ao patrimônio público - e será levada a plenário.

O Planalto aposta que será possível aprovar a proposta ainda este ano, porque também interessa aos milhares de prefeitos e vereadores de todo o Brasil. Isto, apesar do "tropeção" do ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, que acabou criticando o foro privilegiado quando fez reparos à conduta de Jorge Murad, marido da ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Quando Murad foi criticado por ter reassumido uma secretaria de Estado no Maranhão, para garantir julgamento pelo Tribunal Regional Federal em caso de ação penal, o governo avaliou que o PFL acabaria reagindo mal à proposta. Não será assim.

"Se o ministro da Justiça não tem competência jurídica, não é por isto que deixaremos de fazer o que é certo", diz o presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). "Sou a favor do foro especial para julgar atos cometidos no exercício da função pública ou do mandato parlamentar para que as pessoas não passem o resto da vida correndo atrás de ações que podem surgir em cada ponto do País, gastando todo o dinheiro que juntaram com advogado." (Colaborou Tânia Monteiro)


Julgamento de deputados se arrasta na Câmara
Mesmo nos casos de repercussão, ritmo lento não impedirá acusados de se candidatarem

BRASÍLIA - A promessa do presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), de dar prioridade ao julgamento de deputados acusados de quebra de decoro parlamentar - o que ele chamou de "pauta ética" - ainda não se concretizou. Os casos de maior repercussão envolvem Eurico Miranda (PPB-RJ) e José Aleksandro (PSL-AC), mas os processos andam num ritmo tão lento que, dificilmente, serão julgados a tempo de impedir os deputados de disputarem uma nova eleição.

Os demais casos são tratados quase de forma sigilosa. O corregedor-geral, Barbosa Neto (PMDB-GO), minimiza as acusações. "Pelo que eu tenho visto, 99% das denúncias tratam de bate-boca entre parlamentares e de queixas de funcionários." Foi ele quem sugeriu à Mesa-Diretora, em dezembro, que arquivasse 10 das 11 denúncias que examinou.

Os pareceres não foram divulgados - nem mesmo o que recomendou o encaminhamento ao Conselho de Ética das denúncias contra José Aleksandro, denunciado pela primeira vez à corregedoria em agosto de 2001. Ele ocupou a vaga de Hildebrando Pascoal, cassado em 99 por ter mentido numa investigação da Câmara sobre o crime organizado no Acre. O ex-deputado está preso no Estado.

O corregedor diz que "seis ou oito" processos estão pendentes. Sua assessoria, no entanto, afirma que são 18. A relação das denúncias é mantida em segredo. "Está tudo ocorrendo como deveria ocorrer", defende Aécio Neves.

"O que não quer dizer que vamos sair por aí cassando deputados."

Parado - Os quatro processos contra Eurico estão parados e Barbosa Neto diz que só deve retomá-los depois de quinta-feira, quando termina o prazo para a defesa escrita - ele se recusou a depor.

Depois, o corregedor entende que terá de aguardar mais cinco sessões e só deve apresentar o parecer na próxima reunião da Mesa, ainda sem data prevista. Até lá, como o prazo ainda tem de passar pelo Conselho de Ética, o mais provável é que já tenha começado o recesso branco, em junho, quando os parlamentares vão se dedicar às campanhas nos Estados.

Presidente do Vasco da Gama, Eurico é acusado de tentar boicotar a CPI do Futebol, no Senado, de mentir para esconder desvio de recursos do clube e de cometer crimes financeiros com o dinheiro. O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal cinco representações contra ele. Deputados amigos de Eurico afirmam que ele "aposta alto" que a Câmara não cassará seu mandato.

O processo contra Aleksandro é o primeiro e o único submetido ao Conselho de Ética. A CPI do Narcotráfico, concluída há dois anos, recomendou a cassação "pela participação no esquema de narcotráfico no Acre". O ex-corregedor Severino Cavalcanti deu parecer contrário, mas o processo foi finalmente aberto por iniciativa do então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Nélson Pellegrino (PT-BA). Ele denunciou o deputado por fazer apologia ao crime no programa de TV que apresenta no Acre.

Pellegrino e a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) acusam o relator do processo, José Roberto Batochio (PDT-SP), de formalizar excessivamente a tramitação. "É um julgamento político, mas estão dando um caráter de formalidade exagerado", afirma a deputada. Eles também se queixam de que Batochio teria rejeitado novas denúncias.

O relator diz que os deputados é que continuam apresentando denúncias, impedindo-o de fechar o relatório. "Não posso impedir o acusado de se defender." Mas ele assegura que até o fim do prazo, em 20 de maio, o parecer estará pronto.


Só políticos e mídia estão ansiosos por eleições
A gente vota em pessoas, imagens, expectativas e propostas feitas na campanha. De certa maneira, a gente vota nas estratégias de comunicação desenvolvidas pelos candidatos 4 Todos os candidatos têm potencial de mercado acima de 50%, o que significa que todos são competitivos para o 2º turnoDiretor do Vox Populi diz que maioria da população tem outros assuntos com que se preocupar, antes de pensar na corrida sucessória

BRASÍLIA - A cinco meses das eleições, grande parte dos brasileiros tem outras preocupações e interesses. Segurança, saúde e Copa do Mundo, por exemplo. O voto a ser dado por mais de 40% dos eleitores só será definido a partir de 18 de agosto, quando começa a propaganda eleitoral no rádio e na televisão. E mais de 10% desses eleitores só vão escolher seus candidatos na véspera da eleição ou mesmo na fila de votação em 6 de outubro. Esse tem sido o perfil do eleitor brasileiro nas últimas três eleições, com pequenas variações, segundo o diretor-presidente do Instituto Vox Populi, João Francisco Meira.

Ansiosos pela eleição, diz Meira, estão apenas os políticos, a mídia e os institutos de pesquisa. O que não significa que o brasileiro não se interesse por eleição. "Não está interessado neste momento, mas, ainda assim, é expressivo o número dos que já definiram o voto, mais de 40%."

Em entrevista ao Estado, Meira fala sobre o comportamento do eleitor e diz que, hoje, o que existe é uma campanha "totalmente virtual".

Estado - Os eleitores estão em clima de eleição ou a ansiedade é apenas dos políticos?

João Francisco Meira - Essa ansiedade não tem cabimento e é só nossa, dos políticos, dos homens da mídia, dos pesquisadores. Se olharmos os dados das pesquisas, veremos que temos aí, dependendo do critério, de 40% a 60% do eleitorado que não está ligando para a eleição.

Estado - Não está ligando porque não quer saber de política ou porque não escolheu ainda seus candidatos?

Meira - Temos hoje uma campanha totalmente virtual, alimentada pelas oportunidades de mídia que o candidato tem, pelas pesquisas e o modo como são publicadas e analisadas na mídia. Isso faz com que dados mais simples, como a intenção de votos estimulados, sejam tidos como decisões ou tendências de comportamento cristalizado do eleitor, quando não são. É grande o número de eleitor indeciso, porque a população tem outras prioridades.

Estado - O que, por exemplo?

Meira - O seu cotidiano. A população tem outra agenda de preocupação, que não é a mesma dos políticos. Ela está preocupada com a violência, a segurança de seu bairro, o problema da saúde pública. E antes da eleição tem a Copa do Mundo. Há uma agenda de demandas e necessidades proposta pelo público e uma agenda que o sistema político pretende propor. Mas essas coisas raramente casam. Eu acho que o brasileiro tem uma perfeita noção daquilo que é importante para ele e que cada coisa tem sua hora.

Estado - Qual é a hora da eleição para esses eleitores?

Meira - Se o próprio sistema político não definiu ainda com clareza qual oferta vai fazer para o eleitorado, por que o eleitor tem de definir agora a escolha que vai fazer?

Estado - É baixo interesse do brasileiro por eleições?

Meira - Não digo isso. Se consideramos o número de eleitores que escolheram seu candidato, em torno de 46%, podemos dizer que é relativamente alto o interesse pela eleição. O restante não está interessado agora, mas acabará participando do processo na reta final.

Estado - Quando o eleitor define seu voto?

Meira - Cerca de 60% vão se definir antes de começar a propaganda eleitoral, em meados de agosto. Para o eleitor comum, essa campanha ainda está longe; 40% dos eleitores vão se definir durante a campanha, dos quais 10% só na véspera do pleito.

Estado - Tem sido assim nas eleições no Brasil? É diferente de outros países?

Meira - Na última eleição foi assim: quando começou a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, 56% dos eleitores já declaravam estar com votos definidos; 34% deles se decidiram durante a campanha eleitoral e 11% só na véspera. Eu conheço números equivalentes de Portugal, onde acompanhei de perto as eleições. Lá, 87% dos eleitores já estão com seus votos definidos quando começa a propaganda eleitoral e apenas 5% definem-se durante este período.

Estado - Por que tantos brasileiros deixam a escolha para a última hora?

Meira - Acho que por razões estruturais e razões incidentais. Na estrutural, a princi pal delas é a falta de identidade partidária nítida no Brasil. Aqui, menos de 40% têm preferência partidária.

Comparativamente, volto a falar em Portugal. Lá, 83% têm preferência partidária. Então, as pessoas votam em outros países usando essa identidade com partidos como um dos principais parâmetros. O que permite a elas uma economia emocional muito maior na hora da decisão.

Estado - Como vota o brasileiro?

Meira - Aqui a gente vota em pessoas, em imagens, em expectativas e em propostas feitas na campanha. De certa maneira, a gente vota nas estratégias de comunicação desenvolvidas pelos candidatos. Às vezes, inclusive, isso gera fenômenos, tais como você votar num candidato de extrema esquerda para um cargo e num candidato de direita para outro cargo.

Estado - Na última eleição, a esta altura, como estava o comportamento dos brasileiros?

Meira - Praticamente o mesmo de hoje. Em maio de 1998, 47% dos eleitores manifestavam suas preferências espontaneamente. Hoje, esse porcentual é de 45%. E o envolvimento político também era o mesmo, sem grandes paixões.

Estado - Uma parte considerável do eleitorado ainda pode mudar o voto. E o quadro de candidaturas, também pode mudar bastante?

Meira - De candidaturas, acho que não. Todos os dados que temos mostram que as candidaturas que estão postas aí, do Garotinho, do Ciro, do Lula e do Serra, são igualmente competitivas. O tamanho do potencial de mercado eleitoral deles é relativamente igual, as diferenças são poucos significativas. Não há razão, então, para substituir esse ou aquele candidato. Todos têm potencial de mercado acima de 50%, o que significa que todos são competitivos para o segundo turno.


Ala radical do PT 'abraça' campanha e atenua críticas
Até Duda Mendonça, alvo de resistência de vários petistas, passa a receber elogios

A chance real de chegar ao Palácio do Planalto, com seu candidato se aproximando dos 40% de preferência do eleitorado, está levando os integrantes mais radicais do PT a amenizar o discurso.

Se o discurso de centro-esquerda adotado pelo candidato do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, não é unanimidade, também não causa mais reações iradas. Até o marqueteiro Duda Mendonça, recebido com resistência por vários petistas, já é alvo de elogios.

A dificuldade de concretização da aliança com o PL, imposta pela manutenção da verticalização das coligações, também colaborou para o tom conciliador adotado pelos radicais. "Não estou achando nenhuma tragédia", afirma o deputado Milton Temer (PT-RJ), um dos principais críticos da aproximação com o PL.

"Eu concordo com Lula quando ele diz que não rejeita voto de ninguém. A disputa da hegemonia pelo caminho institucional pressupõe ganhar os nossos diferentes para votar na gente, lógico que com nossas propostas, não com as deles", afirma o deputado. "Estou no PT sabendo quais são os limites do PT.

O que tinha medo não está acontecendo, que é a descaracterização."

Ex-prefeito de Porto Alegre e membro do diretório nacional do PT, Raul Pont faz ressalvas ao comportamento de Lula. "Hoje, o programa petista está parecido com os outros, o que não ajuda na constituição de um novo projeto."

Mas Pont, que integra a corrente Democracia Socialista, reconhece que o caminho adotado por Lula foi definido pela maioria dos petistas, o que o torna "legítimo".

"Ainda é cedo" - Principal nome da tendência Força Socialista, o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, acha que "ainda é cedo" para o candidato petista marcar posições mais firmes. "Lula sempre representou os interesses dos trabalhadores sem perder a responsabilidade."

Para Rodrigues, as idéias de mudança do PT ficarão mais explícitas com o desenrolar da campanha. "O Lula já deixou claro que isso ocorrerá", diz o prefeito. "O programa apresentado até agora não nega os caminhos que o PT sempre defendeu. Mais para frente, vamos mostrar que, para acabar com o desemprego e as desigualdades, será preciso bater de frente com o sistema financeiro."

O prefeito de Belém ainda destaca a "importância" da estratégia de marketing adotada pelo partido.

Ela também é elogiada pelo deputado Milton Temer.

"Duda (Mendonça) é muito mais intérprete de um sentimento petista do que impositor de uma forma de comportamento", diz Temer, que se mantém independente das correntes nacionais internas. "Ele está fazendo algo diferente do que ocorreu em 1998, quando o programa do PT começava com uma bandeira branca. Agora, Lula abraça a estrela do PT, não desvaloriza a marca do partido nem queima seu símbolo no mercado."

Jospin - A maior frente contra a forma de condução da campanha é capitaneada pelo economista Markus Sokol, que faz parte da corrente O Trabalho e integra o diretório nacional, e pelo deputado Ivan Valente, da Força Socialista. O terceiro vice-presidente do PT, Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, endossa parte das críticas. De acordo com Sokol, o PT precisa "tirar a lição" da derrota dos socialistas e Leonel Jospin, na França, motivada, segundo ele, pela perda de identidade do primeiro-ministro com a esquerda. "O eleitor não viu diferença entre os candidatos e o grau de abstenção foi recorde", afirma. "O Lula precisa deixar mais claras suas diferenças com o modelo que está aí."

Sokol pretende pôr o assunto em discussão na reunião da executiva nacional do partido, marcada para amanhã.

Pomar concorda com a leitura de Sokol sobre a derrota de Jospin. Embora não participe da coordenação da campanha, ele defende suas idéias como integrante do comando petista: "Se prevalecer a impressão de que o Lula e o Serra são a mesma coisa, quem sai ganhando é o conservadorismo. Temos de mostrar que nosso programa é nitidamente distinto."

Ivan Valente cobra do comando do partido a "democratização da campanha".

Para ele, a militância precisa ser mais ouvida e esse "é um debate necessário para oxigenar o partido."

Vontade da maioria - O presidente do PT, deputado José Dirceu, afirma que o partido não está "atenuando" suas posições. "A base do nosso programa tem sido aprovada pelo partido desde 1995", reage.

Para ele, não existe nenhuma 'transformação eleitoral': "Essa é a vontade da maioria."

Segundo Dirceu, não há risco de Serra e Lula se confundirem durante a campanha: "Somos a mudança e isso já está claro", garante.

O presidente do partido também lembra que todas as correntes representadas na direção petista opinam sobre a condução da campanha. "Ainda não decidimos como vai ficar a coordenação da campanha, mas todos têm, no comando do PT, o peso que os militantes decidiram na última eleição."


artigos

A retumbante ignorância
Fernando Pedreira

Há pouco mais de uma semana, o presidente Fernando Henrique, referindo-se a seu colega norte-americano George W. Bush, fez notar que ele, em matéria de América Latina, estava ainda em fase de aprendizado. E mais não disse, talvez para evitar que suas palavras pudessem ferir normas da diplomática etiqueta. Bush, entretanto, não só está em fase de aprendizado, como revela, diante de assuntos latino-americanos, uma teimosa e retumbante inapetência.

Num dos recentes encontros entre os dois presidentes, como se falasse de questões raciais e medidas para conter o preconceito, não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil, Bush admirou-se: "Do you have blacks, also?"

("Vocês têm pretos, também?") Diante da enormidade da dúvida, FHC ficou por um instante perplexo, mas, antes que pudesse responder, a secretária de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, interveio: "Presidente, o Brasil talvez tenha mais pretos que os Estados Unidos; ele é em geral considerado como o país que te m mais negros no mundo, fora do continente africano"...

Poderíamos, talvez, relacionar a ignorância latino-americana do chefe da Casa Branca a outras gafes cometidas por ele, ainda antes das eleições. O candidato à Presidência desconhecia até mesmo o nome e a localização de países e personagens com os quais deveria certamente lidar, se eleito. Mas nada disso nos deve levar à conclusão de que George Bush não tenha interesse verdadeiro em assuntos externos e não se considere um legítimo e aplicado sucessor não só de seu próprio pai, mas de um outro mais ilustre presidente, Theodore Roosevelt, que governou os Estados Unidos há pouco menos de cem anos.

A Casa Branca bushiana, com efeito, é, na verdade, uma fervente usina de política externa na qual se está criando, no dizer de Nicholas Lemann, da revista New Yorker, uma nova ordem mundial.

Ao longo de pelo menos um mês, Lemann entrevistou todos os principais assessores do presidente, começando pela referida Condoleezza Rice. Os principais cérebros (digamos assim) da equipe palaciana são antigos colaboradores do todo-poderoso vice-presidente Dick Cheney ou foram trazidos pelo secretário de Estado Colin Powell. Mas, desde os ataques terroristas às torres gêmeas de Nova York, todos eles falam, pelo que pôde constatar Lemann, virtualmente a mesma língua.

De fato, ao menos na Casa Branca, já não parece haver diferenças perceptíveis entre falcões e pombos. Os atentados do terror deram ao próprio presidente uma autoridade e um poder que pareciam muito discutíveis no momento da posse, mas que se tornaram depois quase absolutos.

Já não se trata, entre os assessores, de discutir o que fazer, mas "como" fazer.

Segundo Condoleezza Rice, os acontecimentos do 11 de setembro tornaram outra vez muito claro o interesse nacional dos Estados Unidos, que se tinha tornado duvidoso desde o desmoronamento da União Soviética.

"Em termos teóricos", diz Condoleezza, "se você tem uma grande potência, como os Estados Unidos, pode-se prever que não demorará muito, antes que outra grande potência se erga para desafiá-la. Mas o que estamos vendo agora, ao contrário, é que há uma forte predileção dos países no sentido de adotar relações de produtiva cooperação com os Estados Unidos, em vez de tentar compensar o seu peso. Na verdade, acredito que a atividade dos homens de Estado (statecraft) importará muito no andamento das coisas. Não está nada pré-ordenado."

Acrescenta Condoleezza que o conceito de soberania mudou. Hoje soberania impõe deveres internos básicos que não podem ser desconsiderados, tais como a atitude diante do terrorismo e a acumulação de armas de destruição em massa. E eis aí o que aponta claramente, depois dos talebans do Afeganistão, para um velho alvo: Saddam Hussein, no Iraque.

Lemann saiu de sua série de entrevistas convencido de que a operação militar anti-Saddam já está em marcha, embora suas várias etapas possam estender-se por meses e meses, talvez até o início de 2003. Em agosto e setembro próximos, acredita ele, "o enorme deslocamento de tropas e efetivos" necessário à operação será desencadeado. "Os Estados Unidos parecem seguros de sua capacidade de resposta, diante de qualquer tentativa de reação da parte de Saddam, e esperam que a simples pressão de seus efetivos desestabilize o Iraque a ponto de levar a Guarda Republicana, verdadeira chave do dispositivo militar local, a rebelar-se e derrubar Saddam por sua própria conta", conclui o correspondente da revista.

Eis aí o mundo em que vivemos, desde o 11 de setembro de 2001, e do qual as recentes eleições na França foram apenas mais uma clara demonstração. A América Latina simplesmente não está no mapa (embora leve, às vezes, as sobras), o que explica o golpe e o "desgolpe" de Caracas e o descaso bushiano diante do drama da Argentina. Nas paredes dos gabinetes da Casa Branca e do Departamento de Estado não há outras cartas geográficas senão as do Oriente Médio, que ainda agora Ariel Sharon se esforça para mudar, à sua própria maneira.

Resta-nos o consolo de que, ao menos na velha França, tivemos alguma influência, ainda que pequena, graças à participação do Lula (e do seu assessor Luis Favre, marido de Marta Suplicy) nos comícios de Jospin.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Queremos melhoramentos!
O assunto do momento é a clonagem. Todo dia aparece um bicho novo clonado em laboratório. E não se ficou em ovelhas e galinhas, mas se chegou aos macacos - um passo, claro, para a clonagem humana, que, na novela de televisão já chegou à realidade. Com muita pesquisa e inteligência, diga-se. Mas a impressão que dá é que a autora está tão perplexa quanto nós, telespectadores, sobre o rumo e destino que dará à sua adorável Criatura.

Mas voltando à clonagem real, aí é que está todo o fulcro do problema, o centro principal de todo o interesse: clonar seres humanos. Até que ponto o processo pode ser efetivo, a clonagem atingirá realmente a psiquê ou a cópia ficará apenas na parte física: feições, estatura. Cor da pele e cabelos ou irá também para os miolos; ou pior (ou melhor?) atingirá essa coisa indefinível, imaterial mas inegável - a que chamamos de alma?

Se você clonar um criminoso, a cópia terá também instintos criminosos? Ninguém publicou ainda observações sobre o caráter dos clones, em relação ao seu original. Por exemplo: sabe-se que as ovelhas são, por sua própria natureza, dóceis, pacíficas e agem sempre em grupos, tão unidas que nem precisam ter uma liderança explícita. Todos nós, fazendeiros, sabemos que basta abrir a porteira do redil, e encaminhar à saída o primeiro carneiro ou ovelha, e o rebanho inteiro o seguirá, os de trás atropelando os da frente, como se temessem ficar em solidão.

Outra pergunta: até agora, entre animais clonados, só se tem tido notícias de fêmeas - a começar pela Dolly. Será que eles também podem clonar machos? E em se tratando da espécie humana, vão poder clonar cavalheiros? Ah, essa invenção de clonagem abre espaços tão amplos para a imaginação que até nos deixa tontos!

O grande perigo apontado por todos os que discutem o assunto é a reprodução não autorizada, criminosa, clandestina de seres que não obedeçam aos padrões de ética, beleza, funcionalidade, desejados a todos os seres humanos.

A figura do cientista louco está sempre presente quando se fala nos processos biológicos que visam a interferir com a rotina da natureza. Não é de ontem o alvoroço que atacou a mídia, quando se começou a fazer a inseminação 'in vitro', tornando férteis casais sem filhos por dificuldade de acesso ao óvulo do indispensável espermatozóide. Hoje, o processo é banal, não originou nenhuma anomalia, e quase todo mundo já pode ter filhos, se os quiser.

Mas com a clonagem o campo fica muito mais amplo. Aberto o processo ao uso geral, terá de haver uma legislação específica e uma vigilância estreita dos laboratórios de clonagem, por parte das autoridades responsáveis. Talvez até se crie um Ministério da Clonagem, decretando por miúdos, quem pode ou não pode ser reproduzido. Por exemplo: a idade do clone-mãe? (ou pai): clonando-se um velho, será possível obter um clone jovem?

E a inteligência, os dons artísticos se transmitirão ao clone? Ou apenas os traços biológicos essenciais, a cara, os ossos, a musculatura? Eu, por exemplo, que não tenho filhos, talvez até gostasse de ser clonada. Mas exigiria tantos melhoramentos que, de certo, seria impossível satisfazer. Por exemplo: ser mais bonitinha, sem tendência para engordar, estatura um pouco maior e entranhas muito mais saudáveis: fígado, coração, miolos (não são entranhas, mas vá lá), miolos especiais, queda para as matemáticas e as demais ciências exatas... Ah, tanta coisa que eu queria ser e que não so u!

Vocês dirão: "Mas aí já não seria um clone, e sim um ser bem diferente de você." Claro! Os fabricantes de clones têm de aprender a criar diferenciações, senão não teriam freguesia. Um ou outro egocêntrico doentio poderia querer se reproduzir com total fidelidade. Mas até a verruga do queixo? Ou a urticária, a alergia a certos tipos de alimentos, ou ao tempero, ou ao queijo da pizza?

Há que pensar nisso tudo antes de fazer a encomenda. E voltando à lei disciplinadora: o narcisista delirante poderia exigir dos clonadores reprodução do seu nariz horroroso, que a ele parece lhe dar personalidade?

Agora a pergunta maior: e a inteligência, será clonável? Pois que adianta criarmos seres novos se não formos capazes de os fazer melhores do que os padrões da Mãe Natureza?

O Woody Allen é quase um gênio. Mas aceitará ele que o seu clone lhe reproduza, além do talento, a cara feia. O corpo desengonçado? Até agora só se sabe que o clone é uma reprodução perfeita da sua matriz. Mas qual matriz? A masculina ou a feminina? Se são necessários os dois elementos, macho e fêmea, para fazer um novo ser, qual será a cópia de quem? Da mãe ou do pai? Ou a clonagem dispensa a colaboração do pai? Então só teremos seres femininos? Ah, mas já existe mulher demais no mundo, é só ver as estatísticas.

O mal da humanidade, desde Adão, é querer ser mais sabida do que Deus. Se Ele fez o mundo assim como é, foi porque só dava deste jeito mesmo. Ele deve ter experimentado vários tipos.

Dispõe de todos os sistemas planetários, de todas as galáxias - e só conseguiu nos fazer tais como somos, com todas as nossas deficiências. Quem sabe mesmo se Deus Nosso Senhor, desgostoso da humanidade tal como é, não suscitou essa invenção de clones para nos eliminar pela total monotonia? Os Seus desígnios são insondáveis. Quem sabe, Ele não quer, com a igualdade geral, acabar com a excrescência que é o pecado, nos fazer todos dóceis e inocentes, como um rebanho de Dollys? Ou, pelo menos, deixar que se separem os bons dos maus, por seleção natural, isto é, por seleção de clonagem; e, pondo os maus de um lado, acabar com eles?

Só ficaremos nós, os bonzinhos; afinal, para todos os humanos, o bom somos nós, o mau é sempre o outro...


Editorial

AS MUDANÇAS NA ÁREA DAS TELECOMUNICAÇÕES

A autorização obtida pela Telefônica, na quinta-feira, para operar com ligações de longa distância em todo o País foi um sinal concreto de que o governo federal decidiu agir preventivamente para manter a saúde do mercado brasileiro de telecomunicações. Revelou também uma importante sintonia entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), primeira guardiã dos interesses do usuário, e os técnicos da área econômica, responsáveis pelo diagnóstico de problemas sistêmicos e pela indicação de medidas restauradoras. Nesta confluência de necessidades e interesses, começa a prevalecer uma orientação de bom senso.

Configurada a real demanda do mercado após a revolução iniciada em 1995, com a privatização do Sistema Telebrás, é legítimo que as empresas busquem adaptações diante de projeções frustradas. Evidente que há teles em dificuldade por causa de seus próprios erros de cálculo, mas há uma grande parte de companhias saudáveis buscando ajustes a um ritmo menor de crescimento da economia brasileira. Há pelo menos 10 milhões de linhas sem usuários e a inadimplência dos assinantes de baixa renda começa a preocupar.

Ao permitir que uma operadora local passe a concorrer em todo o Brasil, a Anatel semeia algumas perspectivas positivas, não de forma benevolente, mas atendendo aos princípios estabelecidos na nascente da privatização. Os investidores estrangeiros disputaram os leilões do Sistema Telebrás levando em conta justamente a futura autorização para ampliar e diversificar serviços, ocupando novos mercados. Isso fica claro no precioso histórico descrito por Renato Navarro Guerreiro, ex-presidente da Anatel, em artigo publicado pelo Estado na sexta-feira.

Mas nenhuma companhia está naturalmente habilitada a receber esta promoção.

Todas têm de cumprir metas essencialmente sociais, garantindo serviços e tecnologia ao usuário a preços compatíveis com suas demandas. Há teles que estão longe de atingir este grau mínimo de qualidade, e estas certamente precisam ser barradas pela Anatel. Outras, como a Telefônica, têm quesitos ainda não atendidos, como a cobrança compartilhada com a Embratel, mas atendem às exigências essenciais.

A análise menos radical do cumprimento de metas, aliás, é outro indicativo da preocupação do governo com a crise no setor e de sua disposição de evitar um agravamento do quadro, que levaria fatalmente à necessidade de remédios mais amargos e caros numa etapa seguinte. Bom sinal.

Anatel e técnicos da área econômica parecem saber hoje que podem conciliar seus propósitos sem abrir mão de uma fiscalização rígida dos serviços e investimentos, apontando faltas e realizações, diagnosticando práticas incorretas e premiando boas concessionárias. Sem nenhuma liberalização, apenas levando-se em conta toda a cadeia social e econômica em torno das telecomunicações.

Desde os primeiros sinais de alerta emitidos pelo setor até a medida concreta da Anatel em favor da Telefônica, o que houve foi um processo de amadurecimento, ainda que sob a tensão da urgência do mercado e dos interesses corporativos. Como jogadores, representantes das companhias de telecomunicações, técnicos do governo e da Anatel produziram fatos políticos em que acabaram se exacerbando as críticas às regras do setor. Críticas eficientemente rebatidas por Renato Guerreiro em seu artigo no Estado.

"Não sei se por ignorância, leviandade ou ambos, inúmeras pessoas, nesse grupo incluídos dirigentes de empresas, regiamente pagos por seus acionistas para, pelo menos, entenderem um pouco do negócio que estão conduzindo, têm falado, escrito e até questionado regras que, suponho, ouviram falar, mas não tiveram - se não a responsabilidade - pelo menos a curiosidade de comprovar sua existência", escreveu o engenheiro que acompanhou desde o início o processo de privatização das telecomunicações no País. Guerreiro mostra que não há a camisa-de-força que muitos alegam haver no setor, e que a Lei Geral de Telecomunicações permite grandes articulações e ajustes, apenas protegendo o usuário de um possível novo monopólio.

Na prática, o amadurecimento do governo permite acabar com essas discussões estéreis e estabelece um patamar honesto de negociações, inclusive sobre as fusões que inevitavelmente ocorrerão a partir de 2003. A Anatel cedeu e aceitou trazer o assunto para cima da mesa, contribuindo para mudar o insalubre clima de delito em torno dos acertos e negociações informais que vêm sendo mantidos entre as empresas. Às claras, fica mais fácil, barato e seguro analisar dados e discutir pleitos, contando também com a necessária fiscalização da sociedade.


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04/28/2002


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