TCU suspeita de repasses para Força







TCU suspeita de repasses para Força
Repasses do governo para a central sindical aumentaram de R$ 6 milhões em 1997 para R$ 43,8 milhões em 2001

BRASÍLIA - Desde abril do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que seus auditores dedicassem ''atenção especial'' às parcerias firmadas entre o Ministério do Trabalho e a Força Sindical. Na decisão número 279/2000, o TCU determinou à 7ª Secretaria de Controle Externo do órgão o acompanhamento do repasse de recursos do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) para a central sindical criada pelo deputado Luiz Antônio Medeiros (PL-SP).

A medida foi tomada com base em auditoria feita pelo TCU no Planfor, programa do Ministério do Trabalho e Renda que utiliza recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para treinar trabalhadores. A investigação foi centrada nos convênios feitos diretamente pelo ministério com entidades sindicais, sem a intermediação dos governos estaduais. Pelos dados de 1998, a Força Sindical ficou em segundo lugar no montante de recursos repassados. Foram R$ 12 milhões. Perdeu apenas para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que recebeu R$ 14,6 milhões. Naquele ano, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), principal adversária da Força Sindical no meio sindical, obteve R$ 3 milhões. O TCU decidiu investigar as entidades que mais receberam recursos do Congresso.

A suspeita surgiu não só pelo volume de recursos repassados. O TCU detectou inconsistências nos dados apresentados pela Força Sindical. A auditoria apontou que dos 45.537 profissionais matriculados nos cursos bancados pelo FAT, apenas 30.767 haviam concluído o curso no final de 1998. Desses, a Força Sindical apenas apresentou informações e dados pessoais sobre 27.616 pessoas, ou seja 64,89% dos matriculados. O TCU levantou a suspeita de que os sindicatos ou fundações estivessem fazendo subcontratações de empresas, sem licitação, para a realização dos cursos.

Repasses - Levantamento no Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro (Siafi) feito pela assessoria do deputado Agnelo Queirós (PCdoB-DF) mostra que os repasses do governo federal para a Força Sindical, feitos por meio de convênios, têm crescido ano a ano desde 1997. Naquele ano, o valor repassado foi de R$ 6 milhões. Em 1998, chegou a R$ 12 milhões, apenas com as parcerias feitas no Planfor. Em 1999, o valor repassado foi de R$ 19,5 milhões. Pulou para R$ 29,5 milhões no ano passado e neste ano já chegou a R$ 43,8 milhões. A CUT também teve um aumento progressivo nos repasses, mas a proporção foi menor. Em 1999, o valor disponibilizado foi de R$ 25,2 milhões. A quantia cresceu para R$ 39,6 milhões em 2000. Este ano, já foram repassados R$ 38,4 milhões.

O dinheiro vem de diferentes fontes do governo federal. São convênios entre as entidades sindicais e os ministérios do Trabalho, Desenvolvimento Agrário e até da Cultura.

Contra-ataque - Integrantes da CUT têm levantado suspeitas de que a Força Sindical esteja desviando recursos do FAT. Mas ontem a Força Sindical partiu para o contra-ataque. Enquanto Medeiros se defendia das acusações, o presidente regional da Força Sindical no Amazonas, Carlos Lacerda, distribuía nos corredores da Câmara um ''dossiê'' contra o deputado petista Pedro Celso (PT-DF), secretário do Trabalho na gestão do governador Cristovam Buarque (PT), entre 1995 a 1998.

O dossiê inclui matérias publicadas em jornais de Brasília que denunciam o envolvimento de Pedro Celso em um suposto esquema de cobrança de propinas para contratação de entidades que realizaram cursos de qualificação em Brasília.


MP entrará com ação contra Jader
BELÉM - Os procuradores João Gualberto Silva, Hamilton Salme e Agar Jurema, do Ministério Público do Pará, concluíram ação civil, que darão entrada na Justiça hoje ou amanhã, exigindo do ex-senador Jader Barbalho ressarcimento do dinheiro desviado do Banco do Estado do Pará (Banpará).
O desvio ocorreu nos anos de 1984 e 1985, quando Jader era governador do Pará. A ação baseia-se no relatório do Banco Central e na nota técnica da 5ª Câmara do Ministério Público Federal, que rastrearam cheques administrativos depositados numa conta de Jader na agência Jardim Botânico, do Banco Itaú, no Rio de Janeiro. Os procuradores não quiseram revelar o valor do ressarcimento que vão pedir. Pelos cálculos do corregedor do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP), R$ 5 milhões foram desviados do Banpará.


Comissão pede ao MP ação contra Hayes
BRASÍLIA - O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Nelson Pelegrino (PT-BA), vai pedir à Procuradoria Geral da República que proponha ação pedindo a prisão do ex-agente da CIA (Central da Inteligência dos Estados Unidos) Robert Hayes, caso ele ingresse em território brasileiro. ''Tortura é um crime que não tem anistia. E não há dúvidas de que ele pagou para fazer tortura'', afirmou o deputado.

Hayes, que vive na Flórida, Estados Unidos, atuou como agente da CIA no país, de 1972 a 1976, e afirmou ao
Jornal do Brasil que sua missão incluía coleta de informações, seqüestros e assassinatos.
De acordo com Pelegrino, as reportagens do JB comprovam a suspeita da intensa participação da agência americana no Brasil durante o regime militar. Ontem, o JB revelou que a CIA tinha estreitos laços com órgãos da repressão nacional, como o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e o Exército. ''O pior é que a CIA nem sujou as mãos'', disse.

Segundo o ex-oficial de operações da agência americana no Uruguai, Philip Agee, o ''trabalho sujo'' - que incluiria torturas e assassinatos - ficava a cargo de colaboradores e forças de segurança, sob a supervisão da CIA.
A comissão ainda estuda a possibilidade de pedir explicações ao Ministério das Relações Exteriores sobre as atividades da CIA no Brasil durante as décadas de 60 e 70, mas prefere ter cuidado com relação ao tema, principalmente pelo fato de os EUA estarem em guerra contra o terrorismo. ''Temos que ser cautelosos, porque isso envolve muitos fatos'', afirmou.

Assunto ainda nebuloso no Brasil, a colaboração da CIA com o regime militar brasileiro é tema de trabalhos acadêmicos nos EUA. A cientista política Martha Huggins, do Union College (NY), publicou o livro ''Polícia e Política'' sobre a presença da CIA no Brasil.


FH homenageia as vítimas da ditadura
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso homenageou ontem, durante as comemorações do Dia do Diplomata, no Itamarati, as viúvas, Clarice Herzog e Maria Eunice Paiva, que tiveram seus maridos, o jornalista Wladimir Herzog e o deputado Rubens Paiva, assassinados durante o regime militar. O presidente assinou o ato ao lado das duas viúvas a mensagem ao Congresso Nacional de criação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. O TPI permitirá que criminosos brasileiros julgados internacionalmente pela corte. ''O arbítrio não pode mais ter abrigo entre nós'', defendeu.

O presidente declarou-se emocionado por ter assinado o documento diante das duas ''amigas antigas e muito queridas''. Eunice Paiva foi companheira de militância política assim como Clarice, e os maridos. ''Nós fomos amigos sempre. Do Rubens que mataram, e do Wlado que mataram'', afirmou com voz embargada. Ele recordou que Wlado e Clarisse foram seus alunos na USP. ''Assinei o ato em memória deles e de tantos outros que foram vítimas do arbítrio'', disse o presidente.

Fernando Henrique defendeu a posição brasileira de apoio à criação do tribunal apesar da polêmica jurídica e concluiu que não há nenhuma incompatibilidade entre seus dispositivos e a Constituição brasileira. ''O arbítrio requer penalização que vai além das fronteiras principalmente nos casos de crimes contra a humanidade'', defendeu.

Pela primeira vez na história mundial, um tribunal de caráter permanente vai processar e julgar os responsáveis por crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e crimes de agressão. O Tribunal será fator decisivo para assegurar que não fiquem impunes crimes que afetam a humanidade. Fernando Henrique espera que a vigência do tribunal iniba a ocorrência de violações dos direitos humanos e de ameaças contra a paz e a segurança dos Estados.


Benedita disputará eleição para o Rio
A vice-governadora do Rio, Benedita da Silva (PT), desistiu de concorrer ao Senado e vai assumir o governo do Estado, disputando a eleição para o cargo, caso o governador Anthony Garotinho vá mesmo se candidatar à Presidência da República. Benedita ainda não anunciou a decisão oficialmente, mas tem repetido sua intenção a interlocutores. A vice-governadora pretendia concorrer ao Senado, porém a posição do partido, nas esferas regional e nacional, é a favor de que ela assuma o governo.

De acordo com o deputado estadual Artur Messias - líder do PT na Alerj (Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) -, a decisão final cabe à regional do Estado. A bancada petista na Alerj vai enviar hoje uma solicitação à Benedita pedindo uma audiência para tratarem da questão em conjunto. ''Não houve discussão com o partido nem com a bancada. Veremos qual é o melhor cenário para o PT'', disse Messias, partidário da permanência de Benedita no governo do Estado.


ABL em clima de sucessão
Vaga de Roberto Campos já tem pelo menos quatro como possíveis candidatos

Hoje, às 16h, logo depois que os acadêmicos discursarem sobre o economista, diplomata, escritor e político Roberto Campos na Sessão da saudade, será aberta, oficialmente, a sucessão para a cadeira que ele ocupava - a de número 21 - na Academia Brasileira de Letras (ABL). Mesmo ainda não sendo de ''bom tom'' - como disseram alguns imortais - o lançamento de candidaturas, ontem, na saída do enterro de Roberto Campos, já vieram à tona possíveis nomes para a vaga.

Na categoria dos famosos, Paulo Coelho e Jô Soares continuam cotados. Na linha pensador político/diplomata, o ex-ministro da Economia Marcílio Marques Moreira, Hélio Jaguaribe e o embaixador Mário Gibson Barbosa são cogitados. Entre os ''cronicamente candidatos'' - sempre lembrados a cada cadeira vazia - estão Domício Proença, Oliveiros Litrento, Leodegário de Azevedo e até o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. É disputa das mais difíceis. Como sintetiza um acadêmico, que ainda prefere o anonimato, ''é briga para cachorro grande, não é vaga para poeta ou romancista''.

Para os acadêmicos, a expectativa é de que o sucessor de Roberto Campos seja uma espécie de legítimo herdeiro: precisará ter com ele alguma afinidade afetiva ou intelectual, militar na diplomacia ou, pelo menos, partilhar de suas doutrinas. Vem polêmica por aí. O próprio histórico da cadeira 21 aponta para este caminho. Fundada por José do Patrocínio - o único acadêmico-fundador negro -, deu assento ao integralismo de Adonias Filho, ao esquerdismo de Dias Gomes e ao extremismo de Roberto Campos. ''Roberto Campos foi uma figura exponencial na Academia. Espero que seu sucessor não apenas seja uma figura familiarizada com a vida e a obra dele, mas que também seja bom companheiro'', afirma Lêdo Ivo, há 17 anos na ABL.

Fora do páreo - O perfil não se afina muito com o do apresentador e escritor Jô Soares, que se lançou candidato após a morte de Jorge Amado - retirando-se em seguida - e que ainda é cotado por alguns imortais. ''Não tenho nenhuma ambição neste sentido, não é um sonho que acalento e não tem porque me candidatar agora. Antes, era uma situação muito específica e circunstancial. Eu era muito ligado e muito amigo de Jorge Amado. Além disso, quando o Paulo Coelho se candidatou, pensei: eu também vou. Era minha geração, minha faixa'', garante Jô.

Se Jô diz que não quer, o mesmo não se pode afirmar sobre Paulo Coelho. Consta que, de Paris, onde está, ele até já reforçou seu interesse em vestir o fardão. ''O único nome que ouvi mencionado foi o do Paulo Coelho. Mas ainda é cedo. Até amanhã (hoje), este assento está proibido'', ressalta o acadêmico Antônio Olinto. As chances de Paulo Coelho? Ainda é cedo para mensurar, mas ele tem chances, sim. Se por um lado ganhou simpatia ao escrever para Zélia Gattai e prestígio ao circular em jantares oferecidos por Roberto Marinho, por outro chocou alguns acadêmicos com sua máquina de marketing. ''Ele apareceu demais e isto queima uma nova candidatura'', arrisca um imortal.

Autor de 35 livros, entre ensaios, romances e poemas, e um dos cotados para a vaga de Roberto Campos, Domício Proença entende a sutileza do momento. ''Isso é balão de ensaio. Fico feliz de meu nome ser lembrado, mas a vaga ainda não está aberta e a Academia é uma senhora muito sutil'', desconversa.

Durante os 120 dias de campanha para a cadeira 21 - de hoje até a eleição -, cautela é artilharia pesada na estratégia dos candidatos. ''Se a eleição cair em período do recesso, será adiada para março. Muito candidato surpresa vai surgir. Por enquanto, é melhor seguir uma citação francesa que diz o silêncio reina nesta história.
Além disso, a urna só fala no dia'', pondera Josué Montello, acadêmico desde 1954 e, por antigüidade, o primeiro que discursará hoje na Sessão da saudade.


Decisão do TSE fortalece Serra
BRASÍLIA E SÃO PAULO - A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de garantir ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o direito de disputar a reeleição é um reforço para a candidatura presidencial do ministro da Saúde, José Serra. Alckmin, que tem apoio quase unânime dos tucanos paulistas para tentar outro mandato, deve apoiar nas prévias do PSDB a candidatura Serra, segundo lideranças do partido em São Paulo.
O fato de seu mentor político, o falecido governador Mário Covas, de quem foi vice e agora é sucessor, ter, no final da vida, explicitado apoio à candidatura presidencial de Tasso Jereissati, governador do Ceará, ainda deixa Alckmin pouco à vontade para declarar abertamente o apoio a Serra, mas, segundo tucanos paulistas, ele estaria praticamente fechado com Serra.

Além do próprio Alckmin, o maior beneficiado pela decisão do TSE foi Serra. O tucano tinha no governador de São Paulo um poderoso rival na disputa pela indicação para a presidência. Ontem, Serra se manteve discreto, pelo menos em público. Os principais dirigentes do PSDB reconhecem que caiu o principal obstáculo que o ministro enfrentava no dentro de seu próprio estado.

A sentença do TSE foi recebida com decepção pelo PFL, especialmente pelo senador Jorge Bornhausen (SC), presidente do partido. Bornhausen articulava uma chapa para a eleição presidencial que teria o tucano Alckmin como cabeça e a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), como vice. Poucos pefelistas acreditam que Alckmin terá disposição para enfrentar uma difícil disputa pela presidência da República.

Em poucos dias, Serra comemorou duas vitórias nos bastidores da disputa entre os tucanos. Alckmin se voltou para São Paulo e o ministro Pedro Malan recusou os convites para filiar-se ao PSDB e disputar a presidência.

PMDB - No PMDB, é cada vez mais provável o lançamento de um candidato próprio. Ontem, os principais dirigentes do partido deram a notícia ao presidente Fernando Henrique. O partido reclamou da falta de espaços no governo e também do aperto nas verbas para os ministérios controlados por peemedebistas. Pediram a confirmação do senador Ney Suassuna (PB) no Ministério da Integração Nacional e a indicação de um peemedebista para a Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Fernando Henrique pediu calma nos dois casos. Os peemedebistas deixaram a reunião cheios de reclamações.


Estatal pernambucana condenada por racismo
Empresa terá que pagar R$ 60 mil a empregado negro

RECIFE - A Justiça do Trabalho condenou a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) a pagar indenização de R$ 60 mil ao operador de computação Armando Souza de Oliveira, por danos morais causados por discriminação racial. Com a decisão judicial, tomada no dia 27 passado, a Compesa é o primeiro órgão público do país condenado por racismo, segundo a organização não-governamental (ONG) Djumbay, que encaminhou o processo.

Oliveira tem 42 anos. É negro, casado, pai de duas filhas e evangélico da Igreja Batista. Trabalhava há 16 anos na Compesa, mas sua vida mudou quando João Alberto Pinto Carvalho assumiu a chefia da Divisão de Suporte e Processamento da companhia. Oliveira foi obrigado a ouvir o novo chefe contar piadas racistas colhidas na internet e dizer que ia ''clarear'' o setor de informática da empresa.

Perseguição - De acordo com o processo, Carvalho passou a perseguir Oliveira. Cortou o operador das escalas de plantão, tirando-lhe a chance de aumentar o salário com horas extras e não lhe permitiu mais participar de cursos de capacitação profissional.
No dia 9 de novembro do ano passado, Carvalho decidiu que Oliveira passaria a tomar conta do material de expediente e a acumular a função do coordenador da área. Com a jornada de trabalho acrescida de seis horas e sem aumento de salário, o operador protestou, mas o que recebeu foi uma suspensão. Ele recorreu à gerência para pedir a revogação do castigo, mas de nada adiantou.

Oliveira registrou queixa na polícia. Foi aberto inquérito baseado na Lei 7.716, de 1989, que tipificou o crime de racismo. A gerência da Compesa exigiu que retirasse a queixa para revogar a suspensão. A recusa custou ao operador mais uma punição. Foi mandado para o setor de arquivo.

Transferência - Um mês depois do incidente, Oliveira conseguiu, por meio de um amigo, ser transferido para o escritório da Compesa em Olinda. Com apoio do SOS Racismo e da ONG Djumbay, entrou com ação judicial exigindo indenização por danos morais e perdas salariais.
A Compesa alegou que, em 30 anos de existência, nunca houve um caso de racismo na empresa, que teria negros em cargos de chefia na empresa. Uma prova da ausência de discriminação, segundo a Compesa, seria o fato de uma das filhas de Oliveira estar participando do programa destinado a jovens que ingressam no mercado de trabalho.

Justiça - Com a sentença, assinada pelo juiz-substituto André Luiz Machado, da 8ª Vara do Trabalho, do Recife, Armando Oliveira acredita que a justiça foi feita. ''Não posso duvidar do crédito que a Justiça ainda merece'', afirmou. Apesar de satisfeito com o valor de R$ 60 mil arbitrado para a indenização, ele disse que nada vai compensar a insônia, ansiedade e depressão que amargou, depois de afastado de um trabalho que gostava de fazer.

A Compesa recorreu da decisão judicial, alegando que a empresa não pode ser punida por causa de um desentendimento entre dois funcionários. ''A empresa, obviamente, é responsável pelos atos daqueles a quem foram cominadas atribuições de confiança'', lembrou o juiz André Machado em sua sentença.
Machado ressaltou, ainda, no seu despacho o fato de a Compesa, na defesa que apresentou, não ter contestado a acusação contra João Alberto Carvalho. ''Pelo contrário, admite a conduta do indigitado chefe, e o isenta de culpa ao declarar que nele não havia a intenção de causar constrangimento'', destacou o juiz pernambucano na sentença.

Ilusão - Para Machado, a democracia racial brasileira é uma ilusão. ''Por isso as pessoas se sentem um tanto à vontade para manifestar seus preconceitos'', afirmou o juiz. O assessor jurídico da Djumbay, Fábio Luiz Silva, comemorou a decisão, ressaltando que, no Brasil, é rara uma condenação por danos morais atingir o valor de R$ 60 mil, como ocorreu no caso de Oliveira.

Na nota em que informou ter recorrido da decisão, a direção da Compesa declarou que só tomou conhecimento do que ocorrera entre Oliveira e seu chefe ''quando o reclamante comunicou à empresa que havia prestado queixa à polícia''.
A Compesa acrescentou na nota que, ''por entender que se trata de um desentendimento pessoal, a companhia deixou para esfera judicial-criminal o julgamento da questão entre as partes, considerando que este foi um fato isolado''.


Costa Leite defende Corte Constitucional
BRASÍLIA - O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Paulo Costa Leite, voltou a defender a transformação do Supremo Tribunal Federal (STF) em Corte Constitucional. A nova instituição seria encarregada de julgar apenas processos que digam respeito ao cumprimento da Constituição Federal e seus integrantes teriam mandatos com tempo determinado e não vitalícios, como ocorre hoje. Esse sistema já foi adotado na maioria dos países europeus e na vizinha Argentina.

Para Costa Leite, os julgamentos do STF são de caráter ''eminentemente político''. O ministro considera a vitaliciedade dos mandatos incompatível com essa estrutura. O presidente do STJ passou a defender essa proposta quando o presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de criar o instrumento jurídico chamado Incidente de Constitucionalidade. Essa nova figura concentra no STF o poder de definir se uma ação trata de tema exclusivamente constitucional.

Transformando o Supremo em uma Corte Constitucional, o presidente do STJ acredita que se dará transparência aos julgamentos políticos. Outra vantagem é evitar o excesso de recursos em ações de processos individuais, que demoram a ter resultado final porque podem chegar à corte máxima do país.

Itália - A convicção de Costa Leite sobre a necessidade de mudança da estrutura judiciária brasileira foi reforçada em visita à Corte Constitucional da Itália, onde se reuniu com os presidentes dos Tribunais Constitucionais daquele país, do Chile e da Argentina.

Se o sistema for adotado no Brasil, o STF passaria a ser um tribunal político, fora da estrutura do Poder Judiciário. Costa Leite pretende discutir o tema no dia 24 de outubro, em Natal, no 17° Congresso Brasileiro de Magistrados, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros.
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, é favorável à iniciativa. ''Transformando o Supremo em Corte Constitucional, as matérias estruturais da nação merecerão, em caráter genérico, um estudo profundo na defesa dos princípios fundamentais da Constituição.''


Brasil tem que explicar crime à OEA
SÃO LUÍS - O Brasil tem dois meses para explicar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a morte do menino Ranier Silva Cruz, 10 anos, ocorrida em 1991 nas matas do Rio Paranã, em Paço do Lumiar (MA). O inquérito foi arquivado em janeiro de 2000, apesar de haver autoria definida.
A denúncia foi feita pelo Centro de Defesa Marcos Passerini, do Maranhão, ao lado do Centro de Justiça Global. Foram citados outros casos de meninos mortos de igual modo: todos sofreram emasculação, a extirpação dos órgãos sexuais.
Os casos fazem parte dos 19 ocorridos nos últimos dez anos na Grande São Luís. Se a explicação sobre o caso Ranier não for satisfatória, poderá ser instaurado processo perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com audiências em Washington.

Exceção - O Centro Marcos Passerini acompanha os casos de meninos vítimas de emasculação e atentado violento ao pudor, na Grande São Luís. Com exceção de Cleiton Lima Conceição, cujo homicida foi condenado a 19 anos e seis meses de reclusão em 1992, nenhum dos 17 casos registrados até novembro de 2000 foi concluído, apesar de alguns terem autoria definida e acusados ind iciados.

Na última segunda-feira, Welson Frazão Serra, 13, foi encontrado morto no matagal de um sítio desabitado no povoado Vassoural. Seria o 19° caso. O menino não teria sido vítima de atentado violento ao pudor, conforme exame preliminar do IML, mas morreu por asfixia, com terra em seu nariz, boca e pulmões. Dois suspeitos de sua morte foram soltos pela Justiça.
Algumas entidades consideram ainda o caso de Weberth Menezes Pereira, 12, menino de rua morto em junho de 1998.


Artigos

A miragem da simetria
AUGUSTO NUNES

A ação terrorista de 11 de setembro produziu imagens tão inexplicavelmente ignóbeis que ninguém ousou assumir oficialmente a autoria da abjeção. Foi a maior obra da história do terror - e a primeira exibida sem assinatura. Não poderia haver evidência mais escancarada de que mesmo os responsáveis pelo parto se espantaram com a cara do feto.

No código das seitas homicidas, habituadas a manipular bombas e detonadores com desvelos de quem cultiva lírios e orquídeas, a morte de bebês ou octogenárias é parte da rotina, acidente de trabalho, algo assim. Pois o horror causado pelo ataque ao World Trade Center pareceu demasiado mesmo para essas tribos veteranas em embates do campeonato planetário da brutalidade. E exerceu efeitos paralisantes, durante bom tempo, até sobre Osama Bin Laden.

Nas semanas seguintes ao massacre, o terrorista jurou, em mensagens enviadas das cavernas do Afeganistão, que nada tivera a ver com a supressão das torres gêmeas da paisagem de Manhattan. Só depois dos bombardeios que anunciaram o início da retaliação anglo-americana Bin Laden começou a fazer o elogio da façanha terrível, sempre apoiado em particularíssimas leituras do Corão.

Para igualar a quantidade de fios desencapados e neurônios em combustão que aquecem a cabeça de Bin Laden - em 1999,ele ordenou a seus seguidores a execução de qualquer americano que lhes cruzasse o caminho -, seria preciso fundir num mesmo cérebro meia dúzia de napoleões de hospício. Mas o homem que nunca sorri, que capricha no olhar triste de órfão vocacional e envia para a morte bandos de jovens fanáticos, esse parece disposto a seguir vivendo. Talvez porque seja demorada a missão que o destino lhe teria confiado. (O deus que move Bin Laden, insista-se, nada tem a ver com Alá, Maomé ou os reais princípios do Islã. É um deus de bolso.)

Nessa briga pela sobrevivência,o chefe da organização Al Qaeda pode agora socorrer-se de uma teoria tão brasileira quanto a jabuticaba. Emir Sader, com o talento habitual, resumiu-a na edição de segunda-feira do Jornal do Brasil: ''÷Os Estados Unidos começaram a primeira guerra assimétrica, caracterizada não apenas pela radical superioridade de forças, mas pela ausência de um Estado constituído do outro lado''.÷
No quesito da força bélica, guerras simétricas são tão improváveis quanto um Osama Bin Laden sem barba e sorridente. Desde o começo dos tempos, a História tem sido uma procissão de confrontos desiguais.

Em muitos casos, por sinal, foi precisamente o tamanho da desigualdade que os eternizou na memória da Humanidade. Davi e Golias, por exemplo. (Não custa lembrar, já que o inspirador dessas reflexões é o conflito entre as tropas lideradas pelos EUA e os devotos de Bin Laden, que o vencedor Davi não provocou a briga.)

Exemplarmente assimétricas foram muitas guerras ocorridas no século XX que não podem ser subtraídas à memória do mundo para que subsistam apenas lembranças seletivas ligadas ao Iraque e à Iugoslávia. (Por sinal, não foi simétrico o conflito entre o Iraque e o Kwait, anterior à intervenção militar americana. Muito menos os ataques dos genocidas sérvios de Slobodan Milosevic aos separatistas do Kosovo.) Assim, será preciso recordar permanentemente, e recontar o caso como o caso foi, o capítulo escrito na década de 30 e na primeira metade dos anos 40 pela Alemanha nazista comandada por Adolf Hitler. Até que a Inglaterra começasse a contê-lo, o profeta do Terceiro Reich moveu sucessivas guerras de conquista contra países europeus. Todas assimétricas.

Esqueça-se, portanto, a falácia da simetria. Tal miragem só será possível quando um Código de Ética da Mortandade impuser ao lado mais forte a obrigação de revelar ao inimigo, em minuciosos relatórios produzidos antes da primeira escaramuça, quantas balas tem na agulha. Aí a conta seria zerada e a guerra começaria numa boa. Até lá, admitamos que, pelo critério do poderio bélico, dez em cada dez guerras serão assimétricas.

Passemos ao segundo quesito, enunciado no JB de segunda-feira: ''a ausência de um Estado constituído do outro lado''. Nenhuma novidade: foi assim no Vietnam. O que houve no Sudeste da Ásia entre 1966 e 1972 foi o enfrentamento entre tropas das Forças Armadas dos Estados Unidos e guerrilheiros do Vietcong. Os bombardeios episódicos ocorridos em Hanói estiveram longe de caracterizar um confronto entre os EUA e o Vietnam do Norte. A guerra foi travada não contra um Estado, mas uma organização semiclandestina.

O Vietcong tinha evidentes semelhanças estruturais com a Al Qaeda de Bin Laden. Só que muito mais juízo, competência e, sobretudo, objetivos definidos. A conjugação desses fatores contribuiu para que combatentes irregulares e maltrapilhos vencessem a máquina militar mais temível da Terra.
No caso do Afeganistão, os EUA e aliados podem ainda alegar que combatem também um governo - o Talibã, que controla o país. Se o aparato estatal foi destroçado, ao menos esse débito não pode ser atribuído aos ianques. Se os soldados talibãs que apóiam Bin Laden não usam uniformes militares, isso não os transforma em civis. Muito menos civis inocentes. Decididamente civis e inocentes eram os milhares de homens e mulheres, centenas dos quais nascidos em outros países, surpreendidos pelo horror na manhã de 11 de setembro.

Eles tombaram numa batalha decretada unilateralmente por guerreiros furtivos. De um lado, os escolhidos para morrer se preparavam para outro dia de trabalho. De outro, os dispostos a matar decolavam rumo a um lugar onde, em vez de mulheres sepultadas em burkhas, circulam 11. 000 virgens. Só que a viagem para o paraíso exigia que as monstruosas bombas voadoras fizessem aquela escala nas torres gêmeas do World Trade Center. Nada poderia ter sido mais cruelmente assimétrico.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

O inimigo invencível
O 11 de setembro não nos autoriza a imaginar que seja blefe o aviso dado pelo tresloucado porta-voz de Osama Bin Laden, de que a qualquer momento, em qualquer ponto do planeta, os atentados podem, e vão, se repetir.
A ameaça foi feita diretamente aos Estados Unidos que, segundo o homem identificado como Suleiman Abu Ghaith, ''têm de saber que a tempestade de aviões não vai parar'', mas o perigo contido naquela mensagem cuja forma e conteúdo ultrapassava qualquer limite da normalidade, atinge o mundo inteiro. Ninguém está a salvo de alguém que faz a luta desejando a própria morte.
''Há milhares de jovens ansiosos por morrer, assim como há americanos ansiosos por viver'', disse o preposto de Bin Laden, num misto de confissão de culpa (e eis aqui a prova que se cobrava) e demonstração de psicopatia em estado avançado.

Agora não estamos falando mais de costumes, de soberania dos povos, de culturas diferentes, de religiões diversas, não se trata mais nem de fanatismo. O mundo lida com o inimigo que é de todos e até onde a vista alcança, invencível, pois manifesta a vontade de morrer e o desejo de matar.
Iludem-se os que acreditam que a morte ronda apenas cidadãos norte-americanos. Dentro daqueles quatro aviões, do Pentágono e das duas torres feitas de armas pelo terror, havia gente das mais variadas nacionalidades. E agora, nada garante qu e a tempestade anunciada desabe apenas sobre os Estados Unidos.

Portanto, os que equivocadamente tendem a nutrir alguma condescendência com o terror acreditando que, com isso, alinham-se automaticamente contra o leviatã americano, podem em breve se surpreender com a extensão do dano, querendo Deus que não sejam eles mesmos as vítimas.
Esse tipo de atitude, muito ao gosto de certa esquerda - que condena no oficial, mas no paralelo regozija-se -, guarda relação com o que aqui no Brasil ocorreu na questão da segurança pública. Sempre foi considerado um tema da direita, um combate a ser feito pelos falcões cuja força bruta, bem se viu, que resultou em coisa alguma.

Havia no país, não faz muito tempo, até alguma glamourização do bandido. Os considerados mais amenos, banqueiros de jogo do bicho, freqüentavam colunas sociais, gente de sucesso. Outros, como os traficantes, tinham torcida mais discreta, mas nem por isso menos organizada.
Quando, na década de 80, João Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, fugiu de helicóptero do presídio da Ilha Grande, os elegantes da Zona Sul - boa parte deles clientes - viram ali um feito heróico.

Afinal, naquela época o banqueiro do bicho divertia, o traficante fornecia e quem morria - seja na mão do bandido ou da polícia - eram os pobres. A partir do momento em que o tráfico fez do crime uma organização acima do Estado e mostrou que não fazia distinção de cor, classe ou endereço, a coisa mudou e a segurança passou a integrar o cardápio da esquerda, não apenas pela via das razões de cunho social.
Como podemos constatar agora, acordamos um pouco tarde demais e o crime nos enfrenta de peito aberto em condições vantajosas, a despeito de seus autores serem numericamente inferiores e, em tese, intelectual e socialmente menos instrumentalizados.

Evidentemente que esse paralelo traçado aqui deve ser resguardado de todas as devidas proporções. Mas serve pelo menos para que não nos esqueçamos de que o quanto é arriscado perder o foco do inimigo a combater.
O do momento não é o povo árabe, não é toda gente muçulmana, muito menos o mundo islâmico: é um grupo cuja dimensão desconhecemos, mas que dissemina na Humanidade o perigo difuso do desconhecido, cuja arma é o terror e a causa é matar.

Lanterna na proa
Roberto de Oliveira Campos não fará falta. Já está fazendo, há muito, desde que uma isquemia lhe reduziu a capacidade de produzir idéias sempre à frente de seu tempo. Como se, numa adaptação do título de seu livro de memórias, tivesse uma lanterna, não na popa, mas na proa da mente, lhe permitindo ver sempre adiante.
Jovens, todos tínhamos horror a Roberto Campos, o grande satã da direita, entreguista, liberal, insensível, e pior, brilhante o suficiente para evidenciar nossa ignorância juvenil ante o vigor intelectual de um brasileiro de alma universal cujo compromisso primeiro era com os seus pensamentos.

Mais irritante, impossível. A inteligência livre e independente não perde um embate. Sempre livre, nunca refém de dogmas, consegue intuir a realidade presente e acaba acertando o rumo do futuro.
Maduros, mas a distância, ainda sem conhecê-lo, aprendemos a prestar atenção em Roberto Campos e a respeitá-lo exatamente pelo índice de acertos de suas idéias.
Mais maduros ainda, agora já o conhecendo de perto como parlamentar, durante a Constituinte e depois dela, ganhamos ainda a convivência com o humor fino e cáustico, o cavalheirismo e o cacoete do eterno galanteador. De Roberto de Oliveira Campos só ficou faltando registrar que era um encanto.


Editorial

O Profeta Liberal

O corpo do embaixador Roberto de Oliveira Campos foi enterrado ontem no mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Rio. Mas suas idéias estão mais vivas do que nunca. Um dos maiores expoentes da economia brasileira, Campos foi brindado em vida com rara felicidade: viu a maioria de suas previsões se confirmarem. Por muitos anos nadou contra a corrente estatizante que dominou a ciência econômica na América Latina. Foi voz no deserto e pagou preço alto pela pregação liberal. Apontado pela esquerda como inimigo dos interesses do país, foi taxado de ''entreguista'' e ganhou da União Nacional dos Estudantes (UNE) o apelido de Bob Fields. Campos não recuou um milímetro. Continuou a defender a privatização, a redução do tamanho do Estado, a abertura da economia ao capital estrangeiro e o fim de qualquer reserva de mercado.

Nos anos 90, realizadas suas profecias, comemorou a vitória do liberalismo.
A paixão liberal, porém, não veio de berço, desenvolveu-se ao longo do tempo. O que o próprio Campos reconheceu no antológico discurso de posse na ABL, em outubro de 1999: ''Antes, queria que o governo fosse um engenheiro social, modelando o desenvolvimento. Hoje, rezo para que ele seja apenas um jardineiro, adubando o solo, extraindo ervas daninhas e deixando as plantas crescerem... E um samaritano competente, para cuidar do social''. É verdade. Campos foi homem de seu tempo. Em 1944, integrou a delegação brasileira que participou da conferência de Bretton Woods. Ali nasceu a nova ordem mundial, com a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A guerra chegava ao fim e, sob a influência de John Maynard Keynes, os Estados ganharam plenos poderes na tarefa de reconstrução econômica.

Roberto Campos deixou-se cativar pelas idéias de Lord Keynes e voltou ao Brasil, em 1949, disposto a reforçar o planejamento estatal. Em 1951, no governo Vargas, participou da elaboração do anteprojeto de criação da Petrobras e também do projeto que criou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico. Depois trabalhou com Eugênio Gudin no Ministério da Fazenda e no governo Juscelino Kubitschek assumiu a presidência do BNDE. Naqueles tempos, Campos acreditava na eficácia do planejamento e mantinha relações cordiais com Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares, que, recém-chegada de Portugal, foi empregada por ele no BNDE. Prova maior de seu bom trânsito na República não poderia haver: Campos foi embaixador do governo João Goulart em Washington.

Àquela altura, porém, as idéias do embaixador já haviam mudado, principalmente pelo convívio com Eugênio Gudin (''Ninguém exerceu maior influência sobre minha formação de economista do que Gudin''). Campos divergira publicamente da ''política externa independente'' de Jânio Quadros e já apontava como essenciais a estabilidade da moeda e o equilíbrio fiscal. Ficara para trás o intervencionismo keynesiano e consolidava-se a fé absoluta nas forças do mercado. Depois de apoiar o golpe militar de 1964, Campos assumiu o comando da economia ao lado de Octavio Gouvêa de Bulhões, no governo Castello Branco. Com Campos no Planejamento e Bulhões na Fazenda, a dobradinha funcionou à perfeição. Enquanto Bulhões esmerava-se no combate à inflação e no controle dos gastos públicos, Campos usava o planejamento para fundar as bases da economia de mercado. Criou a correção monetária, o FGTS, o Banco Nacional da Habitação, a caderneta de poupança, a Lei das Sociedades Anônimas e a Lei de Mercado de Capitais. O BNDE saiu fortalecido como financiador de projetos industriais e nasceu o Banco Central.

O Estado, finalmente, abriu espaço à iniciativa privada. E Roberto Campos passou a ser o paladino da nova era. Com coragem e ousadia, expôs-se no debate, na linha de frente que contava também com Gudin, Bulhões e, mais tarde, Mário Henrique Simonsen. Polemista nato, Campos tornou-se o principal crítico de tudo que representava resquício da Era Vargas. Atacou a produção siderúrgica do setor público (por invasiva e desnecessária), o monopólio da Petrobras (herança dos anos 50), e a reserva de mercado na informática (fator de atraso irrecuperável). Bateu-se contra o corporativismo burocrático e não deixou escapar ilesa sequer a idéia de planej amento: ''O grande prestígio de planejamento no Brasil só foi comparável à extensão de seu fracasso''.

Clarividente, Campos apostou na queda do Muro de Berlim e no fim do regime soviético. Em 1994, fez ironia com o acerto das previsões: ''Por muito tempo, por defender o liberalismo econômico, fui considerado um herege imprudente. Os acontecimentos mundiais me promoveram a profeta responsável''. Ainda no mesmo ano, cunhou mais uma de suas frases: ''Posso dizer que o mundo está cada vez mais parecido com as minhas idéias''. De fato, as forças do mercado prevaleceram e o liberalismo ultrapassou todas as fronteiras, dando origem ao fenômeno da globalização. O mundo caminhou rumo à visão do grande economista e os fundamentos da economia brasileira também. O Brasil fica mais pobre sem a verve e o talento profético de Roberto Campos.


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10/11/2001


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