Temer contra Itamar e Simon
Temer contra Itamar e Simon
Nem o governador de Minas, Itamar Franco, nem o senador gaúcho Pedro Simon. A ala governista do PMDB lançará um terceiro nome, mais identificado com o presidente Fernando Henrique Cardoso, para disputar a prévia do dia 20 de janeiro, quando o partido escolherá seu candidato à Presidência da República. O presidente do PMDB, Michel Temer (SP), é o mais cotado para a missão, depois que o governador Jarbas Vasconcelos (PE) desistiu dessa disputa.‘‘Teremos um candidato que apóie as conquistas do governo’’, disse o assessor especial da Presidência da República, Moreira Franco. A ala governista teme enfrentar Itamar numa prévia ampla, com a participação de quase 100 mil filiados.
Espionagem na saúde
Polícia Federal acredita que funcionários do Ministério da Saúde passavam informações a lobista contratado por laboratórios multinacionais. Um suspeito já foi afastado de suas funções
Ministério Público e Polícia Federal dizem ter descoberto uma rede de informantes montada dentro do Ministério da Saúde. Sua missão seria fornecer ao lobista Alexandre Paes dos Santos detalhes sobre a rotina de assessores graduados do ministro José Serra. ‘‘São coisas como a que horas chegam e saem, com quem almoçam, falam no telefone e até com quem vão ao cinema’’, conta um agente envolvido na investigação, que pede para não ser identificado.
A PF assegura que, a partir dos informantes, Paes dos Santos conhecia a rotina do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gonzalo Vecina, e do secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem. Os cargos que os dois ocupam lhes garantem posição estratégica no ministério. Respondem pela liberação de remédios no país e sua compra pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Até a semana passada, Alexandre Paes dos Santos trabalhava para a divisão brasileira do laboratório suíço Novartis. Essa companhia travou batalha de um ano com José Serra, em torno do remédio Glivec, usado no tratamento de leucemia mielóide crônica (uma espécie rara do câncer no sangue, que ataca adultos).
O Glivec é um medicamento novo. Para entrar no Brasil, dependia de licença da Vigilância Sanitária. Mas a intenção não era só liberá-lo. A Novartis queria também abastecer o SUS com ele. Ocorre que, desde que a negociação começou, há um ano, José Serra achava o remédio muito caro. O Novartis cobrava US$ 2.400 por paciente/mês. Enquanto discutia-se preço, o secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem, não assinava a portaria liberando a rede credenciada ao SUS para o Glivec.
Por causa disso, chegou a enfrentar uma manifestação de leucêmicos no saguão do ministério, organizado pelo Núcleo de Apoio ao Paciente com Câncer (Napacan). Segundo o Ministério da Saúde, o Napacan é uma organização não-governamental financiada pelo Novartis. Os manifestantes diziam que o governo não podia ficar discutindo preço de remédio enquanto eles perdiam a saúde.
O imbróglio só foi resolvido no dia 18 de setembro passado. A pedido de Serra, o presidente mundial do Novartis, Daniel Versallas, veio ao Brasil e aceitou vender o Glivec ao SUS a US$ 1.620 por paciente/mês e ainda tratar de graça 250 doentes pobres. A partir do próximo ano, o remédio poderá ser comprado nas farmácias e será usado pelos hospitais do SUS.
Os bastidores da história é que estão sendo investigados pela Polícia Federal. No dia 6 de setembro, a jornalista e empresária Alba Chacon, que presta serviços ao Ministério da Saúde, foi ao escritório de Alexandre Paes dos Santos para uma reunião de trabalho.
História estranha
No dia 19 de setembro, duas semanas depois do encontro com o lobista e dia seguinte ao acerto entre José Serra e Daniel Versallas, Alba procurou o coordenador de Comunicação do Ministério da Saúde, José Roberto Vieira da Costa, o Bob, e contou uma história estranha.
Disse que Alexandre Paes dos Santos mostrou-lhe uma fita cassete e falou que ali fora gravada uma conversa na noite do dia 14 de agosto, no restaurante Trastevere, localizado na quadra 115 Sul. Nela, o secretário Renilson Rehem pediria US$ 500 mil em nome do ministro José Serra ao presidente do Novartis no Brasil, Antonio Andreas Strakos. Em troca, prometia assinar a portaria abrindo o SUS ao Glivec.
No dia 27 de setembro, Bob contou ao ministro José Serra a história que ouviu de Alba. Serra enviou representação ao Ministério Público, pedindo que o caso fosse investigado. O subprocurador-geral da República, José Roberto Santoro, mandou que a Polícia Federal abrisse um inquérito e pediu a Justiça autorização para fazer uma busca no escritório de Alexandre Paes dos Santos. Foram apreendidas a agenda do lobista e nove fitas cassete. A agenda, segundo a PF, revelou os nomes dos supostos informantes de Paes dos Santos, no monitoramento a Rehem e Vecina.
Se for comprovada e totalmente identificada, a Polícia Federal acredita que a rede de informantes envolve uma dezena de servidores do Ministério da Saúde. Essas pessoas, de acordo com os policiais, receberiam dinheiro em troca do ‘‘serviço’’.
Pelo menos em um caso a PF garante já ter provas. Eles abasteceram cinco suspeitos com informações falsas a respeito da investigação sobre o caso de extorsão. Cada uma das informações falsas continha uma espécie de código, de forma que se vazassem, automaticamente revelariam quem as repassou. ‘‘Às 23h30 da última quinta-feira, nosso plano deu certo. Pegamos o primeiro, que já está afastado das funções’’, conta o agente. O nome da pessoa, segundo ele, será mantido em sigilo para não atrapalhar as investigações.
Laboratório ataca
O diretor do Departamento Jurídico do laboratório Novartis, Nelson Mussolini, disse ontem que fará uma interpelação extrajudicial contra o lobista Alexandre Paes dos Santos. Quer que ele confirme as informações que lhe são atribuídas pela revista Veja desta semana. Segundo Veja, Paes dos Santos confirmou em entrevista que o presidente do Novartis no Brasil, Antonio Andreas Strakos, jantou com o secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem, no restaurante Trastevere, na noite do dia 14 de agosto.
Andreas Strakos, por seu lado, disse ao Correio que não jantou com Rehem e que sequer o conhece. ‘‘Jantei nesse restaurante no dia 14 de agosto, com um amigo meu’’, afirma o executivo, brasileiro descendente de tchecos. Ele se nega a dizer o nome do amigo. ‘‘Não vou envolvê-lo nesse assunto.’’
Fundamental
O jantar do Trastevere é tão importante porque, de acordo com a representação enviada ao Ministério Público Federal pelo jornalista José Roberto Vieira da Costa, coordenador de Comunicação do Ministério da Saúde, o lobista Alexandre Paes dos Santos disse que nesse encontro Renilson Rehem tentara extorquir Strakos, pedindo-lhe US$ 500 mil para o caixa da campanha presidencial do ministro Serra.
Nelson Mussolini, do Novartis, informou também que a interpelação ao lobista será apenas o primeiro passo.
Dependendo do que ele disser, o laboratório ‘‘tomará as medidas judiciais cabíveis’’.
Sobre o assunto, o Ministério da Saúde divulgou nota oficial de dez linhas. Nela, acusa Alexandre Paes dos Santos de ter atacado os assessores do ministério de forma ‘‘inconseqüente e leviana’’. E conclui: ‘‘Talvez fosse melhor para o sr. Alexandre Santos explicar à Polícia Federal e ao Ministério Público sobre suas atividades, que parecem não ser tão lícitas assim, antes de fazer — mais uma vez — acusações indevidas e sem provas’’.
O caso já chegou ao Congresso. Segundo o líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), Alexandre Paes dos Santos será convocado pela Comissão de Fiscalização e Controle Financeiro. O deputado vai propo r uma ampla investigação sobre o caminho dos lobistas nos gabinetes de Brasília.
Pinheiro não descarta sequer a possibilidade de convocar o ministro da Saúde, José Serra e seus assessores. Ele também pretende investigar o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, a sua equipe. Os dois assessores mais próximos do ministro estão envolvidos em denúncias de remessa ilegal de dólares ao exterior. (UB)
‘‘Jantei no Trastevere no dia 14 de agosto, com um amigo meu. Mas não vou envolvê-lo no assunto’’
Força sindical quer testar seu poder
A Força Sindical quer mostrar que tem força, mesmo diante de todas as denúncias envolvendo seu fundador, o deputado Luiz Antônio Medeiros (PL-SP), em desvio de dinheiro da instituição. Hoje, seus dirigentes planejam reunir dez mil pessoas em passeata pela avenida paulista até a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A manifestação é por reajustes salariais de 15%, garantia do emprego, participação nos lucros, piso único de R$ 500,00 para três milhões de trabalhadores e redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.
Erundina: ‘‘sem aventuras’’
O governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PSB) -foto- , aproveitou o congresso estadual do PSB paulista para lançar a candidatura da deputada Luiza Erundina (PSB) ao governo de São Paulo em 2002. Garotinho quer um palanque forte no estado para impulsionar seu nome na sucessão presidencial. Ele disse que tem dedicado um dia por semana a encontros políticos em São Paulo e pretende visitar mais o estado, quando se licenciar do governo para concorrer ao Planalto. Erundina, no entanto, não se mostra muito animada a disputar o governo estadual. Prefere concorrer à reeleição para a Câmara dos Deputados. ‘‘Não tenho mais tempo para aventuras’’, disse ela.
País das mulheres
Mostra no National Museum of Women in Arts, em Washington, reúne obras de artistas nacionais que recontam a história do Brasil pela ótica feminina
Washington — Susan Fisher Sterling comanda a curadoria de um museu politicamente correto. O National Museum of Women in Arts ocupa uma esquina do centro da capital norte-americana e é o único no mundo cujo acervo tem apenas obras de mulheres. Desde quarta-feira passada, a curadora subverteu timidamente o perfil do museu ao incluir, numa exposição de artistas brasileiras, obras de quatro homens. ‘‘Chamamos isso de uma pequena transgressão’’, explicava Susan na noite de abertura.
Território Virgem: Mulher, Gênero e História na Arte Contemporânea Brasileira, montada por Susan e os brasileiros Berta Sichel e Franklin Pedroso, faz um retrato conciso da arte contemporânea brasileira dentro da temática proposta. Os 70 trabalhos reunidos no primeiro andar do museu, que já foi um templo maçônico, pretendem mostrar como as 22 mulheres brasileiras e os quatro homens interpretam a figura feminina na história do Brasil pós-colonial.
Susan começou a pensar na exposição há dois anos. Já havia feito uma experiência em 1994, quando levou ao museu nomes como Ligia Clark, Mira Schendel e Leda Catunda para uma mostra com enfoque no legado construtivo da arte brasileira. Quis repetir a idéia, mas com nova temática. Comemorar os 500 anos do Descobrimento fazia parte dos seus planos, daí o título da mostra.‘‘São quatro os temas abordados. Queremos falar de como a idéia de descoberta do território e da virgindade estão conectadas, da questão social, política e da mistura cultural’’, revela a curadora. ‘‘ Queríamos obras que falassem da história do país, mas que não fossem didáticas nem folclóricas’’, completa Berta Sichel.
Surpresas e diversividades
Nomes já conhecidos, como Adriana Varejão, autora da pintura Figura de Convite impressa na capa do catálogo, e Ana Bella Geiger dão início ao circuito. Mas é na seqüência que estão as surpresas. A instalação A Ponte Impossível, de Sandra Cinto, é uma metáfora das dificuldades de relacionamento entre homens e mulheres e fazem par com os Poemas Visuais, de Lygia Pape. Mais adiante, O Gabinete de Suvenires, de Oriana Duarte, mapeia as recordações da autora por meio de papéis e objetos recolhidos durante viagem pelo Brasil. Arroz e Feijão, instalação de Anna Maria Maiolino, ocupa uma sala inteira. Em mesas de jantar com louças sofisticadas, repousam pratos de arroz com feijão. A obra data de 1978 e pretende comentar a fome e a miséria durante o período da ditadura militar brasileira. ‘‘Ninguém lembrava dessa instalação, ela foi montada duas vezes e nunca mais’’, revela Berta.
Na sala seguinte, está uma série de desenhos de Rosana Paulino. Na forma de um diário, as imagens contam os passos da descoberta de uma doença no útero da artista. A mesma sala abriga o primeiro homem da exposição. Nelson Leirner participa com a reprodução da Santa Ceia. ‘‘Escolhemos homens que tratam de questões femininas’’, conta Susan Fisher, lembrando que o vídeo de Humberto Mauro exibido na mostra fala da exclusão do índio — fundamental para a formação social brasileira.
Artigos
O dominó argentino
Rubem Azevedo Lima
A política, atividade nobre de que é capaz o ser humano preocupado em realizar as aspirações do povo, torna-se no Brasil cada vez mais um jogo de regras feitas ao sabor dos interesses escusos ou de esquecimentos daquele dever.
Sob o atual governo, o país fez duas conquistas espantosamente negativas: a pior distribuição de renda em toda a América Latina, com os catastróficos efeitos sociais que disso resultam, e o sistema financeiro mais rendoso do mundo, pelos juros escorchantes que aqui se cobram.
Em sete anos, entre outros maus resultados, aumentamos nossas dívidas públicas externa e interna; os desníveis regionais e sociais; a desnacionalização de empresas; o desemprego. Os salários dos civis foram congelados e adiadas certas vantagens prometidas aos militares. Há greves insolúveis nas universidades e na Previdência Social. Sobreveio, então, por imprevidência do governo, a crise de energia, o que causou menos produção e ainda mais desemprego.
Vieram, depois, o terrorismo em escala mundial e a guerra dos EUA ao Afeganistão, engajando em maior ou menor escala cada um dos países integrantes do G-8, julgados os mais ricos do planeta. Para onde vamos, sem recursos do G-8?
O que fazem os responsáveis pelos destinos do Brasil? O governo ignora as greves infindáveis e, para não atender aos grevistas e brasileiros de salários aviltados, alega que nossa economia não se reajusta ao dólar. Mas isso não vale para os concessionários de energia elétrica. Os consumidores ouviram os apelos do governo e pouparam eletricidade. Com isso reduziram os lucros daqueles. A crise de energia é provisória? Dizem que é, mas, se quem a vende não quer ter prejuízo, quem a compra que tenha. Os que não pouparam energia foram multados. Agora, esses e os dedicados poupadores terão de dar mais dinheiro aos concessionários.
E os políticos? Além do papelão de tantos, no reajuste das próprias pensões, outros, segundo um ministro, fazem ‘‘tititi e caraminholas’’ na sucessão presidencial. Na verdade, fizeram uma proposta indecente que ofendia a opinião pública e atingia as instituições democráticas. Tudo por ambição ou para destruir os adversários.
Esses merecem o efeito dominó do voto de protesto, com o qual os argentinos varreram, agora, o lixo da vida pública de seu país. Por que os brasileiros não fazem o mesmo? Em urnas eletrônicas. Sem cacarecos virtuais, mas com o prazer — ou o consolo — de detonarem os da vida real que os afligem para elegerem gente melhor.
Editorial
Bioterrorismo
Nova frente contra o terrorismo está aberta nos Es tados Unidos desde o último dia 5, quando o editor de fotografia do jornal The Sun, da Flórida, morreu contaminado por antraz. Já são quase cinqüenta os casos de pessoas atacadas pelo bacilo, entre as quais funcionários dos gabinetes dos senadores Tom Daschle (Dakota do Sul), Russel Fengold (Wisconsin) e uma assistente do apresentador Dan Rather, da rede de tevê CBS News. A correspondência é o meio que tem sido utilizado para disseminação da moléstia.
A colossal mobilização investigativa da polícia federal, o FBI, até agora não conseguiu reunir provas para vincular os ataques à rede terrorista Al Qaeda, comandada por Osama bin Laden. É fácil imaginar as dificuldades enfrentadas pelos contingentes policiais para identificar a origem da conspiração. O inimigo usa métodos tortuosos, age de forma sorrateira, mantém-se na sombra, oculta-se em meio a uma população multirracial de mais de 260 milhões de pessoas.
Uma onda de pânico se ergue a cada dia com maior ímpeto sobre o terrirtório norte-americano. Afinal, qual o risco potencial do antraz? A moléstia é transmitida por bacilo próprio que provoca infecção grave. A contaminação pode ocorrer por contato direto, ingestão ou aspiração. Porém, uma vez atacada após diagnóstico oportuno, é curável com facilidade. Não resiste às terapias com sulfamida, penicilinas ou outros antibióticos. Assim garantem os mais autorizados especialistas em enfermidades do gênero, como Sebastião Prado Sampaio, professor emérito de dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A psicologia humana, ensinam as lições colhidas do comportamento social, é muito mais sensível aos apelos do medo do que às certezas da ciência. A ofensiva bacteriológica desfechada pelo terror, seja lá qual for a bandeira sob a qual se abriga, assentou aí a sua lógica. E colhe no rastro da operação sinistra o pavor de um povo que, até 11 de setembro, julgava-se a salvo de qualquer ameaça.
O sóbrio Washington Post, um dos mais acreditados diários do mundo, registra o fenômeno em sua dimensão real. E adverte que o sentimento de impotência diante do bioterrorismo cria sérias perplexidades na Casa Branca. É notório, como reconhece o jornal, a falta de unidade no discurso dos líderes governamentais no tratamento da questão. Assim, mina-se cada vez mais a resistência moral do povo.
Washington lida com um tipo de agressão pelo visto ignorado em sua estratégia de segurança. Contudo, da própria administração das tragédias sempre se recolhe experiência apta a superá-las. Aí está desafio aos Estados Unidos tão grande quanto os assaltos militares contra os antros terroristas no Afeganistão.
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10/22/2001
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