Temer vence, mas oposição cresce no PMDB



Temer vence, mas oposição cresce no PMDB Governistas derrotam chapa de Maguito por margem mais estreita do que o previsto O deputado Michel Temer (SP) é o novo presidente do PMDB. Ele venceu o senador Maguito Vilela (GO), que só entrou na disputa para evitar uma derrota humilhante do governador Itamar Franco (PMDB), mas acabou surpreendendo os independentes e governistas do partido que contavam com uma vitória acachapante de Temer. Foram 411 votos pró Temer, contra 244 dados a Maguito, em uma proporção de 62% contra 38% dos votos, respectivamente. Mas como a proporcionalidade só vale para a composição do diretório nacional, o resultado produzirá uma segunda batalha, desta vez pelo controle da executiva nacional que será eleita pelo novo diretório. Os partidários de Temer, que na véspera contabilizavam 76% dos votos dos convencionais, não estão dispostos a dividir o poder com os itamaristas apoiados pelos grupos de Maguito e Orestes Quércia. "Eu defendo uma executiva puro sangue", resumiu o líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA). "Só presido o partido com o controle da executiva", emendou Temer, com a tranqüilidade de quem obteve 44% dos votos do diretório paulista, mas acabou alijado da executiva estadual, composta integralmente por quercistas. A despeito das previsões de pancadaria entre partidários da candidatura Temer e os "itamaristas" aliados aos militantes do MR8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), que apoiavam o senador Maguito Vilela, a convenção também acabou surpreendendo positivamente os dois lados, pela civilidade. "Mas não foi por falta de provocação", desabafou o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha (PMDB), revelando que não foi fácil conter seus correligionários, revoltados com o golpe aplicado por Maguito, na presidência do encontro. Derrotado na reunião da executiva nacional que decidiu incluir na pauta da convenção as eleições prévias para escolher o candidato do PMDB na corrida presidencial em janeiro de 2002, Maguito fez uma manobra para "corrigir" a derrota na convenção: embutiu na cédula de votação a proposta do agrado de Itamar, de realizar as prévias no mês que vem, com o imediato desembarque do governo. O senador goiano anunciou a votação de uma moção propondo a antecipação das prévias e, mesmo sem votá-la, considerou-a aprovada e modificou a cédula de votação. A troca pela nova cédula que já estava pronta, incluindo as duas datas de prévias, foi feita com a votação em curso. Tanto que Temer, um dos primeiros a votar, foi brindado com a primeira cédula, constando apenas a proposta de prévias em 20 de janeiro. Os governistas e independentes que haviam definido a data de 20 de janeiro preferiram engolir o sapo a tumultuar a convenção, impedindo que a votação prosseguisse com a nova cédula. "Queriam nos provocar para que a gente partisse para a pancadaria, mas não caímos nesta", resumiu o líder Geddel. Ao final, o sapo valeu a pena. As prévias em janeiro foram aprovadas por 344 convencionais, contra apenas 158 votos em favor da antecipação da consulta para o mês que vem. Vencida esta batalha, os governistas que hoje apóiam a o nome do senador Pedro Simon (RS), planejam investir na candidatura presidencial do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), contra Itamar. A idéia é repetir o PFL no lançamento da governadora Roseana Sarney (MA) na corrida presidencial, usando os 57 comerciais de 30 segundos cada um, que o PMDB tem o direito de veicular em horário nobre como propaganda eleitoral gratuita. Moções atingem Jader, Quércia e Estevão Textos sugerem que acusados de desvio ou de malversação de recursos públicos deixem legenda BRASÍLIA - Antes da votação que definiu o novo comando do partido, a convenção nacional do PMDB aprovou duas moções que criam constrangimentos a três chefões da legenda cercados de suspeitas de corrupção. Tomados ao pé da letra, os textos recomendam o afastamento do presidente licenciado do Senado, Jader Barbalho (PA), do ex-governador Orestes Quércia (SP) e do senador cassado Luiz Estevão (DF). A primeira moção sugere que deixem o partido todos os filiados acusados de malversação ou desvio de recursos de bancos estaduais - caso de Jader, cujo mandato no Congresso está por um fio, diante das evidências cada vez mais numerosas de ter se beneficiado fraudulentamente, no tempo em que era governador, de dinheiro do Banpará. O alvo do autor do texto, o deputado Nelo Rodolfo (SP), era Quércia, apontado como o principal responsável pela ruína que levou o Banespa à intervenção federal. A segunda moção condena os membros do partido que estejam sendo julgados por desvio de recursos públicos, como Estevão, acusado de integrar uma quadrilha dedicada a desencaminhar verbas destinadas às obras superfaturadas do edifício do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. Aprovadas "por aclamação", ou seja, sem contagem de votos, as moções são, por natureza, peças mais retóricas do que de efeito prático. Os textos serão agora avaliados pela nova comissão executiva do partido, que poderá levá-los adiante ou, o que é mais provável, engavetá-los. "No caso de Jader, seria melhor esperar pelo julgamento do Conselho de Ética do Senado", disse o senador Roberto Requião (PR). "Embora haja evidências de desvios no Banpará, é melhor evitar esse tipo de punição sem a conclusão do processo." Preocupação idêntica manifestou o também senador Cassildo Maldaner (SC). "Por essa esteira podem ser alcançados companheiros que vão ficar sem direito de fesa", afirmou. Mesmo que as moções não dêem em nada, o isolamento de Jader ficou evidente durante a convenção. O outrora poderoso presidente do partido não compareceu ao evento e seu nome não foi citado em nenhum dos discursos. Itamar muda tática e poupa governistas Estratégia é adotada para convencer ala da legenda a apoiar seu projeto presidencial BRASÍLIA - O governador de Minas Gerais, Itamar Franco, mudou de estratégia em plena convenção do PMDB. Ele era esperado na condição de oposicionista ao governo, mas além de não estimular as desavenças, deixou claro que vai buscar o apoio de aliados do Palácio do Planalto para ser escolhido o candidato do partido à Presidência. O novo estilo de Itamar, que foi ovacionado pelos convencionais, foi reforçado por um fato inédito: pela primeira vez, ele esteve em Brasília e não criticou o presidente Fernando Henrique Cardoso e seus auxiliares. O governador não deu declarações quando chegou ao Distrito Federal e, ao embarcar, uma hora depois, limitou-se a dizer que "no fulgor dos acontecimentos, nem general em guerra fala". O vice-governador Newton Cardoso, que no dia anterior havia ameaçado "baixar o nível" na convenção, também amenizou os seus ataques. Embora tenha chamado os convencionais governistas de "delegados de algibeira", ele desistiu do confronto e garantiu não estar previsto acordo algum no encontro que Itamar terá hoje com o presidente do PDT, Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. De acordo com o deputado Hélio Costa (PMDB-MG), o caminho do governador mineiro é tentar conquistar apoio das duas correntes do partido para ser candidato nas prévias do PMDB. "Nos contatos que estamos tendo, todos os peemedebistas falam dele como único nome com chance de se eleger presidente ", justificou. Racha - O projeto presidencial de Itamar, apesar dos eventuais apoios já conquistados, racha os governistas. O ministro da Integração Nacional, Ramez Tebet, e o secretário do Desenvolvimento Urbano, Ovídio de Angelis, disseram que estão dispostos a aceitar o candidato que for escolhido pelo partido. "Hoje, o meu voto é do Simon, mas se Itamar me convencer, eu voto nele", afirmou Tebet. Para Ovídio, o partido não pode fazer restrições a militantes e filiados, "notadamente quando se afloram numa convenção não só as paixões, mas também as razões e motivações políticas". Já o deputado Michel Temer (SP), eleito presidente da legenda, e o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, deixam claro que resistem a essa idéia. Para Temer, Itamar só terá chance de ser o escolhido do PMDB se adotar o procedimento que deve ser seguido por todos os filiados "de servir ao partido e não o de se servir do partido". No entender de Jarbas, a avaliação que deve ser feita não se restringe ao PMDB, mas, sim, em saber se os eleitores querem ou não elegê-lo. Queda - A chegada de Itamar à convenção foi triunfal. Ele foi o último dos principais dirigentes do partido a chegar ao Colégio Maristas, pouco depois das 11 horas, acompanhado pelo vice-governador Newton Cardoso e deputados mineiros. De um lado, a torcida do senador Maguito Vilela (GO) aplaudia e gritava: "Itamar é o guerreiro do povo brasileiro". Os partidários de Temer, por sua vez, responderam com vaias a Itamar. Sua chegada interrompeu por quase dez minutos o discurso de Temer, que pregava a unidade do partido depois da convenção. Delegados da convenção subiram nas cadeiras para ver melhor a entrada de Itamar. Um deles perdeu o equilíbrio e foi ao chão. Depois de cumprimentar o governador mineiro, o senador Amir Lando (PMDB-RO) definiu a cena da queda com a seguinte frase : "O poder é o poder, só a sua perspectiva já resulta nisso aí". Itamar não discursou e deixou o ginásio pouco antes do início da votação. De volta à CPI hoje, Maluf vai ter de explicar ligações Vereadores querem 'sufocar' ex-prefeito com perguntas sobre chamadas para o exterior O ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) será ouvido hoje pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a dívida pública do município, mas os vereadores estão mais interessados em saber sobre a conta bancária da Ilha de Jersey e os telefonemas internacionais realizados pelo pepebista. Durante o feriado, os sete vereadores que integram a comissão examinaram a longa listagem de ligações efetuadas por Maluf por meio de celulares e linhas fixas. Os vereadores acreditam que poderão "sufocar" Maluf com indagações sobre contatos que teriam sido mantidos com escritórios de advocacia especializados em criação de empresas offshore, consultores financeiros e instituições bancárias. O vereador Eliseu Gabriel (PDT) disse que é muito elevado o número de ligações de Maluf para paraísos fiscais. A vereadora Ana Martins (PC do B), que preside a CPI, sustenta ter informações de que Maluf fez "inúmeras ligações para Jersey". O ex-prefeito desafiou a vereadora a apontar as datas e o tempo de duração dos telefonemas. Maluf nega possuir ativos no exterior. Entre 1998 e 2000, foram completadas 153 chamadas para os Estados Unidos a partir de três celulares - dos quais apenas um está em operação - registrados em nome de Maluf. A informação consta do relatório produzido pelo Departamento Jurídico da Telesp Celular. Pela BCP, houve outras 49 ligações para os Estados Unidos. Entre os números que recebeu ligações está o da Financial Inovation, agência norte-americana que se dedica exclusivamente a instruir investidores estrangeiros sobre movimentação e proteção de valores. Também foram feitas 295 ligações para a França, 381 para Portugal, 104 para Dominica (Caribe) e 143 para Serra Leoa (África) - país paupérrimo entre a Guiné e a Libéria onde se encontram as maiores jazidas de diamante do mundo. Foram realizadas chamadas para a Itália, Bahamas, Aruba, Mônaco, Emirados Árabes e outras localidades. A primeira etapa da análise promovida pelos vereadores empenhados em descobrir para onde o ex-prefeito ligou consistiu em separar números incompletos e "contatos de ordem pessoal ". Uma das preocupações dos vereadores é evitar cair em alguma "cilada". "As linhas podem ter sido usadas por outras pessoas", admite um dos vereadores da CPI. Transferência - Promotores de Justiça e procuradores da República que investigam Maluf já identificaram chamadas para a Suíça. O Ministério Público Estadual obteve a quebra do sigilo telefônico e bancário do ex-prefeito e de familiares dele - a mulher, Sylvia, os quatro filhos (Flávio, Otávio, Lina e Lígia) e uma nora, Jacquelline. O pedido de acesso aos dados confidenciais de Maluf foi feito pelos promotores Silvio Antonio Marques, Nilo Spínola Salgado Filho e Sérgio Turra Sobrane. Para eles, "a quebra do sigilo telefônico se mostra necessária para que seja possível verificar se os investigados entraram em contato com as instituições financeiras ou pessoas da Suíça e Jersey". O juiz-corregedor Maurício Lemos Porto Albes autorizou o rastreamento a partir de janeiro de 1993, quando Maluf tomou posse na Prefeitura. O Ministério Público suspeita que o ex-prefeito movimentou quantia superior a US$ 400 milhões em instituições financeiras sediadas em paraísos fiscais. Segundo procuradores federais e promotores de Justiça que investigam a origem dos ativos de Maluf depositados no exterior, "existem indícios" de que saiu da Suíça a maior parte do volume de recursos da conta do pepebista no Citibank da Ilha de Jersey. A informação sobre a transferência de recursos da Suíça foi transmitida pelo inspetor da Polícia Financeira de Jersey David Minty e confirmada pelo procurador-geral da ilha, Willian James Bailhache. Para os promotores e procuradores federais, "a informação pode indicar que a conta de Jersey foi abastecida a partir de outras fontes". Estevão vai depor novamente no processo do Fórum O senador cassado Luiz Estevão será ouvido novamente no processo que apura o desvio de verbas da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo. O depoimento está marcado para sexta-feira. Ele e o juiz Nicolau dos Santos Neto são acusados de envolvimento no escândalo e deveriam ter sido ouvidos no dia 27 de agosto, mas o juiz da 1.ª Vara Criminal Federal, Casem Mazloum, adiou os depoimentos a pedido da defesa. Eles já haviam sido ouvidos na ação, mas o Ministério Público Federal pediu um segundo depoimento por causa do acréscimo de novos documentos Assembléia de SP cria fundo de despesas Objetivo é garantir recursos que independem do Orçamento para modernização da Casa A Assembléia Legislativa de São Paulo criou o Fundo Especial de Despesa, que deve garantir à Casa verba estimada em até R$ 50 mil mensais. Segundo o projeto de lei, que depende de sanção do governador Geraldo Alckmin (PSDB), os recursps serão usados para "modernização administrativa, aperfeiçoamento profissional dos servidores, programas de esclarecimento à sociedade acerca das atividades da Assembléia e aquisição de serviço e material necessários ao desenvolvimento das atividades do Poder Legislativo." O objetivo da medida é administrar melhor os recursos da Casa que não dependem do Orçamento, normatizando sua arrecadação e seu uso. O fundo faz parte da operação iniciada para melhorar a imagem da Casa, assim como a criação de roteiros temáticos de votação. A direção da Assembléia também promete reduzir as sessões extraordinárias - que hoje funcionam como uma espécie de 14.º salário - e aprovar resolução obrigando os deputados a prestarem contas sobre a verba de gabinete, de R$ 12 mil mensais. A principal receita do fundo, estimada em R$ 12 mil, virá da cobrança de aluguel de três postos de atendimento bancário (Nossa Caixa, Banco do Brasil e Banespa) e dois caixas eletrônicos (Nossa Caixa/Banco 24 Horas e Itaú). Hoje, o pagamento é simbólico, na forma de doaçaõ de livros e mantimentos para a creche da Assembléia. O fundo deverá ser recheado ainda com a venda de bens e materiais que deixaram de ser usados, doações, valores cobrados para inscrição em concursos de ingresso ao quadro de servidores e aplicações financeiras, entre outras fontes. "Todos as instituições do poder público têm esse tipo de fundo para receber e administrar recursos paralelos ao Orçamento", afirma o presidente da Assembléia, Walter Feldman (PSDB). "De imediato, nosso interesse é oferecer cursos de reciclagem para nossos servidores." Em 2001, a Assembléia gastará R$ 270 milhões, dos quais R$ 230 milhões serão destinados ao pagamento de funcionários e R$ 40 milhões às demais despesas. Diante desses números, a previsão de verba do fundo - até R$ 600 mil por ano - é pequena, mas a expectativa da Mesa é que ele garanta flexibilidade para arrecadar e aplicar recursos. O fundo será administrado pela Mesa, mas será auditado por um Conselho Fiscal formado por integrantes de todos os partidos e um contador e presidido por um procurador do quadro de servidores da Assembléia. "Além disso, ele estará sujeito à auditoria do Tribunal de Contas do Estado", afirma o primeiro-secretário da Casa, deputado Hamilton Pereira (PT). Com o fundo, os deputados querem criar vários espaços culturais e salas de convivência no Palácio Nove de Julho. Já negociam com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, por exemplo, a construção do Espaço da Cidadania. "Vamos abrir, devassar a Assembléia para que a sociedade participe", sustenta Feldman. Consumidor - Os deputados aprovaram o fundo na manhã de quinta-feira, na primeira sessão de votações temáticas, que analisou pacote de 14 projetos que tratam de defesa do consumidor. Um dos projetos aprovados, do deputado Carlinhos Almeida (PT), determina que fabricantes de produtos comercializados em São Paulo comuniquem 30 dias antes ao Instituto de Pesos e Medidas (Ipem) quaisquer alterações no tamanho ou peso de seus produtos. Outro projeto, do deputado Edson Aparecido (PSDB), institui o registro cadastral de todas as máquinas em operação na indústria metalúrgica do Estado. A idéia é promover um controle sobre máquinas envolvidas em acidentes de trabalho e criar condições para revisão de modelos com problemas. Todas as iniciativas ainda dependem de sanção do governador. A próxima pauta de votações temáticas deverá abordar as áreas de saúde e educação. Artigos Moralidade(s)? DENIS LERRER ROSENFIELD A vida política brasileira é uma caixa de surpresas. Que o presidente do Senado, Jader Barbalho, não fique ruborizado ao dizer que não se lembra de que fulano é seu amigo, ou de que depositou uma quantia significativa de dinheiro num banco, não deixa de espantar. No entanto, tudo indica que essa "falta de memória" não é mais admitida por esta nova cena democrática que se afirma entre nós. Politicamente, o seu propósito é claro: não cair em contradição, infringindo uma regra da Comissão de Ética e Decoro do Senado. A sua estratégia é reiterada, mas a indignação da opinião pública é crescente. O que acontece, porém, se uma parte dos que o criticam tão acirradamente emprega como método de governo o descompasso, se não a contradição, entre o dito e o feito? Refiro-me à atitude do PT nacional de criticar e de pedir CPIs para averiguar casos de corrupção e de financiamento de campanhas. Foi graças a atitudes desse tipo que os senadores ACM e José Roberto Arruda foram, com justiça, levados a renunciar. No entanto, a prática do governo petista do Rio Grande do Sul parece desmentir o que é pregado pelo PT nacional. Lula queixou-se de falta de comunicação do governo do Rio Grande do Sul, porém, por outro lado, suas recentes declarações favoráveis à legalização do jogo do bicho, defendendo o governador Olívio Dutra, parecem indicar um excesso de comunicação entre ambos. O PT tem sido muito rápido em denunciar comportamentos imorais e ilegais em outros partidos, tornando isso uma bandeira de luta. Esse trabalho foi tão bem feito que viemos a identificar o PT com a moralidade. Na opinião pública, essa identificação se tornou praticamente um dogma. Quem a denuncia está louco ou mal informado. Vejamos alguns fatos. Há uma CPI em curso na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Ela está averiguando, agora, o financiamento da campanha do PT para o governo do Estado. Mais especificamente, trata-se de sua suposta ligação com o jogo do bicho, como começa a vir a público. Sejamos claros: o provável financiamento da campanha do PT pela contravenção. Haveria indícios, também, de que essa "ligação" continuaria a existir. Contribuições não declaradas de empresários fariam ainda parte desse rol, cuja contrapartida seria a autorização para o uso de linhas públicas de ônibus intermunicipais. Há uma fita em que fala um ex-tesoureiro do PT, Jairo Carneiro, relatando, com minúcias, locais e nomes das pessoas envolvidas. Por exemplo, o dinheiro do jogo do bicho teria entrado por um "clube de seguros da cidadania", uma espécie de grupo de seguros gerenciado por alguns empresários, encarregados da coleta de "contribuições". O "clube", com esses recursos, teria comprado um prédio, que serviu como comitê da campanha de Olívio Dutra e, depois, se tornou a sede do PT estadual. Atualmente, esse prédio está cedido sob a forma de comodato ao PT. A fita, assinalemos, não incriminaria o PT como um todo, mas somente alguns setores coniventes com tais práticas. A fita, por razões desconhecidas, não veio a público, não tendo sido divulgada pela mídia. Ela foi entregue à Assembléia Legislativa e uma cópia, confiada ao dr. Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, como fiel depositário. O dr. Krischke tem pautado sua vida pública pela defesa dos direitos humanos e dos perseguidos. Notabilizou-se pela defesa de presos políticos durante a ditadura militar. Numa audiência da CPI, revelou o conteúdo da fita, desconhecida, até então, da maior parte dos deputados. O sr. Jairo Carneiro foi igualmente convidado para essa reunião e, para surpresa de todos, desmentiu o conteúdo da gravação, embora tenha confirmado a sua autenticidade. Segundo sua segunda versão, ele teria agido por "mágoa" e "ressentimento", ao ter sido expulso do PT por um suposto desvio de recursos (R$ 37 mil, oficialmente). Estranhamente, o PT nunca apresentou queixa-crime relativa a esse fato. A fita, no entanto, não parece ser a armação de uma pessoa "magoada". A fala do ex-tesoureiro seria fluente, espontânea e, sobretudo, precisa no que diz respeito aos fatos denunciados: as pessoas envolvidas, o lugar das reuniões, as somas utilizadas e o contexto "político" em que isso ocorreu. Mentiras, desmentidos e desmentidos dos desmentidos parecem ter-se tornado fatos corriqueiros da vida partidária brasileira. O caso do ex-senador José Roberto Arruda é particularmente exemplar. Que Lula venha agora dizer publicamente que o governador tem auxiliado a CPI causa espanto. Se isso é verdade, por que o "clube de seguros da cidadania" e os seus dirigentes lutam na Justiça para que não haja a quebra do seu sigilo bancário, fiscal, patrimonial e telefônico? Os deputados petistas estaduais defendem tais atitudes e reiteram continuamente que não há nada para ser investigado ali. Se não há nada, por que não permitir uma ampla investigação? Se não há nada escondido, não há o que temer. O que falta é a apuração dos fatos. O Tribunal de Justiça do Estado acaba de cassar uma liminar obtida pelo "clube de seguros da cidadania" e seus dirigentes para que o sigilo não fosse quebrado. Ora, os fatos devem ser averiguados, seja para inocentar o PT, seja para condená-lo. Isso não tem nada que ver com uma oposição entre "direita" e "esquerda", como o PT estadual se especializou em apresentar quaisquer discordâncias. Para aqueles que, como eu, sempre acreditaram na moralidade do PT, esses fatos são surpreendentes. Espera-se que o partido apresente elementos convincentes para esclarecê-los. O que está em questão é o que é - e deve ser - uma cena pública democrática, cujas regras valem para todos. Colunistas DORA KRAMER Sem unidade no "front" A expectativa em torno da convenção do PMDB hoje em Brasília é muito mais em razão das conseqüências físicas que possa gerar do que propriamente dos resultados políticos a que chegará. A não ser pela ação improvável do imponderável, são ínfimas as chances de o deputado Michel Temer perder a presidência do partido para o senador Maguito Vilela. O partido também aprovará a candidatura própria à Presidência da República e a realização de prévias para ungir o escolhido em janeiro. A mesma certeza já não se pode ter de que sobrará algum peemedebista vivo para contar a história da convenção. Exageros à parte, uma frase dita pelo deputado Marcelo Barbieri, aliado de Orestes Quércia e conseqüentemente partidário de Itamar Franco, dá bem a medida da disposição dos ânimos ao conflito. Como quem considera que uma vez perdido por um melhor perder logo por mil, Barbieri avisou que seu grupo vai "para o pau" e que lá hoje só haverá "gente experiente em convenção". Considerando a vulgaridade da primeira expressão, melhor nos atermos à afirmação seguinte do deputado, cuja forma é um pouco mais sutil, mas o conteúdo é o mesmo. Por "gente experiente em convenção" entenda-se que ao encontro comparecerão pessoas de prolongada vivência em embates onde o tamanho dos muques é inversamente proporcional à capacidade dos cérebros. Daí não ser difícil concluir que qualquer que seja a resolução política do encontro ela não terá a menor importância para a ala derrotada, pois o propósito não é o de seguir decisões partidárias. Ao grupo que, parece, sairá vencedor, também não interessa a inclusão dos adversários em seus projetos. Trata-se apenas de consolidar uma hegemonia interna conquistada na última grande reunião do partido, há três anos. Hegemonia esta abalada pelo desgaste do governo junto à opinião pública e ferida gravemente quando o partido ganhou a presidência do Senado, mas não levou os dividendos políticos da vitória porque Jader Barbalho nunca conseguiu assumir o cargo de fato. Nesse episódio, aliás, o PMDB levou foi na cabeça. E não parece nutrir o desejo de repetir a experiência. Por isso é que, impossibilidade de união posta como fava contada, às facções restará juntar os respectivos cacos da melhor maneira possível. Enquanto os - pelo menos até hoje - partidários de Itamar Franco terão de se ocupar da montagem do um plano B (sejam mesmo derrotados ou surpreendentemente vitoriosos), o chamado grupo governista tem uma tarefa imediata a cumprir. Prestes a obter um novo ganho político, precisarão enfrentar o problema Jader Barbalho de frente, e administrá-lo de forma a evitar outra vez uma vitória sem conseqüências vitoriosas. Nas discussões internas durante a semana, os partidários de Michel Temer chegaram à conclusão de que a abordagem do tema Jader - contornado até agora - terá de ser feita de forma clara, com todos os efes e erres. É provável que Temer o faça ainda na convenção, hoje mesmo. Se não, de amanhã não passa, até porque as cobranças virão. E a posição é a seguinte, resumida em frase do líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima: "Somos solidários ao pecador, não ao pecado." Isso quer dizer que o partido não entrará em considerações sobre o mérito das denúncias que atingem o senador. Mas também não vai adotar uma postura de indiferença ou rejeição a ele. "Afinal, não podemos ignorar que Jader foi deputado, governador, senador e presidente do Senado sempre eleito pelo PMDB. Não podemos dizer que não é nosso, que não temos nada a ver com ele", argumenta Geddel. Isso é uma coisa, pertencente ao terreno da conduta partidária. A outra, porém, é em relação às acusações. "Essas não podem ser incorporadas ao partido, cabe a ele fazer a própria defesa." Ou seja, o PMDB, resolvida a questão da sucessão de Jader Barbalho na presidência do partido, não se integrará ao clima de execração pública do correligionário, mas, pelo menos oficialmente, também não se movimentará para desqualificar, ou tentar tornar sem efeito, as provas que o Conselho de Ética apresentar contra ele. Os companheiros de Jader já desistiram também de tentar influir na decisão sobre renúncias (ao mandato e/ou à presidência do Senado) e a pretendida volta ao cargo do qual está licenciado. Será uma decisão pessoal de Jader Barbalho. O que não impede que o partido já esteja há muito conversando a respeito da sucessão em caso de vacância definitiva. De nomes, ainda não se fala publicamente. Mas líquido e certo é que o PMDB não abrirá mão da prerrogativa de voltar a ocupar a presidência do Senado, dada sua condição de bancada majoritária na Casa. A escolha, estão todos conscientes, terá de ser feita com precisão de ourives. Qualquer erro que impeça a perfeita aprovação do nome, interna e externamente falando, pode levar tudo de volta à estaca zero. Editorial Urgência para a reforma financeira O Supremo Tribunal Federal (STF) cobrou do Congresso, mais uma vez, urgência na regulamentação do artigo 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro. Esse recado foi transmitido aos parlamentares mais de 150 vezes. Aquele artigo proíbe, no parágrafo 3.º, a cobrança de juros reais superiores a 12% ao ano. Essa prática, definível como usura, deve ser punida "nos termos que a lei determinar". Essa lei não existe, embora a Constituição tenha entrado em vigor em 1988. Milhares de pessoas foram à Justiça, em mais de uma década, contra a cobrança de juros acima daquele teto. Os juízes, compreensivelmente, querem uma lei que lhes permita aplicar uma norma constitucional. O Congresso Nacional deve ao País bem mais do que essa lei, e não só por sua culpa. Executivo e Legislativo deixaram passar muito tempo, antes de se empenhar, com alguma seriedade, na regulamentação do artigo 192. Essa é uma tarefa de enorme complexidade. Ficou claro, desde cedo, que dificilmente se poderia cuidar do assunto com uma única lei complementar. Para elaborar mais de uma, no entanto, seria preciso emendar a Constituição. Para isso foi apresentada, em 1999, a Proposta de Emenda Constitucional n.º 53. Aprovada no Senado em junho daquele ano, sua tramitação na Câmara ainda não foi concluída. O texto foi aprovado numa comissão especial, dia 8 de agosto, e a votação final está prevista para este mês. Se não houver alteração no projeto, estará concluído o passo inicial para a regulamentação, por meio de várias leis, do artigo 192. Mais do que uma regulamentação, o que se espera é uma grande reforma financeira. Parte da reforma, segundo os planos do governo, será a mudança das condições de trabalho do Banco Central. Seus diretores deverão ter mandado e dispor de autonomia operacional para executar a política monetária. Outras mudanças deverão incluir novas normas para o mercado de capitais e novos procedimentos para liquidação de instituições financeiras. Não está claro, ainda, como será o tratamento do parágrafo 3.º do artigo 192, que trata dos juros. O mais simples, em princípio, seria eliminar a limitação de juros. Esse dispositivo é uma excrescência, que jamais teria aparecido se o bom senso tivesse prevalecido, sempre, no trabalho dos constituintes. Não é a única manifestação de tolo voluntarismo no texto constitucional. Mas é uma das mais graves, porque sua aplicação literal impediria, entre outras coisas, uma eficiente gestão monetária em situações de crise. A taxa de juros é um preço cuja formação depende não só de condições internas, mas também da situação externa da economia. A jurisdição brasileira ainda não se estende além das fronteiras nacionais. Depois, esse preço é também um instrumento de política econômica. Tabelar os juros é restringir, tolamente, as possibilidades dessa política. O governo pode, naturalmente, adotar políticas de financiamento diferenciadas para certos propósitos - para o crédito agrícola, por exemplo. Políticas diferenciadas, no entanto, podem ser, em alguns casos, sujeitas a normas internacionais, consagradas, por exemplo, pelos acordos de comércio. Legisladores em geral - e não só constituintes - deveriam ser mais atentos a esses dados do mundo real. A regulamentação do sistema financeiro já está muito atrasada, não há como negá-lo, e não só por causa da questão dos juros. Os juízes do STF podem ter excelentes razões para cobrar do Legislativo a regulamentação do artigo 192. Qualquer pessoa informada sobre as necessidades da vida econômica pode apontar, facilmente, muitos outros motivos para se apressar esse trabalho. Topo da página

09/10/2001


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