Testemunha conta a CPI que petista forjou recibos







Testemunha conta a CPI que petista forjou recibos
Depoimento aumenta suspeitas sobre doações de bicheiros para clube ligado ao partido no RS

PORTO ALEGRE – Um ex-funcionário do Clube de Seguros da Cidadania, Sílvio Gonçalves Dubal, afirmou ontem à CPI da Segurança Pública que o recibo de uma suposta doação sua para a compra da sede do partido, em 1998, foi forjado pelos dirigentes do clube, ligado ao PT gaúcho. “Nenhum valor saiu do meu bolso. Concordei que pusessem meu nome porque era funcionário.” Sobrinho do diretor de seguros do clube, Daniel Verçosa Gonçalves, ele disse ter sido ameaçado por dois desconhecidos para não depor.

Para a oposição, o depoimento é a peça que faltava para provar que a lista de doadores foi fraudada para encobrir a recepção de dinheiro de bicheiros ou de outra origem. “É mais uma testemunha de que o clube funcionava como fachada para esquentar doações”, disse o relator da CPI, Vieira da Cunha (PDT). “Se a origem do dinheiro fosse lícita, não estaríamos diante de um ‘laranjal’ como esse.”

Pela lista que o clube apresentou para provar a origem dos R$ 310 mil usados na compra do imóvel, Dubal teria doado R$ 500 em 30 de outubro de 98. No mesmo dia, mais sete contribuições, num total de R$ 15 mil, teriam sido recolhidas, até de diretores da entidade e do filho do governador Olívio Dutra (PT), Espártaco Dutra, que confirmou ter efetuado a doação.

Segundo Dubal, o pedido para assinar o recibo falso foi feito pela secretária do presidente do clube, Diógenes de Oliveira. “Na época, dona Janice comentou que outras pessoas fizeram o mesmo.” Em gravação de posse da CPI, Diógenes, que é petista, diz falar em nome de Olívio e pede ao então chefe de Polícia Civil Luiz Fernando Tubino tolerância com o jogo do bicho.

Estelionato – Dubal apresentou-se espontaneamente para depor – como o teor do que diria já era conhecido por alguns deputados, os petistas reclamaram de “armação”. Para o relator, porém, as investigações deixam em “situação comprometedora” Diógenes, Verçosa e Ana Ruth Fonseca Lima, diretora do clube, que devem ser citados por estelionato e falso testemunho. Pesará contra Diógenes, também, acusação de tráfico de influência.

Petistas contestaram a credibilidade da testemunha. “Esse senhor está movendo ação trabalhista contra Verçosa e não poderia estar prestando depoimento sob juramento, no máximo como informante”, disse o deputado Ronaldo Zülke. A deputada Jussara Cony (PC do B) duvidou da informação de que ele teria sido ameaçado. “O senhor deveria ter registrado queixa na polícia”, disse.

Os líderes nacionais do PT fazem hoje ato de desagravo a Olívio em Porto Alegre. Confirmaram presença o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da sigla, deputado José Dirceu (SP), o senador Eduardo Suplicy (SP) e o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues. Cerca de 130 ônibus deverão trazer militantes do interior.


Denúncias põem credibilidade em xeque, diz Tarso
RIO – O prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro (PT), considera “grave” a suspeita de ligação do governo gaúcho com o jogo do bicho, pois põe em xeque “um elemento central da credibilidade do PT”: a moralidade pública e a ética. “Temos de verificar que condições permitiram a um quadro com a responsabilidade de Diógenes de Oliveira dizer o que disse.”

A gravação, disse, “fornece aos adversários uma poderosa arma política.” Ele acha que cabe ao PT “mostrar à sociedade que o fato de eventualmente alguém cometer um erro não tira as características essenciais do partido de protagonista da defesa da ética”.
Tarso afirmou que a CPI da Segurança Pública é “instrumento de vingança” do PDT, que indicou o relator. “Temos sido rigorosos, quem sabe até eventualmente tenhamos passado das medidas em algum momento e hoje estamos recebendo o troco. Desproporcional, na minha opinião.”

O prefeito declarou-se contra a alternativa “tipicamente stalinista” de simplesmente expulsar Diógenes sem ouvi-lo. Mas é a favor de que, depois de ouvido, ele seja punido.
Apesar de considerar que a CPI “não está mais investigando a segurança pública, mas as finanças do PT”, Tarso quer que o partido reveja suas normas para recebimento de verbas de terceiros e citou a possibilidade de criação de uma secretaria de captação de recursos, controlada pelo PT.

Tarso acrescentou que, em 12 anos de governo petista em Porto Alegre, nenhum secretário ou dirigente foi processado por má versação de bens públicos ou corrupção. “Conheço o governador Olívio Dutra há 30 anos, tenho divergências e convergências com ele e sei perfeitamente que ele jamais faria isso”, declarou, referindo-se a um suposto envolvimento do governador com bicheiros.


Tasso critica 'jogo de carta marcada' no PSDB
Segundo interlocutor, governador está convencido de que FHC optou por Serra

BRASÍLIA - O governador do Ceará, Tasso Jereissati, está convencido de que o presidente Fernando Henrique Cardoso optou pelo ministro da Saúde, José Serra, para disputar sua sucessão pelo PSDB. "Isto é jogo de carta marcada e eu não me prestarei a este papel", desabafou a um interlocutor tucano ontem. "O Fernando Henrique está por trás disso", concluiu, inconformado com a recusa da executiva nacional do PSDB de abrir a seus pré-candidatos os comerciais de 30 segundos no rádio e na televisão, que a lei eleitoral garante ao partido. Numa entrevista em Fortaleza, Tasso disse, com ironia, que só Carmen Miranda poderia ser um nome de consenso entre os tucanos.
Segundo ele, é preciso haver mais "abertura, sinceridade e objetividade" por parte dos tucanos. "Eu, por exemplo, sou uma pessoa disciplinada, partidária. E qualquer regra que seja estabelecida, eu estou disposto a aceitar. Mas, não se pode ficar havendo confusões e, dependendo das conveniências de momento, mudando as regras", disse. "Todos os partidos, do PT ao PFL, usam seus horários gratuitos para apresentar seus potenciais candidatos. O PSDB não quer."

O convencimento de que o Palácio do Planalto joga contra ele na disputa partidária levou Tasso a fazer ameaças públicas de apoio à eventual candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL).
Na quarta-feira, o governador já havia se queixado da falta de união do PSDB que a seu ver poderá comprometer o partido nas eleições. "Se tiver que se consolidar e a candidatura for irreversível, ela, Roseana, é uma candidata e temos de abrir esta possibilidade... Coisas da vida", disse.

"Ele falou isso para deixar claro que não aceita que lhe imponham a candidatura de Serra", interpretou um correligionário muito próximo do governador. Segundo ele, Tasso não aceita a renitência dos "serristas" de adiar a definição do candidato e o início da campanha presidencial para março. A avaliação dos correligionários de Tasso é de que isto ocorre porque Serra não quer assumir sua candidatura para não ter de deixar o cargo antes de abril, prazo final para a desincompatibilização dos candidatos.

Corte - Mas Tasso não é o único descontente com a decisão da executiva tucana de ampliar aos líderes nacionais a participação nos comerciais que deveriam ser partilhados entre os pré-candidatos. O governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira (PSDB), gravou contrariado as imagens que serão aproveitadas pela direção nacional. "O absurdo é tamanho que não vão nos deixar falar no programa", queixou-se Dante. "Esta confusão tremenda é conseqüência da falta de comando de um partido que, em vez de se definir na sucessão, corta a palavra dos governadores."

Telefone - Em meio a tantos muxoxos, até o ministro José Serra, que participa de uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), no Catar, entrou no debate por telefone. Ele procurou vários interlocutores para negar que sua assessoria tivesse gravado um comercial em que o locutor apresentava seus feitos no ministério, diante da cadeira vazia do ministro que não tem tempo de fazer campanha, porque é muito ocupado.
"O PFL é que está fomentando estas intrigas", acusou Serra num dos telefonemas. "O Tasso só pode ter sido vítima de uma intriga porque a cena da cadeira vazia jamais existiu", reforçou em Brasília o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA).

Disposto a consolidar sua candidatura, Tasso embarcou, no início desta noite, para São Paulo. Amanhã ao meio-dia, fará palestra na sede da Nestlé.
Às 16 horas, será entrevistado pela jornalista Marília Gabriela, da Rede TV, e, em seguida, por Boris Casoy, na Rede Record.


Procurador de MS aponta desvios de R$ 140 mil do FAT
CAMPO GRANDE – Após a comprovação do desvio de R$ 140 mil do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em Mato Grosso do Sul, a Procuradoria-Geral da União no Estado decidiu abrir três inquéritos policiais e duas ações penais, para apurar o chamado Escândalo FAT, no governo de José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT. Ontem, o procurador Alexandre Gavronski informou que o montante foi distribuído em 38 cheques.

A Polícia Federal apura o envolvimento de um funcionário do Tribunal de Contas do Estado, que teria recebido R$ 102 mil por ter repassado dinheiro do FAT para empresas que ministram cursos profissionalizantes. Outro inquérito investiga os responsáveis pelo repasse dos cheques ao Movimento de Meninos e Meninas de Rua e o terceiro é sobre irregularidades na Secretaria do Trabalho.
As ações apuram improbidade administrativa no Tribunal de Contas do Estado, que aprovou as prestações de contas irregulares, pagas pelo FAT. A Justiça Federal autorizou a quebra do sigilo bancário de uma pessoa e do sigilo telefônico de uma empresa, cujos nomes o procurador não revelou porque os acusados ainda não foram indiciados pela PF.

Estão na lista de acusados o ex-secretário de Trabalho Agamenon Rodrigues e a ex-coordenadora de Comunicação Social, Sandra Recalde. Ambos pediram demissão em abril, quando surgiram as denúncias.


Lula e PT não se entendem sobre alíquota da CPMF
BRASÍLIA - O pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a bancada do partido não se entendem sobre a prorrogação da vigência da alíquota de 0,38% da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Enquanto Lula defende a cobrança dos atuais 0,38% até 2004, a maioria dos 59 deputados petistas quer manter a alíquota somente até dezembro de 2003 como "fonte de arrecadação" do próximo governo e reduzir, no ano seguinte, a CPMF para 0,1% - o que a transformaria num instrumento de combate à sonegação.

Segundo o líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), a posição é de bancada, aprovada em reunião na quarta-feira, um dia depois de Lula pregar, em Brasília, a manutenção dos 0,38% em 2004.
A decisão dos deputados petistas coincide com a idéia defendida pelo relator da proposta de emenda constitucional que prorroga a CPMF, deputado Delfim Netto (PPB-SP). O parecer de Delfim, que quer a CPMF somente até 2003 para forçar o próximo presidente a fazer uma reforma tributária, deve ser apresentado no dia 20 na comissão especial que discute o assunto. Depois de votado na comissão, possivelmente no fim do mês, o relatório terá de ser aprovado, em dois turnos no plenário da Câmara.

Pela proposta de Lula, a prorrogação da CPMF até 2004 - que rende R$ 20 bilhões ao ano - é fundamental para dar um ano de "folga" para o próximo governo reestruturar o sistema tributário.
Desta forma, o petista assume o mesmo discurso do governo Fernando Henrique, que pretende convencer a Câmara a prorrogar a atual alíquota até 2004.


Temer decide disputar prévias com Itamar
BRASÍLIA - O presidente nacional do PMDB, deputado Michel Temer (SP), anunciará na semana que vem que disputará com o governador de Minas, Itamar Franco, as prévias para a escolha do candidato do partido na corrida presidencial. Essa é a principal estratégia dos governistas que comandam o PMDB para isolar o governador mineiro no partido.
O presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, deixou o posto de assessor especial da Presidência para dedicar-se à campanha de Temer.

"Saio do governo para ter liberdade de defender minhas posições e enfrentar o debate político, porque queremos derrotar Itamar no voto, e não com manobras ou rasteiras", resume Moreira.
"A luta é esta e é uma luta aberta, porque ninguém quer que o Itamar leve o País para o Lula", completa o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), referindo-se à defesa que o governador fez da candidatura única dos partidos de oposição em 2002, com todos fechando em torno do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

O anúncio da candidatura Temer antes do feriado de 15 de novembro foi decidido na noite de quarta-feira, em reunião da cúpula peemedebista na casa do presidente do partido. A decisão do enfrentamento vem para envolver a militância do partido na luta interna, uma vez que o exército de peemedebistas em todo o País é o maior trunfo do partido nas eleições presidenciais. As pesquisas eleitorais de que dispõe o partido indicam que o PMDB é o segundo partido com cerca de 14% da preferência do eleitorado, atrás do PT, que conta com a simpatia de 20% dos eleitores.


Alckmin tenta acalmar ânimo de tucanos
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tentou acalmar os ânimos dos tucanos ao dizer que não acredita que o governador do Ceará, Tasso Jereissati, venha a apoiar a eventual candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), à sucessão de Fernando Henrique Cardoso.
"Isso é um equívoco. Não (acredito), de jeito nenhum."
Impaciente com o fato de o PSDB ter se recusado a abrir o programa eleitoral na TV e rádio a seus pré-candidatos, Tasso declarou publicamente que apoiaria a candidatura de Roseana, se ela conseguisse se consolidar como candidata.

Para Alckmin, o governador cearense é um dos "melhores nomes" do PSDB, mas caso não seja o candidato da aliança governista, deverá acatar a decisão tucana. "Certamente ele apoiará o nome do partido, já que tem história no PSDB", disse Alckmin que reiterou que a sigla tem muitas opções para candidatos.


Filho de Covas denuncia Renan por difamação
BRASÍLIA – O empresário Mário Covas Filho, filho do falecido governador Mário Covas, denunciou ontem o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), ao Supremo Tribunal Federal (STF) por difamação. Zuzinha acusa o senador de ter atingido sua honra, ao citá-lo numa carta publicada nos jornais em 1999. Na época, o então ministro da Justiça disse ter revogado licitação pois uma empresa, que teria ligação com Zuzinha, exigiu “escandaloso indexador em moeda americana”.


Artigos

Adeus ao grande chefe Paru
WASHINGTON NOVAES

No mesmo dia em que começava o julgamento dos quatro jovens que mataram o índio Galdino, noticiaram os jornais que morreu no Xingu o chefe Paru, dos yawalapitis.
Dá uma tristeza enorme, a compulsão de repetir, mais uma vez, a imagem usada por um diplomata da Unesco - referindo-se à morte dos velhos líderes africanos, mas válida para os líderes indígenas brasileiros: cada vez que desaparece um deles, é como se se houvesse incendiado uma biblioteca, se perdesse todo o conhecimento não escrito sobre a história de um povo, sua mitologia, suas relações com a vida e a morte, o conhecimento da natureza, seus hábitos, suas formas de ser, seus costumes, tudo.

Paru era um dos mais antigos chefes e líderes do Alto Xingu, ao la do de Malakuyawá, Narro, Takumã, Sapaim. Falava todas as línguas da área, era respeitado em todas as aldeias. Assistiu à chegada dos brancos, ajudou os irmãos Villas Boas a implantar os postos e pistas de pouso abertos na reserva. Criou cinco filhos, entre eles Aritana, seu sucessor, Piracumã e três filhas.
Chamou-se primeiro Tapirapuã Kanato. Quando nasceu o primogênito de Aritana, deu-lhe um dos nomes. Ao nascer o filho de Piracumã, deu o outro, ficou sem nenhum (no Alto Xingu não se repete nome). Gostava do nome Paru, que pertencia a um índio de outra aldeia. Negociou com ele, deu-lhe algumas coisas em troca do nome Paru, até arranjou outro para o doador - Iaí.

No primeiro dia do autor destas linhas no Alto Xingu em 1984, para gravar uma série para a televisão, Paru aproximou-se, perguntou o que fazia ali e logo estava contando um sonho que o impressionara: um homem muito velho descia do céu num carro coberto de estrelas e lhe contava que não morria - "Eu não sou filho de gente, sou filho de árvore", dizia. E perguntava o que eu achava do sonho.
Mal refeito da emoção de ouvir um sonho desses, de supetão, ouvi Paru comunicar que nos acompanharia, nos ajudaria, simpatizava conosco, gostava da idéia que nos movia, de mostrar a cultura do índio, do nascimento à morte. Pura gentileza.

E assim fez, durante semanas. Enquanto tudo explicava da cultura e dos costumes daquela gente, contava também que se casara três vezes. A primeira, com uma kamaiurá que o perseguiu no mato - ele fugira, apavorado - até que concordasse; a segunda, com uma irmã dela; a terceira, com uma prima. E sempre vivera bem com as três na mesma casa.
Paru narrava tudo com extrema simplicidade. Como a história do índio que entrou no mato e voltou doente, seco, definhando, pele e osso. Deitou-se na rede e avisou que não ia morrer, era só o tempo de "tirar as doenças".

Passados poucos dias, "deu um vento forte, um redemunho no meio da aldeia (redemunho é vento de espírito), rodou, rodou, entrou na casa do homem doente - e ele virou pajé" (um pajé é escolhido, recebe sinais, não escolhe).
Contava a história do índio que inventara a flauta longa, de taquara, e dizia que "ele voava". Ensinava o que fazer se aparecesse uma onça: "Ocê não corre. Faz bastante barulho, pisa nas folhas, finge que é muita gente, ela espanta, vai embora. Se ocê correr, ela corre atrás."

Paru dizia que índio não bate em filho, só se preciso para obrigá-lo caso ele, já adolescente, se recusar a seguir a tradição, não aceitar cumprir o período de reclusão para fortalecer o corpo, aprender a fazer rede, esteira, arco, flecha, conhecer a história e a tradição de seu povo. Muito menos bate em mulher: "Homem é forte; mulher, mole. Homem não pode bater no mais fraco."
Era um prova viva desse sistema político que o antropólogo Pierre Clastres tanto admirava - uma sociedade em que os indivíduos não delegam poder a ninguém, o chefe é o grande mediador de conflitos, o que melhor fala, mais sofre e mais sabe (a história do seu povo, suas tradições, por que cada costume social é o que é, as razões daquela divisão do trabalho), mas não dá ordens a ninguém; uma sociedade em que a informação é aberta, ninguém se apropria para transformá-la em poder político ou econômico, o que um sabe todos podem saber; uma sociedade em que todos são auto-suficientes, não dependem de ninguém para nada. Ele era um chefe assim, respeitado por seu povo.

Dizia que índio tem medo de morrer, mas ele não tinha. E explicava que a pessoa deveria ser enterrada com a face voltada para o Sol nascente, "para ser a primeira coisa que ela vê quando acorda". Mas "bicho, não; bicho deve ser enterrado virado para o outro lado, do Sol que acaba".
Não tinha medo porque "existe um céu, para onde nós todos vamos, índios e caraíbas (brancos), encontrar o pai, a mãe, o avô, a avó, o amigo".
Quando morreu Malakuyawá, o grande chefe waurá, um de seus netos contou, em Brasília, que ao chegar à aldeia, duas semanas depois, "ainda tinha um silêncio ali como se tivessem morrido umas 20 pessoas".

A aldeia dos yawalapitis deve estar assim, agora. E assim provavelmente ficará até o ano que vem, quando certamente fará uma grande festa do kuarup.
Na madrugada, depois de os yawalapitis haverem lamentado o morto ilustre durante toda a noite, diante dos troncos enfeitados com suas braçadeiras de penas e seu cocar, quando os pajés recolherem e enterrarem a cinza da fogueira que terá ardido em frente ao tronco, nesse momento o espírito de Paru - cujo nome ninguém mais pronunciará - se desprenderá e fará sua última viagem em direção à aldeia dos ancestrais.
Onde um dia - espero - nos reencontraremos.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Os novos malabaristas
O tema já é antigo, mas continua sendo aflitivo e até agora sem solução: os meninos de rua. A cada dia, pelo menos aqui no Rio, você nota que o número deles dobra ou triplica.
Agora, aprenderam com uma trupe de circo que andou por aqui a fazer malabarismos nos sinais de trânsito. Mas só o que aprenderam foi aquele ato de jogar bolinhas e trocá-las no ar: o mais primitivo dos malabarismos. Mas também não há condições de equilibrar pratos em varinhas e engolir fogo.

Tudo tem de ser rápido e ágil, senão o sinal abre, os motoristas buzinam e se irritam. As primeiras experiências eles fizeram com limões. Mas depois descobriram que com bolas de tênis velhas, que de certo conseguem nos clubes, fica mais fácil e dá mais na vista. Dos três ou quatro que iniciaram a "arte", agora já são dezenas. E o curioso é que ainda não conseguiram aprimorar o desempenho: as bolas caem, deslizam para baixo dos carros, a gente fica com o coração na mão como medo que algum deles seja atropelado, mas, no dia seguinte, lá está ele, outra vez. Mas esses são os mais novos, de 8,10 anos ou até menos. Tem uns tão pequenos que, quando levantam os braços para jogar a bola, o quadril estreito e magro não consegue segurar a bermudinha o que o obriga a suspender a mágica para, com um das mãos, segurar o cós.

Tudo isso é pungente, é doloroso e se formos sinceros com os nossos sentimentos, nos enche de vergonha e culpa. Os mais velhos, esses já são perseguidos pela polícia ou já foram presos, com retrato estampado nos jornais. O que impressiona mais nessas fotos é a extrema juventude deles - e já bandidos.
Numa dessas últimas operações policiais, na foto tirada pouco antes do tiroteio, um deles portava três revólveres enfiados no cós da bermuda, o torso nu exibindo uma escopeta, a mão negligentemente apontando uma metralhadora. Foi o único morto na operação e tinha apenas 18 anos. Outro, que fazia parte do triunvirato de "bandidos perigosos" tinha apenas 13 anos.

São todos mais ou menos da idade das favelas onde brotaram, como plantas venenosas, entre as pedras e os barrancos.
Infância tiveram pouca, entre a miséria, o crime precoce e as instituições para menores delinqüentes. Nunca receberam ensino que não fosse o da bruta luta pela sobrevivência. Nem ensino escolar nem ensino moral. A lei do cão foi a única que aprenderam. Claro que tinham ou mesmo têm mãe. Pai raramente. Mas que função educativa pode executar uma pobre mulher carregada de crianças, obrigada a sair de madrugada para trabalhar de faxineira, ou catar papel ou pedir esmola? Ainda ontem apareceu na TV uma cearense mãe de cinco filhos, morando num cubículo de onde se podia tocar nas paredes com os braços mal abertos. A mãe sai cedo, vai faxinar na Barra; e respondeu à mocinha repórter que lhe perguntava quem ficava com as crianças: "Elas tomam conta uma das outras."

É essa a fonte dos nossos jovens malfeitores. Mal aprendem a andar se escapolem por becos e vielas "para espiar os home", ganhar um níquel levando recados. Em pouco, já estão sendo usados como "aviõ es" na entrega dos tóxicos. Os meninos portam o seu estoque, o revolvinho de pau no cós da sunga. E essas crianças crescem e viram adultos sem noção positiva do bem e do mal, de certo e de errado... São bichos selvagens, cuja lei única é a de sobreviver e a do domínio do mais forte sobre o mais fraco. Do "povo lá de baixo", só conhecem as supostas delícias da riqueza, os carrões, as piscinas, os hotéis de luxo, cujos esplendores podem avistar lá de cima.

Anos atrás ouvi de um menino de rua que "nunca na vida tinha ido dormir de barriga cheia. Mas que quando crescesse ia ser ainda mais importante que o Fernandinho Beira-Mar". O seu herói.
Ninguém pensa em evangelizar esses novos selvagens. Já não se fazem Anchietas como antigamente. Agora se pensa em sanar as injustiças com a revolução social. Mas de onde vão tirar os líderes para essa revolução? Não será dos futuros Fernandinhos Beira-Mar, esses que agora fazem "malabarismos" com bolas de tênis nos sinais de trânsito. Nem pensem que a massa dos miseráveis das cidades irá acompanhar as lideranças ditas operárias. Essa gente para eles é uma elite que fala outra língua, vive outra vida e na qual confiam tão pouco quanto nos ricaços das mansões.

Criados a ferro e fogo, sem lei, sem dar valor à própria vida ou à dos outros, os que escaparem da bandidagem vão correr atrás de alguém que lhes prometa todas as mirabolâncias de uma desforra social. Já não se disse acima? A única lei que eles aprenderam foi mesmo a lei do cão.


Editorial

As contradições do pacote argentino

Se os bancos e fundos de pensão argentinos aceitarem a reestruturação "voluntária" da dívida interna - e tudo indica que isso ocorrerá, permitindo que o ministro Domingo Cavallo passe para a terceira etapa de seu novo plano, que é a reestruturação da dívida externa -, o Tesouro economizaria algo entre US$ 2,7 bilhões e US$ 3 bilhões, no próximo ano. Essa seria a diferença a favor do governo entre os juros atualmente pagos aos tomadores dos títulos públicos, cuja remuneração varia de 11% até 30%, e os 7% que serão pagos a quem repactuar seus créditos.

Não admira que boa parte dos bancos e fundos de pensão argentinos tenham aceitado, logo de início, a proposta do governo. Afinal, a reestruturação da dívida interna é voluntária apenas no nome. A alternativa à troca dos papéis, atualmente em poder das instituições, por outros, com juros de 7%, é o calote puro e simples. Entre o mico imediato e a possibilidade de recuperar o investimento daqui a cerca de dez anos, mesmo com algum prejuízo, os bancos na verdade não têm escolha.

Além disso, essas instituições, que detêm cerca de 40% da dívida total da Argentina, estão sediadas no país e há pelo menos três meses vêm sendo assombradas pelo fantasma de uma corrida bancária, conseqüência inevitável de um calote descontrolado.
Mas essa possibilidade não existe para os bancos estrangeiros credores da Argentina. Depois de quase quatro anos de recessão e crise, isto é, de um longo anúncio do desastre, eles já provisionaram os créditos de recebimento duvidoso e, ainda que tenham prejuízos, poderão suportar as perdas, pois a quebra do país não os levaria automaticamente - como seria o caso dos bancos argentinos - a uma crise de liquidez.

Antes de aderir ao pacote, os credores estrangeiros verificarão cuidadosamente se a Argentina tem condições de cumprir as garantias que está oferecendo, isto é, se a arrecadação futura de impostos pode responder pelo pagamento de juros e do principal da dívida.
Tudo isso depende do êxito da negociação do governo central com os governadores, que se estende indefinidamente, apesar dos prazos finais e ultimatos que se sucedem. Na quarta-feira, o chefe de Gabinete, Chrystian Colombo, anunciou que o acordo estava fechado, mas isso não passou de mais uma manobra - frustrada, aliás - para pressionar os governadores. Na realidade, da reunião onde teria sido "fechado" o acordo não participaram os 13 governadores peronistas. Se os governadores não aceitarem receber em torno de 60% do que o governo federal deve às províncias em Lecops, títulos semelhantes aos "patacones", e um corte substancial nas transferências obrigatórias, Buenos Aires não poderá cumprir o programa de déficit zero, acertado com o FMI. Muito menos conseguirá fazê-lo se não houver uma rápida e substancial recuperação da atividade econômica, sem o que a arrecadação tributária não aumentará.

Acontece, porém, que o plano de reativação da economia do ministro Domingo Cavallo está eivado de contradições. Para socorrer socialmente uma população que vem empobrecendo continuadamente há quatro anos e aumentar seu poder de compra, o governo concederá um bônus de US$ 30 para cada filho de família que tenha renda mensal inferior a US$ 1 mil e US$ 100 para cada pessoa acima de 75 anos que não receba aposentadoria - estima-se que só nesse caso se enquadrem cerca de 500 mil pessoas. Além disso, as contribuições previdenciárias serão reduzidas em 6%. Também, para estimular o consumo, haverá uma redução de 3% do Imposto sobre Valor Agregado para quem comprar com cartão de crédito. A competitividade das empresas será estimulada com mais redução de impostos e haverá uma moratória das dívidas fiscais de empresas e indivíduos. E o governo promete lançar um programa de obras públicas, recurso keynesiano para estimular o crescimento.

Essas medidas, que, no início da crise, há quatro anos, poderiam reaquecer a economia, são tomadas agora, quando se registra uma forte queda da arrecadação - só no mês passado a redução foi de 11% - e o governo encontra grandes dificuldades para atingir a meta do déficit zero. Será difícil conciliar o aumento dos gastos públicos com o corte de despesas, sem o qual não se cumprirá o primeiro compromisso do governo argentino com o FMI: o saneamento de suas finanças. Sem o estrito cumprimento da meta de déficit zero, o FMI não liberará em dezembro - e muito menos antecipará, como quer De la Rúa - a parcela de US$ 1,3 bilhão do acordo e os US$ 3 bilhões para a reestruturação da dívida. E a isso estão atentos os bancos estrangeiros.


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11/09/2001


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