A hora e a vez dos arapongas









A hora e a vez dos arapongas
Serra e Ciro investem na mesma tática, as denúncias, para derrubar adversário na luta pelo segundo lugar

BRASÍLIA - A briga pelo segundo lugar na eleição presidencial levou os candidatos José Serra, do PSDB, e Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, a enveredar por uma guerra de dossiês. Há denúncias novas e requentadas. Algumas estavam com investigação paralisada e, agora, estão sendo desenterradas.

Tanto nos comitês eleitorais de Serra, como nos de Ciro, há equipes fazendo pesquisas na internet, nas repartições do Ministério Público e nos Estados de origem dos candidatos, em busca dos podres de cada um. A equipe de Serra enviou ao Ceará uma equipe de TV para filmar obras suspeitas de superfaturamento e inauguradas de forma apressada por Ciro, quando governador. Da mesma forma, emissários do candidato da Frente Trabalhista estão atrás de inimigos de Serra e tratam de vasculhar sua vida.

Parte da munição de Ciro pode ser fornecida pelo ex-ministro do Superior Tribunal Militar (STM) Flávio Bierrenbach. Ontem, ele reafirmou denúncias feitas na campanha de 1988, quando Serra disputava a prefeitura de São Paulo. ''Já disse tudo o que tinha para denunciar, mas o processo foi arquivado apenas por que prescreveu'', afirmou. Bierrenbach nutre ódio antigo pelo candidato tucano. ''Serra entrou pobre na Secretaria de Planejamento do governo Franco Montoro e saiu rico. Ele usa o poder de forma cruel, corrupta e prepotente'', disse Bierrenbach em 26 e 29 de outubro de 1988. Serra está processando o ex-ministro.

Uma ação de improbidade que corre na Procuradoria Geral da República com o número 5975/0 / Bahia, aberta contra o empresário Gregório Marin Preciado, marido de Valência Preciado, prima de Serra, levanta outra suspeita contra o tucano. Serra teria se beneficiado de um empréstimo que provocou rombo de R$ 60 milhões no Banco do Brasil. O empréstimo teria sido obtido por interferência do ex-diretor da Área Internacional do banco Ricardo Sérgio de Oliveira.

Economista, Ricardo Sérgio foi caixa de campanha de Serra em 1994, 1996 e 1998, e também nas campanhas de Fernando Henrique. É considerado um calcanhar-de-aquiles dos tucanos. Foi responsável pela montagem de consórcios na privatização das empresas de telefonia e é acusado de ter cobrado propinas.

A fama de ser responsável por grampos telefônicos culminou com o caso que envolve a contratação, pelo Ministério da Saúde na gestão de Serra, da empresa Fence Consultoria Empresarial para o rastreamento de grampos. No início, o ministério pagava R$ 25 mil por mês. Em dezembro de 2001, o contrato pulou para R$ 150 mil mensais. O PFL suspeita até hoje que a Fence tenha sido responsável por grampo em telefones da ex-governadora Roseana Sarney.

Serra vai querer mostrar que Ciro fracassou na área de Saúde, quando governador. Em 1993, na gestão de Ciro, o Ceará registrou 37,7% dos casos de cólera do país. Em 94, o índice subiu para 39%.

As supostas mentiras de Ciro continuarão sendo exploradas por Serra. O candidato do PPS afirmou, no debate da Rede Bandeirantes, que estudou a vida inteira em escolas públicas. Também disse no debate que, no período em que foi ministro da Fazenda, o salário-mínimo correspondia a US$ 100. Segundo Serra, ambas as informações são falsas.


Candidato revida ataques de Serra
Trabalhista ganha apoio de católico

Caso cumpra o que vem repetindo há dias, ou seja, não usar o horário eleitoral gratuito para revidar os ataques do candidato à sucessão presidencial José Serra (PSDB), a trégua anunciada pelo candidato Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, vai se limitar à propaganda no rádio e na TV. Na coletiva concedida na manhã de ontem, após encontro com o bispo auxiliar da diocese do Rio, Dom Felippo Santoro, Ciro fez duras críticas ao tucano e indicou que vai apostar na estratégia de ligar Serra à imagem de um governo fracassado, e adotar a linha ''bateu, levou''.

''Nunca houve, na História do Brasil, desde que foi criada a carteira de trabalho, tal violência na informalização do mercado quanto no governo ao que o senhor José Serra serviu há oito anos e de quem quer ser o candidato de continuidade'', criticou Ciro, afirmando que, se a informalidade da economia voltar ao nível anterior ao governo FH - cair 10% -, a arrecadação da previdência vai subir de R$ 65 bilhões para R$ 89 bilhões.

Embora, na quarta-feira, tenha feito ameaças veladas ao tucano, citando os casos Ricardo Sérgio (ex-tesoureiro da campanha de Serra) e Flávio Bierrenbach (ex-deputado federal que acusou o tucano de abuso de poder e de suspeita de corrupção nas eleições paulistas de 1988), Ciro assegurou ontem que a propaganda eleitoral não deve ser usada ''de forma clandestina, covarde, sem assinatura, como fez o candidato do governo''. Ciro fez, então, a primeira das várias críticas a setores da imprensa, a quem acusou de apoiar o candidato governista. ''O caso Ricardo Sérgio é público. Apenas por conveniência de um setor da grande mídia, a serviço claro da propaganda oficial, sumiu-se com esse assunto. Com o caso Bierrenbach também.''

Questionado se vai mudar seu programa de governo por causa da redução de R$ 10 bilhões na proposta para orçamento de 2003, enviada ontem ao Congresso, o candidato deu outra estocada em Serra. ''Essa proposta prova como falta com a verdade o programa do candidato do governo, porque eles produziram 11 milhões e 700 mil desempregados e Serra está propondo 8 milhões de empregos'', disparou.

Apesar da redução do orçamento para o próximo ano, Ciro afirmou que deve manter seu programa de governo, pois, segundo ele, não defende ''promessas mirabolantes''. ''Não tenho coragem de cometer essa falta de respeito com a população brasileira. Prometer gerar 10 milhões de empregos como o Lula está fazendo... O Lula, eu absolvo. É inexperiência. Mas o Serra, que é muito experiente, está faltando com a verdade com a população.''

Sobre sua queda nas últimas pesquisas, Ciro minimizou os resultados e lembrou que, ainda quando estava em melhor posição, já dizia que, no Brasil, pesquisa tem baixo nível de confiabilidade.

O encontro do candidato com o bispo Dom Felippo Santoro, no Cosme Velho, foi intermediado pelo deputado estadual Carlos Dias (PPB). Embora o partido dele apóie, no Rio, o candidato tucano, Carlos Dias anunciou ontem que seu voto é em Ciro. ''Ele é o candidato que se enquadra nos critérios da nossa igreja. A minha indicação dentro dos movimentos católicos será também para Ciro''.


Tucano: Ciro é o ‘atraso’
Propostas para a Justiça afrontam defensores públicos

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, voltou a atacar ontem Ciro Gomes (Frente Trabalhista), no Rio, e o associou ao atraso e às forças conservadoras do país, ''só que com nova embalagem, embrulhado para presente'', em palestra para os defensores públicos do Estado do Rio. Afirmou também que Ciro costuma ''falsear a verdade''. ''Ele tem tudo aquilo de antigo e atrasado, só que com nova embalagem, embrulhado para presente. Tem, sim, experiência, mas em se manter no poder e bloquear as mudanças.''

Pouco antes, o ex-ministro criticara discretamente o líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem descreveu como ''a opção da esperança''. ''É gente que merece respeito, mas que não tem experiência.''
A briga maior de Serra é mesmo com Ciro. Os dois têm se revezado na vice-liderança das pesquisas de intenção de voto e, depois do início do programa eleitoral na TV e no rádio a diferença caiu para quatro pontos. O comando da campanha do PSDB decidiu continuar a estratégia. O tucano voltou a criticar o rival depois de ser informado de que havia sido chamado por ele de ''mentiros o'' ontem. ''Ciro é especialista é falsear informações. Como fez com o salário mínimo - disse que tinha pago US$ 100 e não pagou.''

O governista ironizou algumas das idéias de adversário e afirmou que o único bom programa do adversário é ''o de insultos, nisso ele é muito bom''. ''Ele tem uma proposta sobre o regime de Previdência que é uma verdadeira loucura - esse tal de regime de capitalização que ele sequer sabe explicar -, tem uma proposta enlouquecedora para a questão tributária, sem nenhuma base na realidade. Estou disposto a debater as idéias, mas não os insultos.''

Serra causou constrangimento ontem, em palestra para os defensores públicos do Rio, ao defender penas mais rigorosas e a extinção e restrição de benefícios para condenados pela Justiça. Os defensores prestam auxílio a réus sem recursos para contratar advogados e fazem parte da corrente mais liberal entre as carreiras da advocacia pública. ''Não tem nada de livramento condicional para quem praticou homicídio, seqüestro; tem de dobrar a pena de quem recruta menor para o crime e não tem de ter novo julgamento para os condenados a mais de 20 anos'', disse o candidato, para o desagrado da platéia. ''Para quem ele acha que está falando?'', comentou uma defensora.

A classe é favorável à agilização dos processos, ''mas nunca em detrimento das garantias individuais e constitucionais'', diz o presidente da Associação dos Defensores do Estado do Rio, André Luis de Castro. ''Estamos no caminho inverso. Queremos a ressocialização dos presos e o uso de penas alternativas, de reeducação. O aumento das penas não diminui a criminalidade.''


Programa do PT é para 15 anos
Candidato afirma que seu plano de governo é completo

Em palestra para defensores públicos, ontem, no Rio, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que seu programa de governo não é para um mandato e sim para 15 anos. Apesar de ter trabalhado no projeto, Lula não reivindica sua autoria, independentemente dos rumos políticos. ''Fizemos um programa de governo completo, que sempre esteve à disposição de governos, partidos e políticos. Não queremos paternidade, mas que as políticas públicas sejam colocadas em prática'', disse.

O presidenciável voltou a afirmar que os políticos precisam ouvir mais e falar menos. ''Não se ouve mais a sociedade, os trabalhadores, os empresários. Um novo contrato social tem que ser feito neste país'', argumentou.

Ele também reclamou do discurso da cena política atual, que tem sido pautado pelo economês que tem dominado a campanha eleitoral. ''Agora são os yuppies do mercado que falam de economia. Não se ouve mais o Delfim Netto e o Saturnino Braga'', criticou. ''Queremos discutir os problemas sociais. Há milhões de jovens desempregados, sem conseguir entrar numa faculdade. Se o Estado não oferecer uma política pública para eles, o narcotráfico irá oferecer.''

Para o candidato, sem a retomada do diálogo entre o poder executivo e a sociedade fica difícil governar. ''Não posso tomar decisões sozinho. Que história é essa? Eu aprendi a fazer política ouvindo. Não existe nada nesse mundo que diga que o poder é solitário. Mesmo porque, o que há de puxa-saco...'', ironizou, arrancando aplausos e gargalhadas da platéia.

No encontro com os defensores públicos, o candidato também falou sobre seu programa para a área de segurança. ''Vinculamos o combate à violência a um processo imenso de investimentos em educação, saúde e cultura'', disse. O acesso à Justiça, segundo Lula, tem que ser um direito garantido pelo Estado. O programa de segurança do petista foi elogiado em carta assinada por defensores públicos de todo o país.


O encontro de Lula com a cultura
Candidato diz que conquistou ontem o seu diploma

Foi no meio da maior concentração de cientistas, intelectuais e artistas que um candidato a presidente conseguiu reunir nesta campanha, que Luiz Inácio Lula da Silva fez a sua sabatina ontem à tarde, no restaurante Porcão Rios, no Aterro do Flamengo. Logo depois de, orgulhosamente, pronunciar a expressão latina sine qua non Lula se dirigiu a Chico Buarque de Holanda, sentado na segunda fila: ''Chico, você se lembra do tempo em que eu falava menas laranja?'' perguntou a Chico, que, sorridente, fez sinal de aprovação.

Lula, que é constantemente cobrado por querer ser presidente sem ter diploma universitário, aproveitou para responder aos críticos: ''Quem consegue reunir em torno de si esta constelação, não precisa de canudo. Vocês serão o diploma do meu governo'', disse, ovacionado.

De Zeca Pagodinho a Antônio Cândido, de Neguinho da Beija-Flor a Evandro Lins e Silva, de Nelson Sargento a Celso Furtado, o evento reuniu cerca de 400 pessoas. O discurso descontraído de Lula não teve só tiradas bem-humoradas e agradecimentos. A turma da área cultural levou um sutil puxão de orelhas: ''O pessoal do cinema costuma pedir apoio para a sua área. O do teatro, também. Cada um quer mais verbas e vantagens para o seu setor. E, às vezes, a coisa pára por aí. Mas a minha concepção de política cultural vai muito além disso. O Vale do Jequitinhonha, em Minas, é paupérrimo, mas é riquíssimo culturalmente. O que eu quero é dar chance a todo o povo brasileiro para exercer seu talento e criatividade'', afirmou.

O teatrólogo José Celso Martinez Corrêa não perdeu a chance de fazer uma performance. E provocou frisson no auditório, quando, depois de fazer críticas a ações da prefeita Marta Suplicy, em São Paulo, disse que ainda não estava certo de que iria votar em Lula. Diante da surpresa da platéia, o teatrólogo afirmou que jamais teve medo de provocar mal-estar por dizer o que está pensando. Mais tarde, disse que ''desejava muito'' poder votar no candidato do PT. ''Vota, vota, vota'', reagiu a platéia bem-humorada. Tudo acabou com um longo abraço entre Lula e o teatrólogo.

A atriz Marieta Severo, sentada a cerca de cinco metros de Chico Buarque, elogiou Lula: ''Ele sempre consegue fazer a gente vibrar junto com ele''. Alessandra Negrini, que nunca havia participado de um evento desse porte, disse que ficou emocionada com ''a verdade contida no discurso de Lula''.


Mulheres brilham no horário eleitoral
BRASÍLIA - As mulheres brilharam, ontem, no horário eleitoral gratuito. A briga pelo segundo lugar ocupado pelo candidato da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, levou o tucano José Serra a exibir não ataques, mas a novelista Glória Perez. Ela tratou da violência e do aumento da criminalidade. ''A lei passou a borracha onde eles passaram o punhal. Essa é a minha história e de milhares de famílias. O Serra se comprometeu comigo e com as famílias que isso vai mudar'', disse.

Se os tucanos apostaram no drama familiar, Ciro Gomes rebateu as acusações apostando também em uma mulher. No caso, a dele mesmo. A atriz Patrícia Pillar foi a estrela do seu programa noturno. Foi sua primeira aparição. Assim como a novelista, Patrícia também deu seu testemunho. Elogiou as qualidades do marido e rebateu as acusações que vêm sendo feitas pelos tucanos contra ele. ''O Ciro é como eu e como você. Ele fala o que pensa e, às vezes, usa uma força de expressão. É tão parecido com a gente, que é diferente dos outros políticos'', declarou a atriz.

''Acompanhando a história do Ciro, conhecendo o Ciro, eu me apaixonei por ele. Ciro é diferente de tudo que está aí e incomoda muito quem está no poder há muito tempo. É por isso que estão tentando convencer você, que o Ciro não diz a verdade ou é pavio curto''.

Na transmissão noturno de Luiz Inácio Lula da Silva, não houve novidades. O PT voltou a exibir o primeiro programa do candidato, com críticas ao governo brasileiro e à Petrobras pela contratação de empresas estrangeiras para construção de plataformas marítimas. No iníc io da tarde, o petista também deu ênfase ao aumento do desemprego.

O problema do desemprego também recebeu ênfase no programa de Anthony Garotinho (PSB), que ontem cancelou a agenda por causa de uma gripe. Ele prometeu criar 2 milhões de empregos por ano, caso seja eleito, e um salário-mínimo de R$ 280, a partir de maio de 2003.


Artigos

Das dificuldades eleitorais
Newton Rodrigues

O debate entre partidos e candidatos permanece morno, para não dizer morto. Ninguém saberia dizer com segurança quais as convergências entre os candidatos e quais as suas divergências fundamentais, talvez porque as campanhas primem pelas generalidades, uma forma mal disfarçada de indefinições. Nem mesmo a legislação eleitoral chega a ser examinada em seus múltiplos defeitos, que vão da proibição de rádio e TV criticarem os candidatos (forma de censura disfarçada) à sub-representação dos Estados mais populosos, que conflita com o princípio de ''um homem, um voto''. Às vésperas do pleito, a começar pela imprensa, quase ninguém se volta para o assunto. Não fosse o voto obrigatório, e talvez as abstenções bateriam recordes.

Não há até agora definição dos candidatos presidenciais que chegarão ao segundo turno, à exceção de Lula. Como é de praxe desde a República Velha, há um candidato oficial, José Serra. Sua eventual e até possível eleição reafirmará, novamente, que o Brasil, quanto mais muda, tanto mais permanece na mesma. Apesar das possibilidades teóricas de uma vitória oposicionista isso não ocorrerá, por vários motivos, entre os quais as dificuldades de escolha de um candidato único.

As derrotas sucessivas de Lula indicam que, apesar de seu enorme prestígio e firme liderança, acumulou índices de rejeição que o tornaram até agora inviável. Destaque-se, a propósito, que desde meados de abril, segundo as pesquisas Vox Populi, ele caiu de 42 para 34 pontos. Ciro Gomes, que mostrara acentuada ascensão, caiu de 32 para 25 pontos, o que lhe pode ser desastroso, embora ainda seja cedo para afirmar que seja uma queda definitiva. E Serra começa a reagir, com o horário eleitoral.

Até agora, a posição do candidato petista é tranqüila, pois se mantém com facilidade no mesmo nível, enquanto seu aparente concorrente principal, Ciro, já enfrenta grandes dificuldades.

O segundo escrutínio, entre dois finalistas, com as cartas já definidas, pode ainda oferecer suas surpresas, a julgar pelos novos dados.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Soberania e responsabilidade
Soberania, assim como respeito, conquista-se. Quanto mais responsáveis somos por nossos atos, mais merecedores desses atributos nos tornamos. Não é o caso, por exemplo, do Congresso Nacional, que esbraveja contra a usurpação de seus poderes e, na hora de exercê-los, mostra-se bastante aquém da altivez que reivindica. Na quarta-feira promoveu “esforço concentrado” e esvaiu-se na certeza de que, registrado o fracasso, como sempre, a vida segue adiante. Antes disso, porém, cumpre apontar o caráter melancólico do espetáculo.

Nada se votou. Não por falta de quórum, mas pela irresponsabilidade e desrespeito com que o poder Legislativo encarna o seu papel. Já é hora de deixar de imprimir normalidade ao que não é natural, legítimo nem aceitável.

Tomemos a indignação exibida, durante meses a fio, pelo Congresso por causa do uso excessivo de medidas provisórias por parte do poder Executivo. Pela versão da época, tratava-se de uma usurpação tão grave que Aécio Neves deve sua eleição para a presidência da Câmara em grande parte à campanha pela limitação do uso das MPs. Hoje se vê como era falsa a questão. Não que fosse desnecessária alteração no instrumento votado pelos constituintes à luz da expectativa de aprovação do regime parlamentarista. Mas este jamais poderia ser, como foi, considerado o ponto central dos males congressuais.

Tanto que a mudança de normas se fez, mas, como a ela não correspondeu alteração de procedimentos, ficou clara a superficialidade daquele debate e ampliou-se a evidência de que o comportamento leniente e subalterno do Legislativo não guarda relação exclusiva com eventuais abusos do Executivo. Agora mesmo, Aécio Neves recorreu ao Palácio do Planalto para que fossem editadas duas medidas provisórias relativas à reforma tributária, nada desprezíveis eleitoralmente para candidatos, como ele, governistas.

E por que isso? Porque nenhuma delas pode ser votada enquanto duas dezenas de medidas provisórias estiverem trancando a pauta legislativa. E por que a pauta está trancada? Porque a nova regra determina que seja assim até que o Congresso vote as MPs com prazo de validade vencido. E por que o Congresso não vota? E por que isso? Porque nenhuma delas pode ser votada enquanto duas dezenas de medidas provisórias estiverem trancando a pauta legislativa. E por que a pauta está trancada? Porque a nova regra determina que seja assim até que o

Congresso vote as MPs com prazo de validade vencido. E por que o Congresso não vota? E por que isso? Porque nenhuma delas pode ser votada enquanto duas dezenas de medidas provisórias estiverem trancando a pauta legislativa. E por que a pauta está trancada? Porque a nova regra determina que seja assim até que o Congresso vote as MPs com prazo de validade vencido. E por que o Congresso não vota?

Trata-se de uma boa pergunta ser feita pelo eleitor na hora de votar para deputado e senador. Antes, argumentava-se que o Executivo legislava por conta própria, reeditando as MPs continuamente. Excluía-se da discussão a prerrogativa constitucional do Congresso de, mediante votação, barrar a tramitação de medidas provisórias consideradas irrelevantes ou não urgentes.

Mas como fazer as coisas dá trabalho, e culpar alheio nem tanto, mais confortável para os parlamentares era posar de ultrajados e usurpados. Ao mesmo tempo em que reclamavam soberania, abriam mão dela.

Agora, como a nova norma determina que MPs não votadas paralisam os processos de votações de projetos, emendas ou até de outras medidas provisórias, não há mais a quem responsabilizar. A situação está posta à vista de todos: duas dezenas de medidas provisórias sem votação e algumas centenas de parlamentares em pleno exercício do jogo de cena, sem uma boa história para contar ao eleitorado.

Sim, porque essa cantilena de que o ano eleitoral os obriga a abandonar Brasília para cuidar das próprias campanhas explica, mas não justifica. Seria o mesmo que o presidente e os governadores abandonassem seus postos seis meses antes do término do mandato. É o sofisma utilizado para justificar presença na capital apenas durante dois dias completos por semana.

É preciso “cuidar das bases”, dizem eles. Mas, considerando que as “bases” os elegeram para cumprir integralmente os mandatos, que cuidem das respectivas sobrevivências políticas como bem entenderem, desde que não o façam em prejuízo do juramento que prestaram no dia da posse.

Ciclo aberto
Ao ampliar a anistia aos punidos durante o regime militar, o presidente Fernando Henrique considerou fechado o ciclo do “restabelecimento de direitos e garantias”.

Não é bem assim. Há muita gente que não recebeu a indenização devida, pessoas que nem conseguiram cumprir os trâmites burocráticos para dar entrada nos processos, e há ainda aqueles que tentam sem êxito obter do Estado informações a respeito de seus pedidos.

Se FH deseja mesmo completar o ciclo, convém que determine aos canais competentes uma dedicação mais acurada ao tema.


Editorial

NOVELA ARRASTADA

Quando a Câmara dos Deputados aprovou a nova regulamentação das medidas provisórias, os par lamentares garantiram que as votações no Congresso ganhariam ritmo mais dinâmico. A ameaça de obstrução da pauta faria com que os temas fossem examinados em regime de urgência urgentíssima. Assim seria na teoria. Mas, se o primeiro exemplo prático foi para valer, as previsões se frustraram. Por motivos os mais diversos, o plenário não conseguiu superar o impasse em torno da MP que trata do parcelamento das dívidas federais. O prazo de tramitação venceu e, em conseqüência, a pauta de votações permanecerá trancada por, no mínimo, seis semanas.

A emenda, portanto, mostrou-se pior do que o soneto. Agora, só haverá novas sessões deliberativas após o primeiro turno da eleição. Explica-se que o governo não tem interesse em reabrir a pauta. Ele teme a discussão de matérias que se confrontem com o ajuste fiscal. A oposição, de seu lado, preocupa-se com a possibilidade de o candidato do PSDB se beneficiar com a aprovação de iniciativas de cunho popular. Pelo sim, pelo não, a Câmara permanece de braços cruzados.

Em resumo, interesses subalternos se sobrepõem aos interesses nacionais. E projetos importantíssimos para o destino do país, como o da minirreforma tributária, aguardam na fila de votações, sem qualquer perspectiva de aprovação. Diante da inércia do Legislativo, o governo já anunciou a solução: fará uso de Medida Provisória para acabar com o efeito cascata do PIS e da Cofins. Se uma MP tranca a pauta, dá origem a novas MPs. Quando é que esta novela terá fim?


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08/30/2002


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