A primeira renúncia



A primeira renúncia Pressionado pelo PMDB, que tenta manter seu pedaço de poder, Jader Barbalho renuncia à presidência do Senado. Mas não escapará de processo no Conselho de Ética por quebra de decoro O veto do Conselho de Ética foi o último aviso. Diante da certeza de que não tinha mais condições políticas para retornar à Presidência do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA) decidiu renunciar. É a primeira das duas renúncias que Jader terá de fazer se quiser escapar de uma cassação cada vez mais iminente. Jader cedeu às pressões do PMDB e anunciou que deixará o cargo, decisão que será oficializada em pronunciamento na tribuna do Senado na terça-feira. ‘‘Desejo comunicar a vocês que acabo de reassumir a presidência do Senado Federal e, em face do impasse político, autorizei o presidente nacional do PMDB, Michel Temer, a negociar politicamente a minha saída’’. Com a renúncia de Jader, o PMDB espera a aprovação dos partidos para indicar o novo presidente do Senado. O presidente Fernando Henrique Cardoso participou da negociação, reunindo-se, no início da tarde, com o próprio Temer e outros líderes de partidos aliados. Temer explicou a rapidez peemedebista: ‘‘Se não houvesse uma negociação consolidada, poderia haver problema. Era preciso assegurar o espaço do PMDB para não gerar impasse’’. Ele ainda não anunciou o nome do seu candidato, mas os mais prováveis são José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL). O senador Sarney deve aceitar o cargo se seu nome for apresentado como candidato único. O PFL gosta da solução (Sarney é pai da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, pré-candidata do partido à Presidência). A oposição também não se opõe a Sarney. Renan, que é líder do PMDB, não tem a mesma aderência. Pode ter apoio do PSDB, mas, muito identificado com Jader, não agrada a oposição e boa parte do PFL, que neste caso poderia entrar na disputa. Com cenho franzido e olhos vermelhos, Jader entregou pouco depois das 17h uma carta ao presidente interino do Senado, Edison Lobão (PFL-MA), em que comunicou sua decisão de retomar o cargo. Ele permaneceu no gabinete reservado da presidência com Lobão, Michel Temer, Renan e o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA) até as 17h30, quando passou ao gabinete oficial para a coletiva em que comunicou que reassumia para renunciar. ‘‘A iniciativa foi minha, exclusivamente minha’’, disse aos jornalistas. ‘‘Isso demonstra, mais uma vez, o meu apreço pela instituição e abre caminho para a superação do impasse político’’. PRESSÃO DO PMDB Apesar do tom pessoal, o gesto de Jader Barbalho foi resultado de forte pressão do PMDB. Não havia outra saída para o senador paraense. Em reunião na quarta-feira, o Conselho de Ética havia aprovado, por 9 votos contra 5, um indicativo recomendando à Mesa Diretora do Senado que estudasse medidas para evitar o regresso de Jader ao comando da Casa. Um veto político ao senador. Na véspera, Jader foi procurado por Renan, Geddel e Temer, que insistiram na renúncia. Ontem, o PFL anunciou que iria obstruir as sessões do Congresso e do Senado caso Jader reassumisse a presidência. Sua renúncia alivia a tensão entre os senadores, mas o líder do PT, José Eduardo Dutra (SE), desconfia de manobra. ‘‘Vamos ver como o PMDB se comportará no Conselho de Ética’’, disse. A renúncia de Jader ao cargo não deve impedir o conselho de dar prosseguimento ao processo de cassação do seu mandato. ‘‘Isso não está sendo cogitado em qualquer hipótese’’, avisou Jefferson Péres (PDT-AM), integrante da comissão de inquérito que investigou Jader. Um senador do PSDB, mas com bom trânsito fácil no PMDB, lembrou que as chances de Jader escapar do processo por quebra de decoro parlamentar são mínimas. ‘‘Não dá para fazer um acordo sem combinar com o inimigo’’, afirmou, referindo-se à disposição do PFL e da oposição de ir adiante com o processo de Jader. Apesar do gesto, Jader não quis admitir a hipótese de vir a renunciar ao mandato para evitar a abertura do processo por quebra de decoro parlamentar, que pode levá-lo à cassação e à perda dos direitos políticos por oito anos. ‘‘Não vou tratar disso neste momento’’, disse. ‘‘Resolvi (renunciar ao cargo) depois de ter meditado muito sobre esse processo de natureza política que vem desde minha eleição, e agravado com o episódio do painel (eletrônico do Senado, que provocou a renúncia de Antonio Carlos Magalhães ao mandato de senador pelo PFL da Bahia)’’. O senador Juvêncio Fonseca (PMDB-MS) assumiu ontem a presidência do Conselho de Ética. Investigação prossegue A saída de Jader Barbalho (PMDB-PA) da presidência do Senado está longe de representar o fim dos problemas do senador. A Polícia Federal pediu ontem ao Supremo Tribunal Federal nova quebra de sigilo bancário, entre julho de 1998 e julho de 2001, por seu envolvimento com fraudes na extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O Supremo deve examinar ainda a abertura de um inquérito policial contra Jader pela sua atuação na desapropriação da fazenda Vila Amazônia, alvo de inquérito pela Procuradoria da República no Amazonas. A desapropriação das terras deveria ter sido feita por R$ 650,5 mil, em valores atualizados, mas como ministro da Reforma Agrária Jader autorizou em 1988 a liberação de R$ 5,8 milhões. Os problemas se acumulam em outra frente. Ainda na manhã de ontem foi entregue ao corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP), um dossiê da Polícia Federal contra Jader apontando indícios de sua participação no esquema de intermediação de projetos financiados pela Sudam. A documentação será encaminhada por Tuma ao Conselho de Ética do Senado na próxima semana e integrará o futuro processo por quebra de decoro parlamentar contra Jader, a ser votado na quinta-feira. O dossiê inclui quatro depoimentos tomados pela PF no Pará e em Tocantins, nas últimas semanas, que citam o senador paraense entre intermediários para a liberação de projetos da Sudam. Também traz anotações recolhidas pela PF na casa do ex-superintendente Arthur Guedes Tourinho, afilhado político de Jader, que o comprometem. Tem ainda uma nota à imprensa preparada pelos empresários Antônio Carlos e Romualdo Onofre Soares encaminhada do gabinete da presidência do Senado. Para os investigadores da Polícia Federal, a nota revela que os irmãos Soares, apontados como fraudadores da Sudam, têm ligação estreita com o senador. Além de Jader, também o seu sobrinho, o deputado José Priante (PMDB-PA), consta do levantamento da PF. Jader e o Priante são acusados de usar dinheiro desviado da Sudam para financiar suas campanhas eleitorais em 1998. O novo pedido de quebra do sigilo de Jader, se autorizado, dará início à terceira devassa nas contas do senador com autorização do Supremo. Pela primeira vez, porém, o período investigado coincide com o seu mandato parlamentar. Outros dois pedidos foram dirigidos ao STF pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal pelo envolvimento do senador com fraudes na negociação de Títulos da Dívida Agrária (TDAs), na época em que era ministro da Reforma Agrária, e pelo desvio de recursos no Banco do Estado do Pará (Banpará), quando era governador de estado. Fórum Nacional discute Amazônia O Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae) vai promover na próxima terça-feira, dia 18, o seminário especial do Fórum Nacional sobre o tema ‘‘A Biodiversidade como Estratégia Moderna de Desenvolvimento da Amazônia’’. Os debates terão início às 14h30 na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro. Vice-governador condenado por contratações irregulares Benedito Domingos e outros dois ex-colaboradores do Governo do Distrito Federal devem ressarcir os cofres públicos por descumprirem decisão judicial O vice-governador do Distrito Federal, Benedito Domingos, o ex-superintendente da Subsecretaria das Administrações Regionais (Sucar) Herman Ted Barbosa e o ex-presidente do Instituto Candango de Solidariedade (ICS) Ronan Batista de Souza terão de ressarcir os cofres públicos toda a verba utilizada para pagar funcionários contratados sem concurso público no início do ano passado. Os servidores foram admitidos para trabalhar em 19 administrações regionais e cinco subadministrações. A decisão é do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da 3ªVara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do DF. O juiz considerou ilegal o contrato de R$ 130 milhões firmado em janeiro de 2000 entre a vice-governadoria, Sucar e o Instituto Candango — comandado pela primeira dama Weslian Roriz — que permitiu a contratação de 4.532 servidores sem concurso público. Embora o contrato seja de R$ 130 milhões, o juiz ainda vai definir o valor da indenização por perdas e danos a ser paga. Ele aguarda informações do GDF sobre o montante utilizado no contrato. A ação popular foi movida pelo deputado distrital Wasny de Roure (PT). A sentença é de primeira instância e ainda cabe recurso. Para o juiz, o contrato fere o artigo 37 da Constituição Federal, segundo o qual a admissão de servidores públicos depende de aprovação prévia em concurso, exceção feita às nomeações para cargos comissionados. Em sua decisão, ele classificou o contrato como uma ‘‘simulação’’ utilizada para empregar pessoas sem concurso público e condenou a escolha ‘‘política’’ dos funcionários. ‘‘Não se admite que o pessoal integrante da Administração Pública seja suprido pela escolha meramente política’’, diz um trecho da decisão. A assinatura do contrato sem realização de licitação pública também foi considerada irregular. O juiz ressaltou, ainda, que o ICS possui ‘‘nítida vinculação e influência do governo, uma vez que a presidência do instituto é exercida pela primeira-dama, Weslian Roriz’’. Outro aspecto criticado na sentença é a tentativa do governo do Distrito Federal de driblar decisões judiciais anteriores que proibiram a contratação de servidores sem concurso por intermédio de convênios com o Instituto Candango. ‘‘A imoralidade do contrato emerge ainda mais clara quanto se verifica que a vinculação ao gabinete do vice-governador e à Sucar foi firmada como tentativa de contornar proibição já determinada judicialmente’’, escreveu o juiz. O vice-governador Benedito Domingos foi informado da decisão na noite de ontem e avisou que vai recorrer. ‘‘Os funcionários contratados prestaram serviços à comunidade e às administrações regionais. Espero que em uma esfera superior a Justiça faça uma análise mais profunda e tenha um entendimento diferente’’, declarou. Herman Ted Barbosa também anunciou que pretende apresentar recurso contra a sentença. ‘‘Fizemos as contratações baseadas num parecer favorável da Procuradoria do DF’’, defendeu-se. O consultor jurídico do GDF, Paulo César Ávila, disse que só se pronunciará depois de notificado sobre a decisão. Autor da ação popular, o distrital Wasny de Roure comemorou a sentença. ‘‘Os servidores foram contratados sem concurso público e isso fere a Constituição’’, destacou. Para ele, o GDF escolheu os funcionários baseados em interesses políticos. Ameaça de CPI contra Jereissati O governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), sofreu ontem sua maior derrota política: a Assembléia Legislativa do Estado conseguiu reunir 13 assinaturas apoiando a instauração de uma CPI para investigar o rombo no Banco do Estado do Ceará (BEC). Pelo regimento da Assembléia seria preciso um mínimo de 12 assinaturas para a apresentação do pedido de CPI. Caso seja aprovada pela Procuradoria da Assembléia e pelo presidente da Casa, essa será a primeira CPI contra um órgão do governo do Estado nas três gestões de Tasso. O apoio de uma ala de parlamentares liderada pelo presidente da Assembléia, o ex-tucano Wellington Landin (sem partido), foi decisivo para a apresentação do pedido de CPI. Até pouco mais de um mês, o grupo era considerado governista e a oposição não havia conseguido o número mínimo de assinaturas. Há algum tempo, a oposição tenta instaurar CPIs para investigar órgãos ligados ao governo Tasso, mas nunca tive o apoio necessário dos deputados governistas. O apoio de Wellington Landim deve facilitar a aprovação do pedido. O presidente da Assembléia deverá filiar-se ao PSB para concorrer ao governo do Estado representando as esquerdas. A primeiras denúncias contra o presidente do BEC, José Monteiro Alencar, começaram a surgir em 1996. Na época, o deputado petista João Alfredo Telles tentou, sem sucesso, instaurar uma CPI . Alencar permaneceu no cargo entre 1995 e 1998. Na ocasião, os deputados aliados a Tasso conseguiram impedir a CPI. Em 1998, o banco sofreu intervenção e foi federalizado. A principal denúncia a ser investigada pelos parlamentares cearenses é a de que o BEC teria facilitado empréstimos milionários a empresários e políticos que não devolveram o dinheiro aos cofres públicos. O rombo causado por esses empréstimos chegaria próximo a R$ 1 bilhão. A Procuradoria da Assembléia Legislativa tem 15 dias para anunciar seu parecer contra ou favor à CPI. Nos bastidores, o governador tenta se articular com deputados do PPS, partido do presidenciável Ciro Gomes, e do próprio PSDB, para tentar evitar a investigação. Os governistas alegam que a CPI seria inconstitucional porque o BEC não é mais estadual. A oposição argumenta que a CPI não vai investigar a gestão atual do banco, mas as operações que ocorreram na gestão de Alencar, quando o BEC ainda pertencia ao governo do Ceará. Além da CPI, o procurador da República Gerim Cavalcante ofereceu uma denúncia pública contra a gestão de Alencar no BEC, que tramita na 11ªVara da Justiça Federal do Ceará. Ameaça de bomba na Justiça Federal Duas ameaças de bomba movimentaram ontem as polícias e a população de Brasília. No fim da tarde foi feita uma denúncia de que havia um cano de PVC, medindo 50 centímetros, enrolado com fitas adesivas no banheiro do oitavo andar do edifício da primeira instância da Justiça Federal. Imediatamente, o esquadrão antibombas da Polícia Federal foi acionado para atender ao chamado. Juízes e demais funcionários foram obrigados a deixar seus locais de trabalho. Em 30 minutos, o prédio de 12 andares, que abriga cerca de 400 pessoas diariamente, foi evacuado. Minutos depois, policiais federais entraram no prédio e levaram mais de uma hora para desativar o artefato. Logo em seguida, eles constataram que o tubo estava vazio. Trata-se apenas de um alarme falso. Também ontem, o edifício-sede da empresa de telefonia Brasil Telecom foi desocupado por suspeita de bomba, mas nenhuma artefato foi encontrado. Juiz pede prisão de Fujimori A Suprema Cor-te do Peru pediu ontem a prisão do ex-presidente Alberto Fujimori (foto), que vive exilado no Japão. ‘‘Expedimos ordens de prisão para sua captura nos níveis nacional e internacio-nal’’, disse o juiz José Luis Lecaros. O Congresso peruano acusa Fujimori de responsabilidade por dois massacres, no início dos anos 90, durante seu mandato. Em um dos episódios, em 1991, 15 pessoas teriam sido confundidas por forças de segurança com terroristas. No ano seguinte, nove estudantes e um professor foram mortos. O ex-presidente, que nega ter participação nos casos, disse, por meio de sua página na Internet, que é vítima de perseguição política e que não retorna ao Peru porque não receberia um julgamento justo. O juiz Lecaros pediu à Interpol (polícia internacional) que execute a ordem de prisão. Ele declarou que a ordem será passada à polícia em dez dias. Fujimori, que tem cidadania japonesa, vive em Tóquio desde novembro passado, após renunciar à Presidência em conseqüência de um escândalo de corrupção envolvendo seu então braço-direito, Vladimiro Montesinos. Artigos A hegemonia dos Estados Unidos e a guerra islâmica Esse meio século de triunfo imperialista, como então se dizia, deu lugar a um século de reações políticas e ideológicas, muitas das quais levaram a regimes totalitários ou autoritários de um ou outro signo O ataque e a destruição dos centros financeiros e militares do poder americano não são somente um estouro de violência e a expressão de ódio que se manifestou em algumas cidades árabes, são uma declaração de guerra, lançada por algumas redes islâmicas no momento em que o islamismo político está em retrocesso. Os movimentos religiosos se ampliaram primeiro como uma campanha nacionalista, depois como movimento político, em que a tomada de poder era mais importante que a afirmação religiosa, mas o êxito econômico dos Estados Unidos debilitou esses movimentos. A burguesia árabe havia passado, pouco a pouco, para o lado da economia globalizada, deixando os cidadãos comuns sem apoio e sem dirigentes a quem seguir. Ao renunciar ao poder na maior parte dos países muçulmanos, o movimento islâmico não tem, porém, outra escolha senão sua autodecomposição ou a violência. E a violência ganhou tanto contra a primeira tendência como contra o poder americano, pois unifica os que se dividem. Não se trata de uma guerrilha, nem mesmo de terrorismo, mas de guerra. Ninguém esperava ver frotas aéreas ou marítimas se enfrentarem maciçamente, ninguém pode localizar e descrever com detalhes a organização militar, os recursos econômicos e o sistema de informação que permitem aos antiamericanos levar a cabo essa guerra. Mas existe uma situação de guerra a partir do momento em que a luta pela tomada do poder no mundo árabe se vê substituída pela decisão de atacar diretamente o adversário. É possível reproduzir os ataques que acabam de sofrer Nova York e Washington? Nada permite descartar essa hipótese. Os Estados Unidos estão ameaçados como um todo e sentem a dureza dos golpes cada vez que descobrem a incapacidade de seus serviços de segurança, cujos melhores elementos devem ter sido mandados para Hollywood há muito tempo. Ampliemos agora nosso campo de visão. Alguém pode se negar a ver a extrema hegemonia exercida pelos Estados Unidos sobre o conjunto do mundo? Desde os inimigos invadidos a aliados que marcham no mesmo passo que eles, o mundo inteiro está consciente de que vive sob uma hegemonia cujos aspectos positivos não devem ser, antes de tudo, esquecidos: concentração dos meios de criação cultural, universidades que atraem a elite do mundo inteiro, êxito do movimento pelo reconhecimento dos direitos culturais, etc. Durante mais de 25 anos, e sobretudo desde 1989, essa hegemonia foi mais absoluta do que a Grã-Bretanha e outras potências capitalistas o foram entre 1870 e 1914. Agora, esse meio século de triunfo imperialista, como então se dizia, deu lugar a um século de reações políticas e ideológicas, muitas das quais levaram a regimes totalitários ou autoritários de um ou outro signo. E foi necessário quase um século inteiro para pôr fim a esses regimes tanto antidemocráticos quanto anticapitalistas. Já entramos em um século 21 que vai reproduzir a história do século 20, porém com um dramatismo ainda maior? A diferença principal será que no lugar de enfrentamentos entre nações organizadas veremos — como já vemos — que em volta do império e seus símbolos de poder se formam redes de sombra que encontram recursos necessários na indústria petrolífera e na vontade de alguns jovens em sacrificar suas vidas por convicções religiosas e políticas. O mundo pode se transformar em um gigantesco país basco. Mas devemos atentar para que essas visões, talvez a longuíssimo prazo, não nos impeçam de definir com maior precisão o momento presente. Vemos na Palestina como uma intifada se transforma em guerra e Ariel Sharon apartar todas as possibilidades, soluções elaboradas por Ehud Barak dentro do espírito dos acordos de Oslo. Nos Estados Unidos, George Bush multiplicou a ostentação de poder e de dinheiro. Ao mesmo tempo em que os melhores analistas vêem como se debilita o islamismo político em muitos países, passamos deste ao islamismo guerreiro que acaba de se manifestar. A mudança principal de um a outro é que os inimigos dos Estados Unidos são cada vez menos visíveis e que ao mesmo tempo fortalecem as situações extremas ou nascem as vocações de camicases. Para terminar, é possível questionar sobre o papel que poderia ter a Europa? Seria indecente propor uma mudança de liderança ou uma limitação da hegemonia americana quando as ruas de Nova York ainda estão cobertas de escombros. Mas pode-se pedir tanto aos europeus como aos próprios americanos que detenham a concentração de poder e dos benefícios que nos introduziram em um mundo de violência e, portanto, em uma debilitação da democracia e ampliação dos regimes e movimentos autoritários. Os Estados Unidos receberam um duro golpe e é, em primeiro lugar, nas vítimas dos ataques aéreos que se deve pensar. Mas todos temos a responsabilidade de evitar um enfrentamento cada vez maior entre um poder absoluto e uns desenraizados sem esperança. Editorial Posição firme O mundo mudou. E para pior. Esta é a conclusão de analistas, nacionais ou internacionais. A partir dos atentados de Nova York e de Washington haverá nova divisão de poder no mundo. Países que apóiam os Estados Unidos e os que estão contra a grande potência do norte. De outra maneira: quem favorece o terrorismo e quem o combate. Não há coluna do meio. É um lado ou outro. Esta perspectiva incomoda militares e diplomatas brasileiros. Em 1942, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor, no Havaí, o governo brasileiro concedeu ao norte-americano o direito de utilizar as bases de Belém, Natal, Recife e Salvador. Em contrapartida recebeu o investimento da United States Steel, que construiu a usina siderúrgica de Volta Redonda. Essa negociação resultou no início da industrialização do Brasil. Agora, no entanto, não há como agir ao estilo de Getúlio Vargas, que oscilou entre extremos na busca do melhor negócio. Neste momento os norte-americanos solicitam apoio irrestrito para sua guerra mundial contra o terrorismo. O Brasil tem problemas. Mas nenhum deles pode afastar o país de seu compromisso com o mundo livre e democrático. E com a reiteração de firme condenação do terrorismo como forma de ação política. As mazelas internacionais, sejam de origem econômica ou social, devem ser solucionadas na mesa de negociação. Mas o momento é de emergência na luta contra o inimigo que mata, mas não mostra sua face. O sacrifício inútil da população civil não auxilia em nada a construção da paz. Ao contrário, gera mais ódio e abre possibilidade para retaliações infinitas. É, portanto, chegada a ocasião de os profissionais se sentarem à mesa de negociações. A chamada guerra assimétrica, que opõe exércitos organizados contra grupos terroristas, vai se espalhar pelo mundo. Não é conflito ideológico. É confronto de culturas ou de civilizações. São maneiras diferentes de enxergar a realidade. O Brasil faz fronteira com quase todos os países sul-americanos. E convive com eles em paz. Essa é a tradição nacional. O presidente Fernando Henrique percebeu as dificuldades do momento e convocou líderes políticos para discuti-las. Haverá conseqüências no país, tanto no volátil mercado de títulos e valores, quanto na vida do cidadão. Em 1982, os militares brasileiros foram surpreendidos pela Guerra das Malvinas. Agora, a surpresa vem do terrorismo em escala planetária. É preciso se preparar para o novo tempo. Prestar solidariedade às vítimas norte-americanas e condenar este tipo de ação são medidas imperativas para um país pacífico como é o Brasil. Não cabem dúvidas nem hesitações diante da bárbara agressão acontecida em Nova York e Washington. Terrorismo, não. Topo da página

09/14/2001


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