Aprovado relatório contra Olívio Dutra







Assembléia do Rio Grande do Sul aprova relatório contra Olívio Dutra
PORTO ALEGRE. Os deputados da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovaram ontem em plenário o relatório da CPI da Segurança Pública que indiciou o governador Olívio Dutra (PT) e outras 41 pessoas. O resultado da votação na Assembléia, onde os partidos de oposição contam com maioria absoluta, foi de 36 votos a favor e dez contra. A Assembléia conta com 55 deputados, dos quais 12 são governistas.

A votação estava prevista somente para o próximo dia 14, mas foi colocada na ordem do dia ontem, quando os deputados se preparavam para votação de projetos e iniciativas da Assembléia que têm de estar concluídos até o recesso parlamentar, cujo início está marcado para o dia 15.

Documento irá para o Ministério Público e o TRE

O relatório agora será encaminhado aos Ministérios Públicos estadual e federal e ao Tribunal Regional Eleitoral, para apuração de irregularidades denunciadas pelo relator Vieira da Cunha (PDT).

A votação imediata do documento era um das reivindicações do governo Olívio Dutra, alegando que na esfera do Judiciário poderá fazer sua defesa em um terreno isento.

O governador Olívio Dutra foi indiciado por crime de responsabilidade e de improbidade administrativa no relatório da CPI e alvo de carta-denúncia, por prevaricação, na Justiça Comum, junto com o secretário de Segurança Pública, José Paulo Bisol.

Entre outras autoridades do governo petista que também foram indiciados, se encontram o vice-governador Miguel Rossetto, o secretário da Fazenda, Arno Augustin, além de Espártaco Dutra, filho de Olívio Dutra.

A CPI da Segurança Pública investigou as relações do governo Olívio com o jogo do bicho e resultou, além do indiciamento de petistas importantes, no fechamento do Clube de Seguros da Cidadania, entidade formada para arrecadar fundos para as campanhas eleitorais do PT.

O prédio onde funcionava a sede do PT estadual foi comprado pelo Clube da Cidadania e cedido, em regime de comodato, ao partido. A CPI encontrou indícios de que as doações para a compra do prédio foram irregulares.

Diógenes de Oliveira, principal personagem da CPI, acabou sendo desfiliado do PT gaúcho, depois que a CPI apresentou uma gravação em que ele pressionava o ex-chefe de Polícia Luiz Fernando Tubino para que ele não reprimisse o jogo do bicho. Diógenes afirmou que falava em nome do governador Olívio Dutra. Ao depor na CPI, disse que usara o nome do governador indevidamente.


Fim da imunidade vai a nova votação
BRASÍLIA. A Câmara terá que correr contra o tempo se quiser cumprir a determinação do presidente, Aécio Neves (PSDB-MG), de limpar a pauta até o dia 21. Para compensar as duas semanas em que o plenário ficou parado por causa da votação do projeto de mudança nas leis trabalhistas, Aécio informou ontem que a partir desta semana as sessões de quinta-feira passam a ser deliberativas até o fim do ano. Na pauta de hoje, a prioridade é a votação do segundo turno da emenda que limita a imunidade parlamentar.

Em primeiro turno, a emenda recebeu 412 votos a favor, nove contra e quatro abstenções. Caso seja aprovada novamente, ela será enviada ao Senado.

Passando no Congresso, a emenda vai complicar a vida dos parlamentares que buscam um mandato para fugir da punição por crimes comuns: o Supremo Tribunal Federal não precisará mais da autorização do Congresso para processá-los.

Deputado quer mudar texto já aprovado

Mas a votação de hoje pode não ser tão pacífica como se espera. Gerson Peres (PPB-PA) quer mudar o texto que restringe a imunidade parlamentar apenas a delitos de opinião, palavra e voto.

Gerson Peres pretende apresentar uma emenda na tentativa de ampliar o conceito de imunidade para crimes comuns praticados em decorrência do exercício do mandato, como por exemplo, uma agressão física durante uma manifestação política. Mas Aécio deseja aprovar o texto sem alterações, para enviá-lo logo ao Senado, onde espera vê-lo aprovado ainda este ano.

— Essa emenda é a maior revolução comportamental da vida pública brasileira na história republicana. A mudança requalificará a representação parlamentar do futuro e a Câmara estará livre daqueles que não merecem conviver conosco — afirmou Aécio.

Com a pauta liberada, na semana que vem deverá ser votada a emenda que altera o artigo 222 da Constituição e permite a participação de até 30% de capital estrangeiro nas empresas de comunicação.

Aécio enviará a conselho dois processos de cassação

Amanhã, Aécio Neves despachará com o corregedor Barbosa Netto (PMDB-GO), que vai enviar à Mesa o pedido de abertura de processo por quebra de decoro contra dois deputados: José Alecksandro (PSL-AC) e Silas Brasileiro (PMDB-GO). Aécio prometeu enviar os processos ao Conselho de Ética, que deverá analisar se são casos de cassação.

Silas é acusado de extorquir salários de seus funcionários de gabinete. Alecksandro, suplente de Hildebrando Pascoal, cassado em 1999, é acusado de ter ligações com o crime organizado no Acre e de ter ajudado na fuga de seu irmão da cadeia.

Na Câmara, depois de aberto o processo de cassação no conselho, o deputado não pode mais renunciar para preservar o mandato. Barbosa já enviou à Mesa pareceres pedindo o arquivamento dos pedidos de processo contra 12 deputados.


Assessora de Itamar é acusada
BELO HORIZONTE. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco, desembarca hoje em Belo Horizonte, depois de cinco dias fora do estado, em plena crise provocada por um de seus colaboradores. A presidente do Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), a deputada federal Maria Lúcia Cardoso (PMDB), mulher do vice-governador Newton Cardoso, foi acusada ontem de comandar um esquema que visa a beneficiar parentes e amigos com verbas que deveriam ser destinadas a programas sociais.

— Não costumo me basear no que sai publicado na imprensa. Mas vou ouvir a deputada, por quem tenho muito apreço — disse Itamar ontem, em Brasília.

O Servas, que é historicamente presidido pela primeira-dama, acabou nas mãos de Maria Lúcia — que foi também secretária de Trabalho e Assistência Social de Minas Gerais — porque o governador é separado.

Deputada teria pagado mensalidades escolares

Segundo denúncia publicada ontem no jornal “ Estado de Minas”, que garantiu ter os recibos, Maria Lúcia teria pagado com dinheiro do Servas mensalidades escolares de seus sobrinhos e também despesas hospitalares de seus parentes.

Maria Lúcia não se pronunciou ontem sobre a acusação, mas terá uma conversa hoje com o governador. Segundo a direção do Servas, os parentes de Maria Lúcia se enquadram nas exigências e por isso foram beneficiados.

A deputada também foi acusada de dar empregos a parentes na entidade, que preside desde 1999. Um deles seria Ana Paula Mendonça, irmã da parlamentar. Em agosto do ano passado, Maria Lúcia também foi acusada de desviar eletrodomésticos doados por uma rede de supermercados e também de comprar alimentos superfaturados.

Maria Lúcia diz que exigências foram cumpridas

Numa nota assinada pela sua assessoria, Maria Lúcia afirmou que sua irmã, Ana Paula Mendonça, é diretora administrativa do Servas e que três sobrinhos seus receberam bolsas de estudo, mas depois de cumprirem as exigências no que diz respeito à carência.

Durante seu mandato de governador, Newton também enfrentou diversas denúncias. Suas contas foram rejeitadas pela Assembléia Legislativa. Passou à História como o governador que enfrentou o maior número de processos. Só pedidos de impeachment foram três, fato inédito na política mineira . Fora as ações por enriquecimento ilícito, grilagem de terras, uso indevido da máquina administrativa, fraude num projeto habitacional e causas trabalhistas contra o estado.
Segundo ele, tudo não passou de ataques de inimigos políticos ou de grupos interessados em verbas do governo.


Senado homenageia Roberto Marinho e destaca sua contribuição à cultura
BRASÍLIA. O presidente das Organizações Globo, jornalista Roberto Marinho, foi homenageado ontem no plenário do Senado, onde senadores de diversos partidos destacaram o papel importante que vem prestando ao país, especialmente nos setores de educação e cultura. A iniciativa foi de Íris Rezende (PMDB-GO), que quis homenageá-lo pelo aniversário, segunda-feira, quando completou 97 anos. Íris fez um balanço das atividades do jornalista, das Organizações Globo e de toda a família.

O presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), fez questão de presidir a sessão até o fim, mesmo com reunião da executiva de seu partido marcada para a mesma hora.

“Antes de tudo, um humanista verdadeiro”

Íris Rezende discursou:

— Somente a Fundação Roberto Marinho seria bastante para demonstrar que esse grande jornalista é, antes de tudo, um humanista verdadeiro, um pioneiro sonhador que soube construir uma rede de comunicações de padrão internacional, porém sem jamais esquecer o atendimento ao povo brasileiro, com o objetivo primordial do seu trabalho.

— Quem comemora 97 anos não o faz apenas pela feliz coincidência de fatores biológicos. É preciso ter muita disposição de viver e de trabalhar. Trata-se de um grande cidadão de grande importância para a cultura brasileira. A novela desenvolvida pela TV Globo é um produto cultural absolutamente único no mundo. Se há um elemento que destaca o Brasil no exterior é esse folclore humano das cidades. Se Roberto Marinho nada mais tivesse feito, só esse elemento da valorização cultural já o tornaria um cidadão notável e respeitável — completou José Fogaça (PMDB-RS).

Íris lembrou o posicionamento democrático de Roberto Marinho em momentos cruciais da história do país, na luta contra os regimes totalitários, como na era Vargas e no golpe militar de 1964. Ele destacou que, mesmo tendo apoiado a candidatura presidencial de Getúlio Vargas, em 1937, Roberto Marinho discordou frontalmente do presidente quando da implantação da ditadura do Estado Novo. Já em 64, lembrou o senador, Roberto Marinho reagiu com firmeza quando foi instado a expurgar intelectuais de esquerda que trabalhavam na sua empresa.

— Ele não aceitou, recusando a lista negra dos militares. Ninguém foi demitido. Um desses intelectuais era o romancista Jorge Amado — lembrou Íris.

Artur da Távola (PSDB-RJ) aproveitou para dar seu testemunho dos 15 anos que trabalhou com Roberto Marinho.

— Brigávamos muito, mas ele sempre manifestou sua opinião respeitando a do seu subordinado. Jamais teve um ato de censura. Quando trabalhei com ele, seus filhos estavam na casa dos 20 anos. Pude observar que eles passaram por todas as funções das organizações. Isso é uma demonstração de acuidade excepcional. São gestos assim que explicam o sucesso de suas atividades — disse.

Romeu Tuma (PFL-SP) enfatizou o apoio das Organizações Globo às ações da Polícia Federal quando ele estava à frente da instituição. De Minas Gerais, Francelino Pereira (PFL) e José Alencar (PL) também endossaram os discursos. Alencar relatou o esforço de Roberto Marinho, no início da carreira, para transformar O GLOBO em jornal matutino.

— Ninguém chega a esse ponto por acaso. É um homem que trabalhou muito. Seus filhos também trabalharam por todos os escalões da empresa e isso é prova de que levam o trabalho a sério. Roberto Marinho é orgulho da imprensa nacional — disse Alencar.

Gilvam Borges (PMDB-AP) e Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) enfatizaram a integração nacional proporcionada pelos veículos das Organizações Globo.

Tebet lembrou que participou recentemente de um seminário promovido pelas Organizações Globo cujo tema era “O Brasil que nós queremos”:

— Temos certeza de que o Brasil que Roberto Marinho defende é um Brasil mais justo. É esse sentimento cívico e um amor à pátria que movem o jornalista Roberto Marinho. O Senado cumpre um dos seus importantes papéis ao prestar essa homenagem a um dos grandes vultos do nosso país.


Câmara aprova urgência para projeto de reajuste
BRASÍLIA. A Câmara deverá votar hoje projetos que asseguram os reajustes salariais propostos pelo governo para os servidores públicos em 2002 e aprovam o acordo que pretende pôr fim à greve dos professores das universidades federais. A urgência de votação para os projetos foi aprovada ontem.

Um dos projetos trata do reajuste linear de 3,5% para os servidores. Outro propõe reajustes de até 35% para uma parcela do funcionalismo que ocupa cargos administrativos no Plano de Classificação de Cargos (PCC). O terceiro projeto é o enviado pelo governo que reajusta as gratificações de estímulo à docência para os professores das universidades federais. No entanto, esse deverá ser transformado em um novo projeto, fruto do acordo fechado na semana passada entre governo e os professores em greve, que também teve a urgência aprovada ontem.

O reajuste de 3,5% e o aumento de até 35% para os servidores que estão no PCC foram anunciados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso um dia antes do funcionalismo público federal entrar em greve em agosto. A proposta do governo cria uma gratificação de desempenho para 255 mil funcionários do PCC, que, com isso, terão reajustes que podem variar entre 18% e 35%. O reajuste linear de 3,5%, segundo o Ministério do Planejamento, será concedido em janeiro e beneficiará 1,1 milhão de servidores ativos e inativos.


‘Não quero ser vice de ninguém’, avisa Tasso
WASHINGTON. O governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), defendeu ontem a aliança com o PFL e descartou a possibilidade de aceitar ser vice numa chapa governista para a disputa presidencial. Ele disse que fará o possível para obter a sua indicação como candidato do partido à Presidência, mas que endossará outro nome, caso haja consenso no partido.

— Aceito qualquer candidato que o meu partido escolher. Mas não quero ser vice de ninguém — disse Tasso, na embaixada do Brasil em Washington.

Tasso foi à capital dos Estados Unidos para participar de uma reunião do Banco Mundial de avaliação dos programas de combate à pobreza.

O governador prefere que a escolha do candidato do PSDB seja feita em março. E sob uma condição que disse considerar fundamental.

— É preciso manter a aliança PFL-PSDB. Não se pode pensar que se pode ganhar sozinho. Eu acho que o PSDB deve e tem condições de apresentar a sua própria candidatura à Presidência. Mas tem que ir com os olhos e os braços abertos para aceitar outras possíveis candidaturas — afirmou.

Segundo o governador do Ceará, o presidente Fernando Henrique terá um papel fundamental na escolha de um nome para representar a aliança. Ele disse, porém, que o presidente não será o único responsável pela escolha do candidato:

— Fernando Henrique é o grande eleitor, mas não pode ser o único — afirmou.

Depois de dizer, bem-humorado, que gostaria muito que a candidatura do petista Luiz Inácio Lula da Silva “morresse na praia, mais uma vez”, Tasso disse que as chances do PT são boas:

— Não podemos tapar o sol com a peneira. Lula é o favorito hoje. O país está maduro. Acabou essa coisa de que seria um desastre o PT ganhar. Não haverá fuga de capitais.

Em Brasília, ontem, a maioria da executiva do PSDB chegou à conclusão de que a melhor forma para escolher o candidato do PSDB à Presidência é por meio da realização de uma pré-convenção. A data ainda não foi escolhida. O mais provável é que seja depois do carnaval. Programada para ontem, a reunião da executiva que decidiria os critérios de escolha do candidato foi adiada.


Prévias do PMDB são marcadas para 17 de março
BRASÍLIA. A executiva nacional do PMDB decidiu adiar para 17 de março a guerra interna entre governistas e aliados do governador de Minas, Itamar Franco. Neste dia deverá acontecer a prévia para escolher o candidato do partido à Presidência da República. Os dois pré-candidatos, Itamar Franco e o senador Pedro Simon (RS), terão três meses para tentar viabilizar na prática a tese da candidatura própria. Enquanto isso, os governistas ganharam tempo para negociar a manutenção da aliança com o PSDB e, se for o caso, inviabilizar as prévias.

Itamar foi a Brasília, mas não participou da reunião

A decisão de adiar a consulta e ampliar o número de eleitores para cerca de 16 mil, com a inclusão dos vereadores, foi adotada por unanimidade. Itamar chegou a Brasília na tarde de segunda-feira, mas não compareceu à reunião da executiva, alegando um mal-estar. Alguns de seus aliados contaram que ele não queria mesmo participar da reunião.

— O importante é que saímos da reunião com tudo acertado. Isso é fundamental para reunificar o partido — afirmou o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP).


Artigos

A questão étnica no Brasil
MARCO MACIEL

Os tempos de afirmação social e de fecundas transformações por que passa a sociedade brasileira indicam que o país está finalmente engajado em um aspecto que diz respeito às suas responsabilidades históricas, às quais sucessivas gerações da elite política brasileira sempre demonstraram inconcebível alheamento. Refiro-me à questão étnica.

Oportuno lembrar a terrível, mas verdadeira, sentença prolatada por Joaquim Nabuco em sua pregação em favor do abolicionismo, quando afirmou que não bastava extinguir a escravidão no Brasil. Importante era erradicar seus efeitos. As formas ostensivas e disfarçadas no racismo, que permeiam nossa sociedade há séculos, sob a complacência geral e a indiferença de quase todos, são parte dessa obra inacabada, inconclusa, de cujos efeitos somos responsáveis.

A riqueza da diversidade cultural brasileira não serviu, em termos sociais, senão para deleite intelectual de alguns e demonstração de ufanismo de muitos. Terminamos escravos do preconceito, da marginalização, da exclusão social e da discriminação que caracterizam o dualismo social e econômico do Brasil. É chegada a hora de resgatarmos esse terrível débito, que não se inscreve apenas no passivo da discriminação étnica, mas sobretudo no da quimérica igualdade de oportunidades virtualmente asseguradas por nossas constituições a brasileiros e estrangeiros que vivem em nosso território.

Se não seguirmos o conselho de Nabuco, pouco teremos feito para virar essa página mal escrita de nossa História. Basta percorrermos os índices do desempenho social brasileiro para constatar o peso da herança histórica e da realidade sociológica do país. O “papel da ação afirmativa” deve indicar muito mais do que um simples diálogo ou a mera constatação de uma adversidade — mancha mais indelével em nossa trajetória política desde que nos transformamos em nação. Espero que o exame da experiência americana, a partir de alguns de seus marcos mais significativos, entre os quais a decisão da Corte Suprema revogando o entendimento quase secular da constitucionalidade da doutrina de “iguais mais separados”, sirva de inspiração para que possamos transitar do campo sempre fértil das promessas para o terreno mais promissor das realizações.

Temos de convir que a exclusão social, embora dramática sob o ponto de vista da desigualdade de oportunidades que se cristalizou como o marco diferencial de nossa civilização, gerou conseqüências que contribuem para agravar a discriminação racial. É uma espiral perversa que não será vencida se nos ativermos às conseqüências sem remoção das causas. O Brasil terá de convencer-se de que os negros e seus descendentes deixarão de ser minoria no próximo século, pois já representam maioria em três das cinco regiões brasileiras.

Atualizaríamos o pensamento de Nabuco se às “medidas sociais” a que aludiu acrescentássemos as de natureza econômica.

Vencer o preconceito que se generalizou e tornar evidente o débito de sucessivas gerações de brasileiros para com a herança da escravidão que se transformou em discriminação é apenas parte do desafio. Se vamos consegui-lo com o sistema de quotas compulsórias no mercado de trabalho e na universidade, como nos Estados Unidos, ou se vamos estabelecê-las também em relação à política, como acaba de fazer a lei eleitoral com referência às mulheres, é uma incógnita que de antemão ninguém ousará responder. Não tenho dúvida de que se não tivesse havido discriminação econômica não teria havido exclusão social. Sem uma e a outra, a discriminação racial não teria encontrado o campo em que plantou raízes. O caminho da ascensão social, da igualdade jurídica, da participação política, terá de ser cimentado pela igualdade econômica que, em nosso caso, implica o fim da discriminação dos salários, maiores oportunidades de empregos e participação na vida pública.

Neste sentido, parece-me, o papel da educação será essencial. Lembrava Nina Rodrigues que, no Brasil, até os traços predominantes da cultura negra em nosso multiculturalismo, se não desapareceram, pelo menos esmaeceram. Já não distinguimos mais, tal como aconteceu com a cultura indígena, o que e o quanto de nosso cotidiano devemos ao negro.

As conquistas jurídicas da Carta de 1988, artigos 3, 5 e 7, têm de ser seguidas de conquistas econômicas, capazes de reverter a crença de que o sucesso, a ascensão e a afirmação dependem apenas do esforço individual na superação do preconceito.

É preciso que todos tenham consciência, sem que para isso sejam lembrados constantemente, de que somos a maior nação africana fora da África.

Comparativamente à realidade dos Estados Unidos, temos a vantagem de não termos de superar a segregação e a separação, que tanto esforço custaram à sociedade americana. Em troca, temos de convencer uma parcela razoável da nossa gente de que medidas compensatórias em favor dos negros não representam apenas uma etapa da luta contra a discriminação, mas o fim da era da desigualdade, da exclusão, se pretendemos uma sociedade igualitária e mais justa.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL

Nas trevas

Nem mudanças na CLT, nem na regra da imunidade, nem na tabela do Imposto de Renda. O tema mais relevante da pauta do Congresso, para o país e seus habitantes, é o Orçamento de 2002, que teoricamente distribuirá os impostos pagos segundo as necessidades de cada setor ou região. Mais uma vez, porém, o Orçamento será votado de forma negligente, quase às cegas, sob os sinos de Natal.

Com os trabalhos prorrogados por uma semana, parlamentares ansiosos para tomar o avião votarão, orientados apenas pelo sim ou não de seus líderes, um Orçamento de R$ 1 trilhão. Ou de R$ 320 bilhões, se separados os encargos da dívida, que se multiplicam velozmente.

— Essa ausência de debate suprime a prerrogativa do Congresso de participar do planejamento orçamentário. E o açodamento ainda nos levará a outros TRTs, se não a uma nova CPI do Orçamento — protestava ontem o líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro.

Se no Congresso há displicência, na execução, pelo governo, há opacidade. O Orçamento deve ser executado até 31 de dezembro e, no entanto, diz ainda Pinheiro, até agora apenas 16% dos investimentos foram executados.

-— Evidentemente será impossível executar 84% neste finalzinho de ano. O resultado será quase um outro Orçamento transferido para “restos a pagar” no ano eleitoral de 2002.

Em 1998, outro ano de sucessão presidencial, a execução de investimentos cresceu mais de 50% em relação aos dois anos anteriores. E foi 118% superior à de 1999, embora nominalmente inferior.

Mal discutido, sob a concorrência de outros projetos carimbados como urgentes, o Orçamento de 2002 passa como um boeing sobre a cabeça dos parlamentares. Quando aterrissar no plenário, será tarde para examiná-lo. Será tarde para discutir, por exemplo, a desidratação do Fundo de Combate à Pobreza. Ele ganhou 0,8% da receita da CPMF, mas outras fontes de financiamento da assistência social foram retiradas, como a contribuição sobre o lucro e parte da Cofins. No frigir das verbas, sem contar a Lei Orgânica da Assistência Social, que tem receita garantida em lei, o crescimento será apenas de R$ 940 milhões para R$ 970 milhões. No plenário, será tarde também para questionar o uso de R$ 300 milhões do Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações), destinado a financiar projetos com a informatização das escolas no ajuste fiscal. Mas é o que acontece quando tais recursos são “guardados” na reserva de contingência.

Na distribuição do pirão, em vez de prioridades ou planejamento, prevalece a força das bancadas ou dos partidos. Mesmo no bem-aquinhoado PFL, havia irritação ontem com a prioridade dada pelo relator de meio ambiente a uma emenda destinando R$ 17 milhões a Serra Talhada, onde manda o líder do partido na Câmara, Inocêncio Oliveira.

Imensas são as pressões, diz ainda o líder do PT, para garantir recursos às 121 “obras irregulares” apontadas pelo TCU, dispensando-se a exigência de sanarem antes as irregularidades. Mas tudo será decidido na undécima hora, e quem tiver mais força e votos fará prevalecer seu interesse. Nem sempre o interesse público.Palavreados

Neoliberalismo pelo visto será um xingamento na próxima campanha eleitoral. FH o repeliu ontem, ri dos que atribuem o rótulo a seu governo. Está afinado com o pré-candidato José Serra, que em recente discurso em encontro tucano arrancou palmas:

— O PSDB não sofre nem de neoliberalismo nem de esquerdismo dogmático, as duas doenças senis do mundo atual.

Anda em desuso o xingamento mais usado contra a esquerda: dinossaura, ou jurássica.Coisa de mulher

A juíza aposentada e hoje tucana Denise Frossard recebeu um telefonema de FH, em resposta à sua cobrança feminista sobre aquela mal explicada “coisa de mulher” que o país andaria procurando. Disse-lhe FH que usou uma expressão infeliz. Queria mesmo dizer que a população deseja uma mulher na disputa da Presidência.

Do jeito que as coisas andam azedas entre os tucanos e o PFL, por causa de Roseana Sarney, a emenda do presidente pode não agradar ao PSDB. Mas ele foi preciso: na disputa, não na Presidência.Recaída corrigida

O PT mandou seu “embaixador” Paulo Delgado apurar com o Itamaraty a nota publicada aqui ontem, dando conta de exigências discriminatórias aos convidados para o congresso do PCdoB, no fim de semana. Além do convite, consulados foram orientados a exigir passagens de vinda e volta e recursos para custear a permanência. O mesmo estava sendo exigido dos convidados para o encontro do PT. Mas ontem mesmo o secretário-geral do Itamaraty, Osmar Schohfi, mandou alterar a circular, baseada por engano em legislação da ditadura.A RETOMADA das obras da usina de Angra III é o sonho do momento dos empreiteiros. Mas tem apoios no Congresso, até na oposição. O assunto será discutido hoje pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com a participação de deputados da Comissão de Minas e Energia: Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Salvador Zimbaldi (PSDB-SP), Eliseu Resende (PFL-MG), Antônio Feijão (PSDB-AP) e Luiz Sérgio (PT-RJ).


Editorial

Quase no fim

Até abril de 2002 o Banco Central espera concluir a venda dos últimos cinco antigos bancos estaduais — do Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará e de Santa Catarina. Pelo resultado do leilão de ontem na Bolsa do Rio — quando o Banco do Estado de Goiás foi vendido com ágio superior a 100% — pode-se esperar que o BC feche com êxito essa missão longa e espinhosa.

Criados para fomentar o desenvolvimento regional, esses bancos acabaram convertidos em instrumentos de uso político e acumularam enormes rombos em suas contas, até porque passaram a ter como principal cliente o próprio acionista majoritário. Depois de um exaustivo processo de saneamento financeiro, os bancos começaram a ser privatizados (não antes sem que as autoridades monetárias tenham tido de superar toda a sorte de resistência, desde governadores até os mais ferrenhos interesses corporativos).

A renegociação das dívidas dos estados com a União acelerou esse programa e garantiu a sobrevivência dessas instituições. Nem todos os empregos puderam ser preservados, já que os bancos, em sua maioria, estavam inchados ou sustentavam padrões salariais bem acima da média de mercado. No entanto, os bancos privatizados se mostram mais saudáveis, ganhando agilidade para aproveitar oportunidades de negócios e se expandir.

É o caso do banco privatizado agora. O Centro-Oeste cresce em ritmo bem superior à média do país, com grande potencial a ser explorado, com destaque para a agroindústria — a região já é a maior exportadora de grãos. O comprador foi o segundo banco privado brasileiro (Itaú) , que ainda não contava com uma boa rede de atendimento em Goiás, Tocantins e Mato Grosso. Além disso, o Itaú adquiriu muita experiência na administração de ex-bancos estaduais.

Essa operação certamente estimulará concorrentes a participarem mais ativamente dos leilões dos cinco bancos que ainda restam. Se tais instituições forem compradas acima do preço mínimo, o valor servirá para abater parte da dívida dos estados com a União, liberando recursos públicos para novos investimentos. Ao mesmo tempo, a conclusão desse processo deixará o sistema financeiro mais sólido e preparado para apoiar a recuperação da economia brasileira. Concluída a missão — provavelmente em abril — o Banco Central poderá concentrar suas preocupações em outras questões importantes. Por exemplo, a redução das taxas de juros.


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12/05/2001


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