Brasil reforça luta contra crimes na internet



Crianças e adolescentes são o público que Monique Evelle Nascimento Costa, 18 anos, reúne desde agosto nas oficinas sobre os perigos da internet que, até agora, chegou a uma escola municipal, igrejas e outros estabelecimentos de Salvador. Ela começou o trabalho, que pretende ampliar, impulsionada pelo fato de ter sido vítima do que hoje pode ser classificado como crime.

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Em 2007, quando o Orkut era a rede social on-line predominante no Brasil, o perfil de Monique foi “roubado”. Durante três dias, alguém acessava como se fosse ela e publicava mensagens agressivas e racistas (“Isso aqui não é lugar de negro”). A jovem não conseguia apagá-las porque a senha de acesso à conta havia sido trocada.

— Eu só soube quem fez porque uma menina da equipe de vôlei que eu frequentava veio perguntar, dando risada, se eu tinha conseguido entrar no Orkut. Minha mãe foi falar com o professor e coincidentemente a mãe dela estava lá. Não sabia, fez a filha pedir desculpa. Mas em vez de me devolver o meu perfil, a menina o excluiu — conta Monique, que hoje cursa Direito e fundou o movimento Desabafo Social, com blog e página no Facebook.

Esse não é um caso raro. Metade das denúncias de crimes de internet no Brasil refere-se a ambientes como Orkut e Facebook. Semana passada, o Diário Oficial da União publicou a Lei dos Crimes Cibernéticos (Lei 12.737/12), que altera o Código Penal para estabelecer punições a quem invadir computadores, roubar senhas e arquivos ou “derrubar” sites. Essa legislação era reivindicada pelos bancos devido à crescente quantidade de golpes on-line e ganhou o apelido de Lei Carolina Dieckmann porque o projeto (PLC 35/12) foi elaborado na época em que fotos íntimas da atriz foram copiadas do computador dela e espalhadas pela rede mundial. A lei entra em vigor em 1º de abril, pois precisa cumprir prazo de 120 dias depois da publicação.

— Hoje o sujeito tira do ar a página da Receita Federal e não é punido. O mesmo acontece se lhe mandam um e-mail falso de banco para pegar seus dados — disse o relator do projeto no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), responsável pelo texto final aprovado porque apresentou um substitutivo ao projeto original do deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

Site de senador

Outra vítima de ataque ­cibernético foi o senador Paulo Paim (PT-RS). Em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o site dele foi invadido por hackers. Os ataques se repetiram durante cinco dias e todos os arquivos foram apagados.

— Eu conseguia recuperar, eles entravam de novo. Colocavam imagens, faziam um monte de palhaçada. Se a lei já estivesse em vigor, intimidaria esses invasores. Informei o problema à Polícia Federal, que admitiu que a legislação ainda não dava instrumentos para o trabalho. Por isso, digo que a lei veio em boa hora, vamos torcer que ela seja bem aplicada — afirmou o senador.

Paim acredita que os ataques ao site tenham sido motivados por racismo. Ele lembra que há dois anos a Polícia Civil de Porto Alegre apreendeu material neonazista que incluía facas, soqueiras e um vídeo com ameaças a ele e a outras pessoas com atuação na luta contra desigualdade racial.

O racismo, aliás, é o terceiro crime mais denunciado na internet brasileira, com 9,4% dos casos. O primeiro lugar é ocupado pela pornografia infantil e chama a atenção pela alta incidência: 40,5% das denúncias. A segunda posição fica com a apologia a crimes contra a vida, responsável por 19,4% dos registros. Essas estatísticas, referentes ao período de janeiro de 2006 a outubro deste ano, são fornecidas pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. O serviço, criado pela ONG Safernet, reúne dados da Polícia Federal, Senado, Câmara dos Deputados, Secretaria de Direitos Humanos e Ministérios Públicos Federais de Minas Gerais e da Paraíba, além da própria ONG.

Crítica às penas

— Sobre crimes contra a honra, não há estatísticas consolidadas de todo o Brasil, porque as polícias civis não têm uma base de dados nacional. E esse registro ­depende de comparecimento da vítima a uma delegacia — explica o presidente da Safernet, Thiago Tavares.

As novas leis preenchem lacunas que dificultavam a repressão a algumas culturas criminosas que surgiram com o advento da internet, segundo Tavares. No caso da atriz, por exemplo, os invasores só puderam ser punidos porque tentaram fazer chantagem, já que o furto de dados pela internet ainda não era crime. Mas nem tudo é elogio: na opinião de Tavares, as punições previstas são muito brandas.

— Ninguém será efetivamente preso, pois no Brasil pena de até quatro anos de reclusão para crime sem violência se transforma em restrição de direitos. Assim, quem invade um computador pode ser investigado, processado e até sofrer algum tipo de sanção, mas na prática não sofrerá perda de liberdade  porque para isso a nova lei prevê no máximo um ano de detenção — lamentou o presidente da Safernet.

Uma regulamentação mais completa da internet brasileira é esperada com o marco civil, que vem sendo discutido na Câmara, sobre o qual há dificuldade de consenso. Na quarta-feira, por exemplo, a votação foi adiada pela sexta vez. Segundo o presidente da Casa, Marco Maia, o projeto não será votado enquanto não houver acordo.

O Marco Civil da Internet pretende definir responsabilidades e deveres de provedores e usuários. A proposta atual proíbe, por exemplo, que os provedores operem com velocidade variável para cada site. Seria uma espécie de constituição da rede de computadores no Brasil. Ainda assim, temas polêmicos — como direitos autorais na internet e downloads de obras artísticas — não são tratados no texto.

Delegacias

Investigações de ataques virtuais serão fortalecidas não só pela tipificação de delitos, mas também porque as polícias civis de todo o Brasil terão que criar delegacias especializadas em crimes de informática. A determinação está na Lei Azeredo (Lei 12.735/12), que foi aprovada e sancionada junto com a Lei Carolina Dieckmann, complementando-a.

O projeto dessa lei tramitou no Congresso desde 1999 (PL 84/99, na Câmara). O texto original era bastante abrangente e criou polêmica, por exemplo, no que se refere à responsabilidade dos provedores de internet. Durante a longa tramitação, no entanto, foi reduzido a quatro artigos e, na sanção, a presidente Dilma Rousseff vetou dois. Um dos que ficaram para entrar em vigor determina a instalação das delegacias especializadas. O outro altera a Lei 7.716/89, sobre racismo, para que juízes possam determinar suspensão de transmissões radiofônicas, televisivas e eletrônicas de símbolos nazistas. Para esse crime, a pena vai de dois a cinco anos de prisão e multa.

A Lei Azeredo recebeu esse nome porque em 2008 o texto original ganhou substitutivo do então senador Eduardo Azeredo, hoje deputado pelo PSDB de Minas Gerais.



11/12/2012

Agência Senado


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