Britto troca PMDB por PPS e pode concorrer ao Piratini



Britto troca PMDB por PPS e pode concorrer ao Piratini Seis deputados estaduais e um federal seguem ex-governador Uma reunião de seis horas definiu ontem a saída do grupo ligado ao ex-governador Antônio Britto do PMDB. No início da próxima semana, os dissidentes anunciam ingresso no PPS. No encontro, que começou às 22h de quinta-feira e se encerrou na madrugada de sexta-feira, Britto disse pela primeira vez que está disponível para concorrer ao governo do Estado na eleição de 2002. Além de Britto, seis dos 10 deputados estaduais e um dos sete parlamentares federais devem deixar o PMDB (ver quadro). Durante a reunião na casa de Britto, alguns deputados, como Cézar Busatto e Elmar Schneider, pediram tempo para comunicar suas bases eleitorais. O senador José Fogaça também pediu uns dias para decidir sobre seu futuro político. Não estava descartada a possibilidade de o deputado Paulo Odone entrar para o PDT em vez de se filiar ao PPS. – Não posso dar nenhuma decisão antes que se complete o processo coletivo. É como um monte de gente se preparando para viajar, uns fazem a mala mais rápido do que outros – disse Britto ontem à tarde, evitando antecipar quantos sairão do partido. Ontem mesmo deputados dissidentes viajaram para o Interior a fim comunicar aos prefeitos, vereadores e dirigentes municipais do PMDB a decisão. Entre prós e contras, Odone avalia que todos os fatos ocorridos até hoje apenas ajudaram a aumentar as diferenças entre seu grupo e a ala comandada pelo ministro dos Transportes, Eliseu Padilha. Filiado desde os tempos do MDB, Busatto era ontem um dos mais divididos: – Sair de um partido mexe com compromissos, lealdade, valores. A lógica eleitoral indica que eu não devo sair, mas, ao mesmo tempo, o nosso ingresso no PPS pode significar uma nova opção histórica para o Rio Grande do Sul. O grupo de Britto passará a comandar o PPS, sigla que tem hoje apenas um deputado estadual, Bernardo de Souza. Os dissidentes do PMDB pretendem lançar Britto candidato a governador pelo PPS, com o apoio do PTB e do PDT. Os três partidos formariam uma frente anti-PT nas eleições do próximo ano. Nomes como o do deputado Sérgio Zambiasi (PTB) e o do vereador de Porto Alegre José Fortunati – que deve anunciar sua filiação ao PDT nos próximos dias – são também cotados para compor uma chapa majoritária dessa coligação de centro-esquerda, com candidaturas ao Senado e a vice-governador. O presidente do PMDB gaúcho, deputado Cezar Schirmer, disse que não há razões para o grupo deixar o partido: – Haja o que houver, as bases do PMDB, as que decidem a vida do partido e têm a força eleitoral, não sairão. Lastimo esse entra-e-sai. Isso é ruim para a política e desmoraliza os políticos. O senador Pedro Simon não quis se manifestar. Ele chegou a dizer que a desfiliação enfraqueceria sua pré-candidatura à Presidência. Simon e o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, vão disputar no dia 20 de janeiro a prévia que decidirá quem será o candidato do PMDB à sucessão presidencial. Políticos acompanham com cautela a divisão PT aponta falta de identidade entre Britto e PPS, e Collares recusa apoio ao ex-governador Embora não estejam diretamente ligados à crise do PMDB, partidos como PDT, PTB e PT – este o principal adversário da sigla – acompanham de longe e com cautela a saída do partido de nomes importantes da história política do Rio Grande do Sul. Dos três partidos, o mais enfático na avaliação do episódio foi o PT. No PTB e no PDT, há avaliações diferenciadas sobre o papel a ser cumprido pelo grupo numa eventual frente estadual de oposição em 2002. O secretário-geral do diretório estadual do PT, Vitor Labes, chegou a afirmar que lamenta pelo PPS a possibilidade de receber políticos como o ex-governador Antônio Britto em seus quadros. – A pergunta que se faz é: o que Britto tem de socialista? – disse Labes, avaliando que a mistura de linhas políticas numa mesma sigla causa uma confusão de identidade que dificulta o entendimento por parte da população que está fora do processo. Apesar das duras críticas, Labes destaca que trocar de partido faz parte do jogo democrático e que qualquer político tem direito de buscar novos espaços, mas também faz uma provocação ao próprio PPS. – Esse é o PPS que veio do PCB, o do Bernardo de Souza, que já foi do PMDB e do PSB, o de Ciro Gomes ou o de Britto? – questionou Labes. Logo depois de dizer que lamenta o racha do partido no Estado e no país, o ex-governador e deputado federal Alceu Collares (PDT) avisou que não há a mínima possibilidade de o PDT compor um frentão anti-PT se Antônio Britto, por exemplo, for candidato a governador. Collares advertiu que é fundamental para o PDT ter cabeça de chapa em qualquer composição que venha a integrar. – Eu teria dificuldade de fazer campanha para Britto – afirma. Já o líder do PTB e presidente da Assembléia Legislativa, Sérgio Zambiasi, se nega a avaliar a dissidência no PMDB antes de a saída do ex-governador Britto e dos deputados estaduais ser concretizada. Mesmo assim, Zambiasi acredita que o senador José Fogaça, por exemplo, teria bom trânsito em qualquer outro partido e condições de agregar vários outros nomes à sigla que porventura escolha para se abrigar caso deixe o PMDB. A idéia de uma frente contra o PT não agrada Zambiasi. Para o parlamentar, isso seria o mesmo que “realizar dois turnos da eleição em um só”. O presidente da Assembléia lembra que hoje a única prioridade do PTB é organizar as candidaturas a deputado estadual e federal para 2002 e que a candidatura ao governo será pensada somente no ano que vem. Reações no PPS são contraditórias Freire comemora novas adesões, e Bernardo demonstra cautela Enquanto o presidente nacional do PPS, senador Roberto Freire (PE), comemora a expectativa de adesão de dissidentes do PMDB ligados ao ex-governador Antônio Britto, líderes gaúchos da sigla adotam uma posição cautelosa. O senador afirmou ontem que ficou sabendo dos resultados da reunião do grupo de Britto pelo deputado Bernardo de Souza, interlocutor do PPS junto ao ex-governador. – O PPS passa a ser um dos eixos da política no Rio Grande do Sul – festejou. Para o senador, o grupo de Britto é “muito bem-vindo e até desejado”. Antes de dezembro passado, quando Bernardo rompeu com o PSB para ingressar no PPS, o partido de Freire não tinha representação na Assembléia Legislativa. Com a entrada dos deputados Cézar Busatto, Mario Bernd, Berfran Rosado, Elmar Schneider, Paulo Odone e Iara Wortmann, o PPS passaria a ter a quinta maior bancada do Legislativo. O senador não acredita que questões ideológicas dificultem o entendimento entre egressos do PMDB e integrantes do PPS, que teve sua origem no antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Freire lembra que, quando foi líder do PCB na Constituinte, tinha mais afinidade na hora das votações com Britto e outros deputados do PMDB do que com a bancada do PT. Ele não ignora, porém, resistências internas à entrada do grupo de Britto, que atribui à “esquerda mais jovem” – ou seja, aos integrantes do partido que não são remanescentes do antigo PCB. Ex-candidato do PPS a prefeito de Porto Alegre na última eleição, Valter Nagelstein, reconhece o conflito com a direção nacional do partido. Durante a festa de aniversário do presidente da Assembléia, Sérgio Zambiasi (PTB), no dia 18, Nagelstein demonstrou preocupação com os rumos da sigla no Estado. Para o ex-candidato a prefeito, a entrada dos dissidentes do PMDB muda o status dos atuais dirigentes do PPS: – Os caciques do PPS vão se transformar em índios. O desabafo de Nagelstein ocorreu momentos depois de sair de uma reunião da executiva estadual do PPS, em que até uma moção de repúdio a Freire foi cogitada. Para alguns integrantes da executiva, o senador deveria negociar o ingresso dos dissidentes do PMDB com o presidente estadual da sigla, Arnóbio Mullet, e não com Bernardo de Souza. – Não podemos ser o desaguadouro de frustrações de outros partidos. Quem quiser vir tem de ter a coragem de vir para um partido que não tem estrutura e sem estabelecer condições – diz Nagelstein. Ex-prefeito de Pelotas pelo PMDB, Bernardo assumiu uma postura cautelosa. Ele diz que, enquanto não se encerrar o prazo para filiação partidária daqueles que pretendem concorrer às eleições do ano que vem, no dia 5 de outubro, “nada está definitivamente resolvido”. O deputado compartilha, porém, do discurso de Valter Nagelstein: – O PPS não pode ser e não será, no que depender de mim, espaço para resolver conflitos que não foram bem resolvidos em outros partidos. Padilha minimiza crise O ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, manifestou ontem confiança de que o PMDB saberá passar por cima da crise deflagrada com o anúncio da saída do grupo do ex-governador Antônio Britto. Em visita a Rio Grande para acompanhar o começo das obras de ampliação dos molhes do porto, o ministro disse que ainda é cedo para analisar a situação. – Estou no aguardo de uma posição oficial. Não entendo que, por enquanto, o PMDB tenha sofrido alguma perda – afirmou. Em resposta às manifestações de prefeitos da Região Sul, que desejam sua candidatura a governador, Padilha lembrou que o senador Pedro Simon já acenou com a possibilidade de disputar o Palácio Piratini. Padilha voltou a eximir-se de culpa no conflito com a dissidência, que teria se aprofundado com a indicação de Ramez Tebet (PMDB-MS) para a presidência do Senado depois de disputa com o gaúcho José Fogaça. – Fogaça teve apoio inclusive da Presidência da República – ponderou Padilha. Grupo português terá hotel na Capital Edifício com 200 apartamentos está orçado em R$ 20 milhões Após investir mais de R$ 100 milhões na compra de quatro hotéis no Rio, no Rio Grande do Norte e na Bahia, o grupo português Pestana começa a se expandir na Região Sul. Com empreendimento em construção em Curitiba, a empresa aguarda a conclusão da compra de um terreno no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para iniciar as obras de mais um complexo hoteleiro padrão cinco estrelas. Há pelo menos quatro meses, o grupo mantém tratativas para a compra de área de 1,2 mil metros quadrados em local mantido em sigilo. O projeto do hotel de 200 apartamentos já foi aprovado pela prefeitura da Capital. Serão investidos R$ 20 milhões na aquisição do terreno e na construção do prédio. A unidade de Porto Alegre será a segunda projetada e construída pelo grupo no país – a de Curitiba, com obras iniciadas este ano, deve entrar em operação em 2003. Outros quatro hotéis que a empresa administra foram adquiridos. A entrada do grupo no Brasil se deu com a compra do tradicional hotel Rio Atlântica, em Copacabana, no Rio, em setembro de 1999. Em julho de 2000, o maior grupo hoteleiro português, com uma rede de 24 hotéis, comprou o resort Paraíso dos Reis, em Angra dos Reis (RJ). O empreendimento reabriu em outubro de 2000 como Carlton Palms Angra – todos os cinco estrelas da empresa são da bandeira Carlton –, e sua taxa média de ocupação dificilmente fica abaixo de 80%. No mês passado, o grupo inaugurou em Natal o primeiro cinco estrelas de bandeira internacional da cidade, com 189 apartamentos e centro de convenções com capacidade para 600 pessoas. Até o final do ano, deve entrar em operação na capital baiana o Carlton Bahia, antigo Le Méridien de Salvador. Com faturamento de R$ 25 milhões no Brasil no ano passado e taxas médias de ocupação de 70%, o grupo deve fechar 2001 com receita de R$ 40 milhões. Além do ramo hoteleiro, o grupo Pestana está à frente de uma companhia de vôos charters, a EuroAtlantic Airways. A empresa já realizou seis vôos para João Pessoa, na Paraíba, com 80% de ocupação. Novas rotas estão em estudo. O duelo Talibã diz que pedido de extradição de Bin Laden é assunto encerrado e amplia a guerra de acusações e ameaças com os Estados Unidos A anunciada guerra contra o terror transformou-se, 11 dias depois dos atentados em Nova York e Washington, em uma batalha de acusações, ameaças e blefes. A Casa Branca insistiu ontem que o Afeganistão deve entregar logo o terrorista Osama bin Laden, suspeito número 1 da organização dos ataques. Um porta-voz do Talibã, a milícia que controla cerca de 90% do território do país, reagiu logo depois, como se acionasse uma resposta automática repetida durante toda a semana: o milionário saudita não será extraditado. – Se continuarem abrigando terroristas, a mensagem do presidente é clara: vamos derrotá-los – disse o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer. – Sem provas, não. Entregar Bin Laden aos Estados Unidos, ou pressioná-lo para que deixe o país, seria um insulto ao Islã e à sharia (lei islâmica). Nunca vamos nos render – devolveu o embaixador do Talibã no Paquistão, Abdul Salam Zaeef, falando em nome do comando da milícia e dando o assunto por encerrado. O dilema criado pelo presidente George W. Bush, na quinta-feira, em discurso no Congresso, de que todos os países do mundo só têm duas escolhas – estar com os EUA ou a favor do terroristas –, não obteve respostas categóricas dos aliados. Mas muçulmanos da Índia, do Paquistão, da Indonésia e de Bangladesh ampliaram, com protestos e declarações, o entendimento de que essa será uma guerra não contra o terror, mas contra o islamismo. Quem conta com quem nesse confronto? Até quando a guerra será apenas retórica? A reação mais forte à conclamação de Bush para que se apóie a retaliação veio da União Européia (UE), reunida em Bruxelas, e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que reuniu os ministros das Relações Exteriores dos 23 países membros do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), em Washington. A UE disse que apóia a luta contra qualquer país que favoreça ou abrigue terroristas. A OEA deu “apoio adicional aos Estados Unidos”, por entender que os atentados foram “contra todos os estados americanos”. Mas o apoio institucional de organismos internacionais está longe de ser um respaldo incondicional ao desejo norte-americano de combater o terrorismo, se preciso, com uma “guerra suja”, como já anunciou a Casa Branca, ou nos moldes do faroeste, com a entrega dos bandidos vivos ou mortos – uma referência do próprio Bush nesta semana. O ministro das Relações Exteriores da França, Hubert Védrine, foi uma das poucas vozes a reforçar o tom de ultimato de Bush. Para ele, o conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) deve estudar a imposição de sanções aos países que que não aderirem à retaliação. O apoio imediato da luta antiterror, manifestado pelos dirigentes das grandes nações do mundo, não acompanha o exacerbado componente bélico da ação com forma ainda indefinida articulada pela Casa Branca. Um receio é generalizado: como apoiar incondicionalmente uma reação que pode resultar na morte de civis e, logo depois, numa provável reação articulada de boa parte do mundo árabe e muçulmano? Pesquisa do instituto Gallup em 31 países justifica o temor: apenas em Israel e nos EUA a maioria dos entrevistados é favorável à resposta militar contra os países que abrigam terroristas. Cerca de 80% dos europeus e 90% dos sul-americanos são favoráveis à extradição e ao julgamento. Entre os israelenses, 77% apóiam a ação militar. A gafe cometida por Bush, que chegou a definir o combate ao terror como uma cruzada, dá munição aos países que se sentem ameaçados e tentam propagar a idéia de que essa é uma guerra santa. No Paquistão, país muçulmano que apóia os EUA e ao mesmo tempo reconhece o Talibã, os protestos de rua são ampliados diariamente em várias cidades. Ontem, houve novas manifestações. Só em Karachi, no sul do país, já morreram quatro pessoas em protestos com a queima de bandeiras americanas e de bonecos representando Bush. Ontem, as passeatas anti-EUA ocuparam ruas de cidades da Índia e da Indonésia. Em Cabul, capital do Afeganistão, muçulmanos lotavam a mesquita Wazir Akbar Jan, quando alguém gritou: – Estão preparados para a jihad (guerra santa)? – Estamos – gritaram os fiéis. Camisetas com a foto de Osama bin Laden fazem sucesso na Indonésia, onde vive a maior população islâmica do mundo. As camisetas trazem a inscrição: ‘‘O islamismo é o meu sangue’’. Grupos radicais até então desconhecidos ou considerados desativados aproveitam o momento e lançam documentos e organizam manifestações. O secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Moussa, vê conflito de interesses na guerra: – Não é possível que os estados árabes participem de esforços regionais e internacionais junto com os israelenses, porque Israel está massacrando nossa gente – disse Moussa, apesar dos EUA já terem dito que Israel não participará diretamente da guerra. O grande projeto americano seria a derrubada do regime Talibã que dá asilo a Bin Laden, até porque a maioria dos especialistas diz que dificilmente o terrorista será encontrado. Mohammad Zahir Shah, 86 anos, ex-rei do Afeganistão, leva tão a sério a possibilidade de troca de regime que propôs a eleição de um governo transitório no país. Ele está exilado em Roma desde 1973. A preparação para a ação militar avança em meio à troca de desaforos. Aviões bombardeiros e tropas de elite dos EUA se deslocam todos os dias em direção ao Oceano Índico, ao Golfo Pérsico e ao Mediterrâneo. O brigadeiro Charles Wald, responsável pela frota americana no Oriente Médio e sudoeste da Ásia, viajou para a região. Wald ficará em uma moderna e recém-inaugurada base saudita perto de Riad para comandar a guerra aérea contra o Afeganistão. Homens do Comando de Ações Especiais do Exército, uma tropa de elite, saíram do Forte Bragg, na Carolina do Norte. Eles podem ser responsáveis por ações contra bases guerrilheiras no Afeganistão e outras partes do Oriente Médio, provavelmente o Líbano e o Iraque. Depois do envio do porta-aviões Theodore Roosevelt (15 mil homens), o maior navio de guerra do mundo, que deixou quarta-feira o Estado da Virgínia em direção ao Mediterrâneo ou ao Golfo Pérsico, outro porta-aviões, o Kitty Hawk, zarpou ontem da base de Yokosuka (Japão), com destino não divulgado. Pelo menos 5 mil reservistas foram chamados pelas Forças Armadas para que se integrem aos quadros de apoio logístico aos bombardeiros B-52, da base de Barksdale, na Louisiana, e aos bombardeiros B-1, em Robins, na Geórgia. Quando e onde começarão a agir? Qual a capacidade de resposta de países muçulmanos consumidos por seca, fome e guerras civis à batalha que consideram santa? Quem, afinal, dará apoio a quem? No discurso de quinta-feira, o presidente Bush desafiou, ao dirigir seu dilema a todos os países do mundo: – Ou vocês estão conosco ou estão com os terroristas. Na Bíblia, em Mateus (12:30), lê-se esta conclamação de Jesus Cristo: – Quem não é comigo é contra mim, e quem comigo não ajunta, espalha. A Casa Branca inspirou-se em Jesus, para apresentar os EUA como representantes da luta antiterror, ou Bush, depois da mancada das cruzadas, cometeu outra gafe global? Artigos Na cidade, sem meu carro LUIZ CARLOS BERTOTTO Será exagero pedir aos motoristas para que não utilizem seus automóveis particulares pelo menos neste dia 22 de setembro? Será algo de outro mundo acreditar que pelo menos neste sábado, data mundial de deixar o carro na garagem, a prioridade seja o pedestre, o ciclista, o transporte público? Acredito que não e tenho certeza de que chegou a hora de um novo tempo; de parar para pensar mais seriamente sobre as políticas ambientais e de qualidade de vida; de as cidades se reestruturarem para tratar a mobilidade urbana de forma sustentável, em que a prioridade seja o deslocamento de pessoas e não mais o de veículos. Para recuperar a idéia mundial de “Um dia na cidade, sem meu carro”, vamos lembrar que ela nasceu em 1998, uma iniciativa patrocinada política e financeiramente pela União Européia, por intermédio de seu comissário-geral do meio ambiente, como parte do Programa Life, e com apoio de outras entidades, como o Club Car Free Cities (Clube de Cidades Livres de Carros), que reúne 72 cidades. Pois Porto Alegre, uma referência de lutas em defesa ao meio ambiente, se engaja também nesta ação O objetivo desta campanha foi no sentido de aumentar a consciência pública sobre a contaminação e consumo de recursos energéticos causados pelo uso irracional dos automóveis na cidade, além de, principalmente, reafirmar os pedestres, ciclistas e o transporte público como alternativas possíveis aos deslocamentos por automóveis dentro do contexto da mobilidade urbana. Inicialmente, a adesão envolveu 35 cidades francesas. Posteriormente, em 1999, se estendeu para 66 cidades francesas, 92 italianas, além de localidades da Suíça. A aceitação do projeto pela população foi muito boa, com o aumento em média de 10% dos usuários do transporte coletivo e de 900% no número de ciclistas nas ruas. A maioria da população aprovou a iniciativa. Muitos até queriam que a operação fosse bem mais freqüente, já que a queda nos ruídos chegou a 50% (seis decibéis), com redução da poluição entre 20% e 50%. No ano passado, o movimento cresceu na Europa, com envolvimento de aproximadamente 7 milhões de pessoas. A operação, mesmo tendo como tema principal a luta contra a poluição atmosférica e sonora, gerada pelo crescimento do tráfego motorizado nas cidades, teve também como objetivo a melhoria da qualidade de vida no meio urbano. Foram articuladas ações de encorajamento do uso do transporte coletivo e os deslocamentos alternativos ao do carro particular; uma maior informação aos cidadãos sobre os modos de transporte ligados à mobilidade sustentável na cidade e sobre os riscos da poluição atmosférica e sonora; além de mostrar para as cidades como seria um dia com tráfego reduzido no perímetro reservado. Esta operação, que liberou mais espaço para o pedestre e mostrou as vantagens de uma via melhor dividida pelos modos de deslocamento, foi plenamente aprovada pela população. O nível de satisfação dos moradores das áreas reservadas atingiu 90%. Pois Porto Alegre, uma referência de lutas em defesa ao meio ambiente, se engaja também nesta ação, “Um dia na cidade, sem meu carro”. Este dia 22 de setembro será marcado por uma caminhada, pela manhã, na Avenida Osvaldo Aranha, com deslocamento até a Feira Ecológica da José Bonifácio, onde acontecerão diversas atividades comemorativas à data. Fica aqui, portanto, registrado o convite para que todos participem desta caminhada, como forma de repensar o significado e a importância da vida diante das estatísticas de morte no trânsito; sensibilizem-se sobre a democratização do uso do espaço público e a dimensão da solidariedade; sobre o incentivo ao uso de bicicletas; sobre o controle da emissão de gás carbônico e de ruído; sobre o uso do transporte coletivo e formas solidárias de deslocamento; sobre um alinhamento em relação às políticas ambientais e de qualidade de vida mundiais no trato da mobilidade urbana de forma sustentável, em que a prioridade seja o deslocamento de pessoas. Tragédia humana ALOYZIO ACHUTTI O horror dos últimos dias que a todos nos chocou não foi somente uma tragédia americana, mas é um desastre para a humanidade. As pessoas diretamente afetadas e suas famílias certamente merecem nossa compaixão e condolências, mas o que vivenciamos não foi somente o assassinato de gente inocente por uma corja de desvairados agentes suicidas, as duas torres destruídas e os aviões espatifados. Alguns valores, sonhos e ilusões também foram destruídos. Nós todos estamos chocados pela evidência de que o mal não está somente em nossas categorias clássicas de doenças, nos ferimentos não-intencionais, acidentes e delinqüência comum. Nós ficamos todos contaminados pela ira, pelo ódio e sentimentos de vingança. Não houve uma arma química ou biológica, mas explodiu uma bomba muito mais potente, perigosa, penetrante e insidiosa. Nossa racionalidade foi dominada por maus sentimentos, e demônios afetivos que temos dentro de nós estão agora soltos. Explodiu uma bomba muito mais potente, perigosa, penetrante e insidiosa Nós estamos todos chocados pela evidência de que a cadeia epidemiológica é mais intrincada e mais longa do que habitualmente a consideramos, não é somente um azar ou conseqüência de forças misteriosas, mas pode estar associada com o comportamento humano e a maldade intrínseca. Nós todos estamos chocados pela evidência de que não somente no extremo da pobreza residem as ameaças para a vida e para a saúde, mas também do outro lado. Provavelmente as variáveis a serem consideradas, mais do que a simples magnitude isolada dos fenômenos, devam ser seus desequilíbrios e iniqüidades. Nós estamos chocados pela evidência de que agora não somente a economia é global, mas também a política e outras coisas boas e más. Muitos sintomas aos quais nós progressivamente fomos nos acostumando, como a deterioração das relações humanas, a perda de valores tradicionais e artes como a da medicina, dominação e dependência, discriminação e intolerância, promoção da violência e do ódio a qualquer pretexto, cobiça desenfreada, agora explodiram. Os frutos da força bruta e da violência são o sofrimento, mais ódio, destruição e morte. Nossa profissão está voltada essencialmente para a vida e não podemos tolerar qualquer outra alternativa. Apesar de tudo, ainda existe uma saída: precisamos desesperadamente reforçar a amizade, o respeito, a compreensão, a tolerância e o mútuo apoio daqueles que tiverem ainda boa vontade. Colunistas ANA AMÉLIA LEMOS Recursos orçamentários A bancada gaúcha no Congresso Nacional, que conseguiu aumentar os recursos orçamentários federais para o presente exercício, está se mobilizando para viabilizar o empenho e repasse de todas as verbas destinadas ao Rio Grande do Sul nos vários setores. As liberações dos recursos estão muito lentas, tanto no plano nacional quanto no regional. Um levantamento feito pelo deputado Orlando Desconsi (PT-RS) revela que no caso dos transportes, do total de recursos para investimentos previstos para 2001, estimado em R$ 3,9 bilhões, foram liberados, até agora 13,1% no país e apenas 6,3% para o Rio Grande do Sul de um total de R$ 242,7 milhões previstos no orçamento deste ano. A situação é ainda mais crítica em relação aos investimentos para a agricultura. Nesse caso, o volume de recursos para investimentos supera os R$ 361,2 milhões, dos quais 4,3% foram liberados nacionalmente e nenhum recurso para o Estado dos R$ 38,7 milhões previstos no orçamento federal. O mesmo ocorreu com as verbas para investimento à saúde. O Estado deveria receber, este ano, R$ 71,3 milhões, mas nada ainda foi repassado ao Tesouro gaúcho. E no caso da educação, dos R$ 34,9 milhões previstos para o Rio Grande do Sul, só 10% foram empenhados até agora. Mesmo sabendo que o empenho do recurso federal depende da programação do Tesouro e da área econômica, o deputado Orlando Desconsi levou aos ministros Eliseu Padilha, dos Transportes, e Pratini de Moraes, da Agricultura, a preocupação ante o risco de as verbas não serem liberadas até o final do ano, o que representará um prejuízo para os investimentos federais no Rio Grande do Sul. Membro titular da Comissão Mista de Orçamento, o parlamentar petista foi campeão no número de emendas apresentadas ao orçamento de 2002. Foram 115, comemora, anunciando que na última reunião da bancada gaúcha sugeriu a criação de comissão suprapartidária que seria integrada pelos parlamentares federais e teria também a participação de representantes do governo estadual, da Assembléia Legislativa, de prefeituras e câmaras municipais para exercer pressão na área federal em favor da liberação dos recursos. Orlando Desconsi está trabalhando para que o governo federal reconheça a dívida dos investimentos na área dos transportes, feitas pelo Estado, e que devem ser compensadas. O parlamentar garantiu que é compromisso formal do governo Olívio Dutra aplicar todo o valor que o governo federal restituir ao Estado, nesse setor, em novos investimentos em rodovias. JOSÉ BARRIONUEVO – PÁGINA 10 Implode o PMDB histórico Desde os tempos do velho MDB, a representação gaúcha sempre definiu os rumos do partido em nível nacional assegurando a sobrevivência da legenda nos momentos mais críticos no período da ditadura militar. Pedro Simon era a voz forte nas convenções nacionais comandadas por Ulysses Guimarães. Com a saída de seis deputados – o que deve acontecer quarta-feira –, acaba o último reduto do PMDB histórico, que por três décadas foi comandado no Rio Grande do Sul pelo ex-governador. Partido perde seis dos 10 deputados na Assembléia O PPS terá o dobro da representação do PMDB, na eventualidade de ocorrer a adesão ao grupo do deputado João Osório. Como está hoje desenhado o quadro de dissidentes, o PPS ficará com sete cadeiras e o PMDB baixará de 10 para quatro, ocupando uma sexta posição, depois de PT (11), PPB (11), PTB (10), PDT (7) e PPS (7). Com a saída dos líderes, a bancada será comandada por José Ivo Sartori e Alexandre Postal. Os dois líderes, de partido (Mário Bernd) e de bancada (Paulo Odone), ingressam no PPS, juntamente com dois presidentes de comissões técnicas: Berfran Rosado (Fiscalização e Controle) e Elmar Schneider (Serviço Público). Rigotto recua e fica Ex-líder do governo no Congresso, Germano Rigotto é o único dos dissidentes que já assegurou em definitivo que não acompanha o grupo. Marginalizado na Câmara pelo grupo de Geddel e Temer, o deputado Caxiense perdeu espaço para outro gaúcho, o ministro Eliseu Padilha, nas articulações nacionais. Era o mais determinado a deixar o partido. Durante encontro do PMDB realizado dia 14 em Caxias do Sul, Pedro Simon conseguiu reverter a posição de Rigotto, campeão de votos do PMDB, que tem base forte em 50 municípios da Serra. Com o aval de Simon, o deputado caxiense pretende concorrer a senador ou a governador. O deputado Sartori (C) também permanece no PMDB. Caxias é a principal base do PMDB. Candidatura de Simon está comprometida A candidatura de Simon a presidente da República era o único motivo que mantinha o grupo de dissidentes no PMDB. Com a convenção nacional e o fracasso da candidatura de José Fogaça para presidente do Senado, ficou visível que a candidatura não encontra respaldo na cúpula e está inviabilizada. Depois de um ano e meio de movimentação, Simon só encontra eco do Mampituba para baixo. Nem mesmo nas pesquisas de opinião pública consta seu nome. Com a saída de uma dezena de integrantes da linha de frente do PMDB gaúcho, fica mais reduzido o já abalado prestígio de Simon, que não conseguiu se levantar ainda do aval dado à eleição do companheiro Jader Barbalho para a presidência do Senado. Padilha rompe silêncio e vai para o ataque Depois de ouvir em silêncio todo tipo de críticas desde a campanha para a convenção estadual de maio, quando o PMDB elegeu Cezar Schirmer para a presidência regional, o ministro Eliseu Padilha foi ontem para o ataque, em entrevista ao programa Atualidade, da Rádio Gaúcha. Não vai aceitar mais que o grupo de Britto tente denegrir sua imagem. Desde o início o ministro ouviu calado os ataques. Está com autoridade para reagir, sem ser responsabilizado de ter estimulado a saída de companheiros. O ministro, que esteve ontem em Rio Grande lançando a ampliação dos molhes passa o fim de semana no Estado. PPB anuncia projeto Seja quem for o vitorioso da prévia de amanhã entre Fetter Júnior e Celso Bernardi, o PPB anuncia na próxima semana um projeto para o governo, um trabalho coordenado pelo ex-ministro Francisco Turra. O partido começa a articular também a formação de uma coligação reunindo PFL e PSDB. Ontem à noite em Gramado, o PPB realizou a 22ª e última reunião preparatória para a convenção. Com a palavra, o leitor • Considerando que o comando da BM mudou-se para São Leopoldo para combater a criminalidade no Vale do Sinos, Alberto Afonso Camargo pergunta, com ironia, se “não seria possível interceder para que a Brigada venha para Porto Alegre”. • Gerson Miltzarek critica a CPI da Segurança: sugere uma investigação sobre o envolvimento do Piratini na “exploração ilegal de corridas de submarinos na zona sul da Capital”. • A Página 10 “é uma das mais lidas, senão a mais lida”, na avaliação de José Thumé. Notou que a qualidade continuou inalterada com a atuação de Rodimar Oliveira nas férias do titular. Vê apenas mudança “radical” de estilos: “Barrionuevo é mais sarcástico e contundente”. Gosta dos dois. • Publicitário Gustavo Bittencourt critica o colunista por entender que “sarcasmo e ironia são práticas antijornalísticas”. • Como estudante de jornalismo da PUC, Aline Leão, se diz irritada com a “campanha escancarada” do colunista contra o governo popular e democrático. • De Jorge Vargas: “A Página 10 virou panfleto de propaganda do PT na tua ausência”. • Bruno Ferreira criticou na edição de sábado passado o interino por colocar duas fotos de Olívio numa única edição. Ficou surpreso por ver três fotos do governador no regresso do titular. • Arno Becker critica a “falta de imparcialidade do colunista perante o PT”. ROSANE DE OLIVEIRA Fumaça branca Pelo menos três dos participantes da longa reunião na casa do ex-governador Antônio Britto, encerrada na madrugada de ontem, saíram convencidos de que ele será candidato a governador. Britto não disse isso com todas as letras, mas os bons entendedores identificaram na palavra “disponibilidade” o indicativo de que acabaram-se as resistências do ex-governador. Em nenhum momento Britto reivindicou a candidatura nas conversas com o senador Roberto Freire, mas ele é o número 1 na bolsa de apostas sobre quem encabeçará o frentão anti-PT. Se Britto concorrer, o vereador José Fortunati, que assina ficha no PDT nos próximos dias e chegou a ser cotado para concorrer a governador, fica como uma espécie de curinga. Pode concorrer a uma das vagas do Senado – seu projeto original – ou ser vice de Britto, com quem tem bastante afinidade. Desconfortáveis em seus respectivos partidos, os dois vinham trocando confidências nos últimos tempos. Uma das vagas ao Senado está assegurada para José Fogaça, caso ele decida acompanhar o grupo. Ontem, Fogaça confessou sua dificuldade em deixar o PMDB, onde está desde 1974, e disse que pensa até em não concorrer a nada em 2002. Nos próximos dias, o senador será alvo de atenções de todos os lados. O senador Pedro Simon deve encabeçar um movimento pela permanência de Fogaça no PMDB. O senador Roberto Freire tentará, mais uma vez, convencê-lo a aderir ao PPS. E, correndo por fora, os tucanos, com quem Fogaça tem afinidade, devem renovar o convite para que entre em seus quadros, mesmo sabendo que têm pouco a oferecer, pela debilidade do PSDB no Rio Grande do Sul. Uma das dificuldades de Fogaça no PPS será virar oposição de uma hora para outra, depois de apoiar o governo Fernando Henrique Cardoso durante sete anos e de continuar acreditando nele. Como o PPS integra o bloco de oposição, Fogaça teria de obedecer à orientação do PT. A primeira conseqüência da debandada no PMDB gaúcho deve ser o enfraquecimento da candidatura do senador Pedro Simon à Presidência da República. Os remanescentes acreditam que se perder a prévia de janeiro, ou se desistir antes, Simon será candidato a governador para fortalecer o PMDB e ajudar na campanha dos deputados. Os dissidentes estão convencidos de que é blefe. – Simon não é homem de ir para o sacrifício. Essa é uma jogada para tentar impedir que Britto saia – opina um dos integrantes do grupo do ex-governador. Editorial Uma batalha planetária No solene discurso que fez para apresentar um relatório extraordinário sobre o estado da nação, na noite de quinta-feira, o presidente norte-americano George W. Bush tornou ameaçadoramente claros os objetivos imediatos do país e indicou, embora menos claramente, algumas das linhas estratégicas dessa nova fase da política global. Fica evidente, por exemplo, que a mobilização que está em curso destina-se, em primeiro lugar, a caçar Bin Laden e seus lugares-tenentes, mesmo à custa de uma guerra contra o Afeganistão, cujo regime, disse o senhor Bush, os Estados Unidos condenam. Ficou expresso que nessa “cruzada”, palavra que não voltou a ser usada, haverá uma pressão para que todos os países se engajem. “Ou vocês estão conosco ou com os terroristas”, simplificou o presidente, cobrando colaboração dos aliados e alertando as nações que direta ou indiretamente ajudam as organizações terroristas. E ficou claro também como a colaboração pode ser exercida pelos aliados na batalha planetária contra o terror: desde o fornecimento de dados de inteligência até o engajamento militar. Em relação ao governo do Afeganistão, o presidente apresentou exigências não negociáveis: a entrega do milionário Bin Laden e dos demais líderes de sua organização, a libertação de todos os estrangeiros e o fechamento – a ser comprovado pelos EUA – dos campos de treinamento do Al-Qaeda. Ao identificar ramificações das organizações terroristas em 60 países, o discurso do presidente deu a dimensão da tarefa de erradicá-lo. “Isto é uma guerra mundial”, resumiu. O campo de batalha desse novo estilo de conflagração está definido e se estende sobre todo o mapa do planeta, mesmo que os inimigos ainda não tenham um rosto ou que suas armas sejam invisíveis. Seria um grave equívoco transformar esse apoio, que é espontâneo, numa política de alinhamento forçado Chega assim a comunidade mundial a uma grave crise, cujo início todo o planeta assistiu ao vivo pela televisão, mas cujo desfecho está absolutamente indecifrável. Se a sinistra competência dos terroristas provocou um susto em toda a comunidade humana, a reação a ela mantém o mundo num suspense agônico. A tentativa de erradicar o terrorismo e seus promotores, tarefa que o próprio presidente norte-americano prevê longa e dolorosa, com elevado custo social, precisa apoiar-se na força da expressiva parcela da comunidade mundial que lhe presta solidariedade. Seria um grave equívoco transformar esse apoio, que é espontâneo, numa política de alinhamento obrigatório. Ao contrário, devem os governos manter a busca de coalizão, entendendo que o terrorismo é um inimigo da paz do mundo e que, por se alimentar no obscurantismo e no privitivismo, ameaça a própria convivência civilizada. A pergunta feita pelo presidente Bush – se o futuro da América é um futuro de medo – é claramente uma questão que todos as sociedades se fazem diante da louca escalada da guerra e do ódio. É dever dos países, particularmente dos mais próximos dos EUA, exercer sua influência para dar racionalidade e senso de proporção a essa reação que surge como inevitável depois da tragédia de Nova York, mas que não precisa nem deve ser marcada pelas mesmas características de insensatez. Educação e humanismo Segundo se anuncia, o presidente da República poderá vetar, atendendo a ponderações do MEC, projeto de lei recém aprovado pela Câmara Alta e que reinclui as disciplinas de filosofia e sociologia no currículo da escola média. Seria um equívoco, em especial quando se leva em conta que o primeiro mandatário é um sociólogo. A vitoriosa tramitação da matéria, primeiro na Câmara, onde foi proposta pelo padre Roque (PT-PR) e depois no Senado, onde foi relatada por Álvaro Dias (sem partido-PR), é reflexo do interesse que despertou entre parlamentares de todas as correntes. Trata-se em verdade de um avanço da educação. E isto porque representa um importante fator de valorização da formação ministrada no antigo 2º Grau, que ainda hoje sofre os efeitos da desastrosa reforma do ensino, mal implantada e mal digerida a partir de 1972, no auge do regime autoritário. As diretrizes então adotadas acabaram por banir disciplinas como o latim, o francês e o espanhol, além da filosofia e da sociologia. Em seu lugar foram adotadas outras, bem ao estilo do figurino ditatorial, enquanto o inglês era erigido à categoria de língua estrangeira única. O próprio português recebeu o apelido de Comunicação e Expressão, mas pouco comunicava ou expressava, pois paralelamente desestimulavam-se a dissertação escrita e a leitura. Como resultado comprometeu-se, talvez inapelavelmente, a educação de mais de uma geração, posto que menosprezou-se o conteúdo humanístico que deve ser inseparável da formação. A escola deixava de preparar estudantes capazes de compor sua própria visão do mundo e de pensar criticamente a realidade. Bem diversamente, uma profissionalização que a ninguém habilitava reduzia em muitos casos os alunos a especialistas em minúcias. Não chega a surpreender, pois, o fato de que os vestibulares eliminaram a redação, convertendo-se numa roleta de cruzinhas. É de se esperar que o presidente sancione projeto que só tende a elevar a qualidade da formação no país A reintrodução da filosofia e da sociologia significaria, pois, antes de tudo, uma forma de reparar os erros do passado, já que são disciplinas fundamentais para a exata avaliação da herança inestimável do processo civilizatório, para a prática dos direitos e deveres de cidadania e para a precisa compreensão dos valores da democracia. Argumenta o MEC que a lei aprovada feriria o princípio da interdisciplinaridade que ora rege o ensino médio. Há ainda quem observe que não haverá professores habilitados para ministrar as duas matérias. Ora, no primeiro caso, estamos diante de mera tecnicalidade legal, facilmente superável. No segundo, de um temor que não se justifica, pois a implantação do novo sistema poderia ser gradual. É de se esperar que o presidente Fernando Henrique Cardoso reflita sobre todos esses aspectos e sancione um projeto que só tende a elevar a qualidade da educação média no Brasil. Topo da página

09/22/2001


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