Confusão de alianças eleitorais








Confusão de alianças eleitorais
Para conquistar o eleitor do Entorno, Roriz e Magela buscam o apoio de políticos de Brasília com influência nas cidades vizinhas ou em líderes locais afinados com a política do DF. Vale até lançar a dobradinha Lula-Roriz

Na impossibilidade de fazer campanha no Entorno, Joaquim Roriz e Geraldo Magela têm que apelar para cabos eleitorais especiais. O ex-senador tucano José Roberto Arruda, eleito deputado federal pelo PFL, tem a gratidão de vários prefeitos da região pelo apoio político dado a eles nas últimas eleições municipais. A vice de Roriz, Maria Abadia, tem simpatia no eleitorado da Ceilândia que migrou para Águas Lindas. ‘‘São uns 7 mil votos e mando cartão de Natal às famílias todos os anos’’, revela a candidata tucana.

O PT também tem força no Entorno e tentará ampliar a votação de Magela no segundo turno. Uma carta de apoio a Magela, assinada por Lula, será distribuída maciçamente nas cidades do Entorno e na rodoviária do Plano Piloto na última semana de campanha. Valparaíso é a cidade do Entorno onde Magela tem mais força. O melhor desempenho da candidata do PT ao governo de Goiás, Marina Santana, em todo o estado, foi na cidade.

‘‘Lula precisa de Magela’’, comenta a petista. O vereador petista Arquicelso Bites, que foi vice de Marina na campanha, é quem coordena a campanha em Valparaíso e nas demais cidades do Entorno. ‘‘A estratégia é convencer o eleitorado de Lula a trocar Roriz por Magela’’, adianta. Como argumento, os petistas recorrem ao rompimento de Roriz com Maguito Villela e Íris Resende, candidatos derrotados do PMDB ao governo de Goiás e ao Senado.

Roriz deixou de apoiar os colegas de partido quando empenhou-se na campanha de Marconi Perillo e da tucana Lúcia Vânia, que conseguiu eleger-se senadora. A opção levou peemedebistas do Entorno a abandonar a campanha de Roriz. ‘‘O PMDB do Entorno não existe mais. Os candidatos levaram uma surra e Roriz não perde nada sem o apoio deles’’, desdenha o tucano José Roberto Arruda.

Os rorizistas têm também um exército forte de apoiadores nas cidades vizinhas, em Goiás. O secretário de Entorno, Zequinha Roriz, irmão do governador, já se reuniu com prefeitos e vereadores pedindo mais empenho na busca de votos para Roriz. A irmã da primeira-dama Weslian Roriz, Miriam Pelles, é liderança conhecida em Santo Antônio do Descoberto e também puxa votos para o cunhado.

Na Cidade Ocidental, o vereador Darilho Souto (PMDB) pegou carona na boa votação de Lula no Entorno e lançou uma dobradinha impensável há pouco tempo: o movimento Lula-Roriz.

Muitos eleitores, porém, permanecem alheios a essas costuras e votam por convicção. Motorista da Viplan aposentado, Antônio Gomes de Azevedo, 66 anos, mora há nove anos no bairro Jardim Oriente, em Valparaíso. Deixou o P Sul da Ceilândia por conta da violência. ‘‘Mataram não sei quantos na minha porta e me mudei de lá antes que fosse o próximo’’, conta.

O aposentado não transfere o título para Goiás porque quer melhorias para o DF e acredita que, se não tiver título aqui, pode prejudicar a mulher, que faz tratamento de osteoporose no Hospital de Base. Ele sempre vota em candidatos da oposição. Dessa vez, vota em Magela (R.A.).


Briga pelo eleitor do Entorno
Roriz e Magela disputam votos de 97,3 mil pessoas que moram em cidades vizinhas. Proibidos de fazer campanha, candidatos dependem de aliados locais e de presidenciáveis

As cidades de Goiás vizinhas a Brasília abrigam um eleitorado de 97,3 mil pessoas que votam no Distrito Federal. Uma população que equivale a quase a metade dos votos do Plano Piloto, a terceira maior zona eleitoral no DF, com 202 mil eleitores. São votos suficientes para decidir o segundo turno da disputa entre o governador Joaquim Roriz, que tenta a reeleição pelo PMDB, e o petista Geraldo Magela. Basta lembrar que a diferença no primeiro turno entre os dois foi de apenas 2,1%, ou seja, 25.128 votos.

Nenhum dos candidatos despreza esse eleitorado, mas o grande desafio é conquistar esses preciosos votos sem pisar no Entorno. Desde 13 de setembro, ainda no primeiro turno, a Justiça Eleitoral de Goiás proibiu a campanha dos candidatos do DF nas cidades do Entorno. Não pode nada. Comício, carreatas, distribuição de panfletos, pregar cartazes em postes e até carro de som circulando pelas ruas. Muito menos visitar o eleitor em casa ou caminhar pelas ruas pedindo votos no chamado corpo-a-corpo.

‘‘Candidato do DF não tem amparo legal para fazer campanha em outra unidade da federação. Isso fere o princípio federativo de autonomia política dos estados’’, explica o juiz eleitoral Roberto Bueno Neto, de Santo Antônio do Descoberto — cidade com 85 mil habitantes e a 53km de Brasília. ‘‘Chegou a um ponto que a propaganda dos candidatos do DF superava a dos candidatos de Goiás e confundia o eleitor’’, completou o juiz.

Com a proibição do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), até os comitês eleitorais tiveram de ser fechados. Multas de até R$ 400 foram aplicadas ao morador que resistia em apagar dos muros nomes de candidatos de Brasília. A determinação foi seguida por outras cidades do Entorno, como Águas Lindas, Novo Gama, Planaltina de Goiás e Valparaíso.

Com a vitória de Marconi Perillo, no primeiro turno, para o governo de Goiás, a campanha eleitoral sumiu das ruas das cidades do Entorno. ‘‘Não tem mais nada de propaganda. Nem mesmo para o Lula e o Serra. É como se a eleição já tivesse morrido.’’, comenta Delfino Machado, prefeito de Luziânia. A cidade, que fica a 50km de Brasília, é a terra natal de Roriz. O prefeito, que é do PL, apóia o governador do DF, mas não sabe como convencer o eleitorado a votar no conterrâneo.

Migração
Das 97.300 eleitores que moram nas cidades goianas mais próximas do DF e votarão em Magela ou Roriz, cerca de 66 mil estão concentrados em Águas Lindas, Valparaíso, Novo Gama e Luziânia. Os dados são de pesquisa do Instituto Humanitas Brasil, com base no cadastro de 2002 do TRE-GO e do Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os coordenadores da campanha de Roriz e Magela acreditam que esse eleitorado é ainda maior, podendo chegar a 120 mil pessoas. ‘‘Cerca de 55% desses eleitores que migraram para o Entorno moram em Valparaíso (25 mil) e Águas Lindas (35 mil)’’, calcula Raimundo Júnior, coordenador político da campanha de Magela. ‘‘Há uma constante migração em direção ao Entorno’’, destaca o antropólogo Glauco de Silva e Silva, coordenador da pesquisa.

O custo de vida mais barato nas cidades do Entorno é um dos motivos que levam moradores do DF a se mudarem. É o caso da dona-de-casa Lucirene Maria da Silva, 41, e do marido Francisco Candeia, 42. Há oito meses, o casal vendeu por R$ 8.500 o lote que ganhou do governo Roriz, em Samambaia. Com o dinheiro, comprou um terreno em Valparaíso por R$ 5.500 e o material para construir uma casa de três quartos.

‘‘Falta rebocar e colocar o piso, mas se não vendesse o lote que Roriz me deu, não teria o dinheiro para construir a casa’’, explica a mineira, mãe de quatro filhos. A família está no Entorno, mas não pensa em transferir os títulos para Goiás. No segundo turno, o casal e a filha mais velha, Áurea Keryee, de 16 anos, acordarão cedo, mais uma vez, para votar no Núcleo Bandeirante. ‘‘Toda vez que abro a porta da minha casa, lembro de Roriz. Seria traição não votar nele’’, diz a eleitora, que só descobriu o nome do adversário de Roriz no dia da votação.

Como a maioria dessa população de eleitores é carente, o desafio para os dois candidatos ao Palácio do Buriti é convencê-los a comparecer às urnas do DF no próximo dia 27. O transporte de eleitores é proibido pela Justiça Eleitoral. ‘‘Não temos dinheiro para distribuir vale-transporte às escondidas, como os cabos eleitorais de Roriz, mas vamos apertar a fiscalização no dia da votação. Como a eleição terminou para os candidatos proporcionais, teremos muito mais tempo para denunciar as irregularidades’’, avisa Jaime Monteiro, vereador do PT em Águas Lindas.

Batalha invisível
Como a campanha de Magela e Roriz está proibida nas cidades do Entorno, os dois candidatos buscam o eleitorado com o apoio de lideranças e outros políticos. A principal arma do candidato petista é a carona na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidenciável ganhou disparado em todas as cidades do Entorno. Magela ainda lucra por ter nas urnas o mesmo número de Lula. Os militantes que fazem campanha no Entorno para Lula, ostentando bandeiras, acabam, ao mesmo tempo, reforçando o número de Magela.

Roriz e o tucano José Serra, por serem de partidos diferentes, têm também números diferentes nas urnas. Roriz, no entanto, conta com o apoio explícito de Perillo, reeleito no primeiro turno. Há duas semanas, Perillo se reuniu, em Brasília, com prefeitos de 18 cidades de Goiás para pedir apoio para Roriz.

O prefeito de Santo Antônio do Descoberto, Moacir Machado (PFL), participou da reunião. Como a campanha para os candidatos é proibida, ele só pede votos para Roriz nas reuniões de bairro. Pelo menos 10 mil moradores da cidade de 85 mil habitantes votam no DF. ‘‘Roriz é goiano, devoto de Santo Antônio e tem carinho especial pelo Entorno. Temos medo de que o PT nos abandone se ganhar a eleição’’, justifica o prefeito.


Lula busca votos para José Genoino
Petista participa de carreata na periferia de São Paulo para ajudar o candidato a governador, oito pontos atrás de Geraldo Alckmin, segundo as pesquisas

São Paulo — Na última carreata promovida pelo presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva na capital paulista, a festa foi de José Genoino, candidato ao governo de São Paulo. Ambos enfrentaram duas horas em carro aberto na periferia da zona sul da cidade. Favorito na disputa presidencial, Lula aparentava cansaço. Ficou em silêncio o tempo todo e deixou Genoino tomar a dianteira do evento.

Passava das 10h quando Lula chegou ao terminal de ônibus João Dias, no Campo Limpo, zona sul, local onde a militância do PT já se concentrava desde o início da manhã. Ele frustrou a expectativa da multidão, que o saldou com apitos, bandeiras e fogos de artifício.

‘‘Bom dia, companheiros. Está na hora de ir, senão não vai dar para acabar a carreata às 13h. É isso aí, só falta uma semana para terminar a campanha’’, disse o candidato, ofegante. Lula usava camisa pólo vermelha, e transpirava muito. Permaneceu junto da mulher, Marisa. Ao seu lado revezavam-se Genoino, o senador eleito Aloizio Mercadante, e deputados do PT.

A carreata, anunciada como ‘‘a maior da história do PT’’, teve a intenção de empurrar o candidato petista ao governo estadual, na reta final da campanha. Líder nas pesquisas, Lula tem sido o melhor puxador de votos para Genoino, que ‘‘colou’’ sua imagem à do presidenciável. Segundo pesquisa Datafolha, o governador do PSDB Geraldo Alckmin lidera a disputa em segundo turno com 50% das intenções de voto, oito pontos percentuais acima do concorrente do PT, com 42%.

Alckmin tem usado provocações ao petista no horário eleitoral. Afirma em seus programas que tem experiência, ao contrário de Genoino, que nunca exerceu mandato no Executivo. Também têm lançado mão de ironias insinuando que não vai ‘‘na carona’’ de ninguém, em alusão a dobradinha Genoino-Lula. O governo estadual inaugurou ontem, com festa e panfletagem eleitoral, a linha 5-Lilás do Metrô. São 9,4 quilômetros em seis estações, que ligam o Capão Redondo ao Largo Treze, na zona sul. Não foi por acaso que o PT começou sua carreata no mesmo local. A comitiva de Lula e Genoino cruzou com militantes tucanos durante o trajeto. ‘‘Não vamos fazer como nosso adversário, que esconde seu candidato a presidente’’, alfinetava Genoino no carro de som.

Ao longo dos 36 quilômetros da carreata, os candidatos percorreram alguns dos bairros mais pobres e violentos da cidade, como o Capão Redondo, Jardim Ângela e Rio Bonito. Genoino, animado ao microfone, atacou Alckmin o tempo todo. ‘‘Vamos acabar com a Geraldolândia’’, disse, repetindo a expressão que criou para afirmar que na propaganda Alckmin criou um ‘‘estado virtual’’. A carreata terminou abruptamente. Às 13h, como estava previsto, a comitiva parou, antes mesmo de terminar o percurso e se dispersou. Os candidatos foram embora de carro, a começar por Lula, que deixou o local rapidamente. Queria descansar.


Equipe de Serra já admite a derrota
Reunião de Lula com a eleite econômica deprimiu o comando da campanha do PSDB. Na TV, candidato do governo diz que o PT levaria o país à “ruína”

São Paulo — O encontro do candidato do PT a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, com empresários e banqueiros, no sábado, funcionou como um choque de realidade nas esperanças do PSDB de virar o jogo eleitoral, francamente desfavorável a José Serra segundo as pesquisas. Políticos do partido comentavam ontem que grande parte da elite brasileira, mesmo ainda votando no tucano, quer estar ao lado de Lula. ‘‘Essas elites sempre se preparam para estar ao lado do vencedor’’, admitiu o deputado Alberto Goldman
(PSDB-SP), meio desencantado.

O presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), estava abatido ao sair da produtora onde funciona o estúdio de gravação dos programas. ‘‘Essa história de sentar na mesa e conversar com todo mundo é porque eles não sabem o que farão com o país’’, disse.

Serra passou a madrugada de domingo na produtora de TV, de onde saiu às 6h30, depois de gravar pronunciamento que foi ao ar ontem à noite (leia ao lado). De lá, foi para casa. Dormiu toda a manhã e acordou por volta do meio-dia.

A assessoria de Serra ainda cogitou uma viagem a Mato Grosso do Sul, para um ato de campanha com a candidata do PSDB ao governo do estado, Marisa Serrano. Mas os planos foram abortados com a justificativa de que seria ‘‘muita movimentação para pouca gente’’.

A expectativa entre os políticos era o pronunciamento no horário eleitoral gratuito. Ninguém sabia ao certo o que seria veiculado. Mas o PT ficou em alerta. Seu presidente, José Dirceu, procurou o presidente Fernando Henrique Cardoso, dias antes, para avisar que, caso o programa de Serra saísse do embate político, ele não teria controle sobre a reação do PT.

Serra resistiu aos apelos de parte do grupo de campanha para atacar ainda mais o adversário. Sabe que, se por um milagre conseguir virar o jogo, precisará dos aliados de Lula para governar. Também não admitiria comparações de sua história política com a de Fernando Collor, que, sob o risco da derrota em 1989, apelou para uma ex-namorada de Lula, Míriam Cordeiro. Ela acusou Lula, na TV, de propor-lhe um aborto. Era mentira, mas o depoimento desestabilizou a campanha petista.

O presidente Fernando Henrique Cardoso também não acredita em uma reviravolta eleitoral. Tem comentado com amigos que as chances de Serra acabaram. Fernando Henrique costuma acertar em suas previsões de resultados. Em 1994, a 15 dias da votação, previu a própria vitória. A diferença é que, agora, os tucanos se preparam para a derrota.


PSDB joga a toalha
O pessoal da campanha do candidato José Serra já jogou a toalha. Dá por definida a eleição presidencial em favor de Luiz Inácio Lula da Silva. Por pessoal da campanha de Serra, entenda-se analistas de pesquisas, publicitários e os políticos mais próximos do candidato durante o segundo turno. Agora só resta troc ar passes, evitar tomar novos gols e, se possível, diminuir o tamanho da derrota.

Algumas pessoas que estiveram com Serra nos últimos cinco dias dizem que ele é um homem inconformado com a derrota anunciada. Está arrasado. Tanto mais porque se julga, e disso faz alarde, mais capaz, mais preparado e em melhores condições para governar do que seu adversário. Perder eleição está nas contas de qualquer político, inclusive na dele. Mas perder para Lula? Logo para quem?

Não que Serra tenha nada de pessoal contra o candidato do PT. Sempre foram amigos. Sempre estiveram juntos. E quando Itamar Franco estava ocupado em montar seu governo, Lula sugeriu a ele o nome de Serra para ministro da Fazenda. Itamar alegou que o PMDB de Quércia vetava o nome de Serra. Lula descobriu mais tarde que o veto a Serra partira do então senador Fernando Henrique Cardoso.

Quando Roseana Sarney ameaçou a candidatura de Lula, Serra confidenciou a amigos que apoiaria Lula contra Roseana em um eventual segundo turno. Fez a mesma declaração de voto quando tudo indicava que o concorrente de Lula no segundo turno poderia ser Ciro Gomes. Ficando fora do segundo turno, Serra fecharia com Lula contra qualquer outro. Até subiria no palanque dele.

Mas foi Serra que acabou passando para o segundo turno. E aí, caríssimos leitores, Serra era mais ele e ponto final. E era natural que fosse assim. Ele acreditou contra todas as evidências que teria tempo para descontar a larga margem de vantagem de Lula. De resto, sempre viu em Lula o candidato ideal para enfrentar e derrotar. E o curioso é que Lula sempre enxergou Serra da mesma maneira.

É fácil observar a história pelo retrovisor. Por isso é fácil dizer, como digo, que Lula estava certo ao preferir Serra como adversário no segundo turno. E, naturalmente, Serra estava errado. Lula apostou no que sugeriam todas as pesquisas de intenção de voto desde meados do ano passado: a maioria dos brasileiros queria votar no candidato que representasse a mudança.

De sua parte, Serra apostou que na hora H o velho e encardido medo despertado por Lula nas últimas três eleições presidenciais ressurgiria de modo tão forte que elegeria seu oponente — qualquer um: Serra, Ciro, Roseana e até Garotinho. Lula combateu o medo inventando um personagem chamado Lulinha Paz e Amor. Serra não chegou a fixar uma identidade.

Primeiro, tentou ser o candidato da continuidade que se opunha ao continuísmo. Como ninguém entendeu direito o que era isso, passou a disputar com Lula a patente do candidato da mudança. Como também não deu certo, assumiu por fim o discurso do candidato quase de direita, preocupado com a iniciação sexual precoce dos jovens, a baderna do MST e os sinais do fim do mundo caso Lula ganhe.

Não se poderá dizer que a biografia de Serra de político competente, honesto, sério e ético sairá comprometida da campanha prestes a terminar. Longe disso. Ele preservou todos os atributos que o tornaram um líder respeitado. E talvez até os tenha reforçado à medida que não se rendeu à tentação de apelar para a baixaria pessoal contra Lula como último e desesperado trunfo de campanha.

Mas como um político que sempre abriu seu caminho pela esquerda, e fez questão de destacar que a esquerda era ele e não Lula, Serra não precisava ter atravessado seus últimos dias de candidato como um cristão novo da direita inconformada com a eleição de um reles ex-pau-de-arara nordestino, ex-metalúrgico, ex-sapo barbudo, admirador de Fidel Castro e de Hugo Chávez.


Operação antivexame
TRE reconfere 41% das urnas usadas na eleição e descobre que mais 240 votos de três seções eleitorais não foram totalizados. Tribunal dará novo treinamento aos mesários e fiscais para tentar evitar problemas no segundo turno

Depois da descoberta tardia de 12.381 votos que deixaram de ser computados no resultado oficial das eleições do Distrito Federal, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) encontrou novas falhas no sistema de apuração. Problema semelhante foi detectado, na madrugada de sábado para domingo, em outras três seções. São mais 240 votos resgatados, segundo técnicos do tribunal. Dessas urnas, só foram registrados os votos manuais. Os eletrônicos não chegaram ao TRE.

‘‘Ficamos com dúvidas sobre possíveis falhas em três urnas. Por isso, foi autorizado o reprocessamento dos votos’’, afirmou Ricardo Negrão, secretário de informática do TRE. Os novos votos apareceram quando o tribunal decidiu comparar os registros de votação de todas as 1.458 seções onde foram usadas tanto urnas eletrônicas quanto cédulas de papel. A checagem durou 12 horas e foi comandada pela juíza Sandra de Santis, presidente da Comissão de Apuração do TRE. Durante todo o dia de ontem, a juíza divulgou à imprensa que o processo teria terminado sem que nenhum novo erro tivesse sido encontrado.

‘‘Pode ser que isso tenha acontecido’’, reconheceu, ao final da tarde, a juíza. ‘‘Eu estava cansada demais, não lembro’’, completou. Do início da tarde de sábado até 1h de domingo, 30 pessoas — entre fiscais e advogados dos partidos e representantes do Ministério Público — acompanharam os trabalhos no auditório do TRE. Os funcionários da Justiça Eleitoral compararam o número de eleitores que compareceram às seções com a quantidade de votos registrados no tribunal. Os fiscais de partidos foram convidados a apresentar urnas consideradas suspeitas. Três delas caíram na malha fina.

O TRE está convencido de que o erro na contagem dos votos é culpa das juntas apuradoras. A explicação oficial é que os apuradores esqueceram de somar os votos eletrônicos com os manuais. Antes de enviar o resultado, os integrantes das juntas deveriam ter registrado a soma de todos os votos no boletim total, o que não foi feito. O problema também passou despercebido aos fiscais dos partidos que acompanharam a apuração. Houve seções em que 300 pessoas compareceram para votar, mas apenas dois ou três votos foram computados.

A confusão eleitoral irritou fiscais e jogou uma sombra de dúvidas sobre a atuação do tribunal. Para correr atrás do prejuízo, o TRE inicia hoje uma operação de emergência para evitar vexames e erros no segundo turno. O problema registrado na apuração de 34 urnas na noite de sexta-feira e nas outras três promete ser o assunto do dia. Naquelas seções, apenas o total de votos em cédulas foi enviado ao TRE. Os votos de urnas eletrônicas ficaram perdidos por duas semanas.

Pelo menos duas medidas estão definidas para tentar evitar confusão parecida no dia 27 de outubro. Cada junta apuradora — responsável por reunir os votos de cada seção e enviá-los ao tribunal — será acompanhada por um funcionário do TRE. Além disso, haverá novo treinamento para as pessoas que trabalharam na apuração de votos. Os magistrados se reúnem, às 16h, no prédio do TRE, para discutir a questão.

A quantidade de falhas assustou os próprios integrantes do tribunal. ‘‘Por sorte, nenhum dos eleitos saiu prejudicado. O tribunal estaria em uma situação muito difícil se tivesse que mudar o resultado’’, admitiu o corregedor do TRE, desembargador Nívio Gonçalves.

Falta de treinamento
Os erros poderiam ter alterado a situação dos candidatos eleitos a deputado distrital. Apesar disso, o TRE não pretende abrir sindicância para apurar os culpados pelo sumiço de votos. ‘‘As pessoas que trabalharam nas juntas de apuração são voluntárias, não cabe penalizá-las’’, justificou Sandra de Santis. As juntas apuradoras são formadas exclusivamente por pessoas recrutadas, por isso funcionaram sem a presença de servidores do TRE no primeiro turno. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também não pretende investigar os responsáveis pelo problema. De acordo com a assessoria de imprensa do TSE, o assunto ficará a cargo do TRE.

Depois de um fim de semana movimentado, a conclusão no TRE era a de que faltou treinamento para as pessoas que trabalharam nas eleições. ‘‘Alguns mesários não sabiam sequer o que significava a palavra abstenção’’, revelou Sandra de Santis. Segundo ela, vários dos boletins checados sábado à tarde estavam preenchidos de forma errada. A Justiça Eleitoral julga hoje os últimos recursos de candidatos e partidos políticos. Não há data marcada para a divulgação do resultado oficial das eleições do DF.


Artigos

A política como negócio
Sylvain Levy

Os cuidados que devemos ter com nosso voto nos impelem a pensar sobre o motivo que leva alguns candidatos a gastarem, segundo informações do TRE, quantias superiores ao que possam amealhar durante todo o tempo de um mandato na Câmara Legislativa ou federal. Valores de 4 e 5 milhões de reais foram noticiados na Rede Globo como os gastos informados ao TRE por alguns candidatos a deputado distrital e federal.

Tudo leva a crer que os que investem numa campanha investem como em qualquer outro negócio, com a perspectiva de retorno do investimento. Assim, a política virou negócio. Ao lado da indústria, comércio, agricultura e serviços, temos novo segmento econômico, a política. E a eleição é ao mesmo tempo veículo e anúncio para boas compras. Político já é profissão, e política, ramo de atividade econômica.

Nesse mercado, o serviço público está funcionando como uma barraquinha de feira. Um posto de chefe, de administrador ou de diretor de estatal é um dos passaportes preferidos para a indicação como candidato e, assim, o serviço público cede espaço àqueles que querem se servir do público e fazer seus negócios particulares.

Em outra ponta desse novelo, temos a relação financiador-financiado e também aí não é fácil entender como se dá essa relação. Há poucos anos um projeto do GDF que foi apresentado à Câmara Distrital era deletério para o comércio e a indústria locais. Pois bem, os deputados distritais, cujas eleições foram financiadas pelo comércio e indústria locais, votaram favoravelmente ao projeto em detrimento dos interesses dos financiadores. Alguns desses perguntaram, posteriormente, em uma tensa reunião, ‘‘a quem, afinal, esses deputados representavam’’. Não se conhece a resposta. Essa, aliás, é uma pergunta que deve inquietar a todos os eleitores.

Mas como se constroem esses políticos e como eles se colocam a serviço das elites brasileiras? É possível traçar a dinâmica desse movimento através de um círculo vicioso que preserva o poder das elites brasileiras, sejam elas intelectuais, políticas ou financeiras, utilizando-se dos sistemas educacional, político-eleitoral e legislativo-judiciário.

Com o sucateamento progressivo da rede pública de ensino, a educação de qualidade passou a ser privilégio das elites que podem pagar escolas particulares. A probabilidade de um estudante entrar na universidade aumenta na relação direta à sua freqüência às boas escolas (entenda-se privada) e a um curso pré-vestibular. Ambos caros.

Ao contrário do que ocorre nos ensinos fundamental e médio, é sabido que as universidades de maior prestígio são as públicas e, portanto, a chance de uma de suas vagas ser ocupada pelo aluno que estudou na escola privada é muito maior. Acontece que as faculdades públicas — as que melhor preparam — são as que menos vagas oferecem para os cursos noturnos, que aqueles que precisam trabalhar necessitam freqüentar. Resumindo, os que têm mais recursos e já pertencem às elites serão mais bem preparados e continuarão a pertencer a essas elites. Dessas elites intelectuais e financeiras continuarão a ser recrutados pelos partidos os candidatos aos cargos eletivos, escolhidos justamente devido à sua capacidade de arregimentar recursos — públicos, humanos ou financeiros.

E são exatamente esses candidatos que, eleitos, farão as leis que beneficiarão as diversas camadas da população. Naturalmente as camadas às quais eles próprios pertencem ou representam serão as mais beneficiadas. Desse modo, os privilégios são ampliados e as elites se eternizam e são eternizadas no poder.

Em razão dessas considerações e observações, sobressai a pergunta. Como votamos neles? Como votamos nesses ladrões e estelionatários? Esses políticos que roubam nossos votos e enganam nossas esperanças?

Eles prometem o que não podem nem têm intenção de cumprir e nós, eleitores, nos tornamos cúmplices. Não entendemos e não gostamos, mas coonestamos e aceitamos.

Assim, creio que é muito mais produtivo e conseqüente, antes de perguntar a eles o que os leva a serem políticos e buscarem votos, seduzindo, aliciando e mentindo, perguntarmos a nós mesmos por que fazemos a nossa parte nesse teatro.

Se for só pela democracia, pobre democracia. Se for só pelo amor, poupem-me dele. Se for pela ignorância, que venha a educação. Se for pelo voto, é bom começarmos a aprender a votar, enquanto ainda resta alguma coisa pelo que lutar.


Editorial

A MONTANHA MÁGICA

Praticamente eleito, apesar da exploração de preconceitos e medos de supostos danos que sua vitória possa causar à economia do país, verbalizados por uma ex-‘‘namoradinha do Brasil’’ — hoje sacerdotisa do macarthismo continuísta da pretensa competência da elite no poder —, o presidenciável do PT não pode perder tempo em face das desgraças contidas no espólio do governo FHC.

Lula terá de agir com rapidez, em várias frentes, para atender aos doze milhões de desempregados e repor o Brasil no rumo do crescimento econômico. Precisará enfrentar as mazelas que FHC agravou e esgarçaram o tecido social, tornando-o violento, pela concentração de renda, sucateamento de escolas e hospitais, aviltamento de salários, sumiço dos dólares das privatizações e deterioração da segurança pública. É quase a reconstrução de um novo país.

Eleito pelas esperanças de quantos nele confiaram, Lula terá, portanto, uma tarefa hercúlea, pois dele também se espera que limpe as estrebarias de Áugias e moralize a vida pública brasileira para dignificá-la. A propósito, quando alguém perguntava a Osvaldo Quinçã — assessor do então presidente Ernesto Geisel —, o que podia fazer para ajudar o país, ele não hesitava: ‘‘Basta não roubar’’.

Não lhe faltava nem lhe falta razão. Em oito anos, mal se puniram os assaltos aos cofres públicos, feitos por maus políticos, maus empresários e sonegadores contumazes, que agiram quase impunemente, em tempo integral. O secretário da Receita, Everardo Maciel, respeitável servidor, estima que o rombo dado ao erário, por essa malta, é cifra astronômica, de muitos bilhões de reais.

Se quiser começar por essa estrebaria, Lula disporá do relatório que o ex-presidente Itamar Franco passou ao sucessor, elaborado pelo general Romildo Canhim, sobre corrupção no país, arquivado, em poucos dias, por FHC. Era um Himalaia de ilícitos. Começar por examinar essa montanha mágica de expropriações de recursos públicos e castigar os que ajudaram a erguê-la já seria um bom começo, indispensável, aliás, à execução do resto do difícil programa presidencial de Lula.

Ao contrário da tese de Pelé — vê-se hoje —, essas elites é que não têm preparo para governar. Mas, em desespero, além da cultura da impunidade, tentam manter o poder, impondo medos e preconceitos, como os que tomaram a mente da pobre Regina Duarte. Agora, porém, sem covardia nem cegueira moral, nada impede o povo de livrar-se da falsa competência, que tantas humilhações e males lhe infligiu.


Topo da página



10/21/2002


Artigos Relacionados


Diógenes mantém o governador longe da confusão

Zambiasi lamenta "confusão" provocada por suposta redução do IPI sobre o vinho nacional

Simon: "Governo Lula é confusão permanente, mas ainda há tempo para mudar"

Para Paulo Lacerda, há confusão, e não contradição, sobre números de agentes da Abin na Operação Satiagraha

Em busca das alianças

PPS retarda decisão sobre alianças em SP