Despesa do governo cresce mesmo com o ajuste fiscal







Despesa do governo cresce mesmo com o ajuste fiscal
O ajuste fiscal não impediu que as despesas do governo federal, principalmente com a manutenção da máquina pública, aumentassem de 12,72% do PIB (Produto Interno Bruto) para 14,02% entre 97 e 2001. As despesas acompanharam o ritmo de crescimento da economia e ainda aumentaram mais R$ 14 bilhões.
A dificuldade de compressão desses gastos -que não incluem as despesas crescentes com juros- torna mais difícil o alcance das metas fiscais programadas para este ano, segundo economistas ouvidos pela Folha.
O final de 2001 já foi marcado pelas disputas em favor da correção da tabela do Imposto de Renda, do aumento para o salário mínimo e dos reajustes para fiscais previdenciários e professores universitários, que representam gastos maiores ou receitas menores.

De acordo com o economista especializado em contas públicas Raul Velloso, os gastos do governo são praticamente "incomprimíveis" e algumas particularidades deste ano, como as eleições, tornam a missão fiscal mais dura.
Segundo Velloso, é normal que os governadores deixem para gastar mais no último ano de seus mandatos. "Eles podem ter economizado receitas de privatização e receitas próprias." Ou seja, sem desrespeitar os seus contratos de refinanciamento de débitos com o governo, os Estados teriam margem para gastar.

O economista lembra que a União ficou com a maior parte do aumento da meta de superávit primário -economia de receitas para pagamento de juros- previsto para 2002. Se os Estados não fizerem a sua parte, provavelmente o governo federal não terá como aumentar a dele.
A meta com o FMI (Fundo Monetário Internacional) é uma economia de R$ 45,7 bilhões no setor público, sendo que R$ 29,2 bilhões estão a cargo da União. Segundo o governo, os Estados e municípios vão economizar R$ 9 bilhões e as estatais federais, R$ 7,5 bilhões do que arrecadarem.

Margens
Para o economista Fábio Giambiagi, o governo calibrou as metas de forma conservadora, o que lhe dará margem de manobra caso os Estados gastem mais. Mas alerta para um nível de receitas mais baixo no início deste ano em relação ao ocorrido em 2001 devido ao baixo crescimento econômico.
"O governo não terá a folga de 2001", diz. Apesar de achar a meta "apertada", Giambiagi acredita que ela será cumprida. Segundo ele, houve excesso de economia nos últimos anos. Giambiagi afirma que o superávit em 2001 deve atingir 3,4% ou 3,5% do PIB, quando a meta é 3,35%. "Em 2002 não haverá excessos."

O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Eduardo Guardia, não acredita em um estouro dos gastos estaduais neste ano. Ele lembra que as últimas eleições consagraram os dirigentes que mostraram disciplina fiscal.
Outro problema citado por Velloso é a dependência que o governo vinha depositando no superávit das estatais. Em 2001, essa fonte ficou escassa.

Neste ano, a Eletrobrás terá que gastar para investir mais em energia e a Petrobras passará a funcionar em regime de livre mercado. O governo também vem contando com a concessão de novas bandas de telefonia celular em 2002 para reforçar o caixa do Tesouro. Mas as últimas tentativas de venda não foram bem-sucedidas.

Vínculos
Uma dificuldade crônica é o fato de as receitas cresceram de forma vinculada. "As despesas só sobem, e as receitas não sobem livremente", comenta Velloso.
Como exemplo, o economista cita a nova Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre combustíveis, que substituirá uma parcela que é recolhida indiretamente pelo Tesouro sobre cada litro de gasolina.

No ano passado, quando o recolhimento era indireto, o destino da arrecadação também era decidido pelo governo. Na nova Cide, a arrecadação está vinculada a gastos nas áreas de transportes e ambiente e com subsídios.
"O governo pode até fazer uma troca de fontes, mas fica mais difícil direcionar recursos para o superávit primário, por exemplo", diz Velloso. A troca de fontes acontece quando despesas que eram financiadas por determinados impostos são substituídas por outras. No caso, a Cide.

No longo prazo, Velloso diz que o próximo governo ainda terá de resolver o problema das previdências social e pública. Segundo ele, o déficit da primeira não está estabilizado como afirma o governo. E a reforma da previdência pública não saiu do papel.


Anvisa denuncia apenas secretárias
A sindicância promovida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para apurar a ligação entre servidores e o lobista Alexandre Paes dos Santos denunciou seis funcionárias, recomendando a demissão de quatro e o remanejamento de duas.
O relatório de 24 páginas, obtido pela Folha, não aponta nenhum caso concreto de crime envolvendo as denunciadas, que exercem funções de secretárias e auxiliares administrativas.
O documento foi aprovado pelo diretor Luiz Carlos Wanderley Lima no último dia 12, quando respondia pela presidência da Anvisa, devido à ausência de Gonzalo Vecina Neto, diretor-presidente.

As duas secretárias de Vecina Neto na ocasião das denúncias, Antônia de Maria Moreira Souza e Débora Alves, foram demitidas por recomendação preliminar da comissão de sindicância.
Na última sexta, porém, Débora Alves foi reintegrada à Anvisa por decisão do juiz de plantão da 14ª Vara Federal de Brasília, Jamil Rosa de Jesus, que alegou em seu despacho tratar-se de julgamento arbitrário da sindicância.
Débora foi denunciada por "patrocinar" a contratação de três sobrinhas, por meio de convênio com a Unesco, e pelo "uso não-autorizado" do nome de Vecina Neto para solicitar informações sobre o andamento de processos. O relatório não cita exemplos.

A sindicância considerou insuficientes as explicações dadas por Débora sobre os dados de sua conta bancária e telefones pessoais encontrados em anotações da agenda de Santos.
O lobista, conhecido como APS, ameaçou denunciar, em setembro, funcionários do Ministério da Saúde que, segundo ele, estariam extorquindo laboratórios sob o argumento de arrecadar recursos para a campanha presidencial de José Serra. Acabou virando alvo de devassa da Polícia Federal e do Ministério Público.

A busca e apreensão feita em seu escritório, em outubro, revelou negócios com deputados e anotações suspeitas sobre servidores. Uma delas envolvia Débora, um almoço e a inscrição "R$ 1.500". Outra, o número de sua conta bancária. A secretária disse em seu depoimento que APS "jamais efetuou depósito" em sua conta e não sabia por que o número estava anotado na agenda.
A outra secretária, Antônia Souza, incorreu em "quebra de confiança" ao "patrocinar" uma rede de nepotismo na Anvisa, segundo o relatório. Trabalham na agência o irmão, como motorista concursado a serviço de Vecina Neto, uma filha, uma irmã, uma sobrinha, uma cunhada e uma ex-nora, todas com contratos temporários.

Pelos corredores da Anvisa, também é constante a presença de outras duas irmãs de Antônia. Rosa e Joana Moreira trabalham como despachantes para laboratórios de São Paulo. "Aqui [na Anvisa" adentraram 168 e 39 vezes, respectivamente", segundo contabilidade da sindicância.
A terceira punição atingiu a auxiliar administrativa Luzimara Lino da Silva, responsável pela equipe que atende a despachantes interessados em informações sobre o andamento de processos.
Sua exoneração foi recomendada porque não teria coibido a relação entre familiares que estavam dos dois lados do balcão e devido à "tentativa de encobrir" perante à sindicância as visitas constantes de parentes de suas funcionárias ao balcão de informações.

Flávia Evangelista de Souza, da equipe de Luzimara, também teve seu desligamento sugerido pela sindicância. Segundo o relatório, ela "não teve o zelo recomendável" ao atender suas tias, as de spachantes Rosa e Joana Moreira.
Já Liliane Benevides de Souza e Camila Alves Paupitz deverão ser remanejadas porque seus depoimentos tiveram contradições com os de outras testemunhas.
A conclusão do caso depende ainda de inquérito na PF e de investigação do Ministério Público.


Nos bastidores, FHC tenta minar Roseana
Enquanto elogia publicamente a governadora Roseana Sarney (PFL-MA) e recomenda que tucanos evitem ataques diretos à candidatura presidencial da pefelista, Fernando Henrique Cardoso busca miná-la nos bastidores.
O presidente tenta tirar o publicitário Nizan Guanaes da candidatura Roseana e levá-lo para a do seu preferido, o ministro da Saúde, José Serra (PSDB).
No início de dezembro, FHC e Nizan tiveram uma conversa pessoal e direta. O presidente disse que o publicitário, por ter feito suas campanhas em 1994 e 1998, tinha mais afinidade com o PSDB e deveria trabalhar para Serra.

Nizan respondeu que se sente desconfortável no PFL e que ideologicamente é um tucano. Mas lembrou ter sido traumática a relação com Serra na campanha à prefeitura paulistana em 1996.
Segundo Nizan, que fez a campanha derrotada do ministro naquele ano, Serra é um candidato irascível, desobediente e com mania de ouvir várias opiniões, desautorizando o marqueteiro.
FHC argumentou que o ministro está mais maleável porque sabe que esta é a sua melhor oportunidade para tentar a Presidência. O presidente se dispôs a fazer um almoço da paz entre eles.

Para melhorar a relação de Nizan com Serra, FHC perguntou ao publicitário se ele ficaria satisfeito com a nomeação de João Roberto Vieira da Costa, o Bob, para secretário de Comunicação do Governo. Nizan disse que sim.
Bob, ex-assessor de comunicação do ministro, trabalhou com Geraldo Walter, sócio de Nizan que morreu meses depois da campanha de Serra em 1996.
Nizan ficou de pensar no pedido e está tentando se afastar de Roseana, o que já foi percebido pelos estrategistas do PFL.

O publicitário prepara o programa de TV do PFL que exibirá a governadora neste mês, mas reluta em assumir um compromisso para toda a campanha de Roseana. O publicitário foi procurado pela Folha. Sua assessoria informou que ele está de férias no sul da Bahia e que desejava descansar e não falar de política.
A Folha apurou, porém, que Nizan estuda um modo de não melindrar Roseana e satisfazer FHC. Poderia se afastar da pefelista, alegando outros planos profissionais, e dar uma assessoria por baixo do pano a Serra. FHC gostaria que Nizan cuidasse do programa de TV do PSDB de março, para o qual há planos de exibir o presidente e o ministro da Saúde.

O publicitário está na dúvida. Teme jogar fora a oportunidade de fazer mais uma campanha presidencial vencedora. Hoje, uma parcela do PMDB tende a apoiar a pefelista por avaliar que há setores do próprio PSDB que farão corpo mole em relação a Serra.
Ou seja, há entre os próprios tucanos dúvida em relação à viabilidade eleitoral do ministro, que está com 7% na pesquisa Datafolha divulgada ontem. Roseana, no mesmo cenário, tem 21%.
O governador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, saiu do páreo tucano contrariado com as articulações de FHC a favor de Serra. Tasso defende uma eventual aliança com Roseana se Serra não subir nas pesquisas.

A ação de FHC para minar Roseana também chegou ao analista de pesquisas Antônio Lavareda, dono da empresa MCI, companhia com linha direta no Planalto. Circulou a notícia de que Lavareda, próximo a FHC e a Tasso, teria fechado com Serra. No entanto, o pesquisador tem dito a interlocutores que está firme com Roseana.


PMDB deve barganhar com tempo de TV
Ensaiado com esmero desde o ano passado, o capítulo final da novela da candidatura própria do PMDB à Presidência está pronto para ser encenado pela cúpula partidária. Como farsa: a sigla não deve ter candidato e se prepara para negociar o precioso tempo de TV que tem com PSDB ou PFL.
A intenção da cúpula peemedebista é resolver internamente a questão em fevereiro. Assim, poderia anunciar em março a decisão. Até agora, a direção do partido prestava juras de amor eterno à candidatura própria. Era uma tática para impedir o avanço do governador Itamar Franco (MG).

Com a queda de Itamar nas pesquisas (passou de 11% em setembro para os atuais 6%) e os problemas que o governador enfrenta com seu vice, Newton Cardoso, em Minas, o discurso mudou.
Caso exemplar é o discurso sinuoso do ex-ministro dos Transportes Eliseu Padilha: "Defendo a candidatura própria do PMDB a presidente. Mas eu não sou ingênuo. Sei que há alas no partido que vão pressionar por uma aliança, caso nosso candidato não mostre perspectiva de poder. O partido mudando de posição, sou um quadro de partido".

Padilha não é o único. Ex-assessor de Fernando Henrique Cardoso, Moreira Franco (RJ) defende que a legenda deve negociar unida o seu apoio ao PSDB ou ao PFL. Ou corre o risco de entrar numa aliança em posição de inferioridade, como em 1998.
Na ocasião, os governistas conseguiram barrar a candidatura de Itamar, mas não tiveram forças para oficializar a coligação com o PSDB e entregar o tempo de TV a FHC. O PMDB ficou no governo, mas em posição secundária.

Um primor é a argumentação do ministro da Integração Nacional, Ney Suassuna (PB). "O PMDB é o partido com a situação mais favorável de todos. Só lança candidato com chance de vitória. Do contrário, apóia Roseana Sarney [PFL" ou José Serra [PSDB"."
Pelo histórico peemedebista, não será surpresa se a sigla rachar, uma parte ficando com o PFL e outra com o PSDB. A divisão tem sido a marca indelével do PMDB.


PSDB será vice em maio, diz Bornhausen
O presidente do PFL, o senador Jorge Bornhausen (SC), disse que, mantido até maio o quadro atual de crescimento da candidatura presidencial de Roseana Sarney (MA), uma aliança com o PSDB só será possível com um tucano de vice da governadora.
"Ninguém comete suicídio político", afirmou Bornhausen, ao declarar que crê "na possibilidade de uma aliança PFL-PSDB, com Roseana na cabeça-de-chapa".
Para o pefelista, a pesquisa Datafolha publicada ontem, na qual Roseana passa de 19% para 21% e ainda vence o PT em um eventual segundo turno da eleição, revela "consistência no crescimento".
"Falavam que ela crescia por causa da exposição na TV. Não houve exposição recente, e ela continuou a crescer", disse Bornhausen. Ele mantém o discurso de que o ideal é uma união em maio das três grandes legendas governistas: PFL, PMDB e PSDB.

"Sempre defendi que o candidato devesse ser aquele com melhores condições de vencer. Hoje está claro que é a Roseana. Se mudar esse quadro, podemos rediscutir", afirmou. Na pesquisa Datafolha, José Serra, ministro da Saúde e hoje o único presidenciável tucano, repetiu 7% no cenário em que Roseana aparecia isolada no segundo lugar.
Bornhausen disse que será "institucional" sua reunião nesta quinta com os presidentes do PSDB e do PMDB, os deputados federais paulistas José Aníbal e Michel Temer, respectivamente. Ele acredita que em março ficará clara a opção do PMDB, seguir sozinho ou se aliar, e do PSDB, que já terá lançado Serra.

Para Bornhausen, "o quadro afunilará para valer em maio". Será por aí, avalia, que o PSDB poderá estar convencido a aceitar papel coadjuvante na aliança.
Sobre a eventual candidatura do empresário e apresentador de TV Silvio Santos, filiado ao PFL, Bornhausen foi taxativo: "Sem menosprezo a ninguém, essa não é uma hipótese cogitada. O partido já decidiu lançar Roseana".

Na pesquisa, Silvio teve 15% e 16%. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manteve a liderança, com 30% no cenário principal. O governador Anthony Garotinho (PSB) obteve 11% e Ciro Gomes (PPS), 10%.


Patrimônio desperta curiosidade no TJ
O patrimônio dos desembargadores Edmilson C ruz e Ernani Barreira, cujo salário bruto é de R$ 11.080,00, desperta a curiosidade de magistrados cearenses.
Juiz de carreira e ex-professor da Universidade de Fortaleza, Cruz acaba de construir um casa de três pavimentos, com piscina no último andar, no sítio Buenos Aires, em Cascavel, município a 70 km de Fortaleza. Segundo moradores do sítio, o acesso à cobertura é feito por elevador.
Advogado até março de 1987, quando foi nomeado desembargador, e professor da Universidade Federal do Ceará, Barreira não tem imóveis registrados em seu nome em Fortaleza.

Ex-secretário da Administração e ex-procurador-geral no governo Gonzaga Mota (1983-1986), seu patrimônio resume-se a um jipe Suzuki Vitara, ano 1999, segundo o Detran cearense. Barreira entrou no TJ pelas mãos de Mota, em 12 de março de 1987, três dias antes da posse de Tasso Jereissati. Barreira é primo de Miriam Porto Mota, mulher do ex-governador.
Barreira, no entanto, vive com a mulher, Monique Coelho, e as duas filhas do casal em dois apartamentos, de 270 metros quadrados cada um, em frente à praia de Iracema, região nobre da capital cearense. Há um mês, o apartamento do 14º andar estava à venda por R$ 550 mil.

Monique é a proprietária da casa de praia do casal, com 630 metros quadrados de área construída, em Porto das Dunas. O imóvel fica ao lado do parque aquático Beach Park, um dos trechos mais valorizados do litoral cearense. Em junho de 1997, Monique pagou R$ 150 mil pelo imóvel. Ao comprar a casa e o primeiro apartamento, a renda oficial de Monique era o salário de juíza, de cerca de R$ 7.000.
Ela entrou na magistratura por concurso público, depois de casar-se com Barreira. Em 1999, deixou a função para assumir um cartório de registro de imóveis em Maranguape, na região metropolitana de Fortaleza, também aprovada em concurso.
O patrimônio do casal Barreira pode crescer ainda mais, caso Monique vença a ação que move contra o Banco do Brasil e a administradora de cartões Visa. Em viagem à Europa, em 1995, ela e o marido consideraram-se ultrajados ao terem problemas no pagamento de uma compra de tapetes durante uma escala de cruzeiro marítimo pelo mar Mediterrâneo e decidiram processar as instituições financeiras.

Na primeira instância, o juiz arbitrou o valor da indenização em R$ 6 milhões. Os condenados recorreram ao TJ. O desembargador Edmilson Cruz foi nomeado relator do caso. Seu voto, seguido por outros dois desembargadores, estabeleceu uma indenização de R$ 4 milhões.
A sentença foi dada no dia 27 de setembro de 1999. Cruz não se considerou impedido de julgar a ação, ainda que sua filha Ana Cristina Onofre Cruz tenha sido assessora no gabinete de Barreira entre 1998 e 2001.
Edmilson Cruz Júnior, filho do desembargador, disse que a condenação foi mantida pelo STJ e o valor reduzido a R$ 2 milhões, mas a assessoria do tribunal informou que o processo só deverá ser julgado neste ano.


Secretário defende união civil de gays
O novo secretário de Estado dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, é homem de hábitos polidos e língua chegada à polêmica. É nessa condição que ele defende a união civil entre pessoas do mesmo sexo, proposta que tramita no Congresso Nacional e ganhará apoio do governo federal na nova versão do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Pinheiro acredita que, se a união civil de homossexuais já estivesse legalizada no país, a família de Cássia Eller não estaria passando pelo constrangimento da discussão pública sobre a guarda do filho da cantora, Chicão, 8.

""Se essa lei vier a ser aprovada, é evidente que o Brasil se poupa dessas situações extremamente constrangedoras, que afetam larga parcela da população que resolveu ser gay, homossexual, transexual, bissexual", avalia.
Foram dois anos de debates do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 2). O resultado, submetido a consulta pública pela internet até a próxima quarta-feira, vai virar decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso, provavelmente até o Carnaval. A nova versão do programa vai substituir a primeira, de 1996.
O texto contempla direitos dos afrodescendentes, do grupo GLTTB (gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais), dos ciganos, propõe incentivo fiscal para quem empregar ex-detentos e monitoramento da programação de rádio e TV.

Carioca, 57 anos, Pinheiro é novo na Esplanada dos Ministérios. Vai completar dois meses no cargo e afirma que só usa gravata para encontrar o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Sociólogo e cientista político, ele costuma dizer que o maior problema do Brasil é o racismo estrutural, cultivado sob o silêncio dos governos. Ele abre uma exceção para o governo do chefe FHC. Abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo secretário na última quinta-feira.

Folha - Como está o Brasil no quesito direitos humanos?
Paulo Sérgio Pinheiro - Depende. Se olharmos para o governo federal, está muito bem, porque ele não tortura, não comete execuções sumárias e não tem gangues de exterminadores. Ao contrário do regime autoritário, o governo ratificou todos os instrumentos internacionais de direitos humanos. Aí, dizem que "isso é só papel". Não é não. Isso é muito difícil. O Brasil não tem nada a esconder, e o cume dessa transparência foi quando, em dezembro do ano passado, o presidente apresentou um convite em aberto aos relatores especiais da ONU. Isso significa que eles podem vir ao Brasil quando quiserem, sem precisar de autorização do governo. Também tratamos como parceiras as organizações internacionais.
Agora, outro aspecto são os Estados, que têm uma responsabilidade complementar no que diz respeito aos direitos humanos.
Hoje o Brasil tem 70 queixas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos com ameaça de passarem para a Corte Interamericana de Direitos Humanos. São casos de morte no campo, assassinato de crianças e adolescentes, torturadores, crimes com envolvimento de policiais militares. Eldorado do Carajás e Carandiru são a ponta do iceberg.
Houve uma vitória grande, que foi transferir casos da Justiça militar para a civil. Acham pouco, mas é muito. Antes, havia uma expectativa de impunidade. Hoje, há uma incerteza. Mas os Estados têm de punir os criminosos, os assassinos responsáveis por mortes no campo, torturadores e PMs envolvidos nesses casos.

Folha - Qual o ponto central do novo Programa Nacional de Direitos Humanos?
Pinheiro - É sua contribuição decisiva para a luta contra a discriminação. O Brasil está totalmente afinado com o programa de ação da Conferência Mundial Contra o Racismo de Durban [realizada pela ONU em setembro do ano passado". Também traz uma forte ênfase nos direitos econômicos, sociais e culturais. Essas violações de direitos humanos se dão num contexto de desigualdade, pobreza, miséria e discriminação racial. Há um racismo estrutural. Os afrodescendentes ganham menos. As mulheres afrodescendentes são o grupo que ganha pior no Brasil. As crianças afrodescendentes têm maior evasão escolar. Em qualquer indicador social, eles estão no rodapé. Há um passado a resgatar.

Folha - O apoio à política de cotas é para corrigir isso?
Pinheiro - Eu não diria política de cotas, mas o apoio claro -e essa é a posição do governo federal e do presidente Fernando Henrique- às políticas afirmativas de promoção dos direitos dos afrodescendentes. Durante 120 anos, nenhum governo federal fez nada pelos direitos dos afrodescendentes, não reconheceu que somos um país racista, com racismo estrutural. O presidente Fernando Henrique fez isso em 1996. É importante porque, se você não reconhece um problema, não pode resolvê-lo. Assumindo, define políticas. Uma das abordagens que definimos, no Ministério da Justiça e no do Desenvolvimento Agrário, são cotas para cargos de confiança, empresas e ONGs que fazem convênios conosco.

Folha - O ministro Paulo Renato Souza (Educação) é contrário à política de cotas para universidades.
Pinheiro - Eu acho que a estratégia escolhida pelo presidente da República é mais adequada. O ministro Paulo Renato prefere um outro curso de ação.

Folha - Outra proposta que pode gerar conflito no governo é a concessão de benefícios fiscais a quem empregar ex-detentos.
Pinheiro - Não vejo polêmica nenhuma no objetivo dessa proposta. Se tiver, então, fechem-se as prisões. Para que prisão se o objetivo não é reinserir um condenado pela Justiça?
O secretário [da Receita Federal" Everardo Maciel tem total razão na crítica aos incentivos, porque o Estado brasileiro, com as carências sociais que tem, não pode dar tiro no pé diminuindo sua geração de recursos. É evidente que isso será discutido com ele. Mas duvido que alguém nessa Esplanada [dos Ministérios" diga que é contra o reaproveitamento dos egressos no meio produtivo.

Folha - A morte de Fernando Dutra Pinto, o sequestrador de Silvio Santos, foi queima de arquivo?
Pinheiro - Não posso dizer isso. O governo do Estado de São Paulo tem assumido suas responsabilidades nessa questão. Não é um tratamento carinhoso com um réu que praticou delitos, mas proteção a uma testemunha importante de fatos não-esclarecidos no sequestro. O governo federal e o de São Paulo apóiam programas de proteção à testemunha. Foi uma decisão sábia do secretário da Segurança [de São Paulo, Marco Vinicio Petrelluzzi" pedir um laudo independente à USP.

Folha - Como o senhor pretende acabar com o incentivo à violência na programação de rádio e TV?
Pinheiro - Eu não acredito em controle da mídia eletrônica. O PNDH 2 não propõe controle, mas responsabilização penal dos abusos. Se há programas fazendo apologia da violência, têm de ser enquadrados. Como é concessão pública, temos o dever de monitorar. Gravamos e fazemos uma amostra. No governo [Franco" Montoro, a gente monitorava e entrava com as ações. Defender tortura, fazer apologia de homicídios, dizer "eu matei cem", não pode. As emissoras têm de ser responsabilizadas, além dos desatinados que ousem fazer isso. Não é censura. É cumprimento da lei.

Folha - A legalização da união civil entre homossexuais, como apóia o PNDH 2, esvaziaria a polêmica em torno da guarda de Chicão, o filho da cantora Cássia Eller, em favor de Eugênia, sua companheira por 14 anos?
Pinheiro - Se essa lei vier a ser aprovada, é evidente que o Brasil se poupa dessas situações extremamente constrangedoras, que afetam larga parcela da população que resolveu ser gay, homossexual, transexual, bissexual. Precisamos enfrentar isso com mais naturalidade. Essas famílias não podem ser escorraçadas e as
crianças sofrerem. Há uma proposta no Congresso, e cabe aos representantes políticos definir.

Folha - Do ponto de vista prático, é inócuo retirar o termo "pederastia" do Código Penal Militar, como o PNDH 2 pretende, pois o termo está apenas na apresentação de um artigo. A idéia real seria discutir o ingresso de homossexuais nas Forças Armadas?
Pinheiro - Não propomos isso. Pederastia é um termo gagá. As Forças Armadas são modernas e há vários setores que acham a proposta razoável. Agora, o programa não mete o bedelho no que os militares vão fazer sobre esses grupos de orientação sexual diversificada.


Artigos

Neo-realismo brasileiro
CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Poucas vezes conheci tão grande entusiasta do Brasil. Médico jovem, nascido em Chipre, mas morando na Itália desde criança, era a terceira vez que vinha ao Rio. Casara-se com uma condição: daqui a dez anos, viria morar aqui, com mulher e filhos, quantos os tivesse. Era um projeto de vida e dele não abriria mão.

Nada fiz para que mudasse de idéia. Pelo contrário: dei força. Acontece que ele veio passar o Réveillon comigo, hospedei-o em minha casa, mas não o acompanhei a Copacabana, fiquei mesmo na Lagoa, olhando a noite e pensando na morte da bezerra, que é uma das formas mais baratas de pensar na vida.
Ele estava na areia, vendo os fogos fuleiros que a prefeitura encomendara, quando ouviu alguém gritar: "Um médico! Um médico pelo amor de Deus!"
Sentiu o apelo profissional e foi ver o que havia. E o que havia era uma mulher, de seus 60 anos, que caíra na praia e fora pisada por várias pessoas, fraturara não sei quantas costelas e gritava de dor.

O médico fez o que pôde. Levou a mulher até uma ambulância, entendeu-se com o médico que ali dava plantão, decidiram transportá-la para o hospital mais próximo. Que estava fechado. O hospital próximo do próximo não tinha vaga.
E de próximo em próximo foram parar no Souza Aguiar, no centro da cidade, o maior de todos. Os corredores estavam cheios de acidentados, gente ferida por tiros e facadas, além de doentes crônicos em crises agudas. Tudo misturado.
Nisso chegou um grupo arrastando um corpo mutilado, sem cabeça, o chão riscado pelo rastro de sangue.

O médico conhecia a pobreza. Tanto na Chipre natal como na Itália em que vive. Achava que o Brasil, que ele tanto amava, o Brasil da Lagoa e de Copacabana, era diferente. Viu a miséria em estado bruto. Evidente que cenas iguais podem acontecer em qualquer parte. Mas ele perdeu o entusiasmo de vir morar um dia no Brasil


Colunistas

PAINEL

Distanciamento crítico
Roseana Sarney e Tasso Jereissati não irão participar da reunião de FHC com governadores do Nordeste, marcada para amanhã. Vão mandar, como representantes, os vice-governadores José Reinaldo e Beni Veras, respectivamente.

Versão oficial
Tasso e Roseana alegam que, como deixarão o governo em abril, é melhor que os futuros governadores discutam com FHC os projetos para combate à seca. Mas, na realidade, querem mostrar seu descontentamento com o apoio do presidente à candidatura José Serra (PSDB).

Leitura isolada
FHC tem dito em Brasília que, com o tempo, a candidatura Roseana acabará minguando nas pesquisas. Segundo o presidente, apenas outras duas pessoas no Planalto têm essa opinião: Pimenta da Veiga e José Serra.

Ventania passageira
Pimenta da Veiga (Comunicações) chega a dizer que José Serra (Saúde) irá ao segundo turno porque a pefelista "Roseana não aguenta um sopro sequer".

Pai da matéria
Dirigentes do PFL querem incluir no programa de TV e rádio do fim do mês menção ao Fundo de Combate à Pobreza. De autoria do ex-senador ACM, o fundo financia o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação, duas das principais bandeiras de campanha dos tucanos.

Presença incômoda
Os articuladores da campanha de Roseana resistem à idéia de colocar ACM no programa de TV do PFL. Acham que o ex-senador só trará desgaste à campanha e preferem centrar fogo só na imagem governadora.

Receita alheia
Os pefelistas vão lembrar na campanha presidencial que José Sarney é autor do projeto que obriga o governo a fornecer remédio às vítimas da Aids, bandeira eleitoral de José Serra.

Opção política
Com a decisão do PFL de deixar seus cargos no governo, FHC deverá nomear em abril um ministério de "técnicos".

Última forma
A idéia inicial de FHC era nomear políticos para os principais cargos. O presidente chegou até a oferecer a pasta da Educação a um pefelista.

Vão para o trono
FHC já escolheu e comunicou a alguns secretários-executivos que eles serão efetivados no ministério. É o caso dos secretários Barjas Negri (Saúde), Maria Helena Castro (Educação), Alderico Lima (Transportes) e Juarez Quadros (Comunicações).

Ver para crer
O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), tem dito que Ciro Gomes fará uma campanha "à moda antiga", com palestras, comícios e panfletagens em porta de fábrica: "A militância do partido tem tradiç ão e pode compensar a falta de TV no horário eleitoral".

Dividir para reinar
Lula vê com bons olhos a divisão da base governista entre Roseana Sarney e José Serra. O petista considera que com o governo desunido aumentará sua chance de vencer a eleição.

Funil catarinense
O PMDB de Santa Catarina faz dia 20 as prévias que definirão o candidato ao governo. Concorrerão o senador Casildo Maldaner, que é o favorito, o deputado Edson Andrino, o ex-deputado Valdir Colatto e o ex-prefeito de Criciúma Eduardo Pinho.

Mais perto
Tasso Jereissati tenta reaproximar-se do PMDB. Nomeou o deputado tucano Antônio Cambraia para seu secretariado, abrindo uma vaga na Câmara para Mauro Benevides, do PMDB. Não quer que o senador Sérgio Machado (PMDB), seu adversário, dispute a sucessão.

TIROTEIO

Do senador Paulo Hartung (PSB-ES), defendendo o projeto que acaba com a cobrança em cascata do PIS e da Cofins:
- A Câmara deve aprovar esse projeto o mais rápido possível. Não dá mais para o brasileiro aguentar uma carga tributária de Primeiro Mundo e conviver com serviços sociais semelhantes aos da África.

CONTRAPONTO

Ombro a ombro
A chance de disputar o governo do Ceará com apoio do governador Tasso Jereissati (PSDB) está sendo duramente disputada nos bastidores por pelo menos três tucanos: os senadores Lúcio Alcântara e Luiz Pontes e o ministro do Planejamento, Martus Tavares.
Na semana passada, a posse dos novos diretores de escolas do Estado, na sede da Seduc (Secretaria de Estado de Educação), reuniu o governador, Alcântara e Tavares.
A cada ato de assinatura da posse, o senador Alcântara esforçava-se para ficar atrás do governador e, assim, obter uma boa exposição na mídia.
O mau desempenho nas pesquisas da disputa presidencial, em que aparece empatado com Enéas (Prona), parece estar se refletindo no humor de Tasso. Diante da movimentação de Alcântara, ele comentou:
- Papagaio de pirata...


Editorial

A CONTRA-REFORMA

Sem alarde nem medidas de impacto, o governo Fernando Henrique Cardoso vem implementando, nos últimos anos, uma verdadeira reforma tributária às avessas, em que são acentuados os aspectos mais condenáveis do sistema fiscal.
Nova evidência dessa estratégia dissimulada veio a público na semana passada, em reportagem do jornal "Valor". O diário econômico revelou que a participação das contribuições sociais no total dos tributos federais atingiu quase 47% no ano passado. O peso dessas contribuições -que era de quase 38% em 1998- tem crescido sistematicamente.

O governo tem suas razões para concentrar a arrecadação nas contribuições sociais. Em primeiro lugar, são tributos fáceis de arrecadar. A Cofins e o PIS, por exemplo, incidem sobre o faturamento das empresas, tornando difícil a sonegação. A CPMF, cobrada sobre transações financeiras, também deixa pouca margem para o não-recolhimento.
Do ponto de vista do governo, há outras duas vantagens importantes: as alíquotas podem ser rapidamente elevadas -por não estarem sujeitas à regra da anualidade, que impede a vigência de mudanças no ano em que são feitas- e a receita não é dividida com Estados e municípios.

Para a iniciativa privada, no entanto, as contribuições sociais só fazem aumentar o "custo Brasil" -aquele conjunto de circunstâncias adversas que limitam a competitividade das empresas nacionais.
O fato é que essas contribuições são tributos em cascata. Isso significa que são cobrados várias vezes ao longo da cadeia produtiva, sem que se possa deduzir numa etapa o que foi pago nas etapas anteriores.

É natural, portanto, que as contribuições sociais enfrentem a forte oposição do empresariado. Sobretudo porque não incidem sobre os produtos estrangeiros, o que provoca desigualdade na competição.
Compreensível que o governo queira elevar a receita, mas isso não pode ser feito recorrendo-se a mecanismos que se choquem com os objetivos da prometida reforma tributária.


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01/07/2002


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