Dornelles: Falta de percepção de que Constituição é uma carta de princípios levou a aberrações no texto constitucional



Sobrinho de Tancredo Neves, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) foi deputado federal constituinte, quando presidiu a Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças. Nesta entrevista à Agência Senado, concedida na última terça-feira (16) em seu gabinete, o parlamentar fala dos problemas enfrentados na elaboração da Constituição, como a falta de compreensão, por muitos constituintes, de que ela deveria ser uma Carta de princípios, sem descer a detalhes. Isso acabou resultando em aberrações como, por exemplo, o tabelamento constitucional dos juros. O senador também revela dois dispositivos que ajudou a aprovar na Constituição e que hoje são motivo de orgulho para ele: o que estabelece que todo cidadão pode exercer livremente atividade empresarial, a menos que exista uma lei específica que proíba; e o tratamento tributário favorecido para pequenas e médias empresas.

Agência Senado: O senhor trabalhou muito pelo diálogo entre a oposição e os generais no poder, abrindo caminho para a vitória do candidato Tancredo Neves, seu tio. Depois, foi deputado constituinte. O senhor sentiu que estava, naquele momento, fazendo história?

Francisco Dornelles: Eu me elegi deputado em 1986, defendendo as políticas que Tancredo Neves havia colocado em sua campanha para presidente, ou seja: um Estado voltado para o social, priorizando aquelas atividades próprias do Estado, na educação, na saúde, no meio ambiente, e deixando para o setor privado o exercício de atividades empresariais, procurando, dentro da linha defendida pelo presidente, que a Constituição fosse uma carta de princípios, de entendimento. Não podia ser uma Constituição nem de esquerda nem de direita, nem socialista nem liberal. Uma Constituição que estabelecesse os princípios gerais, os direitos fundamentais da pessoa humana, a organização dos Poderes, a competência dos entes federativos, e que permitisse a alternância do poder, que é uma das características do regime democrático. Quando você vai participar da elaboração de uma Constituição, você tem sempre consciência de que isso é um fato extremamente importante para uma pessoa que atua na vida política.

Agência Senado: Na Constituinte, o senhor presidiu a Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças. Como o senhor vê as críticas atuais sobre o sistema tributário, segundo as quais há pouca progressividade na tributação sobre a renda e também que há uma excessiva tributação do trabalho assalariado?

Senador Francisco Dornelles: Essa análise é totalmente errada. A Constituição não tem nada a ver com a progressividade, isso é um problema de lei ordinária. A Constituição define a competência da União, dos estados e municípios e estabelece limitações ao poder de tributar. De modo que ela estabeleceu um critério muito rígido, com poucos impostos, e a distorção que existe hoje na área tributária vem do capítulo da Seguridade Social, que abriu caminho para a constituição de um sistema tributário paralelo: a União, tendo limitações para criação de impostos, criou, com o nome de contribuições, uma série de incidências cuja receita não é compartilhada para estados e municípios. As distorções do sistema tributário advêm não do capítulo do Sistema Tributário, mas simplesmente da cobrança de contribuições com base no capítulo da Seguridade Social.

Agência Senado: O tabelamento dos juros em 12% foi uma decisão acertada?

Senador Francisco Dornelles: Muitos constituintes não compreenderam que a Constituição seria uma carta de princípios e trouxeram alguns tópicos e dispositivos mais próprios a uma portaria, como é o caso do tabelamento dos juros, que não existe em nenhuma Constituição do mundo. É uma situação tão absurda que nunca foi regulamentada.

Agência Senado: A imunidade tributária dos templos religiosos não acabou incentivando a instalação de igrejas mais interessadas nessa isenção do que na devoção religiosa?

Senador Francisco Dornelles: Penso que, por princípio básico, não se tributa partidos políticos, não se tributa papel de imprensa, não se tributa templos religiosos. A imunidade faz parte dos direitos: a liberdade religiosa, a liberdade política e a liberdade de expressão, que você não deve tributar. Agora, se você tem partidos políticos, se você tem órgãos de imprensa, se você tem templos que atuam de forma irregular é outra coisa. Mas essas imunidades representam direitos fundamentais no estado democrático.

Agência Senado: O senhor pode listar dispositivos constitucionais que foram prejudiciais ao país?

Senador Francisco Dornelles: Acho que todos aqueles dispositivos que entraram em detalhes na área econômica, principalmente aqueles que tratavam de monopólio do petróleo, das comunicações, da energia, dos transportes, não poderiam figurar num texto constitucional. E a maior prova que eles não podiam é que foram totalmente retirados do texto por meio de modificações posteriores.

Agência Senado: O senhor se arrepende de ter votado a favor de algum dispositivo?

Senador Francisco Dornelles: Eu confirmaria meu voto em todos os dispositivos que fiz, exceto com relação ao mandato do presidente da República, porque não tinha sentido, naquela época, você fazer um mandato de quatro anos para presidente da República.

Agência Senado: E qual o dispositivo que o senhor mais se orgulha de ter ajudado a aprovar?

Senador Francisco Dornelles: Eu praticamente fui o autor do parágrafo da Constituição que estabelece que todo cidadão pode exercer livremente atividade empresarial, a menos que exista uma lei específica que proíba; e o tratamento tributário favorecido para pequenas e médias empresas. São dois dispositivos de que eu participei ativamente e que me orgulho muito de ter sido o autor ou o semi-autor desses dispositivos.

Mais informações sobre os 20 anos da Constituição no endereço http://www2.camara.gov.br/internet/constituicao20anos

José Paulo Tupynambá - Teresa Cardoso /Agência Senado



23/09/2008

Agência Senado


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