Entidades divergem acerca da flexibilização da CLT



Em audiência pública promovida pelas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Assuntos Sociais (CAS) para discutir o projeto de lei do governo federal que flexibiliza regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), representantes de trabalhadores, empresários e magistrados dividiram-se na avaliação das conseqüências que a proposta pode trazer para os trabalhadores brasileiros.

Enquanto o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, e o vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Roberto Tadros, ressaltaram vantagens na negociação direta de parte dos direitos trabalhistas entre trabalhadores e empresários, os presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício, e da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Hugo Cavalcanti Melo Filho, acreditam que a proposta irá, na prática, promover a retirada de direitos garantidos em lei ordinária, como direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, o 13º salário, o salário-família, as licenças maternidade e paternidade e a proteção contra a automação.

- Na negociação nós vamos perder porque a história tem demonstrado isso. A correlação de forças entre capital e trabalho no Brasil fará com que os trabalhadores percam seus direitos progressivamente. Afirmar o contrário é uma grande ingenuidade. Trabalhadores vêm sendo sempre vítimas de processo de flexibilização das leis trabalhistas. E agora querem que a gente negocie o que a lei nos garante - afirmou João Felício.

Para o presidente da CUT, a medida pode prejudicar ainda mais o poder de compra dos trabalhadores. Citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Felício destacou que a renda dos trabalhadores vem reduzindo sua participação no Produto Interno Bruto nas últimas décadas. Ele declarou ainda que a grande maioria dos 18 mil sindicatos no país é muito frágil e tem representatividade questionável, o que os coloca em situação de ampla desvantagem na negociação com os empregadores.

Em oposição, o presidente da Força Sindical disse que o movimento sindical deve estar contente com a proposta, por aumentar o seu poder de negociação que atualmente está nas mãos dos advogados e da Justiça do Trabalho.

- Teremos oportunidade de negociar, sindicatos poderão se fortalecer, crescer e aprender a defender melhor os trabalhadores - disse Paulinho.

Diferentemente de Paulinho, João Felício acredita que a reestruturação da organização sindical no Brasil, com o fim da unicidade e do imposto sindical pode fazer com que os sindicatos se fortaleçam e deve anteceder qualquer concessão de novas prerrogativas aos representantes dos trabalhadores.

- Estamos abertos a debater a CLT, remover o seu entulho autoritário. Se o desejo é fortalecer o movimento sindical brasileiro, deveria-se proibir qualquer acesso de centrais a verbas públicas e acabar com possibilidade de financiamento de central com dinheiro patronal. Somente assim poderemos ter um movimento mais autônomo e independente - disse Felício.

O presidente da Força Sindical entende que a possibilidade de o trabalhador vender parte das férias ou da licença-maternidade, por exemplo, deve ser encarada como uma vantagem, já que a legislação atual não permite isso. Por outro lado, o presidente da CUT acredita que a brecha legal vai fazer com que o 13º seja parcelado em 12 vezes e que as férias também sejam concedidas parceladamente.

Paulinho colocou sob suspeita advogados, juízes do trabalho e os sindicalistas que estão contrários ao projeto. Na sua opinião, as categorias estão interessadas em manter o poder que têm na negociação dos direitos trabalhistas e alguns sindicatos que já estão "acomodados" passarão a ser cobrados pelos trabalhadores.

- Muitos dos problemas que acontecem hoje serão resolvidos antecipadamente pelos acordos - declarou Paulinho, para quem a rigidez da CLT levou o país a ter 57% de sua força de trabalho na informalidade.

O vice-presidente da CNC, Roberto Tadros, ressaltou que o projeto do governo pode ajudar a diminuir o número de processos encaminhados à Justiça do Trabalho e reduzir o tempo de julgamento das ações. Ele disse que os sindicalistas de hoje são competentes e não podem ser tratados como se estivessem na pré-infância do movimento sindical.

Tadros lembrou ainda que, na Europa, países como a Espanha e a França, apresentam altos índices de desemprego, enquanto que a Inglaterra promoveu uma grande flexibilização das regras trabalhistas e diminuiu o desemprego, a exemplo do que acontece nos EUA.

- Para a democracia, deve prevalecer a negociação, a liberdade e o entendimento. As alterações são em benefício da classe trabalhadora, que atualmente não consegue encontrar empregos - declarou.

Como presidente da Anamatra, Melo Filho discordou de Tadros por acreditar que, caso aprovada, a nova legislação geraria um grande número de ações declaratórias de nulidade de acordos coletivos.

O magistrado identificou inconstitucionalidades no projeto de lei por restringir direitos que não podem ser alterados por meio de legislação ordinária. Na sua opinião, uma ação no Supremo Tribunal Federal derrubaria o projeto. No mérito, disse, o projeto é contrário ao princípio fundamental do ordenamento jurídico laboral, que é a inegociabilidade das normas trabalhistas.

- O Estado liberal criou desigualdades jurídicas para que se equilibrassem as desigualdades econômicas entre empregado e empregador. É assim que surge o direito do trabalho. O governo vem promovendo a flexibilização das leis nos últimos dez anos e os resultados foram a redução da renda dos trabalhadores e o aumento do desemprego - afirmou.

Melo Filho também criticou a possibilidade de negociação das férias, dizendo que permitir que o trabalhador venda as férias "é desconhecer a base da doutrina das férias, que é o repouso remunerado do trabalhador".

Para Melo Filho, o ordenamento laboral no Brasil é extremamente flexível, e o projeto ainda quer atingir "direitos rudimentares" dos trabalhadores. Ele também defendeu a reestruturação do sindicalismo no Brasil, por acreditar que o imposto e a unicidade sindical estão ultrapassados e impedem a evolução das relações trabalhistas. Em muitos casos, com a estrutura atual, o presidente da Anamatra acredita que não haveria possibilidade de negociação diante das grandes desigualdades de força entre empregadores e trabalhadores.



26/02/2002

Agência Senado


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