FHC pede humildade a Lula e critica ‘salto alto’
FHC pede humildade a Lula e critica ‘salto alto’
Presidente diz que petista só deve opinar sobre o governo se ganhar a eleição
CARAJÁS – O presidente Fernando Henrique Cardoso cobrou ontem mais humildade do pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto. “É preciso tomar cuidado: ninguém deve botar sapato alto antes da hora, os que já fizeram isso, como eu próprio, que já me sentei em cadeira errada, sabem que não se deve repetir”, disse FHC, após desembarcar no núcleo urbano de Carajás, no Pará, onde vai lançar hoje a pedra fundamental de projeto da Companhia Vale do Rio Doce para a extração de minério de cobre.
Anteontem, ao anunciar o programa do PT para o setor energético, Lula declarou que Fernando Henrique não deveria tomar nenhuma medida “precipitada”, como a eventual privatização de empresas elétricas, uma vez que seu governo tem só poucos meses pela frente. “Ele está dizendo o que eu devo fazer até o fim do meu mandato. Pera lá, um pouco de humildade é bom, ajuda”, reagiu Fernando Henrique.
O presidente criticou as conclusões do banco Morgan Stanley e da corretora Merril Lynch, que rebaixaram a classificação de títulos brasileiros por causa do crescimento do petista nas pesquisas eleitorais. “As agências vivem o tempo todo tentando ver se não são furadas. Então, quando vêem aí um sinalzinho, às vezes se precipitam. Foi uma precipitação”, afirmou.
“Certa alegria” – Para Fernando Henrique, o Brasil nos últimos anos avançou muito e passou por mudanças profundas, de modo que a eventual eleição do petista não significaria o fim da estabilidade. “Até vejo com certa alegria que as idéias que eu preguei agora o Lula prega”, disse o presidente, ao comentar o fato de o programa apresentado pelo PT para a área de energia defender a participação do capital estrangeiro.
O governo, reafirmou Fernando Henrique, já tem posições claras sobre o futuro da Chesf e de Furnas – as empresas elétricas cuja eventual privatização motivou as declarações de Lula. “Já houve a decisão, a Chesf nós transformamos numa coisa semelhante ao que tem nos Estados Unidos”, disse ele, explicando que a companhia vai tratar especificamente das demandas do Nordeste, como empresa pública.
“Ele (Lula) devia se informar um pouco melhor e esperar um pouquinho, ver se ganha a eleição. Se ganhar a eleição, aí ele vai saber o que vai fazer com o Brasil”, disse Fernando Henrique. “Pelo que eu estou vendo o PT dizer, não vão fazer coisa muito diferente do que eu estou fazendo, não.”
Sublinhando que as agências financeiras têm errado análises sobre a economia brasileira, Fernando Henrique pediu calma: “Costumo dizer o seguinte: entre o mercado e a vida política há uma espécie de dupla incompreensão. Geralmente a vida política não presta atenção no mercado e o mercado, ao contrário, presta atenção, mas não entende.”
“Nossos objetivos” – De acordo com ele, bancos de investimentos devem alertar seus clientes se acham que existe algum risco. Mas isso não deve afetar o País. “O Brasil não tem que estar tremendo por causa disso, não. Nós temos de ter os nossos objetivos.”
Fernando Henrique disse que só pode “rir” das pressões do PFL para que o PSDB substitua o senador José Serra (SP) por outro candidato ao Palácio do Planalto. “Não creio que eles possam insistir”, disse ele. “Enquanto o PFL teve uma candidata, a Roseana (Sarney), eu só tive palavras de apoio. Não tive nenhuma restrição. Então eu acho que não se deve fazer restrição a candidatos de outros partidos.” Sem citar nomes, o presidente lembrou a interferência do ex-senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) em favor do senador José Sarney (PMDB-AP), na eleição para a presidência do Senado, em 2001, que acabou sendo vencida pelo maior desafeto de ACM, o ex-senador Jader Barbalho (PMDB-PA). “Um líder do PFL insistiu muito que o PMDB escolhesse o candidato que ele queria. Não deu certo”, afirmou.
Foto na cadeira de prefeito entrou para a história em 85
A advertência do presidente ao candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva traz à memória um célebre episódio de outubro de 1985, quando o próprio Fernando Henrique Cardoso, então senador e candidato a prefeito em São Paulo, deixou-se fotografar sentado na cadeira de prefeito dias antes da eleição.
Ele tinha, então, certeza absoluta de que derrotaria seu rival, o ex-presidente Jânio Quadros. As pesquisas apontavam o na época peemedebista Fernando Henrique como vencedor e, no dia das eleições, ele cantou vitória no fim da tarde e adiantou para a imprensa alguns projetos de seu governo.
Uma combinação de excesso de otimismo e pesquisas equivocadas haviam induzido Fernando Henrique a aderir ao clima de “já ganhou”, nas semanas finais da campanha. Seus companheiros de partido tinham até preparado uma festa da vitória, em um bufê requintado nos Jardins. Quando os votos começaram a ser apurados, veio a decepção. Uma grande massa de eleitores, principalmente da zona leste, dava a vitória a Jânio. A cadeira era de outro.
Jânio, o vencedor, não deixou por menos. Bem ao seu estilo, convocou fotógrafos e “desinfetou” a cadeira de prefeito antes de nela se sentar, em seu primeiro dia de trabalho. Por várias outras ocasiões, daí por diante, o prefeito ironizou a pressa equivocada do então senador em assumir a vitória.
‘Mudaremos a história do Brasil’, diz candidato
Lula é saudado como ‘chefe de Estado’ em comício e responde que jogo ainda não começou
Circulando por três diferentes comícios, em helicóptero cujo aluguel custou R$ 4,5 mil à Central Única dos Trabalhadores (CUT), o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva atacou o desemprego e a violência, fez duras críticas ao governo Fernando Henrique e afirmou : “Se Deus quiser, mudaremos a história do País.” A frase foi dita no Largo do Campo Limpo, na zona Sul de São Paulo, onde foi levado ao palco como “o homem que já é chefe de Estado”. Referiu-se à “falta de perspectiva que atinge hoje os nossos jovens” e comentou que o combate ao desemprego se faz com mudanças tributárias para desonerar o setor produtivo.
Em reação ao modo como foi saudado, Lula comentou: “Não me considero eleito. O jogo não começou. A situação é privilegiada, mas nem entramos em campo.”
Em Santo André, pouco antes, o candidato voltou a criticar instituições financeiras internacionais que reduziram a recomendação dos títulos brasileiros por ele estar liderando as pesquisas presidenciais. Essa redução foi anunciada na segunda-feira pelo banco Morgan Stanley e pela corretora Merril Lynch, em Nova York. “Só tem sentido a gente ganhar as eleições se puder voltar aqui um dia e dizer que no nosso País gringo não manda”, comentou. “Não tem instituição bancária, não tem agente de nenhuma empresa que vai dizer que fulano de tal não pode ganhar porque senão banco não vai dar dinheiro”, completou, diante de cerca de 5 mil pessoas.
Lula não quis comentar as declarações do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, segundo o qual a vitória do PT poderá trazer turbulência à economia. Em seu lugar, o presidente do PT, deputado José Dirceu, chamou Bornhausen de “irresponsável”. “Quem faz isso (imaginar que vitoria do PT é sinal de crise), quem apóia esse tipo de chantagem contra os interesses do Brasil, está prestando um desserviço ao País. É um tiro no pé”, afirmou.
Lula se disse favorável a mudanças na CLT, mas não de uma reforma “imposta pelo governo”. Ele defendeu a constituição de um código mínimo de trabalho que garanta os direitos fundamentais.
Cada categoria, a partir daí, pode conquistar maiores benefícios. “Vamos criar um fórum permanente de debate para fazer as mudanças necessárias no Brasil, para a legislação trabalhista, a reforma tributária e da Previdência.”
À noite, Lula esteve no Rio, numa reunião, na casa do cantor e compositor baiano Gilberto Gil, em São Conrado (zona sul). O candidato apresentou seu programa de governo para os 20 convidados de Gil, entre eles Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Wagner Tiso, e o rapper MV Bill.
Londres – O jornal Financial Times comentou em editorial, ontem, a possibilidade de o Brasil ter um governo de esquerda, afirmando que “seria um erro exagerar os riscos”, já que as chances de vitória de Lula ainda não são reais. O jornal informa ainda que, em caso de vitória, “há motivos para se acreditar em um governo do PT mais moderado do que os críticos esperam”, pois os líderes do partido abandonaram parte de sua “retórica anticapitalista”. (Mariana Caetano, Evanildo da Silveira, Nicola Pamplona e Jô Pasquatto, AE)
Planalto prepara cortes e aumento de impostos
Segundo ministro do Planejamento, 'medidas preventivas' visam a garantir o ajuste fiscal
BRASÍLIA - Diante da perda de arrecadação de até R$ 4 bilhões com o atraso na votação da emenda da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) , o ministro do Planejamento, Guilherme Dias, anunciou ontem que serão adotadas medidas "preventivas e temporárias" para manter o ajuste fiscal. Até o dia 23, o governo vai fazer cortes nos gastos previstos para este ano e elevar impostos para compensar o rombo nas receitas.
Depois de prometer liberar verbas do Orçamento na tentativa de acelerar a votação da CPMF no Senado, a preocupação do Planalto é deixar claro que esse gesto de "boa vontade" com os políticos não significa descaso com o equilíbrio das contas públicas. Segundo Dias, as medidas de emergência serão suspensas ou amenizadas se houver acordo no Congresso para a aprovação das propostas que reduzem o prejuízo com a CPMF.
Além de acenar com a liberação neste mês de R$ 2 bilhões para obras incluídas por parlamentares no Orçamento da União de 2001, o governo trabalha no atendimento parcial do reajuste para servidores do Judiciário, previsto em projeto que aguarda votação na Câmara. Também quer aprovar mais 11 projetos de aumento para servidores do Executivo.
Insuficiente - O ministro explicou que uma compensação para a perda da CPMF exigirá aumento de outros tributos, além do já previsto para o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A elevação do será insuficiente, pois cobrirá apenas 20% da perda da CPMF. Enquanto a contribuição arrecada R$ 1,6 bilhão por mês, o aumento do IOF renderá apenas R$ 350 milhões mensais. A Receita indicará quais as contribuições sociais - possivelmente a Cofins - serão reajustadas.
Com as concessões aos políticos, o governo espera obter apoio dos partidos para reduzir o prazo de tramitação da CPMF no Senado, de 45 dias, e ao mesmo tempo aprovar o encurtamento da "noventena" - intervalo de 90 dias exigido entre a aprovação de uma contribuição e o início de sua cobrança. "Uma coisa é o tempo das negociações políticas e outro é o tempo administrativo", disse o ministro.
De acordo com ele, o Executivo tem boa vontade para negociar com o Congresso, mas também é obrigado a observar a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Orçamentária, que proíbem gastos sem a receita correspondente. A legislação manda que o Executivo faça revisões nos tetos de despesas autorizadas para os ministérios a cada dois meses.
Na primeira revisão, em março, os números foram mantidos. O governo alegou que aguardaria o desfecho da tramitação da CPMF, mas agora mudou de idéia. "Mesmo que as medidas ainda não sejam definitivas, vamos aproveitar para sinalizar ao mercado que as metas fiscais estarão asseguradas", anunciou o ministro.
Para definir o tamanho dos cortes e do aumento dos tributos, o governo está fazendo um "pente fino" nos gastos e receitas do decreto original, com base na arrecadação efetiva e nos desembolsos entre janeiro e abril. "Estamos estudando desde medidas administrativas que rezuamo custeio da máquina até o adiamento de investimentos programados", disse Dias.
PMDB pedirá volta do PFL à base governista
Cúpula do partido cobrará, na TV, esforço conjunto para combater desigualdades do País
BRASÍLIA - O PMDB defenderá hoje, no programa político do partido que será exibido em cadeia nacional de rádio e TV, a volta do PFL à aliança governista para combater as desigualdades no País. "O desafio de melhorar a distribuição de renda deste Brasil rico, onde 80% da população são pobres, pressupõe um esforço de unidade do povo e das forças políticas", dirá Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, convocando o PFL a participar deste esforço.
O programa deixará claro que o PMDB colaborou com a construção da estabilidade financeira e outros avanços deste governo, e que agora quer muito mais. Caberá ao líder na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), a defesa da continuidade com novos avanços, sob o comando de outro tucano: o presidenciável José Serra.
Num movimento em favor da recomposição, o presidente do PMDB, deputado Michel Temer telefonou, na terça-feira, para o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen. "Eu propus a ele uma conversa sobre a reaproximação", relata.
Diante da falta de acordo em torno do nome do vice peemedebista para compor a chapa com os tucanos, o PMDB bem que tentou adiar mais uma vez o uso dos 20 minutos anuais a que tem direito no horário gratuito de propaganda. Esforço em vão. O resultado é que o programa acabou sendo montado às pressas, em apenas três dias. "Em junho, o programa seria mais útil ao próprio Serra, com o vice escolhido, mas não foi possível", conta Temer.
Garotinho pede R$ 1 a cada eleitor
BAURU - O ex-governador Anthony Garotinho (PSB) disse ontem que lançará em breve um bônus de R$ 1,00 por pessoa que queira contribuir com sua campanha eleitoral. Ele fez esse anúncio em contraponto ao jantar, oferecido por empresários, que arrecadou US$ 1 milhão para a campanha do tucano José Serra. "Se, com uma atuação modesta, já estou empatado com ele, imaginem o que ocorrerá quando eu, em campanha, disser o que pretendo fazer", afirmou. Segundo ele, "o empresário que dá US$ 1 milhão com a mão direita vai buscar de volta US$ 5, 10, 20 milhões do governo que ajudou a eleger, e o povo, se der só R$ 1, saberá que estará investindo na real mudança do País".
Ele destacou que o Brasil tem hoje 10% de toda a dívida externa do planeta. "Estamos a um passo de nos transformarmos numa Argentina, basta não fechar a conta no fim do ano e o FMI não nos socorrer, como fez no ano passado."
Artigos
Lula-lá, na economia
Roberto Macedo
Falando em Salvador na quinta-feira passada, o candidato Lula deitou falação sobre temas econômicos, que não parecem ser o seu forte, e recebeu uma saraivada de críticas. O principal alvo delas foi sua proposta de criar novas alíquotas para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), que passariam a variar de 5% a 50%. Este último valor chamou mais a atenção, pois a alíquota máxima atual é de 27,5% e voltará a seu valor anterior, de 25%, no ano que vem. Ou seja, a alíquota máxima seria dobrada.
De fato, a proposta merece críticas, em particular por ignorar que o IRPF, no Brasil, atinge particularmente os assalariados. Há pessoas de renda muito alta e não-assalariada cujos rendimentos são isentos na declaração anual do IRPF, seja porque já foram tributados na pessoa jurídica ou exclusivamente em outras fontes. E há outras pessoas cu ja renda vem, digamos, de fontes mais sonegáveis. Ademais, alíquotas tão altas incentivariam ainda mais a sonegação. Onde pegassem, desestimulariam o trabalho, incentivariam a emigração e por aí afora, numa cadeia de efeitos indesejáveis e contraproducentes.
Lula tentou explicar-se, que não era bem assim, que foi mal compreendido, etc. e tal. Mas o assunto virou manchete e prato cheio para os demais candidatos e suas críticas. O mal estava feito e gente do próprio PT, falando em off à Folha de S.Paulo (27/4), andou dizendo que a proposta foi o "maior erro de Lula na campanha".
Lendo suas afirmações em Salvador, encontrei outra proposta vulnerável. No caso de empréstimos de instituições financeiras oficiais, como o Banco do Brasil, Lula quer a adoção de um "dogma de fé", o de só emprestar dinheiro a grupos comprometidos a gerar emprego. Textualmente, segundo este jornal (26/4): a "cada real emprestado equivalerá a contrapartida de um emprego gerado".
Ora, seguida como dogma essa idéia excluiria empréstimos para capital de giro, importantes para manter as empresas em funcionamento, mesmo sem gerar novos empregos. Aliás, na falta de empréstimos para essa finalidade, haveria até mesmo o risco de destruição de empregos já existentes.
Já a última afirmação demonstra desconhecimento do custo de gerar um emprego, estimado por ele em apenas um real, a menos que se entenda que o financiado entrará com todo o restante, caso em que provavelmente não precisaria do financiamento ou este seria de magnitude irrelevante. Fora esse o custo, o problema do emprego no Brasil estaria resolvido. Mas é muitíssimo mais alto. Por exemplo, para gerar um emprego de motorista de táxi é necessário um investimento em torno de R$ 20 mil na aquisição de um automóvel, sem contar o alvará e outros gastos que vêm junto. Dependendo do capital exigido na atividade, esse custo pode variar entre algumas centenas de reais, no caso de microempresários ou trabalhadores por conta própria, ou alcançar milhões de reais, como na indústria química, e não podemos ficar sem ela. Se Lula tivesse afirmado apenas que as instituições financeiras oficiais deveriam incluir a geração de emprego como um dos critérios importantes para selecionar tomadores de recursos, não teria como contestar o que propôs. Contudo, complicou-se, tal como no IRPF, quando resolveu dar números às suas idéias.
Do que disse em Salvador, achei mais interessante sua resposta a um interlocutor que afirmou rejeitar o candidato petista por este não ter freqüentado a universidade (Folha de S.Paulo, 26/4).
Retrucou Lula: "Muitos brasileiros confundem inteligência com escolaridade. Para essas pessoas quero dizer que Machado de Assis nunca freqüentou a universidade"... E, demonstrando revolta com a pergunta, já feita por outro interlocutor, Lula disse que não vai "governar livros", não vai "governar estatísticas", mas vai "governar crianças, vai governar o povo"...
Embora tenha avançado na escolaridade, não sou daqueles que a confundem com inteligência. Inegavelmente, Lula é um homem muito inteligente, bastando dizer que sem sua boa cabeça não teria chegado aonde chegou. Mas, mesmo corretamente colocando em segundo plano a escolaridade superior que não tem, não faz jus à sua inteligência confundir escolaridade com preparo, o que parece fazer. Para ser torneiro mecânico, líder sindical ou político, passou por um preparo que pode ter dispensado um período mais longo na escola formal. Este teve como substituto a escola da vida, não menos importante para formar pessoas qualificadas, naquilo que é conhecido como treinamento no trabalho, no qual a inteligência inata se desenvolve e floresce com a experiência. Pode-se dizer, também, que não passou pela universidade, mas cursou a adversidade, outra grande mestra.
Agora, é candidato a presidente da República, cargo para o qual a Constituição não exige, como querem alguns equivocados, diploma de curso superior. Tal exigência não seria um procedimento democrático. O cargo, contudo, exige preparo, e este não dispensa leitura, de livros, relatórios e até mesmo de estatísticas, com domínio dos aspectos mais fundamentais, não apenas para não falar bobagens, mas para tomar decisões cruciais. Aliás, biografias de Machado de Assis mostram que ele gostava muito de ler, inclusive em francês, indispensável para ter acesso aos grandes escritores então em destaque na França. Aprendeu a língua fora da escola, com padeiros franceses que trabalhavam perto de sua casa.
Se chegar a presidente, Lula terá à sua disposição inúmeros assessores, mas, para bem escolhê-los, novamente precisa estar preparado. Conheço bem o lado da oferta de assessores e sei que, mesmo com muitos diplomas, não há garantia de inteligência nem de boa formação.
Lula é inteligente, mas vem revelando falta de preparo nos assuntos econômicos. Não é a primeira vez que causa espanto com o que diz nessa área.
Se eleito, vai lidar com questões econômicas extremamente delicadas pelo que podem trazer de impacto aos rumos da economia, da política e do próprio Lula, enquanto presidente. Para não ir muito longe na história e na geografia, aí está o caso da Argentina, onde o mau gerenciamento político de questões como juros, câmbio e dívida pública levou o país ao caos.
Assim, Lula-lá, na economia, não assusta pela falta de diplomas, mas pela carência de preparo, dele e de alguns assessores. A esperança está na sua inteligência, mas é bom lembrar que mesmo pessoas inteligentes podem tomar decisões equivocadas. O preparo é indispensável, pois reduz esse risco. Não é o caso de aprender francês, como Machado, mas de aperfeiçoar seu frágil "economês".
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Queremos melhoramentos!
O assunto do momento é a clonagem. Todo dia aparece um bicho novo clonado em laboratório. E não se ficou em ovelhas e galinhas, mas se chegou aos macacos - um passo, claro, para a clonagem humana, que, na novela de televisão já chegou à realidade. Com muita pesquisa e inteligência, diga-se. Mas a impressão que dá é que a autora está tão perplexa quanto nós, telespectadores, sobre o rumo e destino que dará à sua adorável Criatura.
Mas voltando à clonagem real, aí é que está todo o fulcro do problema, o centro principal de todo o interesse: clonar seres humanos. Até que ponto o processo pode ser efetivo, a clonagem atingirá realmente a psiquê ou a cópia ficará apenas na parte física: feições, estatura. Cor da pele e cabelos ou irá também para os miolos; ou pior (ou melhor?) atingirá essa coisa indefinível, imaterial mas inegável - a que chamamos de alma?
Se você clonar um criminoso, a cópia terá também instintos criminosos? Ninguém publicou ainda observações sobre o caráter dos clones, em relação ao seu original. Por exemplo: sabe-se que as ovelhas são, por sua própria natureza, dóceis, pacíficas e agem sempre em grupos, tão unidas que nem precisam ter uma liderança explícita. Todos nós, fazendeiros, sabemos que basta abrir a porteira do redil, e encaminhar à saída o primeiro carneiro ou ovelha, e o rebanho inteiro o seguirá, os de trás atropelando os da frente, como se temessem ficar em solidão.
Outra pergunta: até agora, entre animais clonados, só se tem tido notícias de fêmeas - a começar pela Dolly. Será que eles também podem clonar machos? E em se tratando da espécie humana, vão poder clonar cavalheiros? Ah, essa invenção de clonagem abre espaços tão amplos para a imaginação que até nos deixa tontos!
O grande perigo apontado por todos os que discutem o assunto é a reprodução não autorizada, criminosa, clandestina de seres que não obedeçam aos padrões de ética, beleza, funcionalidade, desejados a todos os seres humanos.
A figura do cientista louco está sempre pr esente quando se fala nos processos biológicos que visam a interferir com a rotina da natureza. Não é de ontem o alvoroço que atacou a mídia, quando se começou a fazer a inseminação 'in vitro', tornando férteis casais sem filhos por dificuldade de acesso ao óvulo do indispensável espermatozóide. Hoje, o processo é banal, não originou nenhuma anomalia, e quase todo mundo já pode ter filhos, se os quiser.
Mas com a clonagem o campo fica muito mais amplo. Aberto o processo ao uso geral, terá de haver uma legislação específica e uma vigilância estreita dos laboratórios de clonagem, por parte das autoridades responsáveis. Talvez até se crie um Ministério da Clonagem, decretando por miúdos, quem pode ou não pode ser reproduzido. Por exemplo: a idade do clone-mãe? (ou pai): clonando-se um velho, será possível obter um clone jovem?
E a inteligência, os dons artísticos se transmitirão ao clone? Ou apenas os traços biológicos essenciais, a cara, os ossos, a musculatura? Eu, por exemplo, que não tenho filhos, talvez até gostasse de ser clonada. Mas exigiria tantos melhoramentos que, de certo, seria impossível satisfazer. Por exemplo: ser mais bonitinha, sem tendência para engordar, estatura um pouco maior e entranhas muito mais saudáveis: fígado, coração, miolos (não são entranhas, mas vá lá), miolos especiais, queda para as matemáticas e as demais ciências exatas... Ah, tanta coisa que eu queria ser e que não sou!
Vocês dirão: "Mas aí já não seria um clone, e sim um ser bem diferente de você." Claro! Os fabricantes de clones têm de aprender a criar diferenciações, senão não teriam freguesia. Um ou outro egocêntrico doentio poderia querer se reproduzir com total fidelidade. Mas até a verruga do queixo? Ou a urticária, a alergia a certos tipos de alimentos, ou ao tempero, ou ao queijo da pizza?
Há que pensar nisso tudo antes de fazer a encomenda. E voltando à lei disciplinadora: o narcisista delirante poderia exigir dos clonadores reprodução do seu nariz horroroso, que a ele parece lhe dar personalidade?
Agora a pergunta maior: e a inteligência, será clonável? Pois que adianta criarmos seres novos se não formos capazes de os fazer melhores do que os padrões da Mãe Natureza?
O Woody Allen é quase um gênio. Mas aceitará ele que o seu clone lhe reproduza, além do talento, a cara feia. O corpo desengonçado? Até agora só se sabe que o clone é uma reprodução perfeita da sua matriz. Mas qual matriz? A masculina ou a feminina? Se são necessários os dois elementos, macho e fêmea, para fazer um novo ser, qual será a cópia de quem? Da mãe ou do pai? Ou a clonagem dispensa a colaboração do pai? Então só teremos seres femininos? Ah, mas já existe mulher demais no mundo, é só ver as estatísticas.
O mal da humanidade, desde Adão, é querer ser mais sabida do que Deus. Se Ele fez o mundo assim como é, foi porque só dava deste jeito mesmo. Ele deve ter experimentado vários tipos.
Dispõe de todos os sistemas planetários, de todas as galáxias - e só conseguiu nos fazer tais como somos, com todas as nossas deficiências. Quem sabe mesmo se Deus Nosso Senhor, desgostoso da humanidade tal como é, não suscitou essa invenção de clones para nos eliminar pela total monotonia? Os Seus desígnios são insondáveis. Quem sabe, Ele não quer, com a igualdade geral, acabar com a excrescência que é o pecado, nos fazer todos dóceis e inocentes, como um rebanho de Dollys? Ou, pelo menos, deixar que se separem os bons dos maus, por seleção natural, isto é, por seleção de clonagem; e, pondo os maus de um lado, acabar com eles?
Só ficaremos nós, os bonzinhos; afinal, para todos os humanos, o bom somos nós, o mau é sempre o outro...
Editorial
PIRATARIA, LISTAS NEGRAS E TRUCULÊNCIA
O governo americano aumentou a pressão para que o Brasil combata a pirataria de CDs, fitas gravadas e outras violações de patentes e direitos autorais. Voltou a incluir o País, pela primeira vez desde 1994, na "lista prioritária" dos "países em observação". O governo brasileiro protestou, de imediato, alegando que tem cumprido os compromissos internacionais e realizado um esforço para proteger a propriedade intelectual. Mas Washington considera insuficiente esse esforço, proclama sua insatisfação e brande as ameaças protocolares.
O mundo, segundo os americanos, vai muito mal em matéria de patentes e direitos autorais. Esse descontentamento foi reafirmado, numa rotina seguida anualmente, pelo Representante Comercial da Casa Branca, Robert Zoellick.
Foram divulgadas na terça-feira, em Washington, quatro listas, um patético libelo contra 52 parceiros comerciais. A relação em que aparece o Brasil inclui também União Européia, Hungria, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Uruguai, Egito, Israel, Líbano, Índia, Indonésia, Filipinas, Rússia e Taiwan. Há 33 países numa situação menos grave, apenas sujeitos a "observação". China e Paraguai estão em situação pior, arriscados a sanções imediatas, se cometerem um escorregão. Ucrânia já sofre sanções comerciais e continuará nessa posição, se não se emendar. Qual a base dessa política? É a Lei Comercial americana de 1974, com as emendas incorporadas. Essa legislação, segundo o governo dos Estados Unidos, é compatível com os acordos internacionais sobre propriedade intelectual, patrocinados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Outros países afirmam que as sanções impostas pelos Estados Unidos são unilaterais e esse ponto de vista já foi vitorioso na OMC.
A discussão envolve duas questões muito diferentes. Uma delas é a relação dos Estados Unidos com o mundo. A prática americana é sem dúvida imperial. A divulgação das listas, com as correspondentes ameaças, não passa de uma truculenta exibição de força. Washington não é o tribunal do mundo.
Em relação ao cumprimento de obrigações, não há como negar que o governo brasileiro venha fazendo um esforço respeitável para combater a pirataria e para defender a propriedade intelectual. Ainda recentemente, a Receita Federal ordenou a destruição, no Brasil, de 680 toneladas de material pirateado proveniente do exterior. Cerca de 10 toneladas desse total haviam sido embarcadas em Nova York, segundo o secretário da Receita, Everardo Maciel.
O governo americano reconhece, no relatório, que a proteção à propriedade intelectual tem melhorado, no Brasil, mas afirma que o progresso tem sido insuficiente e que o País ainda não adotou um plano de ação contra a pirataria. É uma declaração temerária, e, de toda forma, o documento divulgado em Washington é uma das piores maneiras de se tratar do assunto. É uma pressão inaceitável, quando um governo reconhece as obrigações internacionais e se esforça, inegavelmente, para cumpri-las. Poucos países têm menos autoridade que os Estados Unidos para esse tipo de cobrança. Na terça-feira, quando as listas foram divulgadas, o Congresso americano se preparava para aprovar, em poucos dias, um escandaloso aumento dos subsídios à agricultura, por meio de uma lei que é uma agressão ao livre comércio.
A outra questão é o interesse do Brasil em combater a pirataria e proteger a propriedade intelectual. Esse interesse é inegável e não decorre apenas de um compromisso internacional. A indústria brasileira também é prejudicada pela violação desses direitos. Além disso, o Brasil tem todo interesse, como economia empenhada em atrair investimentos, em cumprir plenamente as normas internacionais de proteção de patentes. Quanto ao tratamento especial de patentes farmacêuticas, advogado pelo governo brasileiro, foi amplamente apoiado na Organização das Nações Unidas e aprovado também pelos Estados Unidos na conferência da OMC em Doha, em novembro. Não há como negar que o Brasil vem adotando, em relação a patentes e direitos autora is, uma política correta e eqüitativa. Há falhas na execução da política, ninguém nega. Mas o governo vem fazendo o que pode para eliminá-las. A atitude americana em relação a esse problema é de uma deselegância indesculpável.
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05/02/2002
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