Governistas acuados









Governistas acuados
Deputados aliados ao governador Joaquim Roriz vão apoiar pedido de instalação da CPI para apurar denúncias de recebimento de propina contra o colega Odilon Aires. Corregedor da Câmara abrirá processo contra o distrital

Pela primeira vez desde que o governador Joaquim Roriz foi eleito, a abertura de uma sessão extraordinária na Câmara Legislativa resultará em derrota política para o governo. Sem saída, os deputados distritais terão de encarar uma CPI que poderá provocar baixas em aliados de Roriz, incluindo parlamentares da própria bancada governista. Os deputados se reúnem hoje, em sessão extraordinária, às 15h, para discutir o pedido de abertura de investigação contra o ex-secretário de Assuntos Fundiários Odilon Aires.

O deputado distrital (PMDB) é acusado de receber lotes para regularizar condomínios. A acusação partiu do empresário Márcio Passos, envolvido em denúncias de grilagem de terras. A Câmara Legislativa já amanhecerá em clima tenso. Assim que pisar no plenário, às 9h, o corregedor João de Deus (PPB) pedirá o afastamento do ex-secretário da relatoria da CPI da Asefe, que investiga o desvio de dinheiro da entidade para candidatos da esquerda na campanha de 1998.

A suspeita de que teria recebido propina compromete a isenção do deputado para conduzir a investigação da Asefe. ‘‘O bicho vai pegar’’, afirma João de Deus. O corregedor também defende a abertura da CPI e afirmou que votará hoje a favor do requerimento apresentado pelo PT. Apesar do pedido ser da oposição, a maioria governista está convencida de que o melhor é apoiar a investigação.

Retratação
A orientação do líder do governo, Benício Tavares (PTB), é de que todos apóiem a investigação. A tucana Anilcéia Machado e Edimar Pireneus (PTB) já adiantaram que votarão a favor. ‘‘Assinarei o pedido do PT. Estamos todos indignados com a denúncia, que deve ser apurada imediatamente’’, afirma a deputada do PSDB. César Lacerda (PTB) defende até que a iniciativa da CPI deve partir da própria bancada. ‘‘Vou propor à bancada do governo que faça o pedido’’, adianta.

O presidente da Câmara Legislativa, Gim Argello (PMDB), também apoiará a abertura da CPI, embora ele seja um dos alvos da denúncia. Na conversa gravada entre Márcio Passos e Odilon, Gim é citado como outro beneficiado no esquema de recebimento de lotes. Gim não quis dar declarações, mas assessores garantem que ele não pretende se esquivar de levar a investigação adiante.

O deputado poderá colocar ainda hoje, em votação, a abertura da CPI. Porém, brigará por uma retratação de Odilon Aires no plenário. Ele quer que o colega de partido o inocente. Na fita, o ex-secretário lamenta ter recebido 50 lotes, enquanto Gim teria ficado com 300 para colocar em votação uma das etapas de regularização do condomínio Alto da Boa Vista, em Sobradinho. Odilon fará um discurso para se explicar. Jogar a culpa no PT, afirmando-se vítima de uma armação, poderá ser a saída.

Odilon processado
O afastamento de Odilon da CPI da Asefe e o apoio da base governista para a criação da CPI dos Passos não serão os únicos ingredientes a esquentar a sessão de hoje na Câmara. O deputado João de Deus abrirá ainda processo disciplinar contra Odilon na Corregedoria da Câmara. O deputado será investigado por causa das declarações feitas na fita de Márcio Passos. Ele afirmou que na Câmara Legislativa ‘‘só tem ladrões’’.

Odilon Aires não atendeu o celular ontem. A informação de assessores é de que ele cumpriu normalmente a agenda de candidato. ‘‘Enviarei ofício a Odilon, comunicando oficialmente a abertura do processo. Ele terá 72 horas para apresentar defesa’’, diz João de Deus. Se a Comissão de Ética entender que é culpado e o plenário referendar, o ex-secretário poderá até perder o mandato. Odilon terá de esclarecer também as declarações da fita sobre o envolvimento de Gim com grileiros. ‘‘Se ele reafirmar o que disse, caberá um novo processo disciplinar. Desta vez contra Gim, que terá de ser afastado da presidência’’, adianta João de Deus.


Crise provocada por aliado
Nunca uma estréia de um candidato a distrital incomodou tanto antigos aliados políticos do governador Joaquim Roriz. Há mais de um mês, deputados que tentam a reeleição para a Câmara Legislativa já alardeavam descontentamento com a invasão de Pedro Passos (PSD) e da sua avassaladora máquina de campanha a redutos eleitorais até então fiéis a eles. A reeleição de todos ficou ameaçada pelo poderio econômico de Passos e as rixas tornaram-se inevitáveis.

Roriz preferiu o silêncio. Não acreditava que estilhaços poderiam atingi-lo até que o empresário Márcio Passos, irmão de Pedro, tornou pública a gravação da fita que abala a política fundiária do seu governo.

Não foi por acaso que o distrital Odilon Aires (PMDB) acabou escolhido para o primeiro ataque. Há pelo menos dois fortes motivos. O ex-secretário e Pedro Passos ancoram a campanha nos moradores de condomínios — uma multidão que pode chegar a 350 mil eleitores. Odilon trabalhava ainda em dobradinha com o presidente da Terracap, o advogado Eri Varella, que ultimamente era o maior obstáculo aos negócios dos Passos.

Tudo começou porque a Terracap briga para ocupar uma área de 220 hectares reservada à futura QI 29 do Lago Sul. A área, que Eri Varella afirma ser da Terracap, foi cercada e estava sendo parcelada há quatro meses.

O governo ordenou a derrubada das cercas e Varella recebeu envelope anônimo com fotos da operação com um bilhete assinado por Márcio em que se diz prejudicado pelo presidente da Terracap. Assessores de Varella disseram ainda que Passos fez ameaças de morte ao advogado em ligações telefônicas.

A rixa entre Varella e Márcio Passos se agravou com a disputa eleitoral. O presidente da Terracap nunca simpatizou com Márcio e, por outro lado, é amigo de Eurides Britto, ex-secretária de Educação e atual candidata a deputada distrital. Eurides, antiga aliada de Roriz, é uma das que se sentem ameaçadas pela campanha da família Passos. Em Santa Maria, um dos redutos de Eurides, ela foi vaiada e impedida de fazer campanha por cabos eleitorais de Pedro Passos.

Ligações
A briga entre os dois deixava Roriz numa situação delicada. O advogado Eri Varella é um dos homens mais influentes do governo. Faz parte do conselho político do governador, tem acesso livre à residência oficial de Águas Claras, e participa das principais decisões de governo principalmente nos momentos crise. Mas Pedro, o caçula dos quatro irmãos Passos, é amigo pessoal de Pedro a ponto de ter sido avalista de um empréstimo de 1 milhão de dólares que a empresa dos irmãos Passos, a Benvirá Construções e Incorporações, tomou do banco Bamerindus em 1995.

A pesada estrutura de campanha de Pedro Passos, porém, incomodou muito mais aliados de Roriz. Pedro alugou oito caminhões de som para rodar as cidades e contratou uma legião de cabos eleitorais que se tornaram o pesadelo dos outros candidatos, inclusive do próprio partido dele, o PSD.

O candidato Ênio Bastos (PSD), que tenta se eleger com votos de moradores do Condomínio Itapuã, teve o comitê de campanha, no Paranoá, depredado e levanta suspeitas de que foram cabos eleitorais de Pedro Passos. O caso está sendo investigado pela polícia. Os deputados Wilson Lima (PSD) e César Lacerda (PTB), que têm base eleitoral no Gama, reclamavam que os seus cabos eleitorais estavam migrando para a campanha do adversário em troca de salário.


Justiça diz hoje se livra os dois irmãos
Pedro e Márcio continuam foragidos. Legislação não permite a prisão de candidatos 15 dias antes da eleição, a não ser em flagrante. Proc urador eleitoral afirma que parcelamento ilegal não foi desfeito e que o crime é permanente

Noventa e seis horas depois de terem a prisão decretada judicialmente, os irmãos Pedro e Márcio Passos e o topógrafo Vinício Jadische Tasso continuam foragidos. Eles são acusados de parcelar irregularmente uma área de 221 hectares atrás da QI 27 do Lago Sul. O pedido de revogação da decisão, feito ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal por Pedro e Márcio Passos, será julgado hoje à tarde pelo desembargador Edson Smaniotto.

Se a Polícia não agir rápido, os acusados podem ser beneficiados pelo artigo 236 do Código Eleitoral. A lei afirma que nenhum candidato pode ser preso 15 antes da eleição, a não ser que seja flagrado cometendo o crime. Pedro Passos é candidato a deputado distrital pelo PSD.

O procurador regional eleitoral Franklin Rodrigues acredita, no entanto, que a lei possa tumultuar a prisão, mas não impedir. ‘‘Independentemente da decisão do juiz, eles estão parcelando o solo e esse parcelamento não foi desfeito. Significa que eles estão em estado permanente de crime’’, afirma.

A lei beneficia também o eleitor. Segundo o artigo 236, nenhum eleitor pode ser preso cinco dias antes das eleições e até 48 depois. A lei autoriza a prisão somente em casos de flagrante, sentença criminal condenatória por crime inafiançável e ameaça. ‘‘É possível que os Passos usem a lei eleitoral como estratégia para não serem presos nesses períodos’’, acredita o coordenador do Departamento de Polícia Especializada, Domingos Muniz.

Ele não descarta a hipótese de que os irmãos tenham saído de Brasília. ‘‘São pessoas conhecidas e com condições financeiras de deixar a cidade a qualquer momento’’, afirma. Segundo ele, a Polícia está reunindo pistas que possam indicar lugares onde os irmãos possam ter se escondido. A Divisão de Inteligência Policial foi acionada para agilizar o trabalho. ‘‘Diariamente, recebemos denúncias de onde eles possam estar. Todas estão sendo checadas, mas o trabalho é demorado. Para sair daqui com nossa equipe temos de ter um indício forte de um esconderijo’’, explica Muniz.

A Delegacia de Capturas e Polícia Interestadual (DCPI), que assumiu as buscas somente na sexta-feira à tarde por causa de entraves burocráticos, colocou 36 policiais na rua atrás dos irmãos e do topógrafo. ‘‘Estamos trabalhando 24 horas’’, garante Muniz. Na manhã de quinta-feira, a Delegacia Especial do Meio Ambiente (Dema) esteve na casa dos Passos acompanhando os oficiais de Justiça encarregados de fazer a prisão. Os irmãos, no entanto, já haviam fugido.

O mandado de prisão foi expedido pelo juiz Pedro de Araújo Yung-Tay Neto, da 1ªVara Criminal, às 20h do dia anterior. Como a lei garante que ninguém pode ser preso dentro de casa entre as 20h e as 6h, a prisão foi marcada para a manhã do dia seguinte. Os oficiais acionaram, então, a Dema. Mas, como os irmãos não foram encontrados e o mandado dava poderes aos oficiais, a Dema encerrou sua participação no caso. O Ministério Público teve de pedir ao juiz que determinasse diretamente à Polícia a execução da prisão. O novo mandado só foi expedido na sexta-feira, quando a DCPI assumiu o comando do caso.

Pedro e Márcio Passos recorreram da decisão do juiz Pedro Araújo. Eles entraram com um pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça do DF. A decisão será julgada hoje pelo desembargador Edson Smaniotto. ‘‘Julgarei o pedido amanhã (hoje) à tarde’’, disse ele ontem, ao Correio.


Secretaria derrubou parecer da Terracap
Terrenos onde se pretende implantar dois dos quatro condomínios fantasmas que foram beneficiados por projetos de lei da Câmara Legislativa eram apontadas como públicas. Mas Seaf considerou que terras eram de propriedade particular

Em fita de vídeo gravada pelo empresário Márcio Passos, o ex-secretário de Assuntos Fundiários, Odilon Aires, denuncia a existência de cobrança de propina para a regularização de condomínios. Ele diz ainda que a secretaria que ocupou por quase três anos só tinha ‘‘rolo’’.

Dois dos quatro condomínios fantasmas beneficiados pelos distritais — Mansões do Lago, Mansões Alvorada, Residencial Belo Horizonte e Privê Morada Sul Etapa C — tiveram um empurrãozinho amigo por parte da secretaria de Odilon. As terras onde ficam o Privê Morada Sul Etapa C e o Mansões Alvorada são disputadas por pessoas ligadas aos Passos.

Os supostos proprietários receberam, da Secretaria de Assuntos Fundiários (Seaf) pareceres segundo os quais as terras dos condomínios não tinham sido desapropriadas. O problema é que a Terracap considera os terrenos públicos. Os pareceres foram assinados por Adelino Marinho, considerado um dos maiores especialistas em terras de Brasília.

Foi o mesmo Adelino que aprovou, em 1994, o acordo de divisão amigável de terras pelo qual a Terracap perdeu 72 alqueires para o condomínio RK, em Sobradinho. O RK, segundo a CPI da Grilagem, pertence aos Passos. Existem outras ‘‘coincidências’’ nas histórias dos dois condomínios.

Riquelme Londe Alves, o homem que ‘‘vendeu’’ a área do Privê Etapa C para o comerciante Evaldo Fernandes da Silva, era dono da empresa Atecar, que cobrava prestações de lotes em condomínios da região de Sobradinho. O endereço da empresa, na comercial da 311 Norte, era o mesmo fornecido por outra pessoa importante nessa história, Maria Cristina de Souza, em ações judiciais de cobrança do mesmo tipo.

Lei fraudada
Maria Cristina é simplesmente a suposta dona da área onde se pretende implantar o condomínio Mansões Alvorada, o quarto condomínio beneficiado pelos deputados distritais. Existem indícios de que a lei que trata do índice de ocupação desse condomínio também foi fraudada.

Maria Cristina ‘‘comprou’’ a posse de 30 hectares na área, em agosto de 1999, de Francisco José de Moraes Júnior, apontado como grileiro pela CPI da Grilagem, em 1995. Uma das testemunhas da compra foi Walmar de Almeida Passos, filho de Márcio Passos.

Cerca de 250 pessoas que compraram lotes no Mansões Alvorada suspeitam que os terrenos estejam sendo vendidos novamente por Maria Cristina. O problema é que ninguém nunca viu Maria Cristina, que tem cerca de dez endereços diferentes em vários processos em tramitação no TJDF.

‘‘Dizem que ela existe, mas eu mesma nunca vi’’, disse a síndica do condomínio formado pelos compradores de lotes no Mansões Alvorada, Dilma Teixeira Santos Ramos. Maria Cristina tem outra ligação com os Passos. Ela é testemunha de Eustachio Passos em um processo contra o condomínio Vivendas Colorado, em Sobradinho.

Pedro Passos Jr., procurado para comentar a relação da família dele com as pessoas que aparecem em documentos relativos aos condomínios Belo Horizonte, Mansões do Lago, Privê Lago Sul Etapa C e Mansões Alvorada (antes do mandado de prisão contra ele e o irmão Márcio), se recusou a falar. Riquelme, Maria Cristina e Evaldo não foram encontrados.


Convite de Roriz reúne 80 mil
No comício do governador peemedebista no Eixão, a multidão se dividia entre fãs de Roriz e funcionários das secretarias convocados a comparecer com os uniformes da campanha

A escolha da data foi proposital. Ontem, 15 de setembro — número da coligação da Frente Brasília Solidária —, o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, realizou seu maior comício em busca da reeleição. Foi uma operação combinada há mais de uma semana. Mas deveria soar como uma demonstração de amor espontânea do eleitorado. A intenção era reunir 100 mil pessoas no Eixo Sul, a altura da quadra 110. Por isso, comitês e repartições públicas encarregaram-se de mobilizar o maior número de pessoas possível.

O comício foi divulgado aos meios de comuni cação como uma simples caminhada. No local, entretanto, três trios elétricos serviram de palanque para o governador, o presidenciável José Serra e as respectivas vices. De acordo com o comandante geral da Polícia Militar, coronel Ruy Sampaio, uma multidão de 80 mil pessoas esteve no local agitando bandeiras azuis, laranjas e amarelas. Convidado em cima da hora, Serra interrompeu uma viagem a Minas Gerais para aproveitar o prestígio político de Roriz. O candidato à presidência chegou ao DF de madrugada e às 14h já embarcava de volta ao estado. ‘‘Tenho certeza que Roriz vai ganhar no primeiro turno’’, discursou o presidenciável. O governador retribuiu a gentileza: ‘‘Só quero ser governador se Serra for o meu presidente’’.

Pouco antes do comício, centenas de ônibus provocaram um engarrafamento de 15 minutos no Eixinho W. Os moradores das regiões mais pobres do Distrito Federal vieram para a Asa Sul de ônibus fretados. Alguns tomaram café e comeram sanduíche de pão, queijo e presunto nos comitês de Roriz antes de partirem para a festa azul e branca.

Não foi o caso da desempregada Cláudia da Silveira, 29 anos. Veio de Santa Maria só para ver o governador. Ela juntou 42 amigos para participar do evento. ‘‘Fui na administração de Santa Maria e pedi um ônibus para vir para cá’’, conta. ‘‘Lá, eles dão ônibus à vontade para quem quer participar dos comícios do governador’’.

Tinha até gente do ‘‘lado vermelho’’ no evento. A contra-gosto, diga-se de passagem, mas acompanhando a passeata. É o caso da funcionária pública Gabriela (nome fictício), 32 anos. Ela não é — nem nunca foi — eleitora de Roriz. Vota em Ciro Gomes (PPS) para presidente e em Geraldo Magela para governador (PT). Mas teve de ir para evitar perseguições políticas na secretaria onde trabalha.

Camisetas
Gabriela e os colegas de emprego foram “convidados’’ a participar do comício, na segunda-feira passada. Um dos chefes avisou o grupo, durante reunião, da importância de marcar presença. Deixou claro: quem faltasse, não teria o mesmo tratamento que os demais. Na quinta, todos receberam camisetas do governador para usar no evento. As cores da blusa, explica Gabriela, variam de acordo com a secretaria onde a pessoa trabalha. Os chefes controlam a assiduidade dos servidores pela cor da camiseta.

Pelo menos no serviço de Gabriela, ninguém foi obrigado a assinar lista de presença durante o comício. A estratégia era ser visto pelos outros colegas. De preferência pelo chefe ou alguém com cargo de confiança.

Dois funcionários do Metrô procuraram, no sábado, o diretório do Partido dos Trabalhadores para denunciar que foram coagidos a participar do comício de ontem. Contaram que chefes de departamento passaram de sala em sala pedindo que os funcionário confirmassem presença no evento, por meio de uma lista. Aqueles que resistiam eram ameaçados. ‘‘Você é quem sabe, mas não vou conseguir segurar sua onda’’, teria dito um dos chefes.

Os dois funcionários prestam serviço na sede do Metrô, que fica em Águas Claras. Eles não são concursados, portanto não têm estabilidade. Eles contam que os colegas de trabalho ficaram de se reunir na 210 Sul, antes do início da caminhada. Lá, receberiam um kit com boné, camiseta, bandeira do governador. Além disso, receberam a promessa de um dia de folga durante a semana.

Os advogados do PT levarão os funcionários do Metrô para prestar depoimento, hoje, no Ministério Público Eleitoral. A identidade de ambos será mantida em sigilo.


Foragido, Passos mantém campanha
Foragido da Justiça há cinco dias, o candidato a deputado distrital pelo PSD Pedro Passos não tem mais aparecido para seus compromissos de campanha. No entanto, seus cabos eleitorais a mantêm nas ruas de Brasília. Na manhã de ontem, os correligionários e simpatizantes montaram uma grande estrutura para levar o nome do candidato ao comício do governador Joaquim Roriz, candidato à reeleição pelo PMDB, e do presidenciável José Serra, do PSDB, no Eixo Rodoviário Sul.

Antes de se integrar ao comício de Roriz e Serra, o pessoal de Pedro Passos fez uma carreata. O comboio com cerca de cem veículos, entre carros de passeio, vans, caminhonetes, ônibus e trio elétrico, saiu do Conic (Setor de Diversões Sul), cruzou todo o Eixinho W e retornou pelo Eixinho L até a altura da quadra 209 Sul. Ali, os cabos eleitorais do candidato a distrital seguiram a pé e se somaram aos demais partidários do governador e o ex-ministro da saúde.

Os simpatizantes de Passos fizeram questão de ‘‘colar’’ a imagem do candidato a distrital à do governador. Vários carros levavam cartazes com fotos onde os dois aparecem abraçados. Militantes carregavam fitas e bandeiras de Roriz, além de usar camisetas de campanha. Em cima do trio elétrico, um locutor insistia: ‘‘Passos é o amigo da cidade. E o amigo de Roriz é Passos.’’ Um dos jingles de campanha, que tocava seguidas vezes, também associava o nome Passos a Roriz.

Segundo um dos coordenadores da campanha de Passos, Rosil Alves ‘‘a carreata era em solidariedade e pela confiança que temos na pessoa dele’’. Questionado por onde anda o candidato, Rosil desconversou. ‘‘Nós não sabemos. Estamos aqui apenas trabalhando para ele’’, disse. O coordenador disse apenas que advogados do empresário estão recorrendo do mandado de prisão. O candidato é acusado pelo Ministério Público do DF de envolvimento na criação de um condomínio residencial ilegal na QI 27 do Lago Sul.


Artigos

Da transcendência no recurso de revista
Arnoldo Wald e Ives Gandra Martins

Há muito já se diagnosticou a crise dos tribunais superiores brasileiros. Transformados em cortes de amplíssima revisão das decisões das instâncias inferiores, encontram-se na iminência da inviabilidade funcional. A essa constatação, adicionam-se os relatos acerca da pletora de recursos julgados a cada ano e dos números igualmente fantásticos de feitos que aguardam processamento. Para fazer frente a essa circunstância, engendrou-se, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, um promissor instrumento cuja legitimidade encontra-se sob exame do Supremo Tribunal Federal.

A Medida Provisória nº 2.226, de 4 de setembro de 2001, introduziu novo pressuposto de admissibilidade do recurso de revista. Esse novo requisito para o processamento do recurso do revista pelo Tribunal Superior do Trabalho consiste na necessidade de demonstração de que o caso a examinar possui ‘‘transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica’’. Pretende-se, com isso, que a jurisdição daquele tribunal alcance as questões que efetivamente correspondam a uma necessidade pública de eliminação de controvérsias e fixação definitiva do direito que rege a matéria, relegando à decisão das instâncias inferiores aquelas causas vinculadas tão-somente ao interesse particular e imediato das partes em uma ação.

Ao contrário do que sustentam alguns, essa inovação não parece incompatível com a Constituição da República. Efetivamente, o 3º do art. 111 do texto constitucional confere à lei a disciplina da competência do Tribunal Superior do Trabalho — o que, de resto, é válido para toda a Justiça do Trabalho, nos termos do art. 113 da Carta Magna. Assim, é forçoso reconhecer que as matérias e os recursos a serem apreciados pela corte serão somente os elencados em lei, inexistindo, portanto, um direito constitucional ao recurso de revista. Ora, se a própria existência do recurso de revista está a depender da deliberação do legislador, parece evidente que nenhuma inconstitucionalidade haverá em conformá-lo de maneira mais ampla ou mais restrita. A introdução de um requisito de admissibilidade do recurso de revista, destarte, jamais configuraria uma ilegitimidade.

Em verdade, dada a óbvia impossibilidade material de que os tribunais superiores reexaminem as decisões das instâncias inferiores, a verdadeira questão institucional passa a ser a correspondente à eleição dos critérios de seleção dos processos cujo reexame será admitido. Nesse sentido, a exigência de ‘‘transcendência’’ econômica, política, social ou jurídica do recurso de revista apresenta inúmeras virtudes.

Ao examinar a transcendência da causa, estará o tribunal a selecionar processos segundo a relevância e a repercussão geral do mérito das controvérsias jurídicas e não em razão de um vício ou exigência meramente procedimental. Privilegia-se assim a função última da jurisdição de qualquer corte superior: promover a interpretação definitiva das normas em vigor e garantir a segurança jurídica.

O exame de matérias de interesse geral enseja ainda verdadeira democratização da prestação jurisdicional. É sabido que os custos para a manutenção de um processo judicial, em particular para sua adequada condução até um tribunal superior, tornam-se impeditivos para a larga maioria dos jurisdicionados. Se, contudo, a jurisdição do Tribunal Superior do Trabalho restar reservada às causas dotadas de repercussão geral, cada caso apreciado pela corte servirá de paradigma para a solução imediata, nas instâncias inferiores, de incontáveis demandas, promovendo a imediata e menos onerosa solução de litígios.

A exigência de transcendência ou repercussão geral das questões a serem examinadas introduz também claríssima ampliação da eficiência na atuação do Judiciário laboral. Ao se considerar o potencial efeito multiplicador de determinadas controvérsias como um dos requisitos para admissão do recurso de revista, está-se a otimizar a relação entre os custos e as prestações do sistema judiciário. Amplia-se a produtividade dessa prestação estatal positiva e promove-se a adequada racionalização de seu custo, em inegável conformação a uma ordem jurídica que consagra princípios e regras de responsabilidade fiscal.

É também manifesto que o requisito da transcendência do recurso de revista responde a uma exigência funcional do próprio sistema judiciário. Tal argumento não se reduz, entretanto, a uma concessão pragmática. Deveria ser indene de dúvidas que a viabilidade funcional de nosso sistema judiciário e, sobretudo, de nossas cortes superiores constitui um princípio constitucional implícito. Trata-se de decorrência necessária do Estado de Direito e de princípios como a máxima efetividade das normas constitucionais e dos direitos fundamentais. Assim, um sistema judiciário estruturalmente moroso, assimétrico em relação às partes e incapaz de processar as demandas a ele oferecidas afigura-se incompatível com a ordem constitucional, que determina que o Estado seja eficiente.

Igualmente não se vislumbram razões para um eventual receio de que a verificação da transcendência do caso a decidir converta-se em um juízo arbitrário. Para preveni-lo, basta a introdução de regras adequadas de organização e procedimento. Essas garantias procedimentais mínimas já se encontram previstas na própria medida provisória, sob a forma da exigência de sessões públicas e do direito à sustentação oral e à fundamentação das decisões.

Cuida-se, em síntese, de um esforço no sentido de assegurar a viabilidade funcional e a relevância sistêmica do Tribunal Superior do Trabalho, maximizando a eficiência e o alcance social da prestação jurisdicional. A introdução de um tal mecanismo de flexibilidade e experimentalismo institucional — claramente compatível com a legitimação do legislador ordinário para conformar a competência daquela corte — deveria contar com a pronta disposição dos operadores do direito para submetê-lo ao teste de consistência e eficácia. Por fim, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal essa clara abertura normativa que a Constituição da República oferece, estar-se-ia a possibilitar profunda e substantiva revisão de nosso Judiciário laboral sem prejuízo da aprovação da proposta necessariamente longínqua e complexa de reforma constitucional.


Editorial

REFÉM DOS PASSOS

O que se deve esperar de um governador que se pretende sério, responsável e ético acima de tudo? Espera-se de um governador assim que atue com rigor e sem vacilação diante de qualquer fato capaz de ameaçar a credibilidade de sua administração — e a dele própria. Um governador com tal comportamento não convive com auxiliares nem aliados suspeitos de corrupção. E diante de uma eventual denúncia de corrupção, não pensa duas vezes: manda apurá-la sem dó nem piedade.

Gaba-se Joaquim Roriz de ser um governador com esse perfil — sério, responsável e ético acima de tudo. Mas não raras vezes o modo como procede pouco tem a ver com o perfil que julga ter. Certa vez, um bicheiro foi à Justiça e contou ter ajudado a financiar a última campanha de Roriz. Narrou em detalhes como fez isso, arrolou testemunhas, deu o nome de quem entregava o dinheiro mensalmente ao candidato e relembrou os dois encontros que teve com ele.

Até hoje o governador não disse uma palavra em público sobre a denúncia do bicheiro. Como sempre, seus porta-vozes falaram por ele e procuraram desqualificar o autor da denúncia. No caso do bicheiro, a tarefa era fácil porque ele exercia uma atividade ilegal, embora tolerada pelo Estado. Está mais difícil, agora, desqualificar o autor da denúncia sobre propinas pagas a integrantes do governo em troca da regularização de condomínios. Porque o autor atende pelo nome de Márcio Passos.

Márcio Passos disse ao Correio possuir mais de cem fitas de vídeo gravadas com conversas mantidas por ele e seu irmão Pedro com deputados e secretários do governo. Em resposta à pergunta sobre se gravou ou não alguma conversa com Roriz, disse que gravou ‘‘todo mundo’’. Citou os ex-secretários Odilon Aires e Tadeu Filippelli, candidatos a deputado, e o secretário Weligton Moraes, da Comunicação. As tais fitas provariam que a corrupção atingiu o coração do governo Roriz.

‘‘Se tivesse passado (para o Correio) o material integral, a essa altura já estaria morto’’, afirmou Márcio Passos antes de se tornar um foragido. O que ele disse é grave. Gravíssimo. O Ministério Público não pode ficar inerte diante de tudo isso. Ninguém de bem pode ficar inerte.

E por que nenhum assessor de Roriz investiu furioso contra Márcio Passos até agora? Por que nenhum porta-voz do governo tentou ainda desqualificá-lo? Por que o governador, em comício realizado ontem no Plano Piloto, não aproveitou a ocasião para comentar o assunto diante de milhares de pessoas? Perdeu uma chance preciosa de refutar a denúncia de Márcio Passos. Ou de no mínimo dizer que deseja vê-la investigada. Em vez disso, atacou este jornal e a honra dos que o dirigem.

É conhecida a íntima relação do governador com os irmãos Passos. Roriz foi avalista deles em um empréstimo de um milhão de dólares em valores da época que nunca foi inteiramente pago ao extinto banco Bamerindus. No mandato ora em curso, Roriz fez questão de condecorar Pedro Passos duas vezes com medalhas oficiais. Ambos foram ou ainda são sócios informais na criação de cavalos de raça. Sempre que podem, se reúnem em Águas Claras ou em eventos festivos.

Como poderia o governador ou seus auxiliares baterem de frente em pessoas tão amigas como os Passos, em correligionários de todas as horas, em parceiros tão leais e dedicados? Outra razão para fingirem que tudo não passa de birra deste jornal com o governo é o medo desatado pela coleção de fitas de Márcio Passos. A se julgar pelo conteúdo da única divulgada até aqui, a coleção pode ser nitroglicerina pura. E Márcio ameaça detoná-la caso ele e seu irmão sejam presos.

Eles estavam soltos quando Márcio deu a fita ao jornal. E não imaginavam que um dia sua prisão preventiva acabaria decretada. Há muitos anos que os Passos driblam acusações de grilagem, se livram dos rigores da lei e escapam da Justiça. A intenção de Márcio ao liberar a publicação da fita com as confissões de Odilon Aires era a de meter medo no governo e tentar melhorar as chances do irmão Pedro de se eleger deputado distrital. Meteu medo!

Pedro, Odilon e outros correligionários de Roriz disputam votos em áreas comuns do Distrito Federal. O jogo entre eles estava pesado. E Pedro se queixava de não estar tendo todo o apoio prometido pelo governador. Temia perder a eleição. Ou ter menos votos do que Odilon. Se a prisão dos irmãos Passos não tivesse sido decretada, tudo indica que acabariam por buscar um acerto com Roriz e deixariam para lá essa história de fitas explosivas. Afinal, todos eles remam no mesmo barco.

A ordem de prisão frustrou o plano original dos Passos. As fitas passaram a ser o trunfo que eles pensam ter para se livrar da cadeia. Ocorre que por mais que possa, e pode muito, o governador não manda no juiz escalado para decidir se confirma ou se revoga a ordem de prisão dos dois irmãos. Roriz manda na polícia. E não se sabe bem por que ela só saiu à caça dos Passos 48 horas depois de a ordem de prisão ter sido assinada. A demora no cumprimento da ordem facilitou a fuga deles.

De algum lugar, em segurança pelo menos até ontem à tarde, os Passos deram um ultimato ao governador: ou ele usa sua influência junto à Justiça para salvá-los da prisão ou novas fitas serão divulgadas a conta-gotas. Tudo que Roriz queria era chegar em paz ao próximo dia 6 para se reeleger com folga. Aqui estávamos tendo algo parecido com ‘‘Rorizinho paz e amor’’. A situação mudou por obra e graça exclusivas dos irmãos Passos. E Roriz virou refém deles e de sua coleção de fitas.


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09/16/2002


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